domingo, 3 de maio de 2020

Por que a Arte nessa época de pandemia?

Autora: Clarissa Lago(*)

Nesse tempo de covid19; as pessoas para conseguirem sustentar o isolamento social, buscam suas respectivas sublimações. A sublimação faz-se necessária; afinal é ela quem irá fazer a "sutura" no Real; é a sublimação que consiste em desviar o trajeto da pulsão - e nesse momento a pulsão de morte -, por um outro objetivo de valor social. As realizações culturais e artísticas, são expressões sociais das pulsões sexuais desviadas de seu objetivo. 

Assim, uma das sublimações possíveis vem via a Arte. 

A arte é projeção imperiosa de um sentimento, de uma ideia ou de uma imagem, que, uma vez exteriorizado, se cristaliza numa forma perceptível e sugestiva, isto é, numa forma que faz fantasiar e vibrar quem capta.

Esta forma, segundo Nasio (2017) pode ser visível, palpável, audível, olfativa, gustativa ou até evocadora, como muitas vezes temos não só em um texto literário como também no teatro em que as vibrações de seu conteúdo se harmonizam com as vibrações de nossos sentimentos, pensamentos, palavras, como a se a música do texto ressoasse uníssono com a nossa própria música interior.

A arte se organiza em torno do vazio, em afinidade com a histeria e com a operação de recalque, a religião evita esse vazio, em afinidade com a neurose obsessiva e com a operação de deslocamento e a ciência, por sua vez, não acredita neste vazio, em acordo com a paranoia e com a estratégia da foraclusão. (REGNAULT, 2000,p.16)

A arte é o resultado infalível da luta obstinada entre um artista que deseja expulsar de si uma imagem mental que o obceca e a matéria que se lhe resiste. A arte nasce da resistência, vive da luta e renasce até o infinito. (NASIO, 2017;p.116) eis dentre tantas interseções com o ofício do psicanalista. A psicanálise também é o resultado infalível de luta obstinada que uma analisante juntamente com seu analista apostam nesse desejo de expulsar de si uma imagem metal que o obceca e uma matéria que resiste. Cabe sempre ao praticante da psicanálise, seja ele analisante ou analista insistir e persistir, uma psicanálise é árdua, faz sofrer, sangrar, doer, fazer a travessia fantasmagórica no plano mental, mas o encontro com o Real, nunca é possível, apenas na psicose. 

Freud em seu texto: Personagens psicopáticos no palco(2015(1942)[1905-06]) nos abriu um vasto campo de pesquisa, que cada vez mais convoca a nós psicanalistas para continuarmos ampliando esta potente intersecção entre o campo da arte e o da Psicanálise. O artista e nós psicanalistas interpelamos as lógicas de significação instituídas tentando abrir frestas nas formas compactas do que constituem o mundo e nossos sintomas, para que novos sentidos e novas imagens surjam.

Freud sempre foi incansável nesta busca e cabe a nós dar continuidade a esta tarefa. A arte, como nos lembra Sousa (2015) cumpre a função de uma espécie de curativo do vazio, vazio que não cicatriza. 

*CLARISSA LAGO




















-Psicanalista;
Graduada em:
-Psicologia pela Universidade Salvador (UNIFACS);
-Pedagogia - Licenciatura Plena e Habilitação em Educação Orientação Educacional & Vocacional pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL);
-Mestre em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA); e
-Especialista em Psicopedagogia pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL);
-Atualmente exerce o ofício de psicanalista e supervisora clinica em psicanálise
Twitter: @LagoClarissa
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