segunda-feira, 18 de agosto de 2025

Cadeia de Custódia e a Verdade no Proecesso Penal





@ Camila Regiani Ricardo de Oliveira

Atualmente, muito está se falando sobre cadeia de custódia. Porém, ela não é apenas um procedimento técnico, mas sim uma garantia de que a verdade dos fatos será preservada e que o processo penal não se transformará em um jogo de suposições.

Neste artigo, vamos entender o que é a cadeia de custódia, por que ela é tão relevante e como ela se conecta à teoria das provas.

1- O que é Cadeia de Custódia?

Primeiro, precisamos entender que a grande maioria dos crimes deixam vestígios, como: armas de fogo; impressões digitais; roupas com manchas de sangue; celulares apreendidos; invólucros com drogas, entre outros.

Dito isto, temos que a cadeia de custódia pode ser definida como o conjunto de procedimentos que garante a integridade de um vestígio desde o momento em que é encontrado até sua apresentação em juízo.

Em outras palavras, é o caminho que a prova percorre desde a cena do crime até o tribunal, sem que haja qualquer risco de adulteração, substituição ou desaparecimento.

Cada etapa (coleta, acondicionamento, transporte, armazenamento, análise e apresentação das provas e dos vestígios) deve ser documentada e realizada por agentes competentes para garantir que aquela prova seja confiável e possa ser usada para condenar ou absolver alguém com segurança jurídica.

Portanto, a cadeia de custódia é um dos pilares mais importantes da prova penal que ganhou previsão expressa no Código de Processo Penal brasileiro com a Lei nº 13.964/2019 (o chamado Pacote Anticrime) - artigos 158-A ao 158-F, do CPP.

Assim, sendo uma exigência legal, sua violação pode levar à nulidade da prova.

2- Cadeia de Custódia e a Teoria das Provas:

Na teoria geral das provas, a validade e a eficácia da prova (que irá basear um processo criminal) dependem de sua legalidade, licitude e autenticidade e é neste último ponto que a cadeia de custódia atua diretamente.

Mas, por que isso é tão importante?

Imaginemos: Uma arma foi apreendida em uma investigação de roubo, mas ela não foi embalada corretamente com as identificações necessárias. Com isso, ela acabou sendo utilizada em outro processo criminal que averiguava crime de homicídio – o que acarretou a condenação pelo Tribunal do Júri de uma pessoa inocente.

Portanto: se não houver registro claro de quem coletou, onde foi armazenada, quem teve acesso e como foi analisada, essa arma pode ser (considerada) uma prova contaminada. E uma prova contaminada pode ser desconsiderada pelo juiz — ou pior, usada indevidamente para condenar alguém inocente.

A doutrina penal moderna, influenciada pelo garantismo de Luigi Ferrajoli, defende que o processo penal deve ser um instrumento de proteção dos direitos fundamentais.

Com isso, a prova não pode ser apenas uma formalidade; ela deve ser confiável, transparente e submetida ao contraditório.

3- Por que isso te afeta?

Mesmo não sendo um jurista, entender a cadeia de custódia é entender como o sistema de justiça funciona. É saber que, por trás de cada prova apresentada em um tribunal, existe um caminho que precisa ser respeitado para que ninguém seja condenado injustamente, garantindo que a verdade não seja manipulada e que o processo penal seja um instrumento de justiça — e não de abuso.

4- Conclusão:

A cadeia de custódia é mais do que um protocolo técnico: é uma garantia constitucional, um escudo contra arbitrariedades e um instrumento de preservação da verdade.

Com o Pacote Anticrime, ela passou a ocupar o lugar que merece no processo penal brasileiro: o de guardiã da prova legítima, pois, afinal, um processo penal justo começa com uma prova íntegra — e isso só é possível com uma cadeia de custódia bem-feita.

CAMILA REGIANI RICARDO DE OLIVEIRA - OAB/SP 443.905






















Graduada em Direito pela Universidade de Araraquara – UNIARA (2020);

Pós-Graduada em Direito Penal e Processual Penal Aplicado pela Escola Brasileira de Direito – EBRADI (2022);

Pós-Graduada em Tribunal do Júri e Execução Penal pela LEGALE EDUCACIONAL (2023);

Advogada Criminalista e especialista em execução penal.

Membro da Comissão de Cultura e Eventos da OAB - Seccional de Itápolis/SP (2023).

