terça-feira, 19 de novembro de 2024

Direito Digital Civil


 Autora: Maria Paula Corrêa Simões(*)

As relações sociais são dinâmicas e alteram com o tempo, refletindo as mudanças nas estruturas de uma sociedade, incluindo as relações jurídicas e o próprio direito. Nessa esteira, o Direito Civil vem sofrendo modificações estruturais desde seu nascimento. O Código Civil de 1916 perdurou por quase um século e em 2002 entrou em vigor o atual Código Civil, fruto de um projeto que nasceu em 1969, e iniciou sua tramitação no Congresso em 1975.

Nota-se que o Código Civil de 2002 foi promulgado com base numa realidade trinta anos atrasada e, por isso, já foi alterado por cerca de 50 leis, ou seja, apesar de jovem já está ultrapassado e precisa ser revisto e atualizado, frente às novas relações humanas e sociais. Com isso, em 2023 foi instituída uma Comissão de Juristas para revisar e atualizar o Código Civil e em 17 de abril de 2024 a Comissão entregou ao Senado Federal o Anteprojeto de Atualização e Reforma do Código Civil Brasileiro, com diversas sugestões e alteração em mais de mil artigos.

Mesmo com tanta alteração, "não se buscou trazer um novo Código Civil descolado da experiência passada e do texto em vigor. Pelo contrário, a preocupação em propor dispositivos de atualização do texto atual foi o norte dos trabalhos da Subcomissão, visando tornar mais eficaz e adequado à contemporaneidade o texto do Livro, que já se encontra com mais de 20 anos", conforme apresentado na Justificativa do Anteprojeto.

Dentre as alterações, destaca-se a criação do "Direito Civil Digital", um livro complementar com mais de 10 capítulos e 70 artigos. A tecnologia, especialmente a internet com as redes sociais, revolucionou a maneira como nos comunicamos e nos relacionamos. Além disso, a crescente preocupação com a privacidade e a segurança de dados na era digital tem resultado em discussões sobre proteção de dados pessoais. O Direito Civil Digital reflete a necessidade de atualizar a legislação para abordar as complexidades do mundo digital.

O Anteprojeto afirma que o propósito do Direito Civil Digital é aprimorar a autonomia privada, preservar a honra das pessoas e a proteção de seus bens, além de estabelecer critérios para avaliar a licitude e a regularidade dos atos e das atividades que ocorrem no ambiente virtual. Então, o Direito Civil Digital introduz regras e regulamentos que garantam a integridade, a transparência e a eficiência do mundo digital.

O Anteprojeto traz temas como a intimidade digital, a liberdade de expressão, a proteção da privacidade dos indivíduos e dos dados pessoais, o patrimônio digital, a herança digital, incluindo ativos, como perfis em redes sociais e dados financeiros, e a responsabilidade das plataformas digitais.

Uma grande preocupação do Direito Civil Digital foi a proteção à criança e ao adolescente que são os mais afetados culturalmente pelas redes sociais, exigindo-se que os provedores adotem procedimentos para garantir a navegação segura no mundo digital, devendo verificar conteúdos apropriados para as diversas idades dos usuários, demostrando preocupação com a influência no comportamento e nas decisões das crianças e dos jovens.

Está prevista a remoção de links em mecanismos de buscas de conteúdos que gerem desconforto ou constrangimento aos usuários e traz a possibilidade de indenizações por danos sofridos em ambiente digital.

Também foi lembrado o desenvolvimento de sistemas de Inteligência Artificial (IA). O Anteprojeto estabelece diversas diretrizes para criação de sistemas por IA, incluindo a permissão de criação de imagem de pessoas vivas e falecidas, desde que devidamente autorizadas e, ao mesmo tempo, exige a identificação clara do uso de IA nos materiais produzidos; assim aquele corpo inatingível feito com a IA será finalmente revelado.

O Anteprojeto reforça a validade e os princípios dos contratos que forem firmados por meio digital, trazendo para a codificação as regras para que os contratos físicos e os contratos digitais tenham a mesma validade e eficácia. Incluiu-se a modalidade de assinatura eletrônica e requisitos para sua validade e uso em documentos jurídicos.

Por fim, o Anteprojeto contempla os atos notariais eletrônicos, "assegurando sua autenticidade, integridade e confidencialidade".

É certo que o Anteprojeto ainda passará por comissões e pelo Plenário do Senado, e fatalmente receberá diversas emendas. Depois de aprovado no Senado, seguirá para a Câmara dos Deputados e – aprovado com modificações – ainda retornará ao Senado. Assim, não há como saber o texto final que teremos. Ademais, projetos de criação ou de modificação Códigos costumam demorar até anos para até a promulgação.

De qualquer forma, as relações sociais moldam e são moldadas pela cultura e pelo direito de uma sociedade e a legislação deve refletir os anseios e as necessidades do povo.

Fontes:


* MARIA PAULA CORRÊA SIMÕES












-Formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1992);


-Pós-graduada em Direito Processual Civil pela PUC/COGEAE (1995);


-Pós-graduada em Direito Contratual pela PUC/COGEAE (1999);


-Pós-graduada em Direito Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional (2005); e


Pós-graduada em Lei Geral de Proteção de Dados pela Legale (2022).


Nota do Editor:

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