sábado, 5 de agosto de 2023

Educação e Juventude: Descompassos e Perspectivas


 Autora: Adriana Mello (*)



Ao considerarmos o cenário contemporâneo da educação e levando em conta os enormes impactos causados pela pandemia de COVID 19, sobretudo, no agravamento de mazelas que já constituíam a realidade da escola, torna-se bastante pertinente trazer ao debate o modelo de escola que ainda, a despeito de tantas e tão velozes transformações sociais, configura o cerne do sistema educacional, mesmo que tenha - tantas vezes - se revelado inepto para uma educação cidadã e emancipatória.

Mesmo após quase duas décadas de sua publicação, a realidade descrita pelo sociólogo argentino Emílio Tenti Fanfani [1], em Culturas Jovens e Cultura Escolar[2], apresenta incômoda atualidade ao revelar o descompasso entre a escola, sobretudo a pública, e as demandas sociais que ora se impõem.

Ao discorrer sobre o percurso da escola na América Latina, o autor demonstra uma aguda percepção dos problemas que afetaram e afetam essa instituição basilar em qualquer sociedade, delineando um painel das possíveis causas para os insucessos da educação escolar, que vão da massificação do ensino, seu subfinanciamento pelo poder público, até o enorme hiato entre a cultura escolar e as culturas jovens.

Num tempo em que a tônica do discurso escolar é a inclusão, muitos são ainda excluídos, principalmente aqueles oriundos de classes sociais desprivilegiadas, jovens que não se sentem representados no modelo escolar vigente.

A falta de identidade entre a cultura escolar, criada e cultivada ao longo dos anos e que, muitas vezes, mostra-se renitente às mudanças trazidas pelas transformações sociais, e as culturas jovens, fruto de diferentes contextos sociais, históricos e econômicos, torna a escola um lugar de constante conflito e, por mais paradoxal que pareça, converte-a num espaço onde afloram tensões que ela deveria pacificar.

A escola deve ser, acima de tudo, o locus do acolhimento, do respeito às diferenças, do reconhecimento do jovem como sujeito capaz de atuar e transformar o seu entorno, considerando que é pela educação que ele terá possibilidade de ascender, de ter melhores perspectivas quanto ao futuro. No entanto, o que se constata é uma dissonância entre o que os jovens querem e precisam e o que a escola oferece. Muitos deles não enxergam esse espaço como relevante para a sua vida, não se sentem pertencentes, e essa postura se materializa em evasões, desistências, repetências, mau desempenho, quando não em violências que incluem depredação e vandalismo no espaço escolar.

É inquestionável a afirmação de Fanfani de que por detrás das desigualdades e exclusão na escola estão as desigualdades e exclusões sociais. Para reverter tal quadro é preciso que a escola repense a sua função social, sua forma de organização, sua estrutura e a maneira como as relações são construídas nesse ambiente.

Afinar os objetivos da escola com as demandas dos jovens de todas as classes é, certamente, um dos grandes desafios que nossa sociedade enfrenta. Para vencê-lo, ela não pode continuar a ser uma instituição engessada, burocrática e arcaica em muitos sentidos, nem tampouco deve optar por soluções simplistas como as denunciadas por Fanfani: oferecer educação pobre para os pobres, associar os jovens a situações de periculosidade social, valorização oportunista das culturas jovens, espetacularização do processo educativo com ênfase no prazer imediato em detrimento do esforço, da complexidade e do trabalho escolar.

Para citarmos o Brasil, está em curso acalorado debate sobre a Reforma do Ensino Médio, implementada de forma atabalhoada a partir da Lei 13.415 de 16.2.2017, que promoveu alterações radicais na proposta da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) relativamente a essa etapa da Educação Básica. A justificativa de ser uma resposta às necessidades de mudanças que atendessem às configurações sociais contemporâneas encontra, de fato, amparo na realidade: é inegável a necessidade de mudanças no Ensino Médio, por inúmeras razões, que não serão analisadas por não serem o foco deste artigo; no entanto, a implantação tem, como apontam inúmeros especialistas, ampliado as já enormes desigualdades na educação oferecida pelo sistema público e o privado em nosso país. As ressalvas e a rejeição ao novo modelo por parte de alunos e professores - validadas por robustos estudos e pesquisas - são tantas que as mobilizações ocorridas em praticamente todas as regiões brasileiras foram acolhidas pelo governo federal, com a eleição do presidente Lula em 2022, e culminaram no "congelamento" do prazo para que a Reforma se efetive totalmente, e na criação de novos grupos de estudos, com representantes dos segmentos diretamente envolvidos, para que ela seja revista ou mesmo revogada.

