terça-feira, 20 de outubro de 2020

Nas Veredas da Justiça


 Autora: Mônica  Ventura(*)


Palavras-Chave:

Justiça; Leis; Julgamento; Senso Moral; Poder; Orgulho; Prepotência; Irascibilidade; Fé; Humildade.

A Humanidade progride, é fato. Entretanto, essa afirmativa não parece verdadeira quando se depara criaturas humanas em as quais, o instinto do mal ainda domina. Essa crueldade primitiva resulta da falta do desenvolvimento do senso moral que, como princípio, é ínsito de todos os seres.

Filosoficamente, o senso moral é a faculdade que possibilita o reconhecimento intuitivo e infalível entre o bem e o mal, especialmente quando, fatos concretos são observados.

Toda criatura com senso moral desenvolvido tem sede de justiça. Daí, o próprio Cristo ter anunciado no Sermão do Monte, as Bem-Aventuranças:

"Bem-Aventurados os que têm fome e sede de Justiça porque serão saciados." (Mateus, 5, 3-16) [1]


Vinte séculos são passados desde o Verbo Consolador do Mestre Divino e o ser humano segue faminto e sequioso por justiça no mundo, sem compreender a justiça real que é a Divina. 

Entende-se que "fazer justiça" significa punir aquele que deve ser punido ou premiar aquele que merece ser premiado. Outrossim, justiça, do Latim "Justitia" – é a faculdade de julgar conforme o direito e melhor consciência, e, em conformidade com o direito, a "Justitia" é a virtude de dar a cada um aquilo que é seu.

Compreende-se também por justiça o conjunto de magistrados bem como as pessoas que servem ao lado destes indivíduos investidos de "múnus público", juízes, desembargadores, ministros; em suma, são os Tribunais, a jurisdição de um magistrado ou de um corpo de magistrados que discutem conjuntamente e julgam as querelas judiciais. Representam estes tribunais portanto, a entidade moral capaz de formar juízo e deliberar sobre questões, sejam de natureza judiciária, consultiva ou administrativa.

As Leis são elaboradas e votadas pelo Poder Legislativo e formam as normas ou regras de direito tornadas obrigatórias para manter a ordem e o desenvolvimento das sociedades humanas.

 O grande ensaísta e poeta do Oriente, Khalil Gibran (1883-1931), escreveu, no maior clássico de sua lavra literária, que um advogado, no seio da aglomeração do Povo de Orphalese, perguntou ao Profeta Al-Mustafa: - "Que pensas de nossas Leis, mestre?” [2]


E, num pensamento muito lúcido, o mestre redarguiu que os homens se deleitam em estabelecer leis, mas, se deleitam ainda mais, em violá-las.

Leitor amigo, alguma vez pensaste por que estranha dor, nem sempre as leis garantem a justiça?

Está anotado nos anais da História que, por volta do ano 33 da Era Cristã, quando se aproximavam as festividades da Páscoa, autoridades romanas, centuriões e legionários dedicados ao Império, e partidos políticos, se reuniam a fim de cumprirem os serviços extraordinários que associavam as maiores massas do Judaísmo e, para Jerusalém se encaminhavam os homens mais importantes da época.

Igualmente a nobreza nativa era notada em tais circunstâncias enquanto peregrinos de todas as regiões da província, ao lado de romeiros e exploradores de ocasião, também se achegavam para celebrar a fé nos grandes festejos do Templo majestoso.


Os convencionalismos sociais eram os mesmos de todos os tempos e, notável se fazia a confrontação de ordem política, social e econômica naquelas caravanas de estrangeiros que se aglomeravam por interesses diversos no âmbito da fé. 

Pois, foi nesse cenário que o governador da Judéia, Pôncio Pilatos, convocou à Corte Provincial Romana, militares graduados, alguns poucos civis destacados no Império e o Senador Publius Lentulus, para, ante a gritaria da massa de povo ensandecido, proceder ao julgamento de Jesus Nazareno, preso em virtude da condenação no Tribunal da Suprema Corte Judia, o Sinédrio, formado pelos anciãos, escribas e sacerdotes, que julgavam as causas importantes como os crimes políticos e administrativos, as questões religiosas, legislativas e jurisdicionais.