 Nota do Editor:


Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

domingo, 17 de agosto de 2025

Ansiedade de vida, ansiedade de morte

@ Fábio Dias Rezende


"...a vontade do capital é empobrecer a existência. O capitalismo quer um mundo triste e monótono em que operamos como robôs, e não podemos aceitar isso."

(Ailton Krenak, em "Futuro ancestral", p. 38)


1. Uma ansiedade para além dos manuais

A clínica contemporânea tem se deparado com um desafio que lhe transcende, extrapolando os limites do consultório e, de alguma maneira, irmanando os sujeitos que sofrem com uma espécie de traço comum entre as formas de adoecer que demandam cuidado: a angústia dos despossuídos de qualquer garantia. Que não haja nenhuma garantia na vida, dada sua imprevisibilidade, não nos causa surpresa; porém, o fenômeno diante de nós eleva essa dimensão ao ponto de tolher os recursos que poderiam ser empregados na transformação do mundo, de sua organização do trabalho e das formas de produtividade. Embora alguns questionem o papel das grandes corporações e governos na qualidade de vida das pessoas, em geral, a fantasia que circula na clínica, inclusive por parte do analista mais incauto, é a de que aquele sofrimento, que é singular, é inédito e divorciado da dimensão social e ambiental, nada tendo em comum com outras pessoas adoecidas e com o momento histórico em que vivemos. É notório que nossas ações têm modificado nosso planeta de tal forma que o que a natureza moldou ao longo de muito tempo esteja sendo revirado em um ritmo cada vez mais acelerado por nosso avanço tecnológico – não acompanhado na mesma velocidade por algum progresso moral. O resultado dessa era é a devastação de nossa casa comum, fazendo do Planeta Terra um grande supermercado a serviço de nossos caprichos, onde tudo pode ser comprado por quem pode comprar. Disso, em parte, talvez venham as notícias frequentes de pessoas em sofrimento psíquico, e de nossa atual relação com o meio ambiente nasce o conceito de ansiedade climática, sobre o qual iremos nos aprofundar um pouco adiante.

Se há, por um lado, o prisma socioambiental, por outro, o conceito de indivíduo também passa por uma crise, na medida em que os manuais que dão conta das descrições de transtornos mentais passam por críticas sobre sua ênfase no detalhamento de sintomas, no presente e no próprio indivíduo como desviante da norma, a qual tem sido transformada, uma vez que haja aumento na recorrência de diagnósticos, alterando a norma ou ao menos tencionando-a para outro lugar. O problema dos manuais, alguns dirão, consiste na ausência de uma etiologia dos transtornos, ou seja, de uma descrição causal do que acomete os indivíduos, do ponto de vista mental.

Depõe a favor da inquietação dos sujeitos em sofrimento a brutal aceleração do mundo: áudios e filmes em "2x", vídeos de quinze ou trinta segundos, uma economia da atenção capitaneada pelas redes sociais, dopamina rápida e barata. Mesmo as ferramentas que visam tornar o dia a dia mais prático, como os pagamentos digitais, os audiolivros, sistemas de geolocalização e os aplicativos de comunicação instantânea também encerram a noção de que tudo é veloz e o que assim não for deve prontamente ser aprimorado para tornar-se, também, veloz. Mas a velocidade traz o efêmero, o superficial, fazendo-nos menos pacientes, menos dados a espera e à maturação das coisas; no limite: menos contemplativos e mais ansiosos.

De acordo com Dalgalarrondo (2008), p. 304:
"As síndromes ansiosas são ordenadas inicialmente em dois grandes grupos: quadro em que a ansiedade é constante e permanente (ansiedade generalizada, livre e flutuante) e quadros em que há crises de ansiedade abruptas e mais ou menos intensas. São chamadas crises de pânico, que podem configurar, se ocorrerem de modo repetitivo, o transtorno de pânico."(Hollander; Simeno, 2004)
A objetividade do manual enquadra e define a ansiedade na categoria dos transtornos "que compartilham características de medo e ansiedade excessivos e perturbações comportamentais", e complementa descrevendo que o “medo é a resposta emocional a ameaça iminente real ou percebida, enquanto ansiedade é a antecipação de ameaça futura.” (DSM-5, p. 189). Esta última noção nos interessa para pensarmos sobre um novo conceito do sofrimento psíquico denominado “ansiedade climática”. Ora, nada mais apropriado para circunscrever uma forma de mal-estar contemporânea, que conversa com as crises provocadas pelas mudanças climáticas cada vez mais acentuadas e, paradoxalmente, cada vez mais negadas por uma parcela significativa das autoridades – em geral, associadas aos poderes econômicos que menos têm interesse em uma nova forma de organização da produção de bens e serviços, posto que deita suas bases, há décadas ou mesmo séculos, sobre o modelo de colonização e extração para manter-se operando.