Para concluir e retomando as ideias postas em discussão por Fanfani, extremamente atuais e de relevância, dentre as muitas reflexões que podem suscitar está a de que se a escola - na visão althusseriana - é um aparelho ideológico do estado, pois que veicula a ideologia dominante, pode, em contrapartida, promover um discurso contra ideológico, favorecendo a crítica a essa mesma ideologia , buscando promover a consciência reflexiva, o discurso crítico, colaborando para transformações sociais. Uma escola com a qual o jovem se identifique e que seja capaz de encaminhá-lo à ação, levando-o a trocar a passividade pela participação social afirmativa, colocando-se como sujeito que não apenas sofra a história, mas que, sobretudo, a construa.

Utopia? Sonho? Talvez... mas, são os sonhos a matéria-prima para movimento e mudança, combustível para o fazer humano.

REFERÊNCIAS

[1] Sociólogo, consultor do IIPE-UNESCO em Buenos Aires. Professor titular de sociologia da educação na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires Argentina;

[2] Documento apresentado no seminário "Escola Jovem: um novo olhar sobre o ensino médio". Organizado pelo Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Coordenação-Geral de Ensino Médio. Brasília. del 7 al 9 de junio del 2000.

*ADRIANA ANDRADE MELLO

Licenciada em Língua Portuguesa e Língua Inglesa – Faculdades Integradas de Cruzeiro (1996);

 -Pós-graduada em Leitura e Produção de Texto pela Universidade de Taubaté (1999);

-Professora efetiva na rede estadual paulista desde 2000;

-Complementação Pedagógica pela  UNIG (2001);

-Mestre em Linguística Aplicada pela Universidade de Taubaté (2003); 

 -Pós-graduada em Ensino de Língua Inglesa pela UNESP REDEFOR (2012)   e

- Designada no Programa de Ensino Integral desde 2014, na EE Oswaldo Cruz (Cruzeiro/SP)

Área de Linguagens (Português / Inglês)

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

sexta-feira, 4 de agosto de 2023

O 8 de Janeiro e a política do Apito de Cachorro


 Autora: Marilsa Prescinoti(*)

O apito para cachorro é uma ferramenta de adestramento que emite um som em determinada frequência, que só é perceptível aos ouvidos sensíveis do cachorro.

"A política do apito de cachorro" é a tradução literal do inglês "dog whistle politics".

No debate político, a metáfora é usada para se referir a mensagens que parecem inocentes ao público geral, mas têm significado para um público específico. Nas campanhas, os apitadores escolhem frases atraentes para nichos específicos da sociedade como forma de atrair e alienar.

Antes de continuar quero deixar claro que a abordagem não se trata da saudável divergência político partidária, muito menos de críticas a protestos democráticos, atos bem-vindos nas democracias; não se trata de crítica ao voto nas urnas, resultado das urnas ou ideologia.

Vou falar de métodos que minam as democracias e dissonância cognitiva.

Os apitos que culminaram no 8 de Janeiro.

Urnas eletrônicas:

Em 2020, em evento nos Estados Unidos, Bolsonaro disse ter provas de que venceu as eleições no primeiro turno em 2018. A matilha nunca esqueceu este apito.

"Precisamos aprovar no Brasil um sistema seguro de apuração de votos (o código), caso contrário, passível de manipulação e de fraudes. Então eu acredito até que eu tive muito mais votos no segundo turno do que se poderia esperar e ficaria bastante complicado uma fraude naquele momento." Nunca provou, mas forneceu o código para a matilha trabalhar (divulgar) junto a população vulnerável ao tema.

Neste mesmo ano de 2020 o bolsonarismo sofre uma derrota acachapante nas eleições municipais. A partir daí, e até os dias de hoje, os ataques, do então presidente da República, as urnas e ao sistema eleitoral foram intensos; ele precisava desacreditar o sistema e ali já sonhava com um golpe de Estado em caso de derrota nas urnas em 2022. Ele já contava com uma matilha atenta a seus comandos.