Convocado a externar seu parecer sobre tão grave causa, o senador romano, declarou não vislumbrar culpa alguma naquele que, a apenas uma semana, fora recebido em aclamação com cânticos e palmas e flores por aquela mesma massa popular que agora exigia o imediato julgamento por parte das autoridades, confirmando, do mesmo modo, a sentença proferida pelos sacerdotes de Jerusalém.


Do alto de seu orgulho romano, de sua vaidade e posição política, o senador, recordando que ele próprio fora beneficiado pelos dons misericordiosos do Profeta que lhe curara a filhinha leprosa, assim pronunciou, textualmente: 

"- Conheci de perto o Profeta de Nazaré, em Cafarnaum, onde ninguém o tinha na conta de conspirador ou revolucionário. Suas ações, ali, eram as de um homem superior, caridoso e justo, e jamais tive conhecimento de que Sua palavra se erguesse contra qualquer instituto social ou político do Império. Certamente, alguém o toma aqui como pretendendo a autoridade política da Judéia, cevando-se no Seu nome as ambições e o despeito dos sacerdotes do Templo." [3]

Ao encerrar seu parecer, o senador sugeriu a Pilatos, enviasse o acusado ao tetrarca da Galileia, Herodes Ântipas, que, por certo, julgaria com consciência, aquele que era um compatrício seu. Porém, no palácio do tetrarca, Jesus de Nazaré foi recebido com desprezo profundo sendo coroado como "Rei dos Judeus" em simbolismo sarcástico às reivindicações políticas dos seguidores do Cristo. Após escárnios, açoites e humilhações, Jesus foi "devolvido" a Pilatos por Herodes que também solicitava a confirmação da condenação.

Compungido perante tão dolorosa situação, o senador sugeriu a Pilatos, no intento de evitar a crucificação, que apresentasse ao povo, algum criminoso com processo consumado para substituir aquele Homem que poderia até ser um profeta visionário, mas, era um coração justo e bom que não merecia tal suplício. 

Assim, foi apresentado Barrabás, que estava encarcerado aguardando a última condenação. Tratava-se de um homem cruel, perverso, conhecido, temido e odiado por todos, entretanto, foi ele o escolhido para a absolvição da pena capital em detrimento do Ser Inocente diante de quem, o governador Pilatos, crendo-se num determinismo raro sob a sujeição da escolha infame, declarou "lavar as mãos" daquela culpa de se condenar um Homem justo para satisfação da ira do populacho.


Aquele foi, certamente, o julgamento mais perverso, extremamente injusto de toda a historiografia humana. Quiçá, aquela crueza primitiva, a dureza despida de qualquer suavidade ou doçura, o rigor revestido de ira das reações emocionais, e a ingratidão, tivessem levado as criaturas ao equívoco de se crerem vítimas de alguém ou de alguma situação, quando, em verdade, são sempre elas próprias as responsáveis pelos desaires no convívio social. 

Anteriormente, no teatro daquele julgamento, quando Jesus foi conduzido a Anás, sogro de Caifás, este, o sumo sacerdote daquele ano e que aconselhara os judeus: 

" Convém que um só homem morra em lugar do povo" (João, 18:13) [1], para o interrogatório, um soldado irascível da guarda do prepotente Anás, quem sabe, tentando alcançar uma promoção diante dos seus maiorais, esbofeteou inclemente, o prisioneiro sereno que se mantinha impertérrito, impávido e destemido diante da turbamulta.


O Mestre dos mestres que jamais cessou de ensinar, olhando nos olhos do algoz, redarguiu:

"- Se errei, dá-me conta do meu erro. Mas, se não errei, por que me bates?" (João, 18, 22-23) [1].


Com aquelas Palavras de sabedoria eterna, Jesus de Nazaré mostrou ao soldado irado e ganancioso de se promover às custas da grande injustiça, que o bem e o mal proceder nascem nas fontes do coração e, que é necessário disciplinar os impulsos direcionando para o BEM os sentimentos porque em todas as situações, é mister conceder a outrem o direito de ser como cada qual consegue ser e não de acordo com as nossas próprias imposições, nem sempre acertadas ou justas.

O mundo no século XXI está sofrido, cansado e amargurado pela presença de líderes carismáticos que se julgam especiais em suas autoridades diabólicas porque suas atitudes são, vezes sem conta, arbitrárias, presunçosas, eivadas de agressividade e despotismo.


