segunda-feira, 4 de julho de 2022

O impacto da Guerra Rússia-Ucrânia na economia do Brasil e do mundo


 Autor: Alberto Romano Schiesari(*)

1 – Abordagem histórica 

Os mais jovens provavelmente conhecem pouco ou nada a respeito de União Soviética (ou União das Repúblicas Socialistas Soviéticas ou URSS), Primeira e Segunda Guerras Mundiais, Guerra Fria. Vale a pena resumir rapidamente os fatos e as consequências desses momentos da História.

A Primeira Guerra Mundial aconteceu entre julho de 1914 e novembro de 1918, com a Rússia sendo uma das potências no conflito. O regime russo, então liderado pela família imperial e pelo Czar, deixava boa parte da população descontente. Como resultado desse contexto, e com a força aos poucos obtida pelo anticzarismo, o Czar foi derrubado pela revolução de Fevereiro de 1917, e teve início um período de governo provisório, no qual as diferentes forças políticas brigavam para chegar ao topo do poder. 

Em outubro de 1917 uma nova revolução derrubou o governo provisório e levou Lenin ao poder, fazendo nascer o primeiro estado socialista marxista comunista do mundo. Uma guerra civil estourou no início de 1918, os anticomunistas de um lado formando o Exército Branco, e os partidários do comunismo do outro lado com seu Exército Vermelho. Isso ocorreu em paralelo com a Primeira Guerra, que ainda não havia chegado fim. A Rússia agonizava entre os conflitos internos e a necessidade de combater os inimigos externos, principalmente para defender-se da Alemanha.

Os adeptos de Lenin acabaram com a monarquia e executaram sumariamente toda a família imperial russa em julho de 1918, incluindo mulheres e crianças. A Primeira Guerra terminou em novembro de 1918, e houve uma redefinição da geografia envolvendo os países e regiões envolvidos no conflito. O Império Russo perdeu população, território, indústrias e outros recursos econômicos. A guerra civil trazia constante instabilidade, e terminou somente em 1922, com os comunistas vitoriosos, e que oficializou Lenin como líder da nascente União Soviética (URSS), um agregado de países, regiões, e culturas dominados à força pelo poder político central, sediado em Moscou. 

Com a saúde muito debilitada, Lenin faleceu em janeiro de 1924, o que deu início a um período de vários anos com brigas entre as facções que desejavam subir ao máximo poder. Em 1927 Stalin passou a ser o supremo líder, e "eternizou-se" no poder até sua morte, em 1953, tendo sido substituído por Khrushchev.

Cumpre notar que a URSS nunca teve eleições para a população poder escolher seus líderes máximos. A cada vacância de líder, a sucessão era decidida por meio de conchavos, acordos e traições entre os diversos postulantes ao poder. A URSS nunca viveu democracia, e na Rússia que a sucedeu as eleições havidas sempre deixaram a desejar no que se refere à transparência do processo.

Juntamente com os horrores do absolutismo genocida de Stalin o mundo viveu os horrores da Segunda Guerra Mundial, a qual se estendeu desde 1939 até 1945, com a URSS sendo uma das potências que conseguiu impedir a vitória do genocida Hitler. Houve nova reconfiguração geográfica e política na Europa, o que permitiu que a URSS ganhasse território e poder. Ela passou a concorrer com os EUA (as duas potências com armas atômicas), os dois lados fazendo de tudo para promover seus respectivos regimes políticos e econômicos, para conquistar mercados, influência política e poder mundo afora. Essa concorrência EUA vs URSS teve momentos de grande tensão, e ficou conhecida como Guerra Fria. A tecnologia passou a ser importante símbolo de poder.

A Guerra Fria vigorou até 1991, quando a URSS se desmantelou. Mas o saudosismo dos tempos soviéticos continuou na mente de alguns de seus líderes pós 1991, o que faz com que a disputa de poder entre os EUA e a Rússia continue até hoje. 

Um dos subprodutos da Guerra Fria foi o nascimento da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), que reúne EUA e vários países europeus num bloco militar, aliados para fazer a defesa dos membros contra o opressivo expansionismo soviético-russo. Em resposta houve a Criação do Pacto de Varsóvia, aliança militar entre os países do bloco soviético, que em 1991 também foi desfeita. 

2 – A economia no mundo e no Brasil nos últimos 50 anos 

Na década de 1970 havia certo júbilo que assolava o mundo ocidental, por duas razões principais, que vinham amadurecendo desde a Segunda Guerra e seu final.

A primeira delas era a exuberância da economia: com o final da guerra, as atividades econômicas foram liberadas para seguir seu curso normal, a reconstrução de países demandava serviços, matéria prima, mão de obra. 