Os apitadores alienaram parte da sociedade que passou a ouvir e a responder aos comandos contra a imprensa; vacina, adversários, STF, minorias, Instituições Democráticas, sistema político, ataques ao Estado Democrático de Direito. Já era comum o pedido de intervenção militar. O alvoroço estava a postos.

Frases e palavras que tem efeito de apitos de cachorro em nosso meio:

Comunismo; Deus-pátria-família; Valores cristãos; VaChina; Nossa liberdade; Intervenção Militar; Povo armado não pode ser escravizado; Acabou p@rra (na voz do presidente da República contra ministro do STF, foi agudo); As 4 linhas da Constituição, Vamos virar a Venezuela, etc, etc, etc...

As consequências destes comandos são irrefutáveis: sentimos na pele o que aconteceu nos últimos 4 anos e nenhum setor ficou de fora; seja nas famílias e amizades rompidas, no judiciário, nas forças de segurança, no jornalismo (que virou assessoria político-partidário), nos ministérios sob comando de ideológicos tresloucados ou serviçais, nas secretarias, nas pessoas que morreram e deixaram morrer por recusar vacina, nos profissionais de saúde que se renderam a cloroquina em detrimento da ciência ou Juramento de Hipócrates, nos que mataram por política e por políticos. Muitas pessoas perderam o senso crítico e a racionalidade, se rendendo a cegueira ideológica, charlatanismo, violência e irracionalidade.

O apito de cachorro vai além de código para supremacistas e neofascista: ele também é usado por políticos como ferramenta de manipulação de massa. O 8 de Janeiro e a invasão do Capitólio estão aí para confirmar.

Um presidente da república jamais dirá abertamente "- Vamos dar um golpe de Estado! Vamos acabar com a democracia! Vamos provocar uma guerra civil e decretar LGO! Vamos tomar o poder!" Mas foi isso que os radicais, em torno ou não do presidente, entenderam ao longo de 4 anos nas declarações, omissões e diálogos do cercadinho. Podemos dizer que ele já reconhecia que boa parte do seu eleitorado fora radicalizado e que seria questão de tempo para o chamado derradeiro.

Vou pontuar alguns apitos de cachorro e seus desdobramentos que considero efetivamente perturbadores:

Violência! Nazifascismo!

Em 2020 o Secretário da Cultura do governo Bolsonaro, para divulgar o Prêmio Nacional de Artes, escolheu um cenário "curioso" para dizer o mínimo: ao som de Richard Wagner, compositor preferido de Hitler, reproduz trechos de outro discurso famoso, este, do então ministro de propaganda da Alemanha nazista, Joseph Goebbels. A repercussão custou ao secretário o cargo, pedido de desculpas, notas de repudio e, entres elas, da Confederação Israelita do Brasil.

Em 2021 o assessor na Presidência Felipe Martins, em uma audiência no Sendo Federal, fez um gesto ligado a supremacistas brancos; segundo ele, estava arrumando a lapela.

Bolsonaro, em uma de suas lives semanal, aprece tomando um copo de leite puro, segundo ele, para homenagear a Associação Brasileira de Produtores de Leite (Abraleite); para estudiosos e especialistas em extrema direita, o gesto também está ligado a supremacistas e afins.

Dias depois, o porta voz do bolsonarismo radical, o blogueiro e influencer Allan dos Santos, em uma de suas lives também vira um copo de leite e diz: "-Entendedores entenderão".

Segundo estudiosos, estes são símbolos usados pelo que é chamado nos EUA de movimento alt-right, abreviação de "direita alternativa".

Para estes estudiosos, quem faz algum tipo de sinal comum para os neonazistas ou supremacistas brancos está sinalizando para estes grupos. O dog whistle é uma tática que indica pertencimento ou alinhamento... pra não dizer alienamento.

Em sua conta no Facebook, em 2020, Jair compartilha um vídeo com destaque para uma frase que foi um dos slogans de Mussolini líder do fascismo:

"Melhor viver um dia como leão do que cem anos como cordeiro".

Outra citação de Mussolini que Jair gosta de parafrasear para justificar o armamento sem controle: "Um povo armado jamais será escravizado".