Estes modernos Anás, Caifás, Herodes, Pilatos, e também os acusadores sistemáticos, inamistosos que, inclusive, no meio do povo, estão sempre apontando os erros alheios como se eles próprios fossem, intocáveis e irreprocháveis modelos de erudição e comportamento, esquecem-se que, a Humanidade progride sim, moral e intelectualmente, por causa de homens e mulheres que são lições vivas, a exemplo do Cristo de Deus, de humildade e compaixão, misericórdia e serenidade, trabalho e dedicação aos diversos misteres aos quais se entregam em todas as áreas, seja, na célula familiar ajustada, na política, na religião respeitada e vivida sob a égide dos valores morais, nas áreas legislativa, executiva ou judiciária, pois, são estes, os que trazem o senso moral desenvolvido e com sabedoria, ainda que anonimamente com simplicidade, conduzem todas as demais criaturas nas veredas da justiça, nas sendas da consciência reta, na direção da liberdade para a felicidade imorredoura prometida pelo Consolador aos filhos de Deus.

Estes são tempos de renovação planetária que exigem de todos os seres de boa vontade, mudança de atitude perante os acontecimentos e reconstrução social com a consequente dignificação individual e coletiva para o bem comum, pois, há muita dor, aflição e medo esperando socorro, amparo e bondade, assim também, há muito desconforto, insatisfação, dúvidas e desesperança, aguardando palavras e atitudes que dulcificam, acalmam e orientam. 

A lembrança e a presença psíquica de nosso Senhor e Mestre Jesus, permanece em cada um de nós, não como um herói ou um mártir que venceu a cruz de ignomínias, mas, como o Exemplo de quem viveu no mundo sem a ele pertencer porque jamais, quis honra ou poder mundanos, ao contrário, entregou-se inteiramente por amor a todos nós.
 

A prisão do Homem Jesus, o julgamento e a condenação que resultaram na tragédia da cruz que a todos comove, ainda permeia a História Humana por causa da indiferença daqueles que são por Ele amados, mas, preferem ignorá-Lo, escolhendo "Barrabás" para a vida de ilusões enquanto segue-se crucificando o Bom Pastor.

 

"- Senador, por que me procuras? – (...) Fora melhor que me procurasses publicamente e na hora mais clara do dia, para que pudesses adquirir, de uma só vez e para toda a vida, a lição sublime da fé e da humildade... Mas, Eu não vim ao mundo para derrogar as leis supremas da Natureza e venho ao encontro do teu coração desfalecido!...

“– Sim... não venho buscar o homem de Estado, superficial e orgulhoso, que só os séculos de sofrimento podem encaminhar ao regaço de meu Pai; (...).

“– Depois de longos anos de desvio do bom caminho, pelo sendal dos erros clamorosos, encontras, hoje, um ponto de referência para a regeneração de toda a tua vida.

“Está, porém, no teu querer o aproveitá-lo agora, ou daqui a alguns milênios... Se o desdobramento da vida humana está subordinado às circunstâncias, és obrigado a considerar que elas existem de toda a natureza, cumprindo às criaturas a obrigação de exercitar o poder da vontade e do sentimento, buscando aproximar seus destinos das correntes do bem e do amor aos semelhantes."

(Palavras do Senhor Jesus de Nazaré ao senador Publius Lentulus – Conforme anotado no Livro:

Há Dois Mil Anos, Capítulo V – Francisco Cândido Xavier/Emmanuel.)

 


Referências Bibliográficas - Obras e Livros consultados:

 

[1] - Bíblia Sagrada – Tradução dos Originais mediante a versão dos Monges de Maredsous (Bélgica) pelo Centro Bíblico Católico - 64ª Edição – Editora Ave Maria Ltda;

[2] - O Profeta – Gibran Khalil Gibran – Tradução: Mansour Challita – Ed. Vozes Ltda – 1974;

[3] – Há Dois Mil Anos – Episódios da História do Cristianismo do Século I – Emmanuel/F.C.Xavier – 48ª Edição. Copyright 1939 by Editora FEB.

