sábado, 2 de setembro de 2023

Acolhimento e solidariedade no ensino de imigrantes adultos


 

Na última década, mais de um milhão de imigrantes saíram de suas terras e vieram para o Brasil em busca de melhores condições de sobrevivência. Muitos estão fugindo de recessões econômicas, conflitos políticos por territórios ou mesmo catástrofes naturais. Observamos que a crise política e humanitária na Venezuela e no Haiti trazem presença significativa de solicitantes de refúgio desses países.

O tema da migração suscita variados interesses de análise, pois é um fenômeno que marca as sociedades e suas relações. É possível encontrar investigações acerca do tema com perspectivas variadas. Algumas análises partem da geografia, mostrando quais são os movimentos migratórios. Outras, debatem o campo do direito e a legislação que contempla os imigrantes. Falar do fenômeno da migração é também expor vidas, humanidades e desumanidades. Estudo o binômio educação-migração, situando os processos educacionais dentro do terreno mais amplo, considerando aspectos políticos, econômicos e culturais. Ou seja, considerando educação não como sinônimo de escolarização, mas como processos e práticas de construção de saberes assentados nas realidades sociopolíticas, subjetivas e históricas das pessoas envolvidas (WALSH, 1991).

Em todos os processos migratórios a busca por trabalho é associada à necessidade de conhecimento da cultura, da língua, da geografia, de direitos humanos e de profissões específicas. Em pesquisa de mestrado, pude observar a atuação de três organizações sociais que se mobilizam no terreno educativo, tendo como motivação a solidariedade de classes. Mostramos ainda as características e potencialidades da educação não formal promovida por essas organizações.

Uma importante iniciativa em práticas educativas com imigrantes adultos vem da União Social dos Imigrantes Haitianos (U.S.I.H). Esta organização tem por objetivo oferecer serviços sociais em âmbito nacional (Brasil) e internacional (Haiti), aos Imigrantes Haitianos em São Paulo. Fundada em 2014, é coordenada pelos próprios imigrantes haitianos. A associação acolhe os haitianos para que tenham melhores condições de vida e busca colaborar na prestação de serviços para minimizar os problemas enfrentados por eles nos mais diferentes espaços. Oferecem ainda, formação profissionalizante, assim como cursos de idioma (português e outros), e propõe uma integração fundamentada na promoção de uma vida digna para todos os imigrantes haitianos em colaboração com organizações da sociedade brasileira.

As instituições religiosas também se destacam na acolhida aos imigrantes no Brasil. O Serviço Jesuíta de Apoio a Migrantes e Refugiados, por exemplo, atua em território nacional e tem um de seus pontos de trabalho em Belo Horizonte/Minas Gerais, desde o ano de 2014. A atuação inicial do Serviço Jesuíta em Belo Horizonte se deu com os Haitianos e por isso denominaram este polo como Centro ZANMI. A denominação significa AMIGOS em crioulo haitiano, e segundo a organização quer expressar experiência, método e programa. Atualmente a organização participa de redes a nível local, nacional e internacional, com diversas entidades públicas e privadas. Organiza equipes de trabalho em diversas áreas sociais, culturais, de ensino e promoção de pesquisa com a temática migratória. Realiza acolhimento a imigrantes e propõe o ensino e diálogo intercultural entre diferentes nacionalidades.

Vemos que a educação não-formal tem sido espaço promissor para a construção de relações interculturais entre imigrantes e educadores brasileiros. Este modelo educativo pode ser caracterizado como um processo de múltiplas dimensões, que pode ir desde a capacitação dos indivíduos para o trabalho, por meio da aprendizagem de habilidades e o desenvolvimento de potencialidades; a aprendizagem política dos indivíduos enquanto cidadãos ou mesmo de práticas que capacitam os indivíduos a se organizarem com objetivos comunitários.

Por outro lado, temos relatos animadores de experiências vindas da escola formal. Um exemplo é o CIEJA- Perus – Escola de EJA localizada no distrito de Perus, na região metropolitana de São Paulo. De acordo com o Projeto Político Pedagógico do CIEJA- Perus (2020), desde 2016, a unidade tem uma forte presença enquanto instituição de apoio ao imigrante. Essa escola passou a ser muito procurada, por ser uma instituição próxima a uma comunidade haitiana, que se localiza no distrito de Perus. Atualmente, os imigrantes correspondem a mais de 500 alunos matriculados. A fim de evitar a exclusão desses alunos e tornar o ambiente escolar mais próximo da necessidade dos imigrantes, a instituição reorganizou o currículo e a organização escolar com o objetivo de acolher e aumentar a interação entre os estudantes com os brasileiros.

Podemos ver, que além de compreender o ensino como algo fundamental para que os imigrantes se estabeleçam no Brasil, há um conjunto de ações que contribuem para amenizar os sofrimentos que passam os imigrantes fora da sua terra natal. Levando em conta essas considerações é interessante observar, ainda, que apesar de diversos e com objetivos distintos, os movimentos mencionados, além de serem agentes da garantia de direitos para essa população, operam, também, como espaços de fortalecimento de vínculos afetivos

Referências bibliográficas

FIALHO, C. M.C.; BUSICO, F. O Haiti é aqui... em Perus!: a integração de diferentes povos por meio da festa. In: EM CONTATO: COMUNIDADES, CULTURA E ENGAJAMENTO, 1., 2019, São Paulo. Anais [...]. São Paulo: Sem Editora, 2019. p. 28-34. 
Disponível: http://www.museudaimigracao.org.br/uploads/portal/avulso/arquivos/em-contato-pt- finalrev3-compressed-compressed-06-03-2020-13-25.pdf. Acesso em: 03 set. 2020;

WALSH, Catherine. Interculturalidade crítica e pedagogia decolonial: in-surgir, re- existir e re-viver. In: CANDAU, Vera Maria (Org.). Educação intercultural na América Latina: entre concepções, tensões e propostas. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009 e

_________________. Pedagogy and the Struggle for Voice. Issues of Language, Power, and Schooling for Puerto Ricans. NY: Bergin and Garvey, 1991.

* ANA PAULA SANTANA
























-Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado de Minas Gerais(2004);
-Pós graduada em Psicopedagogia pela Universidade do Estado de Minas Gerais(2008); 
-Mestre em Educação e Formação Humana pela Universidade do Estado de Minas Gerais (       )
-Pesquisadora do ILAESE – Instituto Latino-Americano de Estudos Socioeconômicos;
-Membro do Grupo de Pesquisa Polis e Mnemosine: Cidade, Memória e Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais e
-Integra a Associação Mineira de Psicopedagogia

Nota do Editor:

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