A literatura tem se apropriado de uma indissociação entre indivíduo e meio ambiente, o que nem sempre foi concebido em correlação tão direta. Uma consciência, nova e diversa da convencional, tem despertado, interrogando e pressionando os agentes que mais prejudicam o planeta com seu modo de vida pouco ou nada comprometido com o futuro. Como nos adverte Ailton Krenak, em "Futuro ancestral" (2022):
"A arquitetura moderna ampliou a máxima de que a civilização precisa de cimento e ferro. Esse é um pensamento que se relaciona com o mundo nos termos de consumo de matérias não renováveis: usou ferro, acabou; usou cimento, acabou. Se você faz um projeto que precisa de cimento, pedra, ferro, vidro e o escambau, isso é a mesma coisa que usar combustível fóssil. Eu não conheço nenhuma montanha que volte a produzir cimento e pedra depois de extraídos do corpo dela. Se a gente devora montanhas e engole o subsolo da Terra para erguer cidades, o que estamos fazendo, como diria Drummond, é animar a maquinação do mundo." (p. 59).
Viver, ao modo da sociedade de consumo, nada mais é do que abreviar nossa estadia como espécie enquanto tornamo-nos, individualmente, mais longevos através de nossas tecnologias farmacológicas e médicas, de nossas comodidades e proteções temporárias, que custam caro para nosso meio ambiente. Enquanto degradamos o planeta, adoecemos coletivamente e atravessamos uma espécie de "queda do céu", para tomarmos emprestado o conceito proposto por Davi Kopenawa e Bruce Albert (2015), por nossa ambição que não mais se alimenta do que a Terra dá, mas que vai além disso, buscando o acúmulo primitivo de bens, lançando-nos sob a escassez. Dizem os autores que os maus caçadores yanomami sofrem uma maldição:
"Pode-se dizer de nós, então, o que o narrador diz dos maus caçadores yanomami, aqueles que costumam guardar para si as presas que matam (e por isso os animais se furtam a eles) – que ‘apesar de terem os olhos abertos, não enxergam nada.’ Com efeito, se as profecias justificadamente pessimistas de Davi se concretizarem, só começaremos a enxergar alguma coisa quando não houver mais nada a ver." (p. 14).
A denúncia de Kopenawa e Albert nos abre outra questão, talvez mais fundamental, que é a de questionar o edifício, sobretudo ocidental, sobre o qual nossas civilizações foram construídas após devorarem seus ancestrais e formas de vida harmoniosas que cuidaram e conviveram com a natureza por milhares de anos até terem seus respectivos fins de mundo – ou apocalipses – decretados pela modernidade e pelo capitalismo. No que chamam de “brancos”, conceito que um leitor desatento pode associar apenas à cor da pele, devemos considerar que estejam se referindo aos colonizadores do norte que impuseram suas tradições, crenças e predação sobre os povos originários e os negros escravizados, eliminando qualquer resistência a sua cosmovisão. Prosseguem os autores:
"Hoje, os brancos acham que deveríamos imitá-los em tudo. Mas não é o que queremos. Eu aprendi a conhecer seus costumes desde a minha infância e falo um pouco a sua língua. Mas não quero de modo algum ser um deles. A meu ver, só poderemos nos tornar brancos no dia em que eles mesmos se transformarem em Yanomami. Sei também que se formos viver em suas cidades, seremos infelizes. Então, eles acabarão com a floresta e numa mais deixarão nenhum lugar onde possamos viver longe deles. Não poderemos mais caçar, nem plantar nada. Nossos filhos vão passar fome. Quando penso em tudo isso, fico tomado de tristeza e raiva." (p. 75).
O caso da ansiedade no Brasil é particularmente curioso. Somos o país mais ansioso do mundo, como relata matéria da revista Veja (2025). Aqui, quero sugerir uma hipótese adicional, embora pouco possível de provar com nossas ferramentas atuais, mas que poeticamente parece curioso: somos um dos países que mais exterminou seus povos originários. Matéria publicada pelo Observatório do Terceiro Setor (2020) dá conta: "Segundo a Funai, a população indígena em 1500 era de aproximadamente 3 milhões de habitantes. No último censo do IBGE, de 2010, o Brasil tinha 896,9 mil indígenas." Isso significa que mais de 70% da população indígena foi morta desde a colonização do Brasil. Também somos o país que mais recebeu pessoas escravizadas vindas do continente africano: segundo Laurentino Gomes (2019), "portugueses e brasileiros foram responsáveis pelo transporte de 5,8 milhões de escravos, metade do total de 12,5 milhões de embarcados na África" (p. 272); apesar disso, ainda fomos o último país das Américas a abolir oficialmente a escravidão; também somos uma das poucas nações latino-americanas que não condenou seus responsáveis pela ditatura, em nosso caso, que durou de 1964 até 1985; e, por fim, o Brasil é o país mais desigual das Américas e entre 56 países analisados pelo índice de Gini, relatório utilizado para medição de indicadores de desigualdade social entre as nações, como explica o G1 (2025)