 

Bibliografia:

 

Le Livre Des Esprits (Paris, 18/04/1857) - O Livro dos Espíritos – Filosofia Espiritualista – Allan Kardec – Tradução: Guillon Ribeiro – 75ª Edição Copyright 1944 By FEB;

Livro: Em Busca da Verdade – Autora: Joanna de Ângelis por Divaldo Franco. Ed. LEAL-1ª Ed. 2009;

Livro: Vivendo Com Jesus – Amélia Rodrigues por Divaldo Franco. Ed. LEAL – 2ª Edição – 2017;

Livro: Uma Breve História da Humanidade – SAPIENS – Yuval Noah Harari – Tradução: Janaína Marcoantonio - Parte Três: A Unificação da Humanidade, Cap. 12: A Lei da Religião – L&PM Editores – 19ª Edição 2017;
Livro: Dos Delitos e Das Penas – Cesare Beccaria – Tradução: Paulo M. de Oliveira – Ed. EDIPRO – 1ª Edição 2017;
Livro: Os Grandes Julgamentos Da História – José Roberto de Castro Neves – Ed. Nova Fronteira – 1ª Edição 2018.

*MÔNICA MARIA VENTURA SANTIAGO











- Advogada. Especialidades:

- Direito de Família e Sucessões,

- Direito Internacional Público,

- Direito Administrativo;

- Lato Sensu em Linguística e Letras Neolatinas;

- Degree in English by Edwards Language School – London - Accredited by the British Council, a member of English UK and a Centre for Cambridge Examinations.

- Escreve artigos sobre Direito; Política; Sociologia; Cidadania; Educação e Psicologia.



Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

6 comentários:

  1. Que primorosa pesquisa!!! Quanta logica nos dizeres... E, por que não? Quanta analogia com os pretensiosos do nosso seculo?
    A vaidade e a pretensão dos que erram, é algo que lhes tolhe a razão e o bom senso.
    Faz-me lembrar uma pessoa que não apagava a luz, porque ela não a havia acendido... Aí está a falta de senso e mesmo de justiça. Se um texto legal não está claro, omisso e até mesmo mal formulado, o bom senso nada vale, a qualidade do tirocínio nada vale porque quem aplica a lei lava as mãos, tal e qual um Pilatos mal copiado, porque não o texto é o texto e ele nada pode fazer, então. .. Liberte-se Barrabas, a Sociedade que se arranje por não ter boas leis! E pur se muove!!!

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    1. Gratidão, amigo Assaruhy!!
      Por seu comentário generoso e por sua análise tão profunda do texto!!
      Foi bem por aí, que minhas reflexões me levaram a escrever.
      Já estamos no fim de um ano perdido em pânico, dores, julgamentos, maledicências, agressividades, prepotências, arrogâncias, autoritarismos, insanidades...
      O melhor a fazer é recordar JESUS porque temos sede de Justiça!
      Porque temos vontade de PAZ!
      Porque precisamos ter senso moral desenvolvido e consciência despertada para nunca mais, escolher Barrabás, preterindo o Senhor da Vida.
      Já é tempo de as criaturas pararem de crucificar o Mestre com escolhas, atitudes, sentimentos e emoções perversos e desequilibrados. Século XXI, é tempo de renovação!!
      E que Deus, em Sua infinita misericórdia, tenha piedade de todos nós!!
      Fraterno e terno abraço!! Paz e bençãos!!

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  2. Incrível ver que depois de tantos anos,a humanidade, permanece a mesma.
    Tantos avanços científicos e a gente vê o povo gritando prende Cristo e solte Barrabás. Cristo ainda não foi compreendido, prevalece o mal.
    Ótimo texto para nossa reflexão, parabéns.

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    1. Olá, Neide!

      Obrigada pela atenção de ler e gentilmente, comentar!

      Sim, há muito progresso científico e tecnológico realizado, entretanto, o progresso moral que deve seguir ao intelectual, está aquém daquilo que deveria ser porque as criaturas ainda cultivam ódio e agressividade em suas atitudes e escolhas, assim, preferindo "Barrabás" que representa toda perversidade, vaidade e egoísmo, enquanto segue-se preterindo e "crucificando" o Cristo de Deus.
      O século XXI desafia-nos a despertar e desenvolver o senso moral, para distinguir com clareza entre o BEM e o mal.

      É medida de urgência, buscarmos conhecer os exemplos e lições de Jesus, e, sobretudo, VIVER, o Cristo que habita em nós!

      Terno e carinhoso Abraço!!
      Paz!!

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  3. Sábias palavras, ainda temos muito o que melhorar, para que posso parar de crucificar o Bom Pastor.

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    1. Obrigada, Alex!!

      Muito feliz com seu comentário!!

      Sorrisos! Paz e bem!!

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