Autor: Luiz Eduardo Corrêa Lima
Nos meus quase 70 anos de vida, pelo menos 50 deles, passei na condição do exercício da função de professor e acredito que isso me permite algum cacife para falar um pouco dessa condição profissional. E quero dizer mais, porque diferentemente de muitas pessoas que conheço e com quem convivi "profissionalmente", eu não sou professor por acaso ou por contingência. Eu sou professor por vontade e por formação.
Quer dizer, eu não fui ministrar aulas por uma condição situacional momentânea, nem para transferir conhecimentos de determinada área que eu conhecia, nem para resolver questões econômicas momentâneas e muito menos porque eu tenha sido amigo de algum dono de escola. Certamente não foi por nada disso. Eu estudei e me formei especificamente para me tornar professor ministrar aulas, formar e educar pessoas. Isso mesmo formar e educar pessoas. Entendo que: "o professor é o profissional que ajuda a formar as pessoas através do investimento no progresso e no aprimoramento das condições educacionais dessas pessoas, além de trabalhar na busca de instruí-las, mais efetivamente em determinadas áreas específicas do conhecimento" (L.E.C. LIMA,2023).
Para entender melhor a frase acima, vou ter que discutir um pouco sobre algumas palavras (alguns verbos) que as pessoas usam, mas que a grande maioria, efetivamente não entende e consequentemente não sabe o devido significado. Os termos em questão são os seguintes verbos (ações): Educar, Disciplinar, Doutrinar, Instruir e Orientar. Acredito que a perfeita distinção entre esses conceitos é preponderante para o bom exercício do Magistério.4
No passado, relativamente recente, se dizia que "Educar é preparar para a vida". Embora o chavão seja um tanto velho, certamente ainda é a melhor maneira que conheço para definir o verbo Educar. Educar é exatamente isso, porque educar é colocar o indivíduo humano (pessoa) em condições de ser capaz de viver a sua vida, seja ela qual for, da melhor maneira possível. Entretanto a vida é dele e só ele deve ser capaz de decidir sobre suas consequências. Mas, essa é outra questão, que não será discutida neste momento.
Educar não é apenas dar um trabalho, não é somente fornecer cultura e nem visa unicamente tratar de garantir boa condição social para as pessoas, mas é um pouco de tudo isso, além de tentar permitir que o indivíduo seja capaz assumir responsabilidades e de escolher o que é melhor para sua vida por conta própria, sem comprometer os demais membros da sociedade. Ou seja, educar é investir em humanizar mais o indivíduo, visando transformá-lo numa pessoa com condições progressivamente melhores. Cada grau superado na escala educativa é uma avanço na sua condição social e ética (humana), laboral e profissional (funcional). A sociedade se enriquece e a humanidade agradece com o incremento de indivíduos mais educados.
Um sujeito educado é aquele que consegue viver, servir e conviver numa sociedade por si só, com boa visão dos problemas socioambientais e que atende as regras legais e aos padrões morais e éticos dessa mesma sociedade em que está inserido. Parece incrível, mas hoje esse tipo de sujeito acima descrito é bastante raro, haja vista que as sociedades estão viciadas em maus costumes e que, deste modo, sempre existe alguém muito mal estabelecido em, pelo menos um desses aspectos supracitados. Na verdade, infelizmente, grande parte da sociedade vai muito mal em mais de um desses aspectos e isso acontece exatamente por nossa imensa falta de educação.
O professor é um sujeito que, necessariamente, tem que possuir boa educação, mas não temos visto esta exigência em grande parte do professorado. Quer dizer, temos um problema crônico de falta de educação na sociedade brasileira e quiçá, mundial, começando dentro da própria escola e no professor. Como devemos agir para resolver essa situação descabida e constrangedora? Essa é uma questão que está aí para ser respondida, mas não parece haver grande interesse na sua resolução, pelo menos aqui no Brasil.
Quanto ao verbo disciplinar, quero esclarecer que ele não obriga a manter nenhuma ordem, além daquelas que são absolutamente necessárias aos interesses social e humanitário maiores, nos diferentes ambientes e condições e que se relacionam ao "bem viver". Ter disciplina é uma obrigação moral no interesse de todos e não imposição legal em benefício de alguns. Um indivíduo que cumpre as regras morais certamente está devidamente enquadrado nas questões disciplinares.
Disciplinar é ter respeito pelo outro (semelhante ou não) e a disciplina se consegue através da conquista, do convencimento, do exemplo e não da força. Quem age coerentemente e em benefício da sociedade, acaba naturalmente agradando mais do que desagradando as pessoas de seu entorno. Pessoas que possuem essa característica certamente são pessoas mais disciplinadas e por isso mesmo tendem a ser mais respeitadas.
O melhor mecanismo disciplinar é o exemplo e se você dá bons exemplos a sociedade sabe quem é você, o aprendiz lhe respeita e sabe que você vai sempre fazer o melhor no interesse humanitário e social maior. A escola necessita de disciplina e o professor é o principal agente para atuar como exemplo dentro da escola. O verbo disciplinar é fundamental para que se cumpram projetos efetiva e metodologicamente no interesse maior da educação e obviamente da sociedade.
O verbo doutrinar, ao contrário do disciplinar resulta da imposição ou coação dos indivíduos em relação a um determinado fim. Esse fim pode ou não ter escrúpulos ou garantias sociais a quem eles são propostos e não há absolutamente nenhuma responsabilidade de cumprimento dos compromissos por parte de quem os propõem. A doutrinação é uma via arriscada e complicada, que pode trazer alguns benefícios temporais para alguns, mas certamente é desagradável à sociedade.