A maioria dos brasileiros são descendentes de indígenas e negros, duas populações massacradas pelo Estado desde a invasão portuguesa de 1500, sendo a maior parte de origem pobre e periférica. Não haveria uma relação entre nossa liderança entre os países mais ansiosos e depressivos do mundo e nossa abissal desigualdade social?

2. Sobre o binômio "vida e morte"

Não é novidade para algumas correntes do pensamento a constatação de que os seres humanos são divididos entre intencionalidades, de que somos contraditórios e de que há em nossa espécie algo, como denunciou Freud (1920), "além do princípio do prazer", ou seja, de que alguma força exercida sobre nossas vidas não se sujeita à lógica convencional de que a felicidade e a satisfação estão sempre em nossos horizontes e serão buscados a todo custo. Pelo contrário, para Freud, haveria em nós uma cisão tal que duas pulsões nos organizariam conflitivamente, a saber, a pulsão de vida e a pulsão de morte. A primeira nos impulsionaria para atividades construtivas, satisfatórias, enquanto a última teria como fim o retorno ao inorgânico que faria cessar todas as tensões. Freud Escreveu:
"...não é correto dizer que o princípio do prazer domina o curso dos processos psíquicos. Se assim fosse, a grande maioria de nossos processos mentais teria de ser acompanhada de prazer ou conduzir ao prazer, quando a experiência geral contradiz energicamente essa ilação. O que pode então suceder é que haja na psique uma forte tendência ao princípio do prazer, à qual se opõem determinadas forças ou constelações, de modo que o resultado final nem sempre corresponde à tendência ao prazer." (p. 164-165).
Neste sentido, desmorona a própria edificação que tem sua defesa explícita pelo discurso capitalista, de que, pelo consumo, seria possível satisfazer o desejo humano e realizar pessoalmente quem dele puder tirar proveito. Se somos divididos, em nós habita uma orientação que não dialoga com o prazer no sentido comum, podemos inferir que nosso modo de produção e organização do trabalho, bem como nossa relação com o meio ambiente e com a própria realidade psíquica anseiam por uma revisão urgente, dado que nosso ritmo acelerado nos deixa pouco tempo para reestruturar as bases sobre as quais a civilização moderna foi erguida.

Freud (1920) também diferenciava angústia, medo e terror:

" 'Angústia’ designa um estado como de expectativa do perigo e preparação para ele, ainda que seja desconhecido; 'medo    ' reque um determinado objeto, ante o qual nos amedrontamos; mas ‘terror’ se denomina o estado em que ficamos ao correr um perigo sem estarmos para ele preparados, enfatiza o fator da surpresa." (p. 169).
Para André Green, de quem tomo emprestada a ideia dicotômica do título, há uma distinção fundamental defendida em seu livro "Narcisismo de vida, narcisismo de morte" (1988), pois haveria uma denúncia inconteste de decadência civilizatória, desempenhada pelas pulsões de destruição:
"Não há somente os indivíduos que se deixam morrer. Há também civilizações inteiras que parecer sofrer de apatia, renunciando a seus ideais, soçobrando na passividade, sinal antecipador de seu desaparecimento, quando perderam qualquer ilusão sobre o futuro." (p. 300).
O autor ainda dirá que: "A civilização é apenas o resultado do equilíbrio entre as pulsões de vida e as pulsões de morte. (p. 300).