Ainda em 2020, o grupo bolsonarista "300 pelo Brasil", liderado pela ativista Sara Winter fez um protesto em frente ao STF. O grupo carregava tochas acesas e algumas pessoas vestiam máscaras de personagens de filmes de terror cobrindo todo o rosto.

Na ocasião foi apontada semelhanças entre o protesto e a manifestação de neonazistas e membros da Ku Klux Klan, que ocorreu em 2017, nos Estados Unidos. A 'KKK' é organização racista dos Estados Unidos que prega a supremacia branca e já praticou inúmeros atos violentos contra negros. Nenhuma autoridade ligada ao Presidente, ou o próprio, repudiou o ato. Ao contrário, o grupo recebeu suporte de parlamentares bolsonaristas, como Zambelli, Damares, Bia Kicis. Em entrevista, a ativista disse ter recebido orientação do General Heleno, Ministro do GSI, para que o protesto fosse contra o STF.

Em campanha no Acre em 2018, Bolsonaro, simulando tiros de metralhadora, decreta: "Vamos metralhar a petralhada".

As "dog whistles" fazem com que a mensagem seja captada por determinados grupos suscetíveis.

Coincidência ou não, estudo apontou que as células de grupos neonazistas cresceram 270,6% no Brasil entre janeiro de 2019 e maio de 2021, e se espalharam por todas as regiões do país, impulsionadas pelos discursos de intolerância e ódio contra feministas, judeus, negros e a população LGBTQIAP+.

Coincidência ou não, estudo apontou que entre 2019 e o primeiro semestre de 2022, a violência por motivação política cresceu 335%, com episódios de violência extrema: assassinatos por motivação política já não eram pontuais, eles pipocaram Brasil a fora.

Os números contam histórias.

Foi neste clima de ataques as urnas, adoração ao másculo, (quem não se lembra do Jair falando abertamente: "depois de 4 homens dei uma fraquejada" se referindo a sua filha caçula), desmoralização de Instituições Democráticas, aumento da violência contra mulher, apologia ao nazismo, fascismo, uso da máquina Estatal em franca exploração a todo comportamento antirrepublicano, ataque a imprensa livre, violência, intolerância e inquietação, chegamos as eleições de 2022 com a gratificante derrota do maior apitador da República Federativa do Brasil.

Em clima de não aceitação ao resultado das urnas, acreditando, de novo, que as urnas tinham sido fraudadas, estavam com medo do comunismo, medo de fechamento de igrejas, destruição da família, medo de comer cachorro e virar a Venezuela. E foi assim que, em completa dissociação cognitiva, uma massa desnorteada saiu de suas casas e fecharam violentamente as estradas, atearam fogo, se lançaram na frente de caminhões, acamparam diante de quartéis, se ajoelham para tanques de guerra, rezaram para pneus na rua, pediram ajuda para extraterrestre. Vergonhosa catarse coletiva, em uma mistura de fanatismo político-religioso.

Mas o pior estava por vir.

O pronunciamento oficial do presidente após a eleição, que para a maioria de nós foi só o discurso vazio de um homem derrotado que não aceitou perder o poder, para os cérebros completamente desconectados da realidade, escutaram "os movimentos populares são fruto de indignação e de sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral" e ali, naquele momento, diante de tudo que estava acontecendo nas ruas, mais que apito de cachorro, estava feito o convite para o ataque dos cães.

Qualquer político com um mínimo de estatura pediria para as pessoas irem para casa, reconheceria a derrota e certamente as coisas se acomodariam. Não foi o que aconteceu. Era preciso manter a massa acesa. Depois do convite para o ataque, entrou em ação os porta vozes do golpe; estes, com seus apitos nas mãos, dormindo o sono confortável em cama quente, animavam a malta, que tomava chuva e usava banheiros químicos, a continuarem a luta com frases do tipo: "confiem no capitão, mantenham-se firmes, não podemos falar tudo, mas estamos trabalhando, não desistam, precisam resistir para as Forças Armadas agirem", discursos inflamados ao pé do ouvido, como fez Braga Neto, era bálsamo para estes fanáticos, que acreditavam que o capitão voltaria dos EUA liderando as Forças Militares para fechar o STF e livrar o país do comunismo que davam como certo após a vitória do Lula.

