Autora: Márcia Stochi(*)
A cultura digital já se instalou no cotidiano de nossos jovens. Em aula, nossos alunos privilegiam a leitura de uma mensagem via WhatsApp, à discussão do tema que lhe está sendo apresentado, prejudicando seu aprendizado.
Sobre essa situação devemos refletir se os jovens se dão conta desse prejuízo ou se creem que o tempo que passam em ambientes digitais é benéfico.
A psicóloga Eloiza Oliveira (2017) realizou uma pesquisa intitulada Adolescência, internet e tempo: desafios para a Educação. O objetivo era observar tal questão à luz dos resultados de uma pesquisa realizada com 481 adolescentes da cidade do Rio de Janeiro. O estudo, por meio de um questionário, solicitou que os alunos concordassem ou discordassem da seguinte frase: "A internet ocupa muito o meu tempo", justificando sua escolha. O resultado mostrou que 67,56% dos adolescentes concordavam com a frase, pois eles costumam passar, em média, nove horas conectados, por dia. O principal meio é o celular. Na maior parte do tempo eles estão conectados às redes sociais; em seguida afirmam que utilizam para entretenimento e pesquisa. Os jovens que concordaram com a frase apresentada pela pesquisa, destacaram que passam muito tempo conectados à internet estimulados pela excessiva fantasia proporcionada pelo mundo virtual, os afastando do mundo real. Afirmam ainda, que perdem a noção do tempo em que passam na internet e se dedicam, por esse meio, a relacionamentos imaginários. Esse último aspecto gera um isolamento e dificuldades em enfrentar um relacionamento face a face. Quanto as questões cognitivas eles destacam a perda de foco nos momentos de pesquisa e estudo, pelo excesso de informações e reconhecem a pouca confiabilidade das informações encontradas na internet. De acordo com a pesquisa, os jovens reconhecem o excessivo uso da internet e alguns de seus aspectos prejudiciais, mas parecem se seduzirem pelo que ela oferece causando dificuldades em controlar o seu próprio acesso.
A Base Nacional de Conteúdos Curriculares – BNCC (Brasil, 2017), destaca o crescente uso da tecnologia pelos jovens que são motivados pela diversidade de modos de conexão. Por esse motivo o documento apresenta considerações sobre a influência dos ambientes virtuais sobre nossa juventude.
Há que se considerar, ainda, que a cultura digital tem promovido mudanças sociais significativas nas sociedades contemporâneas. Em decorrência do avanço e da multiplicação das tecnologias de informação e comunicação e do crescente acesso a elas pela maior disponibilidade de computadores, telefones celulares, tablets e afins, os estudantes estão dinamicamente inseridos nessa cultura, não somente como consumidores. Os jovens têm se engajado cada vez mais como protagonistas da cultura digital, envolvendo-se diretamente em novas formas de interação multimidiática e multimodal e de atuação social em rede, que se realizam de modo cada vez mais ágil. Por sua vez, essa cultura também apresenta forte apelo emocional e induz ao imediatismo de respostas e à efemeridade das informações, privilegiando análises superficiais e o uso de imagens e formas de expressão mais sintéticas, diferentes dos modos de dizer e argumentar característicos da vida escolar. (BRASIL, 2017, p.59).
Na obra A fábrica de cretinos digitais – os perigos das telas para nossas crianças, (DESMURGET, 2022), o autor faz um relato sobre pesquisas que enaltecem o uso dos meios de comunicação digitais e busca desmistificar o entusiasmo em relação ao uso dessas tecnologias. Para tanto, apresenta aspectos perniciosos desse excesso de tempo em que os jovens estão conectados à internet e de suas influências em relação as crianças e aos adolescentes.
