Para
a geração X [aqueles nascidos entre 196 e 1981] a expressão "países
industrializados" era sinônimo de países desenvolvidos. Até 2014, a própria
Organização das Nações Unidas (ONU), ao se referir às economias mais ricas,
tratava-as como industrializadas, enquanto outras eram classificadas como em
desenvolvimento. Mas, não é só por isso que a indústria é importante para um
país. No caso brasileiro, a indústria corresponde por 22,2% do PIB, detém 71,8%
das exportações de bens e de serviços e é responsável por 32,9% da arrecadação
de tributos federais (exceto as receitas previdenciárias), segundo dados da
Confederação Nacional da Indústria (CNI).
O Sistema Capitalista, imperfeito como todas as convenções humanas, mas dominante nas maiores economias do mundo e que permitiu uma excepcional geração de riqueza e de inovações tecnológicas, ainda que traga também como subproduto iniquidades, é a mola propulsora do desenvolvimento econômico. A indústria encontra nesse sistema o ambiente concorrencial que requer inovação constante. Nesse sentido, também cabe à indústria, no caso brasileiro, 68,6% do investimento empresarial em pesquisa e desenvolvimento.
Ainda sobre a relevância da indústria, a sua capacidade de multiplicar riquezas é inequívoca: para cada R$ 1,00 produzido na indústria outros R$ 2,40 são acrescidos ao restante da economia. Industrializar (ou reindustrializar) é bom também para os trabalhadores, pois o setor é o que paga os maiores salários. Enquanto um trabalhador com ensino superior ganha, em média, R$ 5,5 mil, em outros segmentos da economia, na indústria o colaborador com o mesmo nível de formação recebe R$ 7,8 mil de salários (Fonte: CNI). Como se vê, muito embora as expressões mudem para designar um determinado nível de desenvolvimento socioeconômico, industrializar ainda é sinônimo de bem-estar e riqueza.
O
economista que tem seu nome mais associado à inovação é Joseph Schumpeter. Para
ele: "O impulso fundamental que põe e mantém em movimento a máquina capitalista
é dado pelos novos bens de consumo, os novos métodos de produção ou transporte,
os novos mercados e as novas formas de organização industrial criadas pela
empresa capitalista"[1]. Note-se como é atual a
sua obre de 1943. Além disso, ele deixa clara a correlação entre o novo e o
processo industrial.
Infelizmente, o Brasil passa, por diferentes ângulos de análise aferidos, por um processo de desindustrialização, longo e persistente, com pequenos intervalos de melhoria. Esse movimento intensificou-se depois do início da década de 1980. O gráfico a seguir[2] trata da indústria de transformação, portanto não inclui a indústria de extração de petróleo, tampouco a da mineração. Como se pode observar, depois de ter contabilizado um desempenho dinâmico, desde o Pós- Segunda Guerra, a performance da indústria de transformação perdeu fôlego e a trajetória apresentada na figura é a de declínio constante, desde penúltima década do século passado.
As razões para esse resultado claudicante são variadas. Não caberia aqui, para os propósitos deste artigo destacá-las exaustivamente. Contudo, apenas para circunscrever alguns dos pontos mais evidentes que afetaram o desempenho do setor industrial, temos:
1) as sucessivas crises macroeconômicas de âmbito global [e outras questões geopolíticas] contribuíram para a redução da importância econômica da indústria brasileira; e
2) as diversas crises internas, inúmeros planos econômicos que buscaram debelar a inflação e que, normalmente, tiveram a valorização da taxa de câmbio como fator fundamental para auxiliar na contenção de preços.
Todavia, essa é a face mais evidente da questão relacionada à
desindustrialização. O que não se fala é que houve a captura de corações e
mentes – do próprio setor industrial – que os levou a aceitar como "natural", e
até mesmo inquestionável, o ideário do livre mercado e do neoliberalismo[3]. A dominação depende
também do comportamento do dominado, ainda que inconsciente, diria Bourdieu[4].