O caminho estava azeitado para o ato final: financiaram, instigaram, convocaram, facilitaram, abriram portas, serviram água, fizeram o impossível parecer provável. Literalmente marcharam até a Praça dos 3 Poderes, escoltados por forças de segurança do Distrito Federal, para destituir o presidente eleito, prender Ministro do STF, tomar o poder e devolver para o seu mito.

E então aconteceu O 8 de Janeiro.

E foi assim que idosos, pais e mães de família, autoridades, militares, Ministro de Estado, homens de carreira, pessoas comuns, idiotas, patriotas, extremistas, violentos e criminosos se uniram contra o País, numa tentativa de Golpe de Estado, e foram parar na cadeia, em atos de extrema violência, vandalismo, depredação. Os articuladores queriam, ou mais do que isso, precisavam da instabilidade e do caos que somente uma massa insana nas ruas poderia causar.

E os apitos não param: já construíram narrativas bem aceita pela malta para culpar o adversário. Pergunta sincera: Alguém, com um mínimo de racionalidade, acredita que existira um 8 de Janeiro sem Bolsonaro & Afins? Se você também respondeu "- impossível", estamos de acordo.

Temos chance. Sobrevivemos aos apitos de cachorro que, segundo estudiosos, podem minar a democracia. Mas é fato que somente uma sociedade bem-informada, consciente de sua cidadania, sem paixão, exercendo a racionalidade, comprometida com resultados, com fatos, não com políticos, livre das amarras ideológica, pode construir uma nação. Não precisa entender toda engrenagem política; precisa ter o senso crítico apurado e um mínimo de comprometimento com o seu voto na urna.

Foi por pouco, foi por tolerância ao intolerável que chegamos tão perto de perder a nossa Liberdade. Não foi Lula, Dilma ou o PT. Foi Bolsonaro e uma malta de amestrados aloprados que colocaram nossa Democracia e nossa liberdade em risco.

Que sirva de aprendizado.

Democracia Sempre.

2026 é logo ali.

*MARILSA PRESCINOTI c/ revisão de Maressa Fernandes












De acordo com suas próprias palavras:

- Administradora de empresa, blogueira, twiteira, politicamente engajada, esposa, mãe e cidadã comum.

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quarta-feira, 2 de agosto de 2023

A legalidade da cobrança de taxa de juros acima da média de mercado


 Autora: Regiane de Oliveira


Muitas pessoas ao enfrentarem dificuldades no adimplemento de contratos de financiamento ou mesmo ao verificarem que estão pagando valor muito superior ao que foi efetivamente auferido buscam o poder judiciário para obter a revisão desses contratos ou obterem devolução dos valores que supostamente foram pagos indevidamente.

É importante salientar que as instituições financeiras não estão obrigadas a respeitar o limite da “taxa média de mercado” na estipulação de juros remuneratórios, pois diversos fatores são relevantes para a fixação dos juros remuneratórios fixados em cada operação de financiamento, dentre os quais, o valor total a ser disponibilizado ao consumidor, a sua capacidade econômica-financeira, o histórico de operações financeiras realizadas anteriormente, tudo para que a instituição financeira, mediante cálculos atuariais ou estatísticos tenham uma probabilidade de inadimplemento das obrigações assumidas.

Desta forma, a instituição financeira assume um risco e o percentual dos juros podem variar de acordo com o perfil de cada cliente, assim, mesmo que em um contrato os juros sejam pactuados em percentual superior à média de mercado, tal estipulação é não é suficiente, por si só, para caracterizar a abusividade da disposição contratual.

O Superior Tribunal de Justiça em sede de julgamento de recurso repetitivo (REsp 1.061.530-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/10/2008) entendeu que "é admitida a revisão das taxas de juros em situações excepcionais, desde que haja relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, § 1º, do CDC)".

É importante que o consumidor ao aderir à contratos de financiamento verifique o Custo Efetivo Total, o chamado "CET", nele a instituição financeira deve demonstrar todos os encargos e despesas incidentes nas operações de crédito e de arrendamento mercantil financeiro. O "CET" deve englobar não apenas a taxa de juros, mas também tarifas, tributos, seguros e outras despesas cobradas do cliente, além disso, deve ser expresso na forma de taxa percentual anual, incluindo todos os encargos e despesas das operações.

