terça-feira, 12 de novembro de 2024

A CTPS, o Direito do Trabalho e o INSS


 Autora: Maria Rafaela de Castro (*)

O direito previdenciário e o direito do trabalho possuem pontos de intersecção na proteção dos direitos sociais, ambos resultantes de um Estado Intervencionista (Estado do Bem – Estar Social) com a finalidade máxima de amparar as pessoas, propiciando uma vida com dignidade, consoante se extrai do artigo 6º da Constituição Federal de 1988: 
"São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição."

O reflexo mais elementar e essencial desses pontos de convergência ocorre na relação de emprego devidamente anotada e registrada na CTPS (Carteira de Trabalho e Previdência Social) do trabalhador brasileiro que o torna um segurado previdenciário obrigatório. Aliás, essa obrigação consta no art. 13 da CLT.

Nesse prisma, esse obreiro "registrado" será protegido pelo sistema previdenciário nas situações de intempéries que surgirem em sua vida como o desemprego, a doença, o acidente e até a morte, conforme o art. 3 da Lei 8212/1991.

Daí porque surge a anotação do contrato de trabalho na CTPS como um direito trabalhista de natureza indisponível, do qual nem ele pode dispor, razão pela qual, além de ser documento para a sua contagem de tempo de contribuição, serve como instrumento que o protege nas situações adversas.

Aliás, essa indisponibilidade absoluta encontra previsão no art. 611-B da CLT, inciso I, que dispõe: 

Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos: I normas de identificação profissional, inclusive as anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social (…)

Em prosseguimento a esses pontos de intersecção, informa o artigo 12 da Lei 8.212/1991, ser segurado obrigatório as pessoas físicas: I como empregado: a) aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural à empresa, em caráter não eventual, sob sua subordinação e mediante remuneração, inclusive como diretor empregado; b) aquele que, contratado por empresa de trabalho temporário, definida em legislação específica, presta serviço para atender a necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços de outras empresas (…)

Essa exigência de anotação ocorre, exatamente, com o com o intuito de que a relação de trabalho possa tanto lhe garantir o sustento para pagamento de suas despesas regulares como também para fins de que o INSS possa pagar os benefícios legais correlatos.

A informalidade nas relações laborais têm o condão de aumentar o fosso da ausência/precariedade de proteção trabalhista e previdência e gerará problemas ainda maiores futuramente ao Estado.

Afinal, sem as contrapartidas previdenciárias do segurado ao sistema, será o Estado que efetuará pagamentos de benefícios assistenciais para os que estiverem sem o registro formal e demonstrarem não ter condições financeiras, como ocorre com o LOAS, conforme previsão no artigo 203 da CF/88, inciso IV: a garantia de um salário-mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

A própria CF/88 estabelece no artigo 195 que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Em suma, por nossos tributos também.

Ou seja, a sonegação tributária por não recolher os encargos da relação trabalhista gerará efeitos nefastos diretamente tanto ao trabalhador como para toda a sociedade, tornando tudo mais oneroso ao Estado brasileiro.

Diante disso, quando existe a ausência do vínculo real de emprego na CTPS do trabalhador, observa-se uma dupla ofensa ao Estado e a nós, contribuintes do sistema. Afinal, ao normalizar os períodos clandestinos de autênticas relações de emprego sem a devida anotação, o empregador sonega a tributação necessária, conforme previsão do artigo 20 da Lei 8212/1991.

Além de retirarmos de grande massa dos obreiros o seu devido tempo de contribuição, observa-se, ainda, o desamparo que esse obreiro terá diante do sistema previdenciário (ao INSS) quando ele adoecer ou se acidentar.

Registre-se, ainda, que, no evento morte, os dependentes ficarão desamparados, na medida em que precisarão ajuizar ação trabalhista para fins de reconhecimento de vínculo post mortem, sendo mais difícil a prova em juízo.

Sobretudo, quando o obreiro, diante de diversos períodos clandestinos, não computa o tempo de contribuição, apesar da sua vida laboral ativa, tem como resultado, infelizmente, como ocorre com frequência, de termos um trabalhador que, efetivamente, laborou mas nunca teve seu período de trabalho registrado, ficando à margem do sistema de aposentadoria do INSS.

Ficará, mais uma vez, a incumbência desse futuro incerto no colo do Estado.

Diante disso, cabe ao Judiciário, ao Ministério Público do Trabalho e do Ministério do Trabalho a árdua tarefa de cada um, em suas respectivas zonas de atribuição e de competência, de fazer cumprir a determinação da CLT no artigo 29, qual seja, de que o empregador terá o prazo de 5 (cinco) dias úteis para anotar na CTPS, em relação aos trabalhadores que admitir, a data de admissão, a remuneração e as condições especiais, se houver, facultada a adoção de sistema manual, mecânico ou eletrônico.

Até porque existe a previsão de que a falta de cumprimento pelo empregador acarretará a lavratura do auto de infração, pelo Fiscal do Trabalho, que deverá, de ofício, comunicar a falta de anotação ao órgão competente, para o fim de instaurar o processo de anotação.

E, sobretudo, deve o Judiciário aplicar a legislação correlata da ausência de anotação nos casos de procedência dos pedidos de reconhecimento de vínculo de aplicação da multa de R$3.000,00, trazida pela Lei n. 14.438/2022, quando requerido na petição inicial.

Em suma, a anotação do contrato de trabalho que efetivamente ocorreu deve ser retirado da clandestinidade como um instrumento real de propiciar a dignidade ao trabalhador e de sua proteção pelo INSS com as coberturas necessárias e até, no futuro, conseguir a sua sonhada aposentadoria que, a cada emenda constitucional, torna-se mais difícil.

*MARIA RAFAELA DE CASTRO

















-Graduada em Direito pela Universidade Federal do Ceará(2006);

-Pós -Graduada em Direito do Trabalho pela Faculdade Estácio de Sá (2008);

-Mestrado em Ciências Jurídicas na Universidade do Porto Portugal(2016);

-Doutoranda em Direito na Universidade do Porto/Portugal;

-Juíza do Trabalho Substituta da 7a Região; 

-Formadora da Escola de Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará;

-Professora de Cursos de Pós Graduação na Universidade de Fortaleza - Unifor;

-Professora de cursos preparatórios para concursos públicos;

-Professora do curso Gran Cursos online; e

-Professora convidada da Escola Judicial do TRT 7a Região; Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho; e
-Palestrante.

- Instagram @juizamariarafaela

Nota do Editor:

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