Autora: Ana Carolina Cabral(*)
Dois mil e vinte é um ano atípico na história da humanidade. Tem sido um ano de muitas descobertas, superações, e adaptações. Muitas coisas que a humanidade nunca viveu, aconteceram. Muitas coisas que a humanidade achou que ficaria reservada aos diários históricos, reviveu, e muitas coisas que imaginou para o futuro, precisou repensar e reconsiderar. Ou seja, passado, presente e futuro foram reconsiderados. Nossas regras, crenças e atitudes foram postas à prova em um momento de adaptação forçada e emergencial. E é aqui, neste momento, que entra um ponto muitíssimo importante, não somente para quem trabalha com saúde mental, mas sim para todo aquele que vivencia um processo de adaptação. Sim, um processo de adaptação pode, praticamente, ser compreendido como stress. E isso não é exagero.
Muitas foram as definições para conceituar o stress, porém a definição de Selye (1936), foi considerada, dentre as primeiras conceituações acerca deste tema, a de maior relevância. Segundo ela, o stress é uma reação do organismo que ocorre frente a situações que exijam dele adaptações além do seu limite. Atualmente, os estudos sobre stress abrangem não apenas as consequências no corpo e na mente humana, mas também suas implicações para a qualidade de vida da sociedade.
O stress implica em um processo adaptativo, que pode ocorrer a qualquer demanda ou vivência seja ela de conteúdo positivo ou negativo, mas que exige adaptar-se, e mobiliza recursos do indivíduo psicológicos, e também, físicos. Ainda é sabido que o stress possui implicações que podem afetar física e psicologicamente.
Os estudos acerca do stress ao longo do tempo mostraram que ele pode se manifestar, como bem destacou Marilda Lipp, em quatro fases. Tais fases não se compõe necessariamente como um percurso fixo do stress, ou seja, a manifestação do stress não irá, para todas as pessoas, a todo tempo, manifestar-se em todas as fases. Podemos avançar ou não, de acordo com as habilidades de enfrentamento frente a situações estressantes. Logo, estamos tratando do estado geral de uma pessoa, e não simplesmente de uma situação específica. Conforme as dificuldades de adaptação avançam, o nível do stresss tende a avançar, e o organismo como um todo, física e psicologicamente, irá se desgastar. Enfim, abaixo está uma breve descrição destas fases:
1. Alerta: fase que entramos e saímos diariamente, focada no reconhecimento do estressor;
2. Resistência: quando temos certa dificuldade para nos adaptarmos e superarmos nossas demandas diárias e/ou excepcionais. É quando o organismo busca reparação do dano físico causado pelo estressor;
3. Quase-exaustão: quando as dificuldades de adaptação se apresentam mais intensas e impedem o êxito do processo de enfrentamento. Se fazem evidentes o enfraquecimento e desgaste físico e mental, podendo também aparecer doenças crônicas;
4. Exaustão: quando a pessoa se vê incapaz e sem recursos de adaptação ou superação a ponto de sobrecarregar o organismo e observarmos prejuízos crônicos físicos e/ ou mentais.
Considerando que reagir àquilo que nos ocorre é um sinal evidente de sanidade, sabemos que nos estressarmos não é, necessariamente, algo inadequado. A fase de alerta do stress é considerada a resposta inicial do organismo ante o estressor, o que, a princípio, não é ruim. No entanto, como foi acima descrito, caso o processo de adaptação se estenda com comprometimentos e dificuldades de enfrentamento, sim, é sabido que o stress irá seguir um curso que poderá sim comprometer a saúde física e emocional.
A pandemia que enfrentamos neste ano de 2020 é estressante. Ela pode ser considerada um estressor por muitos âmbitos, mas aqui irei me deter aos estressores de ordem psíquica. A vida como um todo foi afetada física, psicológica, social, professional, e também financeiramente. Adaptar-se as novas contingências e regras de vivência e sobrevivência, ao medo, à dúvida, etc foi e é ainda um grande desafio. A mudança foi muito intensa, e hábitos, regras, estruturas e crenças estão sendo reestruturadas. Como não se estressar? Como não entrar em num quadro de stress ainda que em alerta? Seria um desafio quase que inatingível.
No entanto, se faz necessário cuidar do stress, pois, ao contrário , teremos outros problemas. Não parece viável evitar manejar e cuidar do stress, a fim de favorecer este processo adaptativo novo e que nos foi imposto.