Não basta a mera alegação do consumidor de que assumiu um contrato oneroso e desvantajoso, sendo pacífico o entendimento no poder judiciário de que as instituições financeiras não se sujeitam aos limites impostos pelo artigo 591 do Código Civil de 2002.

A Constituição previa uma limitação de juros em 12% ao ano, no § 3º, do artigo 192, entretanto, referido dispositivo foi revogado pela Emenda Constitucional nº 40/2003, e mesmo antes da referida emenda, já entendia o Supremo Tribunal Federal não ser autoaplicável a limitação constitucional de juros (RT: 729/131), sendo aplicável portanto, às instituições financeiras, no tocante aos juros, aos limites fixados pelo Banco Central, em respeito ao disposto na Lei nº 4.595/64 que dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias, Cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências.

No que tange à Tarifa de Emissão de Carnê (TEC) e a Tarifa de Abertura de Crédito (TAC), com a vigência da Resolução CMN 3.518/2007, em 30.4.2008, a cobrança por serviços bancários prioritários para pessoas físicas ficou limitada às hipóteses taxativamente previstas em norma padronizadora expedida pela autoridade monetária. Desde então, não mais tem respaldo legal a contratação da Tarifa de Emissão de Carnê (TEC) e da Tarifa de Abertura de Crédito (TAC), ou outra denominação para o mesmo fato gerador. Entretanto é válida a Tarifa de Cadastro expressamente tipificada em ato normativo padronizador da autoridade monetária, a qual somente pode ser cobrada no início do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira desde que expressamente pactuada em contrato.

Quanto ao seguro de proteção financeira, é importante que a instituição financeira forneça opções de empresas sob pena de configurar venda casada que é uma prática vedada pelo Código de Defesa do Consumidor.

Assim, para que seja verificada qualquer ilegalidade ou abusividade prevista em contrato que seja possível obter êxito em ação de revisão judicial e devolução de valores não basta a simples constatação de que os juros pactuados excedem a taxa média de mercado, sendo necessário analisar as taxas divulgadas pelo Banco Central do Brasil no mês da contratação, bem como verificar as demais taxas que devem ser devidamente discriminadas no Custo Efetivo Total do contrato firmado.

* REGIANE SIMÕES DE OLIVEIRA

















- Graduada pela FMU (2007);
- Pós-Graduada em Direito Civil e Processual Civil pela Escola
Paulista de Direito (2010);
- Advogada atuante em direito imobiliário, consumidor, empresarial, cível, família e com assessoria para obtenção de cidadania portuguesa, espanhola e italiana.
Contatos: WhatsApp/Cel.: 11 9 5208-0131
https://www.linkedin.com/in/regiane-sim%C3%B5es-de-oliveira-50221a31/

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terça-feira, 1 de agosto de 2023

O INSS não cumpre acordos


 Autor: Alexandre Triches (*)

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu, na última sexta-feira (28/7) todos os processos que tenham como objeto o pedido da denominada revisão da vida toda. A decisão prevê que a medida deve perdurar até a data da publicação da ata de julgamento dos embargos de declaração interpostos pelo INSS. Este julgamento está agendado para iniciar no próximo dia 11 de agosto e, como ocorrerá no modo virtual, levará alguns dias para ser concluído.

Dentre os pedidos do INSS, a autarquia está postulando que o STF suspenda o andamento dos processos judiciais envolvendo a revisão da vida toda, em todo o país, sob o argumento de que a aplicação imediata da tese poderia levar a pagamentos indevidos e extrapolar a capacidade de atendimento da Previdência. Trata-se, sem dúvida, de um pedido que, se for acolhido pela Suprema Corte, trará impactos muito expressivos na vida dos brasileiros.

Numa primeira leitura não tenho dúvidas em afirmar que o argumento do INSS é relevante, uma vez que a decisão do STF está gerando um estoque expressivo de processos administrativos. Estes processos não estão sendo analisados e estão encorpando o já elevado números de processos que aguardam análise por parte da autarquia. A imprensa informa que existem, hoje, mais de um milhão de processos aguardando análise pela Previdência.

Além disso, cresce exponencialmente o ajuizamento de novas ações judiciais, sendo que, sobre elas, ainda existem muitas dúvidas com relação aos critérios a serem levados em consideração para o cumprimento dos julgados. Portanto, o ideal seria que o INSS se aparelhasse para poder atender estas demandas, e que o cidadão aguardasse este aparelhamento.

