1. Organização estruturada: associação criminosa e concurso de agentes
"Associarem-se três ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes."
Além disso, a própria Justiça Eleitoral tem entendido que a atuação conjunta e premeditada pode ser considerada ato abusivo, especialmente quando se insere no contexto de campanha ou propaganda irregular.
2. Abuso de poder econômico: quando a desinformação é financiada
Quando essas ações são financiadas com recursos humanos, transporte, estrutura logística, panfletagem e pagamento de pessoas para simular naturalidade, há forte indicativo de abuso de poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/90 (Lei das Inelegibilidades):
"A cassação do registro ou do diploma será cabível sempre que comprovado o uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade..."
Isso se agrava quando os gastos não são oficialmente declarados, o que nos leva ao crime de caixa dois, previsto no art. 350-A do Código Eleitoral (incluído pela Lei nº 14.197/2021):
"Arrecadar, gastar, doar ou aplicar recursos financeiros em campanha eleitoral, sem origem identificada ou em desconformidade com a legislação..."
Esses recursos podem incluir desde o pagamento de figurantes e atores até impressão de materiais, transporte e aluguel de espaços para facilitar as encenações.
3. Fake news presencial também é desinformação eleitoral
A Lei nº 14.192/2021, que trata da violência política e da integridade nas eleições, reforça a importância do combate à desinformação, seja ela digital ou não. O art. 9º da referida norma criminaliza a propagação de inverdades com potencial de prejudicar o equilíbrio do pleito.
Embora a legislação ainda seja tímida quanto à tipificação específica da "fake news presencial", o arcabouço penal e eleitoral permite atuação firme quando:
Os fatos são sabidamente inverídicos;
A atuação é intencional e direcionada a manipular a vontade do eleitor;
Há vínculo com campanha eleitoral e/ou financiamento irregular.
4. Prova, investigação e responsabilidade
Diferente das fake news digitais, o desafio aqui é probatório. A obtenção de vídeos, testemunhas e documentação logística (como comprovantes de pagamento, locação, mensagens trocadas entre membros da equipe) é fundamental para que o Ministério Público ou o juízo eleitoral possa apurar as cadeias de comando.
O objetivo não é apenas punir os executores — que muitas vezes são contratados por terceiros —, mas responsabilizar os beneficiários diretos, inclusive com a possibilidade de:
Inelegibilidade (LC 64/90);
Cassação de mandato ou registro;
Condenação penal, inclusive com pena de reclusão.
Conclusão: novas formas, velhos crimes
As encenações públicas com desinformação — travestidas de espontaneidade — representam uma nova face de velhos ilícitos: manipulação eleitoral, abuso do poder e fraude ao processo democrático.
Cabe à Justiça Eleitoral, ao Ministério Público e aos juristas em geral reconhecer que o combate à fake news não pode se limitar ao digital. Quando há intenção deliberada, estrutura organizacional e uso de recursos escusos para enganar o eleitor, o Direito Penal Eleitoral deve ser aplicado com firmeza, sem perder de vista os princípios constitucionais da legalidade, da liberdade de expressão e do devido processo legal.
SAMARA OHANNE
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