A outra razão é que a tecnologia havia dado saltos gigantescos: os bens de consumo evoluíram qualitativa e quantitativamente e, em decorrência, tanto o comércio interno dos países quanto o internacional apresentavam animadores e crescentes resultados positivos. A demanda por bens de consumo deu saltos exponenciais. URSS e EUA colocaram humanos no espaço, e os americanos venceram importante batalha da Guerra Fria colocando astronautas no solo da Lua. 

O lançamento da pílula anticoncepcional no início dos anos 60 deu liberdade de escolha e de comportamento às mulheres, que ocupavam cada dia mais posições no mercado de trabalho e assim se tornavam independentes por completo. E os homens estavam também livres da guerra, com algumas exceções, como no Vietnã, onde comunistas eram apoiados pela URSS e não comunistas tinham os EUA a seu lado. Desta feita os soviéticos tiveram a sorte de dominar por completo o país asiático. 

Em paralelo às crescentes liberdades de comportamento, havia também polos onde cidadãos infelizmente sofriam falta de liberdade de expressão e de ação, mesmo em países "livres": havia muitos direitos humanos que não eram respeitados. Como ainda hoje há.

Um dos aspectos que reforçavam a falta de liberdade era o fato de que algumas nações migraram para regimes totalitários. Nas Américas havia quase a “moda” de regimes autoritários, a começar por dois dos principais países da região: Brasil e Argentina. Na Europa a liberdade era tolhida nos países sufocados pela URSS.

Embora sementes de tempos muito diferentes já estivessem plantadas, ainda ninguém imaginava que logo a China teria uma pujante economia capitalista. Ninguém supunha que a União Soviética deixaria de existir e encheria de saudades a mente de imperialistas ditatoriais soviéticos. 

Nem se cogitava que o Irã teria anulados todos os benefícios que sua ocidentalização havia proporcionado e voltaria à idade das trevas. Os árabes iniciaram a primeira grande crise do petróleo, a qual mudou radicalmente a geopolítica Leste-Oeste em função da dependência que o mundo ocidental tinha do produto e de seus fornecedores do outro lado do planeta. O Brasil vivia uma época denominada "milagre econômico", sob a batuta dos militares.

Depois de uma geração vivendo sob regime autoritário, mas com crescimento econômico significativo, com a redemocratização iniciada em 1985 o nosso país passou a ter graves problemas econômicos, a começar pela galopante inflação que destruía o poder aquisitivo da população. Nosso país reaprendia a viver com liberdade, mas o crescimento já não apresentava índices tão favoráveis. 

A agravar essa situação, no início da década de 1990, quando a Rússia deixou de ser "comunista" e adotou o capitalismo, muitos recursos financeiros dos investidores internacionais foram direcionados a ela, e o fluxo financeiro para o Brasil deixou de ser tão vigoroso quanto havia sido durante o regime militar.

3 – A globalização

Os países ricos buscavam influenciar os não tão ricos, para incrementar e expandir sua clientela. As empresas multinacionais prosperavam e floresciam. As mudanças políticas que ocorreram desde essa época até o final do século 20 causaram profundas alterações econômicas no mundo inteiro. O desmantelamento da União Soviética, a abertura da economia chinesa e a voracidade dos capitalistas selvagens do ocidente fomentou o fenômeno da globalização, e os mercados acostumaram-se a ganhos em escala até então nunca vista. 

A globalização era sonho antigo dos economistas e das empresas, mas os aspectos políticos e militares decorrentes infelizmente foram esquecidos. 

O foco das guerras passou a ser na Ásia e na África. O mundo ocidental crescia a olhos vistos. A Rússia, após se adaptar ao capitalismo, também passou a ver sua economia expandir-se.

Os americanos e europeus deixaram que sua dependência da Rússia e da China, no âmbito do comércio internacional, aumentasse substancialmente.

Mesmo com sinais e indícios de que essa dependência talvez não fosse tão saudável nas esferas política e militar, os acordos comerciais proliferavam, o comércio internacional apresentava desempenho crescente. Literalmente, o mundo livre se esqueceu de tomar as precauções necessárias para o caso de algo acontecer na política e fazer as regras desse jogo comercial se tornarem obsoletas da noite para o dia.

A globalização ganhou força, os países ditos democráticos e livres comerciavam à vontade com ditaduras e regimes de exceção. A Rússia vendia produtos naturais e a China apostou na industrialização e tecnologia, exportando produtos manufaturados.

Enquanto isso o Brasil lutava desesperadamente contra a inflação, seu crescimento era freado, com o agravante de haver disputas políticas internas, eivadas de interesses outros que não a estabilização econômica do país. 

