domingo, 13 de abril de 2025

Compreendendo os conflitos e possibilidades de transformação na adolescência


Autora: Valéria Carvalho Ribeiro (*)

  
A adolescência é uma fase de intensas mudanças psíquicas, marcada por desafios na construção da identidade, na relação com o desejo e na busca por autonomia. O jovem enfrenta conflitos internos e externos que afetam sua maneira de se relacionar com a família, a escola e a sociedade. Muitos pais e educadores se sentem despreparados para lidar com essa fase, que pode ser repleta de angústias, impulsividades e questionamentos existenciais.

A psicanálise, desde Freud, vem contribuindo para uma compreensão mais profunda da adolescência. O olhar psicanalítico não busca rotular ou corrigir comportamentos, mas criar um espaço de escuta e elaboração subjetiva. Neste artigo, exploraremos como a psicanálise compreende essa fase e como pais, educadores e terapeutas podem auxiliar os adolescentes a atravessarem seus conflitos de forma mais saudável.

A Adolescência como Momento de Reconfiguração Psíquica

Freud, ao desenvolver sua teoria do desenvolvimento psicossexual, destacou a adolescência como um período de reorganização psíquica, no qual o sujeito revisita conflitos infantis e busca novos caminhos para lidar com seu desejo. Essa fase está fortemente ligada à puberdade e às transformações do corpo, que geram impacto na forma como o adolescente se percebe e se relaciona com o outro.

Para Freud, a adolescência representa um momento de luto da infância e da posição simbólica de dependência dos pais. O sujeito precisa ressignificar sua relação com as figuras parentais, o que pode gerar resistências, revoltas e dificuldades emocionais. Esse processo, embora natural, pode ser intenso e, quando não bem elaborado, levar a sintomas como ansiedade, depressão, automutilação ou até mesmo comportamentos de risco.

Jacques Lacan aprofunda essa questão ao destacar que a adolescência é marcada pela busca de novas identificações e pela influência dos significantes sociais. O adolescente se depara com a necessidade de construir sua identidade para além da família e, nesse percurso, pode experimentar sentimentos de angústia e alienação. A necessidade de pertencimento pode levá-lo a se identificar fortemente com grupos, ídolos ou influenciadores, buscando referências que deem sentido ao seu lugar no mundo.

Os Conflitos Adolescentes e a Expressão do Inconsciente

Os conflitos da adolescência nem sempre se manifestam de forma clara ou verbalizada. Muitas vezes, aparecem por meio de sintomas como isolamento, irritabilidade, compulsões ou até mesmo comportamentos autodestrutivos. O adolescente pode recorrer a mecanismos inconscientes para lidar com sua angústia, como a atuação impulsiva, a negação ou a projeção.

Winnicott destaca que o adolescente precisa de um ambiente suficientemente bom para se desenvolver psiquicamente de forma saudável. Isso significa um espaço no qual ele possa expressar suas dúvidas, medos e desejos sem ser excessivamente controlado ou julgado. Quando o ambiente não oferece essa segurança, o jovem pode recorrer a formas mais extremas de expressão, como desafios perigosos, uso de substâncias ou até mesmo relações tóxicas.

Françoise Dolto reforça a importância de a família e os educadores reconhecerem o adolescente como um sujeito desejante, com autonomia para construir sua própria identidade. O excesso de repressão ou a superproteção podem dificultar esse processo, gerando ainda mais resistência e conflito.

O Papel da Escuta Psicanalítica na Adolescência

A escuta psicanalítica é um dos recursos mais valiosos para compreender o adolescente. Diferente de abordagens diretivas ou moralizantes, a psicanálise oferece um espaço no qual o jovem pode expressar suas angústias e construir seu próprio discurso.

A clínica psicanalítica com adolescentes exige do analista uma postura de abertura para o que o sujeito traz, sem impor respostas prontas. O objetivo não é encaixar o adolescente em um diagnóstico, mas ajudá-lo a elaborar suas questões e encontrar formas mais saudáveis de lidar com seus conflitos internos. Muitos adolescentes resistem à ideia de terapia, pois sentem que serão analisados ou corrigidos. No entanto, quando encontram um espaço de escuta genuína, podem se abrir para um processo de autoconhecimento que lhes permite lidar melhor com seus desafios.

O Papel dos Pais e Educadores na Construção do Sujeito Adolescente

Pais e educadores têm um papel fundamental no desenvolvimento emocional do adolescente. No entanto, essa fase costuma gerar insegurança e medo nos adultos, que muitas vezes reagem de forma punitiva ou permissiva demais. A psicanálise sugere que, em vez de buscar um controle rígido, é essencial oferecer um ambiente no qual o adolescente possa se sentir ouvido e respeitado. Algumas diretrizes importantes incluem:

1. Estabelecer limites claros, sem autoritarismo – O adolescente precisa de referências e segurança para se desenvolver. Limites são importantes, mas devem ser dialogados, não impostos de forma arbitrária;

2. Evitar julgamentos e críticas excessivas – O jovem está construindo sua identidade e precisa sentir que pode errar e aprender sem ser rotulado;

3. Promover um espaço de diálogo – Ouvir o que o adolescente tem a dizer, mesmo quando suas opiniões parecem exageradas ou radicais, é essencial para que ele se sinta reconhecido e

4. Reconhecer o sofrimento do adolescente – Muitas vezes, os adultos minimizam as angústias dos jovens, tratando seus problemas como banais. Para o adolescente, no entanto, suas dificuldades são reais e precisam ser acolhidas.

Conclusão

Lidar com adolescentes sob a ótica psicanalítica significa compreender que essa fase é marcada por um intenso trabalho psíquico de reorganização da identidade. Os conflitos, muitas vezes expressos de forma impulsiva ou silenciosa, refletem o esforço do sujeito para lidar com suas transformações internas e encontrar um lugar no mundo.

A escuta psicanalítica permite que o adolescente elabore suas angústias e encontre novos caminhos para sua subjetividade. Pais e educadores, ao adotarem uma postura de acolhimento e respeito, podem contribuir para um desenvolvimento mais equilibrado e saudável.

A adolescência não é apenas um período de desafios, mas também de possibilidades. Quando há espaço para a escuta e o reconhecimento, o jovem pode transformar sua angústia em crescimento, fortalecendo-se para as próximas etapas da vida.

Referências

Dolto, F. (1988). Quando os pais se separam. Martins Fontes;

Freud, S. (2016). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). Companhia das Letras;

Lacan, J. (1998). Função e campo da fala e da linguagem (1953). In Escritos. Zahar; e

Winnicott, D. W. (1975). O ambiente e os processos de maturação (1965). Artmed.

*VALÉRIA CARVALHO RIBEIRO(*)















- Graduada em Psicologia pela PUC RR (2014);

- Utiliza desde 2018 a escuta psicanalítica em consultório;

-Com experiência no atendimento clínico, ajudando seus pacientes a explorarem suas questões emocionais profundas, oferecendo suporte através de uma compreensão baseada nos princípios da psicanálise.

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

Um comentário:

  1. Na minha vez era feijão ou milho de joelhos, evoluiu para as havaianas voadoras, agora é Freud?😃😃

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