terça-feira, 24 de outubro de 2023

Direitos de Construir e do Meio Ambiente e a Saúde


 Luiz Fernando Rodrigues (*)

         

Os jornais de todo o país, noticiam a mudança do plano diretor de diversas cidades, tendo como ponto comum, a autorização para aumentar o direito de construir, elevando o patamar das construções existentes. As construtoras de fato tem o direito de construir, conforme previsto no artigo 1.228 do Código Civil que assegura ao proprietário a faculdade de usar e dispor do que lhe pertence, como lhe aprouver, no entanto, esse direito não é ilimitado, posto que, deve respeitar o direito de vizinhança e os limites impostos pela administração pública, como disposto no artigo 1.229 do Código Civil.

Assim surge a indagação da válidade jurídica dos planos diretores aprovados pelas respectivas câmaras municipais e sancionadas pelo poder executivo. No aspecto formal, com o respeito do respectivo quórum na casa das leis e prévias discussões com a sociedade e o sancionamento pelo chefe do executivo, nos parece que cumpre o requisito formal de legalidade, agora no que tange aos aspectos materiais da aprovação dessas alterações do direito de construir, elevando o patamar da construção na altura dos empreendimentos, parece-nos que fere diversos dispositivos constitucionais, que garatem a saúde e o meio ambiente.

O direito de construir deve respeitar, preceitos constituicionais que garatem a saúde, que é um direito de todos e dever do Estado, que tem a obrigação de garantir mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, com fulcro no artigo 196 da Constituição Federal.

É notório do ponto de vista da saúde o que os espigões que estão sendo construídos são capazes de causar de maleficios a saúde do ser humano, por evitar a passagem solar para prédios vízinhos, causando umidade nos prédios e casas atingidos pela sombra fruto da ensolação, que causa diversos males ao sistema imunológico com o avanço de doenças respiratórias, outro aspecto negativo no ponto da saúde é a obstrução da ventilização, que causa um efeito de calor nas unidades que perdem o vento ou a formação de corredores de vento que antes se dissipavam naturalmente, que podem afetar a saúde dos moradores de prédios vizinhos às novas construções.

Para piorar a situação, o que se tem visto é a aprovação dessas modificações do plano diretor das cidades contemplando regiões já valorizadas, com infra-estrutura pronta o que atende a ansia das construtoras, promovendo verdadeira especulação imobiliária que cada vez mais encarece o metro quadrado dos empreedimentos e no que pese o aumento da oferta, acaba expulsando dos bairros as pessoas com menos condições financeiras. Não é raro, se verificar a compra de prédios de até 05 andares para demolição, nas áreas mais valorizadas, causando evidente impacto ambiental, seja pela destruição do que já foi construído e servia de moradia, seja pelos resíduos que serão gerados e materiais gastos para o novo empreendimento, tudo a colaborar com o efeito estufa, afetando a qualidade de vida das pessoas e severamente o meio ambiente.

De fato, os planos diretores deveriam procurar a valorização de áreas degradadas, de valor do metro quadrado mais barato, para promover e incentivar a construção de novos empreendimentos, que visassem a interligação dos meios de transporte urbano e coletivo, perto dos locais de maior densidade urbana, evitando deslocamento com veículos particulares e incentivando o uso de bicicletas, para minimizar os impactos ambientais e o efeito estufa que nos atinge e tende a trazer em breve diversas calamidades ambientais ao redor do mundo, além de promover o desenvolvimento social de locais menos valorizados.

Na obra "A luta pelo Direito" de Rudolf Von Ihering o autor afirma que: " O fim do direito é a paz, e o meio de atingi-lo é a luta" (Ihering, 2019, p.25) não raro, essa luta pode ser por um direito subjetivo, pela ausência de norma jurídica que o defina, ou até mesmo contra a própria norma posta quando for a fonte violadora do direito, como nos parece no presente caso, por isso, a importância do conceito de corresponsabiliade lançado pelo jurista que afirma : "Todo o indivíduo é um combatente que luta pelo direito no interesse da sociedade" (Ihering, 2019, 63).