A literatura aponta que para cuidar do stress, é preciso estratégia. Muitos são os estudos que demonstram a eficácia da terapia cognitivo-comportamental, pois esta visa produzir mudanças cognitivas (pensamentos e crenças), emocional e comportamental duradouras. Enfatiza a aliança terapêutica, enfoca o caráter educativo, baseando-se na resolução dos problemas do cliente. Faz-se o tratamento de duração breve e sessões estruturadas.
No que tange o manejo do stress, teóricos apresentam uma estratégia de trabalho bastante funcional dentro das modalidades da terapia cognitivo-comportamental, que foca em quatro frentes: nutrição "antistress", relaxamento da tensão mental e física, exercício físico e reestruturação cognitivo comportamentais. (Lipp, 2000)
Dentre as frentes do manejo do stress, gostaria aqui de propor uma breve reflexão acerca da importância do relaxamento. Esta área é ainda pouco conhecida ou explorada dentro do enfrentamento do stress, pois ainda é comum pensarmos que relaxar é o exercício de descansar. No entanto, relaxar não se resume ao descanso. Existem muitos exercícios bastante eficazes para o relaxamento, e mindfullness é um deles. Utilizar mindfulness pode ser uma ferramenta para o gerenciamento do stress e a promoção de saude física e mental. Quanto mais se aprende acerca de mindfulness, mais se compreende que este exercício não se restringe ao relaxamento, mas sim ao nosso organismo como um todo, como um modo de funcionamento mais eficaz. Porém, para esta breve introdução, inserir mindfulness dentro de uma estratégia de relaxamento, parece adequado.
Segundo Rovira (2019):
"Com mindfulness, manejamos o controle de nosso destino mental e emocional, aprendemos a responder e não a reagir. Utilizamos nossa mente e não permitimos que ela nos utilize. Tomamos o controle."(página 400)
Segundo a autora, Mindfulness é um conceito multifatorial, que poderia ser definido como uma estratégia, qualidade, capacidade ou habilidade da mente que nos permite estar presentes e conscientes em um dado momento, ao passo que corpo e mente se sincronizam. Logo compreende a prática de trazer ao presente e ao momento presente a percepção daquilo que se experimenta e vivencia sem, no entanto, prender-se aos julgamentos. Trata-se do desenvolvimento de uma habilidade, que decorre de treinamento e, quando desejado, também de exercícios de meditação. Sim, pois é na meditação budista que estão as fontes fundamentalistas do mindfullness, mas especificamente de sati, um elemento central da tradição Budista, acompanhado de técnicas de meditação Tibetana. A proposta do mindfulness não é e nunca foi o exercício de uma prática religiosa, embora tenha se desenvolvido a partir de práticas budistas. Embora as definições e técnicas de mindfulness sejam abrangentes , as tradições budistas explicam o que constitui a atenção plena, por exemplo, como os momentos passados, presentes e futuros surgem e cessam como impressões sensoriais momentâneas e fenômenos mentais.
Rovira (2019) aponta que Mindfulness possui dois componentes básicos: atenção e atitude. A atenção se dirige à experiência presente, e a atitude é aberta, curiosa, e, além disto, apresenta um elemento de aceitação, livre de julgamento. Esta atenção curiosa, para a Psicología Cognitiva se contempla como um distânciamiento dos sucessos internos assim como dos pensamentos, emoções e as sensações corporais. Ao trabalhar o distanciamento como exercício de consciência da perspectiva interna, é possível distinguir-se em observador e ser observado, entre experiência e cientista, espectador e filme.
Um outro e muito importante conceito é a base na experiência e não no conceito. Esta diferença é crucial para a proposta do minfulness. É muito diferente compreender o benefício da crença racional e funcional, tão divulgada e defendida na Terapia Cognitivo Comportamental, e vivenciar a experiência de pensar racional e funcionalmente, visto que neste último caso, é acompanhado de emoções saudáveis.
O terceiro aspecto do Mindfulness é que a atenção se foca no momento presente, naquilo que se percebe aqui e agora, sem pensar no que se sentia antes, tampouco no que se deveria pensar ou sentir, a não ser aquilo experimentado no aqui e no agora.