Mesmo depois de a inflação ter sido domada pelo Plano Real em 1994, os aspectos políticos dominaram a mente e as ações das altas esferas no país, com recursos de tempo e de dinheiro sendo direcionados para construir uma infraestrutura política destinada ao fortalecimento de partidos políticos, e a garantir a reeleição de governantes e legisladores, deixando em segundo plano projetos de infraestrutura em áreas básicas como energia, saúde, segurança e educação. 

Essa situação perdura até hoje, notando-se que no momento é algo inacreditavelmente exacerbado. A falta de recursos traz índices alarmantes de desemprego e de fome a grande parcela da população há cerca de uma década. Mas...

4 – Putin invade a Ucrânia

Putin deu avisos explícitos a respeito de suas intenções imperialistas, saudosas da antiga União Soviética, que infelizmente foram descartados pelo Ocidente. Tanto no aspecto político quanto no econômico. 

A Chechênia foi o primeiro aviso. Ela fez parte do Império Russo até 1917, quando declarou independência. Inclusive, é bom lembrar que nessa época a Chechênia uniu-se à Inguchétia e ao Daguestão, formando um único país (República das Montanhas do Cáucaso Setentrional) que queria viver seu próprio destino, cultura e liberdade. Mas em 1921 os russos ocuparam essa região à força. Com o fim da União Soviética essas três regiões não conseguiram ser autônomas novamente, pois os soviéticos nelas haviam se instalado com ampla força militar.

A Chechênia guerreou com a Rússia entre 1994 e 1996, e entre 1999 e 2009, em busca de sua liberdade. Porém ao final ela foi derrotada e continua até hoje como uma região da Federação Russa.

A Chechênia há mais de um século tenta se livrar das garras russas. Cumpre lembrar que o Daguestão é hoje também uma região que a Rússia, desde o início da guerra com a Ucrânia, tentou mostrar ao mundo que seria pró-Rússia. A história não confirma essa versão.

Em fevereiro de 2022 Putin fez o mundo se lembrar de duas coisas importantes, sendo a primeira delas o caráter expansionista e insensível do líder russo. E a outra foi de que a globalização tem muitos perigos. Desde então as fraquezas do Ocidente foram expostas.

Em 2014 foi a vez da ucraniana região da Crimeia ser engolida pelos russos. Foi outro aviso muito forte, igualmente orquestrado por Putin, mas o mundo ocidental não deu a importância devida. Não se imaginava que Putin ainda quer muito mais...

A balança comercial da Rússia mostrava que ela era uma grande exportadora para o Ocidente de petróleo, gás natural e de produtos e derivados obtidos pela atividade de mineração em seu enorme território.

Em âmbito mundial, os impactos maiores da invasão russa à Ucrânia, foram: 

(a) O Ocidente percebeu o quão vulnerável era no conjunto das transações comerciais com os russos. Países europeus dependiam visceralmente do gás e do petróleo russos; 

(b) A situação obviamente se agravou quando EUA, União Europeia e outros países impuseram diversos pacotes de sanções contra a Rússia e também contra os bilionários russos que dão sustentação ao poder de Putin;

(c) Nesse novo contexto, tanto a Rússia quanto o Ocidente foram em busca de novos clientes e fornecedores para tentar suprir necessidades de recursos e de faturamento. Houve um rearranjo dos agentes comerciais, mas esse é um processo lento, problemático para os dois lados; 

(d)O Ocidente despertou para uma realidade dura: a globalização precisa ser repensada, reavaliada, redefinida. Talvez estancada, segmentada, ou quiçá extinta; e 

(e) O preço do petróleo e seus derivados subiu significativamente no mundo todo.

No caso do Brasil essas consequências também se fizeram sentir.

Nossa economia há pelo menos dez anos vem sofrendo os efeitos de más administrações. Desemprego crescente, índices de fome cada vez mais alarmantes, inflação querendo despontar com força, poder aquisitivo se deteriorando. As administrações de esquerda desde o início da década de 2000 levaram ao desgaste do relacionamento comercial e político com EUA e União Europeia. Ao mesmo tempo houve incremento no comércio com a China e também com outros países de menor importância. Nosso país se afastou de nações ricas, e se aproximou de outras que eram sabidamente problemáticas politicamente, ou que quase nada tinham a oferecer no âmbito comercial para o Brasil.

A desculpa governamental oficial para a viagem de Bolsonaro à Rússia justo no momento em que o conflito com a Ucrânia despontava, foi que “precisamos de fertilizantes, a Rússia os têm”. Isso não é verdade, pois em nosso país há a possibilidade concreta de uso de fertilizantes naturais, que, caso seja algo planejado e incentivado pelo governo federal, elimina facilmente a dependência das importações russas. Empresários do campo já fazem uso disso há algum tempo, muitos migraram para essa alternativa após fevereiro de 2022.

Mas o impacto mais drástico foi no preço do petróleo, que teve alta significativa em todo o mercado mundial. O Brasil não é o único país a ter que enfrentar esse problema.

