sábado, 25 de junho de 2022

Vamos ler mais?


 Autora: Cinara Ferreira (*)


É muito comum ouvirmos pessoas dizendo que gostariam de ler mais. Embora se verifique um aumento significativo na venda de livros no Brasil, o país ainda tem baixos índices de leitura, estimando-se que o brasileiro, em média, lê 5 livros por ano, segundo uma pesquisa desenvolvida pelo Instituto Pró-Livro.[1] Essa média é baixa se levarmos em conta a de outros países, em que se lê em torno de 25 livros ao ano, ou seja, 5 vezes mais.

O paradoxal é que nunca se teve tanto acesso a textos como temos hoje. Há uma diversidade de gêneros textuais disponíveis na internet que podem ser acessados a qualquer hora por todos, incluindo textos jornalísticos, literários, científicos, filosóficos, religiosos, entre tantos outros. Então, por que ainda é comum a queixa de que se lê pouco?

De fato, as pessoas leem muito na rede. No entanto, o que acontece é que, em geral, são leituras superficiais, que nem sempre são planejadas por quem lê. As redes sociais induzem ao consumo de conteúdos diversos, que encaminham a outros conteúdos, resultando numa atividade de leitura repetitiva e fragmentada, que leva muito mais à exaustão do que à satisfação.

Esse tipo de exercício de leitura acaba sendo frustrante para muitos, que gostariam de ler mais e melhor. Ler artigos, notícias e postagens aleatórias nas redes sociais é diferente de ler um romance, um livro de contos ou poemas. Ao ler uma obra literária, desenvolvemos o pensamento contínuo, ou seja, não fragmentado, pois somos levados a acompanhar o enredo de narrativas e a decifrar a linguagem poética. Além disso, exercitamos nossa capacidade de imaginação e interpretação, o que aumenta nossa criatividade, o senso crítico e a sensibilidade estética. A identificação com o eu lírico do poema ou com personagens de ficção promove ainda a catarse, ajudando-nos a lidar melhor com nossas questões existenciais.

Não se trata de demonizar a internet que, afinal de contas, nos possibilita o acesso ao conhecimento de modo nunca visto, e isso não tem preço. Trata-se de investir tempo e energia em ações voltadas à formação de leitores exigentes e qualificados, que não se contentem com o que os algoritmos determinam para a sua leitura. Ler demanda esforço e disciplina, mas garante o prazer de descobrir mundos novos e de entender melhor a si mesmo e aos outros. Vamos ler mais?

Referência

[1] Os dados foram recolhidos em pesquisa divulgada na 5ª edição dos "Retratos da Leitura no Brasil", desenvolvida em março de 2019, pelo Instituto Pró-Livro.

CINARA FERREIRA
















-Doutora em Letras na área de Literatura Comparada, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS (2004) e
-Docente do Instituto de Letras, da UFRGS.

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

quinta-feira, 23 de junho de 2022

Entenda a decisão do STJ sobre a “taxatividade” do rol da ANS


Autor: Diego dos Santos Zuza (*)

Recentemente, em 8 de junho p.p., a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu uma decisão que vale como um precedente importante quanto ao direito dos planos de saúde e seguros saúde se negarem autorização a procedimentos e eventos médicos não previstos no rol da Agência Nacional de Saúde (ANS).

O fato foi amplamente noticiado pela imprensa ante a sua importância para todos os usuários de Planos de Saúde e Seguro Saúde no país.

Na prática os planos de saúde e seguros saúde sempre se negaram a fornecer qualquer procedimento que não estivesse no rol da ANS. E a autorização só se dava por meio de ações judiciais, geralmente por decisão liminar, ante a grande urgência do paciente em receber o tratamento e o impacto negativo e até fatal que a demora poderia trazer para sua saúde.

A maior parte do Poder Judiciário considerava que o rol da ANS era meramente exemplificativo, sendo o mínimo que qualquer plano de saúde ou seguro saúde deveria fornecer.

A decisão proferida pela segunda turma do STJ, como já dito é um importante precedente e embora não tenha efeito vinculante para outros tribunais e juízes, já demonstra a tendência daquele Tribunal Superior. Servindo de guia para as instâncias inferiores, embora vale novamente ressaltar, não há efeito vinculante.

A tese foi firmada por maioria de votos, tendo seis votos a favor da taxatividade do rol da ANS, contra três votos vencidos que entendiam que rol da ANS era meramente exemplificativo.

Em resumo, houve o entendimento de que o rol da ANS é em regra taxativo, podendo haver negociação com o plano de saúde para uma cobertura ampliada, contudo, em casos excepcionais e mediante o cumprimento de alguns requisitos, o plano de saúde ou seguro saúde pode ser obrigados a cobrir procedimentos que não constem no rol da ANS.