Acontece que mesmo diante de justificativas tão nobres, em se tratando do INSS deve-se presumir que qualquer acordo institucional realizado não será cumprido pela autarquia. Isto porque a Previdência Social é uma descarada descumpridora de acordos e nestes tipos de situações promete, porque é de graça, mas não assume o preço do cumprimento.

Um caso recente bastante emblemático neste sentido foi o acordo firmado entre MPF e INSS no Tema 1106 do STF, em que foram negociados prazos diferenciados para a análise e a conclusão dos processos administrativos previdenciários. Mesmo com a homologação do acordo por parte do Supremo Tribunal Federal, a Previdência não cumpriu os prazos assinalados, e acabou prejudicando a vida de milhares de pessoas que aguardavam a análise do seu pedido, além de fomentar justamente aquilo que a proposta de acordos tencionada evitar: o ajuizamento de novas ações judiciais.

As pessoas ordinariamente postulam a sua aposentadoria, o que por si só costuma demorar – nesta fase o INSS já comete a primeira ilegalidade, pois extrapola o prazo legal. A partir deste momento, o cidadão brasileiro protagoniza uma verdadeira novela mexicana até obter o reconhecimento do seu direito. Mesmo aposentado, constata que ocorreu um erro no cálculo da sua renda mensal inicial, como é o caso da revisão da vida toda, e aguarda por anos uma resposta do Poder Judiciário. Quando, finalmente, obtém sucesso no pedido, surge o INSS, propondo um acordo.

Entendo que é muito importante o Poder Judiciário tomar suas decisões protegendo as instituições brasileiras, dentre elas o INSS. Contudo, jamais deve o STF deixar de atentar-se para o comportamento oportunista da autarquia. Os ministros do STF devem avaliar os embargos de declaração propostos pelo INSS, no que tange ao pedido específico de suspensão dos processos com um olhar para o futuro e outro para o passado. Ter direito a uma boa administração pública não é um favor. É um direito do cidadão.

*ALEXANDRE TRICHES
















-Graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul -PUC/RS (2005);
-Especialização em Direito Público pela PUC/RS(2007)
-Mestrado pela PUC/RS (2012).
Atualmente é advogado especializado em Previdência Social e é Professor Universitário 
Contatos

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Aposentadoria da Pessoa com Deficiência Após a Reforma da Previdência





Autora: Katiely Bento (*)


A Emenda Constitucional nº 103, conhecida como Reforma da Previdência de 2019, publicada no Diário Oficial da União em 13 de novembro de 2019, trouxe diversas mudanças nas regras e requisitos dos benefícios previdenciários do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS).

Entre as principais alterações, criou-se regras permanentes para os filiados à Previdência Social após 13 de novembro de 2019, extinguindo, por exemplo, a aposentadoria por tempo de contribuição e prevendo regras de transição para os segurados que ingressaram na Previdência antes da Emenda Constitucional n. 103/2019, mas que não tinham preenchidos os requisitos para obter uma aposentadoria até a data de sua publicação (13/11/2019).

Não obstante, a aposentadoria por idade e por tempo de contribuição da pessoa com deficiência foi uma das únicas modalidades de benefícios previdenciários não modificadas pela Reforma da Previdência, assim, as regras continuam as mesmas.

A aposentadoria da pessoa com deficiência possui requisitos diferenciados, mais benéficos em relação aos demais benefícios da Previdência Social, possibilitando aos segurados se aposentarem antes dos demais contribuintes.

Para a legislação previdenciária, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (redação dada pelo artigo 2º da Lei Complementar nº. 142 de 2013).

Assim, a pessoa com deficiência poderá se aposentar por idade, independentemente do grau de deficiência, ou por tempo de contribuição, sem idade mínima.

Para se aposentar por idade, o homem precisa ter no mínimo 60 (sessenta) anos de idade, e a mulher 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, precisando ainda cumprir o tempo mínimo de contribuição de 15 (quinze) anos e comprovar a existência de deficiência durante igual período.