Nesse sentido, podemos pensar sobre o quão pueril é a busca por eliminar uma ansiedade mais ligada ao fazer do humano que não rompe com a civilização e com a natureza, mas que é combustível para atividades construtivas, artísticas, culturais, políticas e solidárias, por exemplo.

3. Ansiedade Climática

As mudanças climáticas representam o que há de mais nefasto em nossa afirmação de poder como espécie, evidenciando o que antropólogos e historiadores têm chamado de antropoceno, ou a era do homo sapiens. Dominamos, pretensiosamente, o planeta, como um domador de leões ou um adestrador de cavalos, esquecendo-nos que somos mais fracos do que eles. Nossas máquinas reviram a Terra, esquadrinhamos os mares, as chuvas e as florestas e até mesmo nos aventuramos pelo espaço. Catalogamos as outras espécies e decidimos o que bem entendemos ser nosso direito de fazer com nosso meio ambiente. Produzimos infinitamente a partir de recursos finitos. Em biologia, um sistema dessa ordem é chamado de câncer. Somos tributários de uma escatologia que parece ser inevitável. A perspectiva de que não haverá, no futuro, condições para a vida humana continuar a existir em nosso planeta é radicalmente oposta a qualquer noção de bem-estar, pois opera sob o regime do medo como afeto basal que circula e organiza a sociedade. Por ser um fenômeno complexo e de difícil associação com o mal-estar de nosso tempo, as mudanças climáticas se acentuam com o negacionismo, ora ingênuo, ora perverso, quando proferido por autoridades que têm conhecimento do que está acontecendo, mas, em nome de interesses econômicos, dissimulam a gravidade do que as grandes corporações e os Estados estão fazendo. A ausência de uma bioética impacta na saúde das espécies animais, inclusive na saúde humana – por exemplo: microplásticos, agrotóxicos são algumas das substâncias que não encontram lugar em nosso organismo – e, no limite, interfere em nossa saúde mental. Os Estados precisam atuar, garantir a proteção ambiental e mobilizar o setor produtivo para uma nova economia, que seja mais responsável e sustentável, assim como devem agir para a transição energética, superando a queima de combustíveis fósseis. Tecnologia para isso existe. Falta vontade política e, neste campo, o Brasil pode ser uma liderança global propositiva, vanguarda entre os países com maior produção de energia limpa e renovável. O que parece ser uma análise geopolítica, proponho, é também fazer clínica, porque cuida, protege e emancipa indivíduos para viverem em relação com a natureza, e não mais separados dela e, por isso, doentes e em sofrimento.

CONCLUSÃO

A ansiedade, portanto, é um fenômeno que excede o indivíduo, embora nele se manifeste primariamente, estabelecendo comunicação com o campo social e mesmo com a percepção de mudanças ambientais. O clima interfere no humor, o que é sabido desde nossos ancestrais, mas agora temos testemunhado a influência dele sobre a sociedade como um todo. O ponto de partida para que façamos da prática clínica um lugar de escuta e acolhimento deste sofrimento, antes inominável, mas hoje pensado em relação com as mudanças climáticas, é o de assumirmos uma posição crítica em relação ao conceito de indivíduo, que culpabiliza cada um por seu mal-estar, sofrimento ou sintoma. Somos todos responsáveis, mutuamente, pela ansiedade climática uns dos outros e somente partindo para uma revisão global de nossos laços – conosco, uns com os outros e com a natureza – poderemos inaugurar uma nova consciência, vislumbrada antes apenas pelos poetas, através da qual o mundo (cultura e sociedade) se reconciliará com o planeta (natureza). Isso representaria a transição profetizada por Milton Santos (2022), na qual avançaríamos do pensamento único para uma consciência universal. Isso representaria podermos voltar a mirar o horizonte da psicanálise, desde Freud: transformar a miséria neurótica em sofrimento comum. Assim ultrapassaremos a concepção de que toda ansiedade é sintomática e seremos capazes de perceber que, além da ansiedade que nos acossa e prostra, há uma que nos faz sonhar, lutar por um outro mundo, outra forma de vida, construir novos e diferentes futuros.

REFERÊNCIAS

FÁBIO DIAS REZENDE

















-Graduado em Psicologia pela Faculdades Metropolitanas Unidas - FMU (2017);

- Pós-Graduado em Clínica Psicanalítica: Conflito e Sintoma pelo Instituto Sedes  Sapientiae (2019) ;

Atendimento psicológico em Consultório Particular

Orientação psicanalítica

WhatsApp:: (11) 98631-7444

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.