A tese abrangeu os seguintes pontos:

1. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar é, em regra, taxativo;

2. A operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol;

3. É possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extra rol; e

4. Não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente, desde que:

(I) não tenha sido indeferido expressamente, pela ANS, a incorporação do procedimento ao rol da saúde suplementar;

(II) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências;

(III) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como Conitec e Natjus) e estrangeiros; e

(IV) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS.

A decisão pretendeu fixar critérios mais objetivos para que o Poder Judiciário balize suas decisões antes de autorizar o fornecimento de medicamentos e outros procedimentos médicos que estão fora do rol da ANS. As exigências se mostram razoáveis e tentam evitar que tratamentos sem eficácia comprovada sejam permitidos por meio de decisões judiciais.

A justificativa foi de que a taxatividade do rol da ANS é fundamental para o funcionamento adequado do sistema de saúde suplementar, que é aquele prestado pelos planos de saúde e seguros saúde, pois ordens judiciais indiscriminadas para a concessão de procedimentos fora do rol da ANS, levariam a um aumento no valor das mensalidades o que prejudicaria os demais usuários do plano. Ademais, a taxatividade garantiria que a inserção de novos fármacos e procedimentos dependesse sempre da avaliação criteriosa da ANS, sobretudo quanto à sua eficácia.

Mantendo, contudo, a possibilidade de o Poder Judiciária garantir a realização de procedimentos fora do rol da ANS, desde que baseado em critérios técnicos e da demonstração da necessidade e da pertinência do tratamento, como os que foram elencados na decisão.

Noutro giro, os Ministros ressaltaram que em nenhum outro país do mundo, há lista aberta de procedimentos e eventos em saúde de cobertura obrigatória pelos planos privados e pelo sistema público. Bem como, que a lista da ANS é elaborada com base em profundo estudo técnico, sendo vedado ao Judiciário, de forma discricionária, substituir a ANS no exercício de sua função regulatória.

Outro fator importante citado pelos Ministros foi que a atualização do rol da ANS que antes se dava a cada dois anos, foi alterada para ser atualizada a cada seis meses, o que seria razoável para a incorporação de novos medicamentos e procedimentos.

A decisão traz importantes consequências práticas, pois o rol da ANS não comtempla muitos tratamentos para doenças raras, ou ainda de medicamentos aprovados recentemente, e alguns tipos de quimioterapia oral e radioterapia, e cirurgia com técnicas de robótica, por exemplo. Além disso, a ANS limita o número de sessões de algumas terapias para pessoas com autismo e vários tipos de deficiência e muitos pacientes precisam de mais sessões do que as estipuladas para conseguir resultado com essas terapias. E considerar o rol como taxativo, isenta os planos de saúde e seguros saúde de tais coberturas.

Embora, logicamente que as principais coberturas e tratamentos já estão previstos no rol da ANS, que possui mais de 3,7 mil procedimentos, o que não causaria grandes mudanças para a maioria dos usuários.

A decisão tenta tornar mais racional e fazer com que o Poder Judiciário se baseie em critérios mais técnicos e específicos para que sejam deferido qualquer procedimento fora do rol da ANS.

Contudo, mesmo o fato de ser permitida a negociação com o Plano de Saúde de procedimentos fora do rol na ANS, já sinaliza que existem diversos procedimentos que são eficazes, como tratamentos para doenças raras por exemplo, que estão fora do rol.

A decisão visa privilegiar a maioria dos usuários, pela prevenção no aumento dos planos, o que também é questionável, em detrimento de uma minoria que tenha uma necessidade especial fora do rol da ANS, embora seja imprevisível o fato de qualquer um de nós desenvolver ou não uma doença rara.

Como já bem ressaltado, a decisão não vincula as outras instâncias, mas deve servir como norte para decisões judiciais daqui pra frente, embora, provavelmente também não é uma decisão definitiva, pois a matéria ainda pode ser apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, que tem, inclusive um ADI ajuizada tratando do tema.

Como a decisão não tem efeito vinculante, ela pode levar, inclusive, a uma maior judicialização na busca dos procedimentos, pois definem os critérios a serem seguidos e cumpridos pelo advogado e pelo juiz no deferimento de tratamentos não previstos no rol da ANS, a fim de garantir a integridade física e a saúde do usuário, que já paga um grande valor atualmente para os planos de saúde e seguros saúde que lucram mais a cada ano.

*DIEGO DOS SANTOS ZUZAOAB/SP 318.568
















- Graduado pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo -FDSBC (2011);
- Especialista em:
 -Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2015);
-  Direito Penal e Direito Processual Penal pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo -FDSBC(2015) e 
-Atuante em diversas áreas , inclusive no Direito do Consumidor.  
          
   Zoboli & Zuza Advogados Associados              
                                       
Site: www.zobolizuza.adv.br                              

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