segunda-feira, 18 de março de 2024

Ponderações sobre o crime de infanticídio


Autora: Cecília Frazão(*) 

A priori, insta salientar que o crime de infanticídio está previsto no art. 123 do Código Penal, e é definido como ato de "Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após."

Neste condão, através da leitura inicial do tipo penal, depreende-se que o delito em comento é um crime próprio, uma vez que o sujeito ativo deve ser a mãe parturiente e em estado puerperal, e o sujeito passivo, a criança recém-nascida. O referido crime se consuma com a morte do neonato.

Trata-se de crime doloso contra a vida, sendo a ação penal publica incondicionada. Isto é, nesta modalidade de ação penal, a atuação do Ministério Público não é condicionada, ou seja, não é necessária a autorização ou manifestação de qualquer pessoa para que o órgão público ofereça a denúncia.

Ademais, no referido tipo penal é admissível a tentativa (artigo 14, inciso II, do Código Penal), uma vez que é crime plurissubsistente. Nos crimes plurissubsistentes, a conduta é fracionada em vários atos que, somados, provocam a consumação.

Outrossim, é importante ressaltar que o crime de infanticídio admite também a coautoria. Isto porque a mãe parturiente (e em estado puerperal) pode obter ajuda para cometer o delito, ou pedir a um terceiro que o faça.

Nestes casos, conforme o previsto no artigo 30 do Código Penal, as condições e circunstâncias de caráter pessoal se comunicam aos coautores e partícipes, vez que se trata de elementar do tipo penal. Ou seja, o sujeito que praticou o delito a pedido da mãe ou que auxiliou na empreitada criminosa responde pelo crime de infanticídio, e não de homicídio.

Neste contexto, é possível constatar que a diferença entre os crimes de homicídio e infanticídio é que, no segundo caso, é levado em consideração o estado puerperal da mulher.

Para entendermos o que é estado puerperal, é preciso aclarar que o puerpério é o período de tempo que decorre desde o parto até que os órgãos reprodutores da mãe retornem ao seu estado pré-gravídico. A duração desta fase é geralmente de seis a oito semanas e o puerpério é um quadro fisiológico que atinge todas as mulheres que dão à luz.

Isto posto, eis a definição do doutrinador Damásio Evangelista de Jesus (1999, p. 107) sobre estado puerperal:
"A mulher, em conseqüência das circunstancias do parto, referentes à convulsão, emoção causada pelo choque físico e etc., pode sofrer perturbação de sua saúde menta. O código fala em estado puerperal. Este é o conjunto das perturbações psicológicas e físicas sofridas pela mulher em face do fenômeno do parto. pode ser explicado como o estado de perturbação psíquica sobrevindo do puerpério"

À vista disso, o estado puerperal pode ser explicado como um estado de perturbação psíquica que pode vir a atingir a mulher após o parto do seu filho. Logo, a mulher pode vir a apresentar, de modo momentâneo, uma instabilidade hormonal e emocional, em razão da gama de emoções vivenciadas no parto. Conforme a definição de Flamínio Fávero:
"o estado puerperal não é uma perturbação mental, nem psicose, nem transtorno mental de vulto, é um estado especialíssimo do animo da mulher, resultante da emoção a que ela esta submetida, graças à alegria e pesar intensos pela circunstancia especial de sua gestação que esta no fim, tudo isso concorrendo para formar o chamado estado puerperal."
Nos casos concretos, o procedimento de comprovação quanto ao estado puerperal da mulher geralmente ocorre através de prova pericial, exame de verificação da sanidade mental e análise dos demais elementos de prova, conforme as Jurisprudências a seguir:

EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA - HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO - MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA - PROVA SUFICIENTE - IMPRONÚNCIA OU ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA - IMPOSSIBILIDADE - DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE INFANTICÍDIO - CABIMENTO - INFLUÊNCIA DO ESTADO PUERPERAL RECONHECIDO. - De acordo com o art. 413 do CPP, para que se profira sentença de pronúncia é preciso apenas que haja prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, pois se trata de mero juízo de admissibilidade da acusação - Na fase de pronúncia, não se pode absolver sumariamente o acusado sem prova cabal de que ele agiu sob o amparo da alegada excludente de ilicitude - Se há nos autos indícios suficientes no sentido de que a acusada, ao ceifar a vida do filho logo após o parto, agiu sob influência do estado puerperal, cabível é, sem maior dificuldade, dada a sua grande freqüência, a desclassificação do delito de homicídio qualificado para o de infanticídio. (TJ-MG - Rec em Sentido Estrito: 10707120159686001 Varginha, Relator: Catta Preta, Data de Julgamento: 27/11/2014, Câmaras Criminais / 2ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 09/12/2014)

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. HOMICÍDIO QUALIFICADO. ERRO DE TIPO. CRIME IMPOSSÍVEL. CONTROVÉRSIA. HOMICÍDIO AFASTADO. INFANTICÍDIO. COMPROVADA INFLUÊNCIA DO ESTADO PUERPERAL NA CONDUTA DA MÃE. DESCLASSIFICAÇÃO NECESSÁRIA. - Existindo fortes indícios de que a acusada agiu com 'animus necandi', não há como acolher, de plano, a tese de erro de tipo, razão pela qual deverá a acusada ser submetida a julgamento pelo Tribunal do Júri - Se a prova dos autos, inclusive a de natureza pericial, atesta que a recorrente matou o seu filho, após o parto, sob a influência de estado puerperal, imperiosa a desclassificação da imputação de homicídio qualificado para que a pronunciada seja levada a julgamento pelo cometimento do crime de infanticídio (artigo 123 do Código Penal). (TJ-MG - Rec em Sentido Estrito: 10702041702516001 Uberlândia, Relator: Renato Martins Jacob, Data de Julgamento: 16/04/2009, Câmaras Criminais Isoladas / 2ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 08/05/2009)
Ante o exposto, restando evidenciado que a genitora agiu sob estado puerperal ao ceifar a vida do filho recém-nascido, configura-se o crime de infanticídio, cuja pena é reduzida, sendo esta a detenção, de dois a seis anos.

Salienta-se que a pena-base de infanticídio é menor que a do homicídio simples. Isto porque, apesar de não poder ser usado como causa excludente de tipicidade ou culpabilidade, o estado puerperal exerce inquestionável influência na autoria do crime. Isto significa que, nestes casos, é admitida uma pena mais branda e humanizada considerando o estado psíquico da mãe.

Por fim, importante ressaltar que a Lei nº 14.326/22, alterou a Lei de Execução Penal para assegurar à mulher presa gestante ou puérpera tratamento humanitário antes e durante o parto e no puerpério.


REFERÊNCIAS:

JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte geral. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 1;

HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958. v. 4.;

https://www.jusbrasil.com.br/artigos/estado-puerperal-e-a-instabilidade-juridica/183852525

*CECÍLIA FRAZÃO DAMACENA CARVALHO












- Graduada em Direito pela Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará – UNIFESSPA (2023);

- Pós Graduanda em Direito do Trabalho e Advocacia Contenciosa Cível (Legalle Educacional);

- Pós Graduanda em Direitos Humanos (Unifesspa);

- Advogada inscrita na OAB/PA n° 36.675;

- Membro da Comissão da Mulher Advogada OAB/PA;

- Linkedin: www.linkedin.com/in/frazaocecilia

Nota do Editor:


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