Nossos governantes tentaram escapar do problema dos fertilizantes mas não deram importância ao problema básico do preço do petróleo. Erro enorme e primário, imperdoável.

O caso é muito complicado, pois envolve a Petrobrás, uma das maiores empresas do mundo, uma das mais lucrativas, e que tem monopólio no mercado brasileiro. Mas é uma empresa em que o Estado é acionista, e tem ações negociadas nas principais bolsas de valores do mundo. Esta última característica faz com que ela precise seguir rígidas regras de conduta ditadas pelos órgãos reguladores de todos os países em que ela tem seu capital aberto. A Petrobrás tem o dever de servir corretamente seus acionistas, tanto os nacionais quanto os do exterior.

Mas ao mesmo tempo precisa observar conduta social compatível com seu principal acionista brasileiro, o governo, em primeira instância representante dos interesses da população, principalmente dos menos afortunados. Os que mais sofrem com o aumento dos preços do combustível.

Certamente dois caminhos conflitantes entre si, numa análise superficial. É o dilema que toda empresa mista tem que enfrentar.

Mas há diferentes formas de operação, de precificação. Há alternativas de conduta. Há várias medidas governamentais possíveis e recomendáveis que certamente podem amenizar os efeitos da alta dos preços do petróleo no Brasil. Há como conciliar os dois caminhos conflitantes que uma empresa mista precisa seguir, embora seja fatal que uma parcela do ônus pela alta de preços recaia sobre o consumidor final.

Entretanto, o governo brasileiro preferiu um caminho muito mais difícil, que não leva a nenhum destino razoável, e dificulta soluções. O impulsivo, despótico e despreparado presidente brasileiro preferiu impor seu estilo grotesco de lidar com problemas, e desde o início pressionou os gestores da Petrobrás a tomarem atitudes de seu agrado, embora fossem danosas aos acionistas, principalmente os estrangeiros. Incompatibilizou-se com eles, trocou-os por outros. Algo que, em resumo, seria útil ao expresso desejo pessoal do Presidente de ser reeleito, mas certamente com efeitos danosos para a empresa e seus acionistas. 

Bolsonaro usou seu poder para forçar suas grotescas "soluções" simplistas. A economia do país há quase 4 anos é algo que escancara a falta de vontade de seus responsáveis no sentido de planejar a longo prazo, de priorizar os necessitados. Os problemas são abordados com falta de preparo e de planejamento, e quase sempre as soluções são encaminhadas levando-se em conta os interesses políticos do Congresso e do Executivo. 

Não há visão global da nação e de suas necessidades, e sim uma seleção tendenciosa de interesses setoriais, conduzida pela intensidade de adesão às iniciativas governistas. O futuro é deliberadamente desprezado, apenas medidas conjunturais e pontuais de âmbito restrito ganham vida. A questão do petróleo e da Petrobrás é somente um pequeno exemplo desse tipo de gestão perniciosa.

Os economistas do governo e seus superiores preferem, por exemplo, fazer estoques de medicamentos ineficazes, isentar de impostos os artigos de jogos eletrônicos, e outros absurdos idiotas como esses. Num momento advogam a independência do Banco Central e depois entram em conflito com essa instituição tentando controlá-la. Esta administração herdou dos governos anteriores o setor energético em frangalhos, sem condições de enfrentar crises nem promover crescimento. Não tomou nenhuma medida concreta orientada para aumentar a produção de energia, ou para fazer frente a períodos de seca. Há ainda hoje regiões com dependência energética da Venezuela!

A insanidade de Putin com a invasão da Ucrânia é apenas mais um fato a contribuir para o desastre econômico causado a este país pela atual administração. Desde o início da invasão sabia-se que os preços do petróleo aumentariam com força. Nada foi feito a não ser cruzar os braços e esperar que a Petrobrás congelasse os preços dos combustíveis, o que por si só não é recomendável nem traz solução para o problema. Essa postura lamentável obviamente foi feita com vistas à pretendida reeleição presidencial. 

Nenhuma alternativa de ação foi considerada. Mais lamentável ainda é a insistência governamental em tentar forçar o congelamento do preço dos combustíveis, de forma análoga à malévola insistência para a população usar cloroquina contra o COVID.

Um caso que exigiria um conjunto robusto de soluções alternativas, de forma rápida, serviu apenas para corroborar a ineficiência, ineficácia e falta de vontade do governo e de sua equipe econômica.

*ALBERTO ROMANO SCHIESARI


-Economista;
-Pós-graduado em Docência do Ensino Superior;
-Especialista em Tecnologia da Informação, Exploração Espacial e Educação STEM; 
-Professor universitário por mais de 30 anos;
-Consultor e Palestrante.



Nota do Editor:

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