Autora: Larissa Gonçalves Rodrigues (*)
Na vivência jurídica, não raras vezes surgem questionamentos sobre a impenhorabilidade de um bem, especialmente quando ele se trata do único bem do devedor, afinal, recai sobre ele a expectativa de satisfação do crédito da parte credora.
A penhora é um instrumento legal de garantia do pagamento da dívida executada judicialmente, e é por meio dela que o credor, frustradas outras tentativas de satisfação do seu crédito, busca reaver o valor que lhe é devido.
Como todo o procedimento legal, a penhora possui requisitos específicos, previstos nos artigos 831 a 869 do Código de Processo Civil, os quais devem ser estritamente observados, sob pena de nulidade do ato.
São passíveis de penhora bens móveis e imóveis, sendo sobre os últimos a hipótese do presente estudo.
Quando se pretende a penhora de um imóvel, é essencial que o credor proceda à análise minuciosa da matrícula do bem, que é o documento oficial de registro do imóvel, contendo ali todo o seu histórico de propriedade. Nessa análise, deverão ser consideradas questões importantes, que podem limitar ou inviabilizar a penhora e, com isso, prejudicar a satisfação do crédito pelo meio escolhido.
E se o imóvel for gravado de usufruto, pode a penhora ser efetivada?
Inicialmente, há de se levar em conta a definição do direito real de usufruto, positivado pelo Código Civil, em seu artigo 1.390:
Art. 1.390. O usufruto pode recair em um ou mais bens, móveis ou imóveis, em um patrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendo-lhe, no todo ou em parte, os frutos e utilidades.
Já os direitos do usufrutuário estão previstos nos artigos 1.394 a 1.399 do mesmo diploma, sendo que, dentre eles estão o direito à posse, ao uso, à administração e à percepção dos frutos do bem.
Com isso, denota-se que a penhora de bem imóvel gravado de usufruto se trata de questão controversa em nosso ordenamento jurídico, na medida em que, de um lado está o direito do credor de ver satisfeito o seu crédito e, de outro, o direito real do usufrutuário de uso, posse e administração do bem.
Dada a importância, o tema já foi submetido à análise do Superior Tribunal de Justiça, que decidiu, no julgamento do REsp 1232074, pela possibilidade de penhora sobre o bem gravado de usufruto, desde que respeitado o direito real vitalício do usufrutuário:
PROCESSUAL CIVIL. PENHORA DE BEM INDIVISÍVEL. IMÓVEL DE PROPRIEDADE DE VÁRIOS IRMÃOS. BEM GRAVADO COM ÔNUS REAL DE USUFRUTO. VIOLAÇÃO AO ART. 535, II, DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. POSSIBILIDADE DE PENHORA DA FRAÇÃO IDEAL DE PROPRIEDADE DO EXECUTADO. PRECEDENTES.1. O Tribunal de origem se manifestou de forma clara e fundamentada no sentido de obstar a penhora do imóvel nomeado pela exequente, haja vista que o bem está gravado com ônus real (usufruto) e possui diversos proprietários, fatos que dificultariam a execução e, ainda, não satisfariam o direito do credor. O cabimento dos embargos de declaração está limitado às hipóteses de omissão, contradição ou obscuridade do julgado, cabendo, ainda, quando for necessária a correção de erro material ou premissa fática equivocada sobre a qual se embase o julgamento. Tais hipóteses não ocorreram no caso dos autos, pelo que não há que se falar em violação ao art. 535, II, do CPC.2. Em que pese a dificuldade na alienação do bem imóvel em questão, é certo que a execução é realizada em benefício do credor, nos termos do art. 612 do CPC. A indivisibilidade do bem e o fato de o imóvel estar gravado com ônus real, in casu, usufruto, não lhe retiram, por si só, a possibilidade de penhora, eis que os arts. 184 do CTN e 30 da Lei n. 6.830/80 trazem previsão expressa de que os bens gravados com ônus real também respondem pelo pagamento do crédito tributário ou dívida ativa da Fazenda Pública.3. Eventual arrematante deverá respeitar o ônus real que recai sobre o imóvel. Tal ônus, por óbvio, pode dificultar a alienação do bem, mas não pode justificar a recusa judicial da penhora, sobretudo porque a execução é feita no interesse do credor. Em casos tais quais o dos autos, pode interessar aos co-proprietários a arrematação da parcela da nua propriedade que não lhes pertence.4. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a alienação de bem indivisível não recairá sobre sua totalidade, mas apenas sobre a fração ideal de propriedade do executado, o que não se confunde com a alienação de bem de propriedade indivisível dos cônjuges, caso em que a meação do cônjuge alheio à execução, nos termos do art. 655-B, do CPC, recairá sobre o produto da alienação do bem.5. Recurso especial parcialmente provido para reconhecer a possibilidade de penhora sobre a fração ideal do imóvel de propriedade do executado. (STJ. REsp 1232074 / RS. Julgado em 22/11/2011. Segunda Turma. Ministro Relator: Mauro Campbell Marques).
Ou seja, o imóvel gravado de usufruto pode ser penhorado, desde que respeitado o direito real do usufrutuário de utilização do bem. Isso quer dizer que o arrematante adquirirá a propriedade do imóvel, mas deverá aguardar a extinção do usufruto, o qual, no caso de usufruto vitalício, se extinguirá pela renúncia ou pela morte do usufrutuário, nos termos do artigo 1.410, I, do CPC.
Portanto, apesar da possibilidade de recair penhora sobre imóvel em tais condições, inegável é a dificuldade de arrematação do bem, afinal, apesar de adquirir a propriedade, eventual adquirente deverá aguardar a extinção do direito real de usufruto para alcançar a posse do imóvel, fato que torna difícil e improvável a arrematação do imóvel penhorado, mediante leilão em hasta pública.
Deste modo, é possível concluir que, apesar de lograr êxito na penhora do imóvel gravado com o usufruto, de propriedade do devedor, possivelmente persistirá o interesse do credor na satisfação do seu crédito, haja vista a dificuldade de alienação do bem, considerando o seu caráter indivisível e o direito real que recai sobre ele.
Na mesma toada, destaca-se, em favor do usufrutuário, bem como do devedor proprietário, robusta tese defensiva para pleitear a impenhorabilidade do imóvel, com base na falta de resultado útil ao processo por meio da penhora.
Destaca-se, portanto, a importância do trabalho de um advogado especialista em direito imobiliário para averiguar e solucionar questões como essa, de acordo com o melhor interesse do cliente.
* LARISSA GONÇALVES RODRIGUES
- Advogada inscrita na OAB/RS n° 107.592;
- Graduada pela Universidade de Caxias do Sul, em 2017;
-Especialista em Direito Imobiliário e Condominial pela Universidade Cruzeiro do Sul, em 2021;
Pós-graduanda em Advocacia Trabalhista e
Previdenciária pela Fundação Escola Superior do Ministério Público;
-Vice-Coordenadora da Comissão de Direito Imobiliário - OAB/RS Subseção Caxias do Sul.
Nota do Editor:
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