O autor destaca a falta de rigor e confiabilidade nas informações oferecidas pela internet. Justifica o fato, argumentando que a necessidade de produtividade não permite que os criadores de conteúdos se aprofundem no assunto, gerando uma superficialidade nas matérias. Alerta ainda, que muitos utilizam esses canais para difundirem notícias falsas que os beneficiem. Assim, pela falta de competência ou conhecimento, ou pior, pela falta de caráter cria-se e divulga-se narrativas irreais, buscando dar uma aparência de verdade, em fatos não verídicos.
Sobre o tempo gasto em recreação na internet, afirma que ele não é apenas excessivo, mas que está fora de controle, prejudicando o sono, a leitura, momentos de interrelação familiar, o cumprimento dos deveres escolares, as práticas esportivas, as atividades artísticas.
Os aspetos cognitivos também são seriamente afetados, pois na fase mais favorável para o desenvolvimento cerebral, quando se desenvolve os aspectos: linguísticos, emocionais e culturais, os jovens são fortemente afetados pelos excessivos momentos de lazer oferecidos pelo mundo digital, que não desenvolvem estes aspectos.
Ao compararmos essas três diferentes leituras: pesquisa científica, documento educacional nacional e obra literária, podemos perceber que alguns aspectos são convergentes, como: a constatação de que o tempo de utilização da internet para lazer é exagerado; a falta de rigor nas informações geradas por boa parte dos meios digitais; o prejuízo nas relações interpessoais; os malefícios sobre os aspectos cognitivos.
Sobre o tempo em que os jovens passam na internet, de acordo com os resultados da pesquisa de Oliveira (2017) a maioria dos jovens pesquisados reconhecem que passam muito tempo conectados, e que a diversidade de possibilidades de ambientes virtuais, leva a uma perda de foco em suas buscas. Assim, nesta faixa etária, é importante que os jovens sejam motivados a vivenciarem outras atividades nas quais não haja conexão com à rede.
Reconhecemos que internet abre um leque de possibilidades de informações nunca visto antes, mas deve-se reconhecer que não há um rigor nas informações geradas, assim ao mesmo tempo que possibilitam o conhecimento, encontra-se muitas informações superficiais e em muitos casos inverídicas. Esse alerta está presente na pesquisa com os jovens, no documento do Ministério da Educação e na obra literária. Desse modo, é necessário realizar discussões com os jovens sobre as escolhas de suas fontes de pesquisa, incentivando-os a diversificá-las e confrontá-las.
A internet também afeta as relações interpessoais, hoje temos notícias sobre amigos que estão distantes, e o total de !"amigos" que temos nas redes sociais, nos dá a falsa impressão de não estamos sozinhos. A conivência real, cotidiana, gera situações nas quais temos que aprender a respeitar a vontade do outro, e exigir que sejamos respeitados. Esse fato, pode gerar conflitos de modo que alguns prefiram evita-la. É comum observarmos um conjunto de jovens, reunidos fisicamente em um mesmo ambiente físico, porém cada um com seu smartfone interagindo com quem está distante ou com companhia virtual. A interação fica fragilizada e a falsa sensação de companhia os afasta do convívio real. Desse modo, as relações se tornam distantes e frias. Se nossos jovens não vivenciarem situações de convívio real, a tendência é que prefiram os relacionamentos virtuais, o que gera o seu isolamento. Precisamos buscar caminhos para ajudar nossos jovens.
Bibliografia:
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular, 2017;
DESMURGET, Michel. A Fábrica de Cretinos Digitais. São Paulo: Vestígio, 2022. Tradução: Mauro Pinheiro; e
OLIVEIRA, Eloiza Silva Gomes. Adolescência, internet e tempo: desafios para a Educação. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 64, p. 283-298, abr./jun. 2017.
* MÁRCIA STOCHI
-Atua há 20 anos na docência em vários níveis: Educação Básica; Graduação e Pós-graduação;
- Bacharel e Licenciatura em Matemática Pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (1993);
- Mestra em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2003) ; e
- Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2016).
- Mestra em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2003) ; e
- Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2016).
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