Já o último dos aspectos destacados é que Mindfulness se pratica sem qualquer julgamento. Sem um objetivo predeterminado em mente. Caso uma pessoa se fixe em um objetivo, facilmente julgaria, avaliaria a si próprio, e seu sucesso.
Em Mindfulness, não se emitem juízos, apenas se adota uma postura de atenção em prestar atenção. Desta maneira, o diálogo mental, tão presente nos processos de stress, depressão e ansiedade, sempre acaba fixando a atenção para o presente e as dificuldades de manejar as situações de conflito. O ruído tão incessante destes diálogos intermináveis, cheios de dúvidas e preocupações quanto ao futuro, se apresentam, geralmente, acompanhados das lamentações do passado, e distraem quanto ao presente e aquilo que de fato se está vivenciando.
Embora Mindfulness não seja uma filosofia, religião , e nem mesmo um conjunto de técnicas, viabiliza focar o presente e, assim, eleger as estratégias de enfrentamento mais adaptadas as situações enfrentadas. Mindfulness pode ser compreendido como um exercício para a mente, que promove bem estar e relaxamento, ao passo que quando se entra em consciência do corpo, pensamentos, relações, emoções, ações, estamos convertendo Mindfulness em uma forma de habitar a vida. A chamada experiência consciente presente é transformadora, focada no presente, sem julgamentos, com uma atitude curiosa, pacífica e tolerante.
Esta abertura para perceber o próprio pensamento é bastante adequada à metodologia que a TREC (Terapia Racional Emotiva e Conductual) propõe, quando visa proporcionar bem estar e superação a partir da proposta da reestruturação cognitiva dos pensamentos irracionais e disfuncionais para a saúde da pessoa. Segundo esta abordagem cognitiva, o sofrimento psíquico é oriundo dos pensamentos desadaptativos, chamados de irracionais, formulados a partir daquilo que conceituamos crenças irracionais. Logo, o Mindfulness é muito apropriado uma vez que facilita a tomada de consciência da irracionalidade dos pensamentos automáticos e incontrolados. Uma vez detectado este pensamento, é possível identificar as crenças que o provocam e modificá-las.
Praticar mindfulness em TREC, no entanto, renderia um novo artigo. Não seria aqui a proposta , porém, convidar você, querido leitor, a pensar o que se pensa, e a se posicionar de modo a promover bem estar, e não a se permitir levar pela tensão presente, sem considerar-se por inteiro, é minha proposta.
Em 2020 tivemos contratempos diversos, fontes inesgotáveis de stress mas, se nos centrarmos e percebermos como efetivamente somos e ou estamos, podemos escolher como desejamos seguir em frente neste enfrentamento histórico.
Referências
Creswell JD (January 2017). "Mindfulness Interventions". Annual Review of Psychology. 68: 491–516. doi:10.1146/annurev-psych-042716-051139. PMID 27687118. Methodologically rigorous RCTs have demonstrated that mindfulness interventions improve outcomes in multiple domains (e.g., chronic pain, depression relapse, addiction);
Lipp MEN. Manual do inventário de sintomas de stress para adultos. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2000;
Santos AF, Alves Júnior A. Estresse e estratégias de enfrentamento em mestrandos de ciências da saúde. Psicol Reflex Crit. 2007; 20(1):104-13;
Rovira, M. BIENVENIDO AL PRESENTE Mindfulness y Terapia Racional Emotiva Conductual. 2019.TRECSE; e
Ruth A. Baer . Mindfulness Training as a Clinical Intervention: A Conceptual and Empirical Review. Available at http://www.wisebrain.org/papers/MindfulnessPsyTx.pdf
* ANA CAROLINA QUEIROZ CABRAL
-Psicóloga formada pela UNIMEP;
-Mestre em psicologia pela PUCCAMP leciona tanto na graduação como na pós graduação desde 2007 ;
- Estudiosa da terapia racional emotiva (REBT);
-Foco de trabalho junto aos alunos e pacientes: funcionamento psíquico do ser humano;
-Foco de estudo:
- A relação mãe e filho e os seus desdobramentos psíquicos, especialmente no que tange ao stress e ao sentimento de raiva;
-Professora e supervisora de Terapia Comportamental Cognitiva;
- Atualmente atua no atendimento individual e em grupo de seus pacientes há mais de 13 anos, independente das mais variadas demandas, seguindo como base teórica a Teoria Racional Emotiva de Albert Ellis.
Nota do Editor:
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