A aposentadoria por tempo de contribuição, por sua vez, exige da pessoa com deficiência o preenchimento dos seguintes requisitos:

a) Deficiência grave: o homem se aposenta com 25 (vinte e cinco) anos de tempo de contribuição, e a mulher com 20 (vinte) anos;

b) Deficiência moderada: o homem se aposenta com 29 (vinte e nove) anos de tempo de contribuição e mulher com 24 (vinte e quatro) anos; e

c) Deficiência leve: o homem se aposenta com 33 (trinta e três) anos de tempo de contribuição, e a mulher com 28 (vinte e oito) anos.

Observa-se pelas regras previstas na Lei Complementar n. 142/2013, que na aposentadoria por idade, a pessoa com deficiência se aposenta independentemente do grau de deficiência, diferente da aposentadoria por tempo de contribuição, que não exige do segurado idade mínima, mas a contribuição varia de acordo com o grau de deficiência.

Infelizmente, muitos segurados com deficiência desconhecem seus direitos previdenciários e a possibilidade de se aposentar antecipadamente, já que a eles, as regras de concessão de aposentadoria são mais brandas.

Ressalto que o mais importante é que as pessoas com deficiência conheçam os seus direitos, especialmente os previdenciários, e saibam que os requisitos de suas aposentadorias não foram modificados pela Reforma da Previdência de 2019.

Referências Bibliográficas:

BRASIL. Lei Complementar n. 142, de 8 de maio de 2013. Regulamenta o § 1° do art. 201 da Constituição Federal, no tocante à aposentadoria da pessoa com deficiência segurada do Regime Geral de Previdência Social - RGPS. Brasília, DF. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp142.htm. Acesso em: 19 jul. 2023; e

BRASIL. Constituição (1988). Emenda constitucional n. 103, de 12 de novembro de 2019. Brasília, DF. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc103.htm. Acesso em: 19 jul. 2023.

* KATIELY BENTO FELIPE



















-Advogada Previdenciária graduada em Direito pela Universidade Paranaense (2020);
-Pós-graduanda em Advocacia em Regimes Próprios de Previdência Social pela ESMAFE - Escola da Magistratura Federal do Paraná  e
-Membra da Comissão de Direito Previdenciário da OAB Seccional Paraná e Subseção Toledo.
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Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

domingo, 30 de julho de 2023

Dependência Emocional


 Autora: Edina Costa da Silva(*)

Ninguém é capaz de preencher o outro, as relações têm que ter a finalidade de acrescer, tornar um troca de muito aprendizado e amadurecimento. Precisamos fortalecer a ideia que devemos cuidar primeiro de nós e que não cabe o outro preencher os nossos vazios e de nos fazer felizes.

A dependência emocional tem diversas causas, pode ter sido iniciada na infância, a criança ter sido abandonada de forma física ou emocional pelos pais ou responsáveis. Então, para haver compensação dessa lacuna, o indivíduo busca no outro esse preenchimento.

Nesse processo, o indivíduo quando inserido em uma relação, seja de cunho amoroso ou não, ele não consegue ter a sua individualidade, sendo um sujeito que aceita tudo e tenta agradar mesmo que isso o angustie.

Não consegue perceber que nas relações tem que haver trocas e compartilhamento das vivencias. O dependente joga o fardo da sua felicidade no outro, ele acredita que precisa daquela pessoa para coexistir e submete se a fazer tudo aquilo que não próprios.

São pessoas com baixa autoestima e com constante necessidade de aprovação dos outros para poder se sentir útil, sendo propicio a se envolver em relações toxicas, onde fica totalmente submisso e não consegue ter percepção do que acontece a sua volta.

As angústias acabam levando o dependente a sintomas como: Incapacidade de tomar decisões, controle compulsivo e ciúmes excessivo.

O primeiro passo para o dependente ser curado e reconhecer que precisa de ajuda e procurar um profissional para ajudá-lo a compreender suas emoções. O processo terapêutico vai ajudar a identificar as causas que geram esse conflito e a conscientização dos padrões de comportamento em que esse indivíduo está preso.

* EDINA COSTA DA SILVA



















- Graduada em Psicologia Clinica pelo Centro Universitário FMU (2018);
- Pós Graduada em Psicopedagogia com Ênfase em Educação Especial pela Faculdade Fael (2020);
-Vivência em Plantão Psicossocial na Abordagem Psicanalítica e Junguiana; 
-Atendimento Clínico Individual e Atendimento Infantil.

Nota do Editor:

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