Autora: Denise Tusato (*)
Nunca se falou tanto sobre planejamento sucessório como nos últimos anos. Nada contra, afinal, muito melhor prevenir e estruturar uma sucessão do que imaginar que os herdeiros podem ficar anos brigando na justiça enquanto um patrimônio construído com esmero e suor foi se deteriorando em meio a uma guerra pela herança.
Mas verdade seja dita: mais se fala do que se pratica. A resistência de pensar na própria morte ainda é bastante grande na nossa cultura.
Ainda assim, as formas mais comuns e mais praticadas, até por serem mais acessíveis financeiramente, são a doação em vida e o velho e conhecido testamento.
Mas tem uma figura jurídica que pouca gente conhece e que pode ser uma pedra no sapato de quem recebeu uma doação: a colação.
A colação é uma exigência que a lei faz para que os descendentes, quando na qualidade de herdeiros, e os cônjuges na qualidade de herdeiros concorrentes, tragam à sucessão todos os bens recebidos em doação pelo falecido.
É uma espécie de prestação de contas do que já recebeu do falecido.
A ideia do legislador é de que os descendentes devem receber partes idênticas da legítima. Logo, se recebeu uma doação anterior, ela é considerada adiantamento da legítima. (art. 544 CC)
O problema é que esse bem vai ser calculado pelo valor atual, ou seja, da abertura da sucessão (art. 639 § único do CPC). O valor atualizado vai ser acrescido da legítima e refeita e distribuição entre todos os herdeiros de forma absolutamente igualitária.
Em outras palavras, se houver patrimônio suficiente no acervo hereditário para que todos saiam com partes iguais e quem recebeu essa doação não tenha que devolver nada, ótimo! Mas existem casos em que quem recebeu essa doação vai precisar restituir valores para o espólio e é aí que mora o perigo.
Vale lembrar que o legislador se preocupou com os descendentes, que são herdeiros necessários. Os ascendentes, embora herdeiros necessários não têm o dever de colacionar, e o cônjuge, apenas em relação ao direito concorrencial porque é a única situação em que ele é herdeiro necessário ao lado de outros herdeiros necessários. Nas demais situações ou ele não herda e é apenas meeiro, ou é herdeiro universal, o que também não impacta em nada.
O descendente que renuncia a herança ou é deserdado não fica de fora dessa obrigação. Também está obrigado a colacionar qualquer doação que tenha recebido em vida do ascendente para igualar as legitimas. (art. 2008 CC)
Já o herdeiro testamentário não tem esse dever.
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Uma observação importante: o dever de colacionar é do descente apenas quando na qualidade de herdeiro. Exemplo. Se um neto recebe uma doação de um avô enquanto o pai dele (filho desse avô) está vivo, ele é um descendente, mas não ostenta a qualidade de herdeiro desse avô, então ele não terá o dever de colacionar essa doação recebida caso o avô venha a falecer. Mas se por acaso, quando esse mesmo neto recebeu essa doação do avô o seu pai (filho desse avô) já era falecido, aí esse neto ostenta a qualidade de descendente e herdeiro por representação do pai pré-morto, e aí terá o dever de colacionar essa doação recebida.
Outra questão importante é que o valor dessa colação será acrescido da parte indisponível.
Aí surge uma questão importante: e se o herdeiro não trouxer essa informação ao inventário? Se ele sonegar essa informação?
Se o herdeiro não trouxer essa informação, ele faltará com a verdade, e corre o risco de ser surpreendido com uma Ação de Sonegação onde muito provavelmente será condenado a restituir o bem ao espólio ou até perdê-lo por completo.
Uma saída importantíssima, em casos de doações é ficar atento aos valores. Se o valor do bem ou o numerário que se quer doar está dentro do teto autorizado pela lei, 50% do patrimônio total caso tenha herdeiros necessários, faça constar uma cláusula expressa na escritura de doação de que esse bem está saindo da parte disponível do doador, e que o donatário, portanto, está dispensado da colação. (art. 2005 do Código Civil)
Se a doação for de valores, que obviamente não tem escritura, coloque essa cláusula de forma expressa no testamento, assim evita problemas futuros para o donatário e as fatídicas brigas entre irmãos. (art. 2006 do CC)
Essa simples, mas importantíssima providência muda por completo a situação. Com isso quem recebeu a doação fica desobrigado a colacionar porque fica consignado que o que recebeu saiu da parte disponível do acervo hereditário e os demais herdeiros não poderão reverter a situação.
Ainda assim, é importante realmente respeitar os limites da lei no sentido de não extrapolar os 50% estipulados como disponíveis. Qualquer excesso será considerado uma doação inoficiosa e aí novamente esse donatário terá problemas e terá que devolver ao espólio esse excesso. (art. 2007 CC)
Conclusão, planejamento sucessório é coisa séria. Não pode ser tratado como modismo que qualquer um sabe e qualquer um faz. Se é para tomar medidas preventivas e evitar os famosos litígios familiares por herança, que seja bem feito para realmente evitá-los e não apenas mudar o endereço da guerra.
*DENISE TUSATO
.- Graduada pela PUC/SP (1993);
- Especializada em Direito de Família pelo Centro de Extensão Universitária - CEU (1998);
-Pós Graduada em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade Legale ( 2017);
-Pós Graduação em Direito Sistêmico pela EPD ( 2024);
-Advogada Civilista, atuante na área de Família e Sucessões;
-Mediadora certificada pelo CNJ( 2020)
Instagram: @dra.denisetusato
Nota do Editor:
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