A Declaração Universal dos Direitos dos Homens, aprovada em 10 de dezembro de 1948, é fruto de consenso obtido com a experiência histórica do reconhecimento dos direitos humanos, ocorrendo a partir de então, verdadeiro desenvolvimento dos direitos humanos, tendo como foco o reconhecimento dos direitos do homem, depois,multiplicando-se consensos do direito do homem e suas particularidades e assim continuamos avançando para a proteção do meio ambiente.

Para Norberto Bobbio a Declaração Universal dos Direitos do Homem não é um ponto de chegada, ao contrário, é apenas o início de um longo processo cuja realização final ainda não somos capazes de prever (Bobbio 2020, p 30), nesse sentido, Danilo de Oliveira, sustenta que "seja sob a perspectiva quantitativa, seja sob qualitativa, ela não é definitiva quanto ao seu próprio conteúdo. Isso porque mudanças de ordem social, ambiental, o constante e rápido avançao das comunicações por meio de novas tecnologias, certamente impactarão na forma de organização da própria vida humana." (Oliveira, p. 26)

Dessa forma nossa Constituição Federal incorporou diversos preceitos que visam a garantir os avanços da proteção aos direitos do homem, em pleno desenvolvimento da efetiva proteção da dignidade da pessoa humana como fundamento da Republica Federativa do Brasil, assim temos a questão da função social da propriedade prevista no artigo 5º, inciso XXIII, onde o interesse coletivo prevalece sobre o individual; no artigo 170, inciso II, que determina que a ordem economica observará o principio da função social da propriedade que foi regulamentado pelo artigo 1.228, parágrafo 1º do CC .

Os direitos de vizinhança vedam o mau uso da propriedade, ex vi do artigo 1.227 do CC que protegem a segurança, a saúde e o sossego dos que a habitam, sendo ampliados os direitos de defesa do meio ambiente à luz da Lei 6.938/1981, exigindo do cidadão uma postura não mais negativa e sim positiva, como leciona Herman Benjamin (Bejnami 1993. P56), ao afirmar que "a função ambiental privada, não mais se contenta com um simples comportamento negativo e passou a requisitar um atuar positivo, no sentido de efetivamente cumprir um munus que vai além do mero não poluir: o dever de defender, o dever de repar e o dever de preserverar".

Com essa linha de pensamento desenvolvida no presente texto, convidamos os leitores a reflexão da necessidade de lutarmos por nossa saúde e meio ambiente(Ihering), participando com mais efetividade das discussões de diretrizes gerais da politica urbanda elencada no Estatuto da Cidade, artigo 2º, incisos I e II, visando uma efetiva democracia participativa na gestão de cidades sustentáveis e quando não for possível, diante do texto de lei posto, que questionemos judicialmente as aprovações das alterações do uso do solo permitindo a construção de edifícios cada vez mais altos em detrimento ao meio ambiente e a sáude, procurando a efetividade de nossos direitos (Bobbio), a fim de defendermos um legado para futura gerações, conforme determinado pela Carta Magna no artigo 225.

BIBLIOGRAFIA:

BEJJAMIN, Antônio Herman, Função Ambiental, prevenção, reparação e repressão, São Paulo, RT 1993;

Bobbio, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho, LTC 2020;

Ihering, Rudolp von. A luta pelo direito. Tradução e notas de Edson Bini. Edipro 2019; e

Oliveira Danilo, Hermeneutica do Desenvolvimento, Editora Matrioska, 2023.


*LUIZ FERNANDO AFONSO RODRIGUES
















-Advogado graduado pela UNIMES (1993):

-Mestre em Direito Civil pela PUC (2006); e

 - Professor Universitário na UNISSANTA,  ESAMC e UNIP


Nota do Editor:

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