terça-feira, 17 de junho de 2025

O enfraquecimento dos Direitos Fundamentais


 


© 2025 Marcelo Duarte Palagano


No editorial do dia 14/12/2024, o Jornal Estado de São Paulo, um dos principais jornais do país, no artigo de opinião "STF enfraquece a imunidade parlamentar" [1], o jornal destacou:
"O constituinte foi cristalino:congressistas são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer opiniões. Mas, de exceção em exceção, a imunidade parlamentar está sendo anulada". (destaquei)
O debate vem à tona após o indiciamento do deputado federal Marcel van Hattem pela Polícia Federal por suposta prática de calúnia e difamação [2]. Isto porque durante um discurso no plenário da Câmara dos Deputados, ele havia acusado o delegado Fábio Schor de produzir relatórios fraudulentos contra Filipe Martins, ex-assessor de Jair Bolsonaro. O deputado afirmou que suas declarações estavam protegidas pela imunidade parlamentar, mas a Polícia Federal considerou que suas falas configuram crime contra a honra.

A problemática de realizar indiciamento de parlamentares no exercício de suas funções, ainda mais quando possuem garantia constitucional, ganhou ainda mais relevância após comparecimento do ex-ministro do STF e atual ministro da justiça, Ricardo Lewandowski, em uma Comissão do Congresso no dia 03/12/2024, onde o jurista justificou o indiciamento realizado pela PF ao Deputado. Conforme artigo do jornal:
"Recentemente perante uma comissão do Senado o ministro da justiça Ricardo Lewandowski, justificou o indiciamento: "Se da tribuna um deputado cometer crime contra a honra, seja contra colega ou qualquer cidadão, ele não tem imunidade". Tal ignorância sobre a imunidade parlamentar, princípio basilar das democracias liberais, é triplamente perturbadora quando manifestada por alguém que é, ao mesmo tempo, jurista, ministro da Justiça e ex-integrante da Corte constitucional". (destaquei)
Na ocasião o ministro da justiça defendeu que crimes conta a honra, calúnia, injúria e difamação - "em tese, não estão cobertos pela imunidade parlamentar". Afirmou que o entendimento é o mesmo defendido pelo STF e que não existe "direito absoluto", ainda que defenda a liberdade de expressão dos congressistas.

Nas palavras do jurista:
"Ao longo dos meus 17 anos de Supremo Tribunal Federal, sempre defendi isso intransigentemente, mas eu vi uma guinada ligeira na jurisprudência, interpretando o artigo 53 da Carta Magna, dizendo que a imunidade material e processual dos parlamentares não inclui os crimes contra a honra, calúnia, injúria e difamação". (Destaquei)
Contudo, o mesmo Lewandowski já se utilizou de tese contrária a que defende agora, quando atuava como Ministro do Supremo Tribunal Federal, rejeitando uma queixa-crime promovida contra o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) alegando imunidade contra o crime de difamação [3]. Na ocasião, o até então ministro do supremo reiterou o parecer da PGR (Procuradoria Geral da República) que também opinou para rejeitar a queixa crime contra o congressista "por estarem os fatos imputados ao senador acobertados pela imunidade parlamentar prevista no art. 53, caput, da Constituição".

No julgamento ocorrido em 2017, o atual ministro da justiça que era relator do caso destacou:
"A discussão foi travada justamente em razão de suposta incongruência de posicionamentos políticos do querelado [senador]. Assim, neste caso concreto, o ato é inviolável porquanto praticado pelo congressista, conquanto fora do recinto do parlamento, em conexão com o exercício de seu mandato. Conforme entendimento desta Suprema Corte, reconhecendo-se que a conduta está no âmbito da inviolabilidade, não é necessário decidir se o fato, objetivamente, poderia ser considerado crime".

Vê-se, portanto, que a relevância do entendimento tem mais força do que o que está estampado na Constituição Federal. A letra da lei é imutável, mas a sua interpretação segue a direção da conveniência. "O vento sopra para onde quer," já dizia Nosso Senho Jesus Cristo (Jo 3, 8), e o entendimento sobre as normas constitucionais seguem o mesmo modelo.

Isso não deveria ocorrer, especialmente quando se trata de questões de direito e justiça, que têm implicações significativas na vida de todos na sociedade. Quando testemunhamos esse tipo de comportamento, percebemos a ausência de segurança jurídica, o que, em desacordo com a democracia, pode nos levar à tirania.