Ha-Joo
Chang (2013, p. 21) ensina que os defensores do livre mercado afirmam que:
“quando o governo interfere para impor o que os participantes do mercado podem
ou não fazer, os recursos são impossibilitados de circular para a sua
utilização mais eficaz”. Há uma robusta teoria que sustenta esta tese e, com isso,
muitos são os seus seguidores fiéis. Contudo, Chang também mostra que “o livre
mercado não existe”. Além das regras fixadas, que limitam as escolhas possíveis
na alocação dos recursos, as economias industrializadas (ou desenvolvidas)
impõem severas restrições à concorrência externa, quer seja em barreiras
tarifárias ou nas não- tarifárias.
Outro exemplo da pseudoliberdade dos mercados está no fato de que os salários pagos nos países ricos são bem maiores do que seriam se o mercado "de trabalho" fosse livre. A imigração, portanto, tem como finalidade adicional impedir a concorrência de trabalhadores de outras regiões do mundo, o que aumenta os salários nos países centrais. O mesmo fato corre com as taxas de juros. Tudo é determinado, não pelas condições econômicas – isoladamente – mas, pelas questões políticas. Não é à toa que os livros clássicos eram Economia Política, em Marx, Ricardo, Mill ou Smith, esse era o termo, pois a Economia e a Políticas são indissociáveis, na prática.
A
grande questão é: por que industriais aceitaram e – muitos – defenderam
determinadas políticas econômicas que eram contra os interesses dos seus
negócios, como a valorização cambial e a abertura unilateral do mercado
brasileiro? A resposta é complexa e múltipla.
Para
responder, ainda que precariamente dado o espaço destinado a um artigo, é
importante ter em mente a expressão utilizada por Bourdieu: "Noblesse oblige" significa que é sua nobreza que proíbe o nobre de fazer certas coisas, e o
obriga a fazer outras[5]. O industrial sofre o
mesmo dilema. As questões engendradas pelo discurso do livre mercado – e todo o
restante da gênese neoliberal – atingiram o nível de doxa (conceito
desenvolvido por Bourdieu e que significa que, segundo o senso comum, todos
aceitam como coisa dada). Isto é, parcela importante dos industriais passaram a
não questionar o livre mercado (que não existe em sua concepção pura), pelo
simples fato de estarem nele inseridos, quase que como obrigação e tendo as
premissas neoliberais como algo quase das ciências da natureza, como a física,
não das ciências sociais, como a política e a economia.
Repensar
o Brasil e refundar as bases de uma Política Industrial moderna, baseada na sustentabilidade
e na inovação tecnológica é algo premente. Sem dúvida, o País precisa
libertar-se da doxa de que o melhor que se tem que fazer é deixar o
mercado resolver; não é assim que o mundo desenvolvido faz, embora apregoem
essa como a única solução aos países em desenvolvimento. O momento é oportuno
para uma mudança de rumo. No cenário internacional a geopolítica pode trazer novas
possibilidades de inserção competitiva para o Brasil, com o advento de "desglobalização" e a consequente ampliação da regionalização das Cadeias de
Valor. É possível voltar nossas vocações para um novo reposicionamento estratégico,
em termos industriais. Industrializar para desenvolver é preciso, com as várias
conotações que o termo tem. E já não são poucas as vozes de líderes da
indústria que defendem novos paradigmas.
Referências
[1]SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, socialismo e democracia (pp. 140-141). Editora Unesp. Edição do Kindle;
[2] IEDI.Indústria para crescer e desenvolver. Destaque IEDI. Disponível on line: em https://www.iedi.org.br/artigos/destaque/2017/destaque_iedi_20211201.html - acesso em 1 de dezembro de 2021;
[4]BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina: a condição feminina e a violência simbólica. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2020; e
[5]Bourdieu, Pierre. Razões práticas: Sobre a teoria da ação (p. 159). Papirus Editora. Edição do Kindle.
Brasil! Um país surreal!
ResponderExcluirMe lembro daquela musica que dizia "90 milhões em ação, pra frente Brasil "; na época realmente acreditava que seríamos uma nação "'industrializada' ou um país desenvolvido.
Hoje, a sensação de país anão, de uma nação semi analfabeta , de industriais sem perspectivas e arrojo e pseudos empresários empresários patriotas que se esbaldam em empréstimos do banco que deveria ser do povo para alavancar seus negócios.
Hoje, continuamos como dantes Getúlio Vargas; exportamos matéria prima e importamos produtos industrializados.