Deste modo, doutrinar é uma tarefa que não se perpetua naturalmente, porque as teias da sociedade geralmente se envolvem nas questões confusas com os propositores do sistema doutrinário e assim, produzem conflitos sociais imensos. Ao longo do tempo, os propositores acabam virando mártires para alguns, nas suas tentativas inglórias de manter o sistema e marginais para a grande maioria que acaba compreendendo os malefícios da doutrinação. Não há ética na doutrinação, a não ser entre aqueles que geram a sua necessidade, devido ao alto grau de comprometimento que assumem com a causa. Isto é, a doutrinação cria uma condição que é apenas corporativa e que obviamente não é do interesse da sociedade.
O verbo doutrinar é inconcebível na escola, porque na escola a liberdade de pensamento e o respeito à pessoa humana são as condições fundamentais para o bom andamento do trabalho escolar em todos os níveis hierárquicos e organizacionais. Na escola não tem que existir nenhuma ação imperativa e muito menos forçada por alguém ou por alguma coisa, além do efetivo cumprimento do trabalho educativo. A ética deve reger as ações escolares em todos os níveis e o professor é a figura que deve estar antenada nessa situação para garantir a eficácia do trabalho.
O verbo Instruir é a essência funcional da escola, haja vista que o aprendizado é um dos fundamentos da escola. O aprendiz vai a escola para, além de se socializar harmonicamente com as demais pessoas, se instruir e aprender dentre outras coisas. Instruir é informar e treinar alguém em determinadas questões a fim de que esse alguém seja capaz de resolver problemas que possam surgir na sua vida sobre aquelas determinadas questões. Instruir e capacitar o indivíduo humano a resolver problemas específicos.
Em certo sentido a escola vive da instrução, mas ela não deve ser, como via de regra, uma condição exclusiva da escola, porque a escola objetiva valores maiores e mais significativos do que meramente treinar alguém para fazer alguma coisa. O objetivo maior da escola como entidade social é capacitar o indivíduo a ser melhor sob todos os aspectos e não apenas a conseguir um emprego ou desenvolver um certo trabalho profissional, embora existam escolas específicas para esse fim.
Entretanto, mesmo nessas escolas específicas para o trabalho profissional, é fundamental que, além da atividade prática, que se motive o indivíduo a procurar o entendimento completo das coisas e das questões envolvidas no processo em questão. A escola não pode ser um simples centro de treinamento profissional, mesmo que seu objetivo prioritário seja profissional. O professor tem que ter esse discernimento claro em sua mente.
O verbo orientar é talvez o melhor verbo a ser empregado na escola, porque ele traz em si mesmo a própria ideia básica de educar. Orientar e educar são sinônimos em certo sentido, pois ambos têm o mesmo objetivo, qual seja, fazer com que o indivíduo seja capaz de procurar o melhor caminho, respeitando todos os aspectos e principalmente os demais indivíduos envolvidos. O professor é o profissional responsável por orientar o aprendiz, desde o pensamento inicial até o resultado e suas possíveis modificações, que poderão ser mencionadas e sugeridas pelo aprendiz.
Orientar é a atitude fundamental e preponderante da escola e cabe exatamente ao professor essa tarefa. Tudo que envolve a orientação deve ser se resolvido com muito estudo, bastante conversa, total liberdade de pensamento e sobretudo respeito às individualidades. Quando a orientação é bem-feita o aprendiz brilha e acaba por suplantar as expectativas do orientador. Ao final, o aprendiz depois de educado torna-se um sujeito muito diferente daquele que havia entrado na escola e quando isso acontece é porque a escola está cumprindo o seu papel social e humanitário.
A função de professor, em todos os níveis, depende bastante da perfeita noção desses conceitos funcionais e talvez, o maior erro da educação brasileira na atualidade, resida no fato de que estamos formando professores e os mandando para as escolas para "ensinar" sem esse verdadeiro entendimento. É claro que essa não é, de maneira nenhuma a única questão pendente, mas penso que se resolvermos, minimamente, pelo menos esse aspecto, começaremos a entender que o professor não pode ser qualquer sujeito e que “ensinar” não é algo assim tão simples, como pensam alguns setores da sociedade.
Há necessidade de que a função seja exercida por gente que saiba efetivamente o mínimo da importância dessa função profissional que forma todas as outras. Se um determinado indivíduo, seja ele quem for, não tiver a dimensão exata da função do professor, certamente ele não pode exercer essa nobre função. Conhecimento específico de sua área de atuação, conhecimento geral, experiência cultural, capacidade criativa, capacidade argumentativa, capacidade de convencimento, também são características fundamentais para o exercício profissional do professor, mas sem a devida dimensão da relevância do magistério para a sociedade, essas características, isoladamente, não fazem sentido e são incapazes de garantir a produção de bons professores.
É preciso estar atento que a escola, antes de qualquer coisa, é uma entidade social humana, para humanos, que necessitam continuar sendo humanos. É fundamental que se entenda que o objetivo primário da escola é formar pessoas boas para a sociedade. A função de professor exige qualificação especial dos indivíduos que concorrem a esta nobre função. Infelizmente, aqui no Brasil temos caminhado na direção contrária a esta exigência, pois temos criado condições sempre piores para os professores, desde às suas formações até as suas vidas profissionais efetivas. Temos progressivamente piorado aquilo que já está ruim há muito tempo e, tristemente, quem mais está perdendo é a sociedade brasileira.
* LUIZ EDUARDO CORRÊA LIMA
-Biólogo (Zoólogo);
-Professor;
-Pesquisador;
-Escritor;
-Revisor; e
-Ambientalista
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