O editorial do Jornal Estado de São Paulo destacou, ainda, a importância da imunidade parlamentar:
A imunidade parlamentar antecede a República. Ela já figurava na primeira Constituição, de 1824, e foi consagrada na de 1988 em seu artigo 53: "deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. Não se trata de privilégio pessoal." A proteção não é da pessoa, mas do cargo que exerce por incumbência do eleitorado. Há uma garantia de Independência dos parlamentares ante outros poderes, para que possam dizer o que pensam – eventualmente denunciar irregularidades -sem risco de constrangimento.

De fato, é um privilégio muito importante para a sociedade que busca se pautar nos valores da democracia.

Importante ressaltar que a Constituição Federal de 1988 foi promulgada após duros anos de repressão, onde a censura era a ordem vigente no país. A carta magna surge, portanto, após um contexto em que não se via privilégios sendo garantidos aos parlamentares. Além disso, ela é (ou era) reconhecidamente denominada "constituição cidadão".

Vale destacar que, como mito fundados da CF de 1988, o regime militar, ou ditadura militar, não respeitava garantias fundamentais, nem os direitos humanos, daí porque a Carta Magna obteve ampla adesão e... até pouco tempo atrás, poderia ser colocada como referência na superação de um estado ditatorial e uma verdadeira Constituição Democrática.

Mas o avanço gradual dessas forças que buscam encerrar e tolher os direitos fundamentais previstos na Constituição não começou agora. Há muito tempo, é conhecida a ação ativista do Judiciário que, além de julgar, também legisla, e, após os eventos da pandemia, passou a atuar como executor. Mais recentemente, com o advento de inquéritos infindáveis e abertos de ofício por autoridades que deveriam apenas exercer a função de julgador, mas atuam como delegado, promotor, juiz e vítima, presenciamos um novo capítulo deste fenômeno, que já foi motivo de preocupação no passado por quem já presidiu o Supremo Tribunal Federal [4].

Este novo capítulo é ainda pior que o anterior e podemos chamá-lo de "autoritarismo judicial"

Como denunciado pelo Jornal Estado de São Paulo, de exceção em exceção, a imunidade parlamentar está sendo anulada, assim também ocorre com tantas outras garantias constitucionais, tais como:

A liberdade de expressão, que já foi objeto de tutela e alçada a um eminente valor no julgado da ADIN 4815;

O devido processo legal, pois, o fato de testemunharmos uma série de violações as regras de processo que impedem acesso aos autos, privação de bens e de liberdade sem o regular processo, ou que tornam a mesma autoridade que julga, investida de poderes de investigação, polícia;

O contraditório e a ampla defesa, pois igualmente assistimos pessoas serem previamente condenadas em o respeito a este princípio que tem como premissa que ninguém será considerado culpado sem o trânsito em julgado da decisão;

O direito de igualdade de tratamento estampado no caput do artigo 5º da Constituição Federal, uma vez que apenas se vê punição, desrespeito a direito e arbitrariedades contra membros de apenas um dos lados do espectro político enquanto ao outro é garantido a mais ampla proteção.

Entre tantas outras garantias constitucionais.

Mas, fato é que de pouco em pouco, a fome deste novo leviatã poderá suprimir as garantias igualmente estendidas a outros tipos de autoridade e, porque não pensar que, o fato de o judiciário estar agindo de ofício quando deveria deixar ao cargo do Ministério Publico a promoção de determinados atos judiciais, já não pode ser classificada como uma forma de afastar os poderes e direitos destes? Ou então o que dizer ao reiterado desrespeito as prerrogativas dos patronos daqueles que são investigados como igualmente uma forma de afastar os poderes e direitos da advocacia?

Sinceramente e ao arrepio da Constituição, quando se alimenta com poder uma das maiores forças do Estado, isso me lembra alguns episódios de Star Wars.

Uma coisa é certa, algo já está acontecendo e talvez já seja irreversível, mas é importante que isso fique de alguma forma registrada na história, pois até o Jornal Estado de São Paulo admite que:

"Não seria a primeira anulação da imunidade parlamentar no Brasil. Há mais de 50 anos, o Congresso havia negado ao governo autorização para processar criminalmente um deputado que, da tribuna, denunciara o exército como um "valhacouto de torturadores", Quando um boicote aos desfiles do 7 de setembro. Foi então que, para assegurar a "autêntica ordem democrática, baseada na Liberdade e no respeito à dignidade da pessoa humana", o executivo instituiu o AI-5. O resto é história – e, literalmente, silêncio. E, como sabe, "quem ignora a história está condenado a repeti-la" (Destaquei)

Fontes:





MARCELO DUARTE PALAGANO
























-Advogado, graduado em Direito pela Universidade de São Caetano do Sul (2015);

 -Pós-graduado em Processo Civil pela Academia Jurídica em 2020; e

Atua nas áreas do direito Civil, de Família, Sucessões, Consumidor e do Trabalho.


Nota do Editor:

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