sábado, 14 de dezembro de 2024

Estratégias de engajamento nas redes sociais e sua influência na educação



Autora: Fabíola Cauduro da Rocha (*)

A menos que você seja completamente avesso ao uso da internet, principalmente no que diz respeito às redes sociais, certamente você já teve que lidar com o avanço dessas redes, e nelas estão inclusas o WhatsApp, Instagram, X (antigo Twitter), Bluesky, TikTok, para citar apenas as mais conhecidas e atualmente utilizadas pelas gerações que vão dos boomers (nascidos entre 1946 e 1964) aos alfas (nascidos a partir de 2010) incluindo também o Facebook, que já teve seu auge de utilização nos idos de 2012 e hoje não tem uma aderência muito grande entre os mais jovens, motivo pelo qual está sendo reformulado para atrair mais usuários jovens, competindo diretamente com plataformas com TikTok.

O que antes era um jeito simples de troca de mensagens instantâneas, postagens de fotos, miniblogs e vídeos de dancinhas, foi se transformando ao longo do tempo em ferramentas de disseminação de informações, geradores e formadores de opiniões, e potentes ferramentas de marketing. Essa transformação se deve ao engajamento. Mas afinal, o que é engajamento?

Engajamento é a grau de participação das pessoas dentro da comunidade e nas mídias sociais, reflete a forma como as pessoas interagem ao conteúdo, ou seja, a quantidade de curtidas, comentários, salvamentos e compartilhamentos.

Para Recuero (2009), as redes sociais, de modo geral, se estabelecem com base em dois principais elementos: a presença de atores sociais e as conexões estabelecidas entre esses atores, e ainda, segundo a autora, possibilitam principalmente uma "rede de contatos na qual jamais houve qualquer tipo de interação recíproca".

Até então tudo parece bem simples, mas se observarmos bem, o uso das redes sociais teve um forte impacto na sociedade atual, que adotou essas mídias como fonte de pesquisa, e com estratégias e métodos utilizados para mimetizar um movimento orgânico, planejado para atingir uma determinada audiência com uma finalidade pré-estabelecida.

Chamamos de engajamento orgânico aquele que acontece de maneira natural, de forma voluntária por parte dos seguidores, que reagem, comentam e acabam engajando o conteúdo entre outros públicos; nesse tipo de engajamento o dono do perfil não precisa investir em posts patrocinados para aumentar o número de seguidores e de interações nas publicações, estratégia muito utilizada para os mais determinados fins. Nesse sentido, Lanier (2018) diz que a principal função das redes sociais é promover engajamento, ou seja, manter o indivíduo cada vez mais conectado.

O uso das redes sociais se tornou uma eficaz estratégia para disseminação de ideias, principalmente pelo seu abrangente conteúdo, que atinge diversos setores da sociedade. Essas estratégias de engajamento buscam constantemente novas tendências de pesquisa aplicáveis ao jornalismo, relações públicas, publicidade e propaganda, cinema, audiovisual, ciência e gestão da informação, e a forma como toda essa produção midiática será exposta e determinada de acordo com o processo da proposta, onde o método ideal seria associar os tipos de mídias que fazem sentido para sua audiência.

Caminhando paralelamente a esse comportamento conduzido pela força midiática das redes sociais, temos uma convergência factível, atrelada ao processo de consumo, diante de um cenário de transformação de valores e incentivo ao consumo, onde um post numa rede social pode alavancar as vendas de um determinado produto, ou determinar a desaprovação de outro.

Da mesma forma como as estratégias de engajamento são planejadas para atingir um determinado público, a política do cancelamento, cultura que foi criada como uma forma de responsabilizar e expor comportamentos considerados inadequados, e que acabou evoluindo para uma forma de bullying e linchamento virtual, capaz de impactar negativamente a saúde mental das pessoas envolvidas, também age de maneira organizada.

O engajamento nas redes sociais é promovido de forma sistêmica, tendo como agentes figuras consideradas importantes no mundo virtual, mesmo que fora deles, sejam pouco conhecidos, como alguns influencers, youtubers e tiktokers, mas não para por aí, figuras públicas e bastante conhecidas como atrizes, políticos, apresentadores, promovem o engajamento de produtos, serviços, ideias, atingindo vários públicos, que reagem de forma positiva ou negativa. Nesse sentido, para Lanier (2018), quando essas conspirações são mais ou menos inofensivas, como a crença em extraterrestres ou na ideia de que a Terra é plana, isso pouco afetar a comunidade. Mas quando a conspiração é que a vacina contra sarampo causa autismo, temos um problema muito mais grave, que impacta diretamente na vida de boa parte das pessoas da comunidade, uma vez que o vírus do sarampo voltou a circular em nossas cidades.

Reagir de forma negativa à um post, também é uma forma eficaz de engajamento, pois gera reações contrárias e quando a intenção é viralizar, quanto mais, melhor.

O grande perigo do engajamento, do consumo das redes sociais é a triagem da qualidade informações, especialmente no que diz respeito à temas relacionados à sociedade, que afetam profundamente a forma como encaramos nosso papel diante do coletivo, frente às escolhas e decisões tomadas, que podem ser impulsionadas positiva ou negativamente através do engajamento que não é orgânico, mas sim promovido e que pode apontar para realidades delirantes, acientíficas, conspiratórias e deliberadamente falsas, apenas para promover um determinado interesse de um grupo de pessoas.

Mais do que uma inocente receita de bolo, nas redes sociais é possível encontrar todo tipo de conteúdo para todo tipo de audiência, que pode ali exercer seu juízo de valor, pois as redes sociais se tornaram uma potente ferramenta de busca, amplamente utilizada por pessoas que acreditam que seus problemas de pesquisas serão solucionados em vídeos de até 30 segundos. Para Modolo (2018), o modo pelo qual acontecimentos, eventos e questões pontuais do cotidiano que ocorreram no ano de 2016 influenciaram, em certa medida, as publicações feitas pelas revistas em suas respectivas páginas no Facebook. Questões como o vírus Zika, a fosfoetanolamina (pílula do câncer) e os reflexos da crise política nos campos acadêmico e científico foram, de uma forma ou de outra, refletidas e refratadas nos posts analisados.

A analogia proposta por Modolo, reflete uma das principais formas de engajamento nas redes sociais, de forma simples, é possível suscitar teorias e pulverizar massivamente informações, sejam elas especulatórias, reais ou falsas.

No que diz respeito à educação, cabe refletir se as redes sociais são inimigas ou aliadas e até que ponto, pois, a acessibilidade possibilita ampliar o compartilhamento de informações de cunho didático, mas também, propiciam a falta de interações pessoais significativas e até mesmo reais, já que estamos diante de uma grande diversidade de plataforma de inteligência artificial, que através de um aplicativo conseguem, inclusive mimetizar o atendimento de um terapeuta, além da distração quase inevitável, de acordo com o tempo de tela de cada estudante.

Outro ponto crucial, é que o ingresso das redes sociais, impacta na aprendizagem trazendo desafios para as instituições de ensino, que cada vez mais buscam estratégias para alinhar os métodos tradicionais com abordagens digitais centradas nos indivíduos, ou seja, há uma busca entre a integração da tecnologia e das redes sociais com a metodologia pedagógica.

É importante ressaltar que os estudantes devem ser orientados a fazer uso das redes sociais de forma crítica, criteriosa, que priorize o compartilhamento de informações verdadeiras, procedentes de fontes confiáveis, utilizadas como uma ferramenta de informação eficaz e colaborativa, para que sejam capazes de gerenciar suas próprias contas de mídia social promovendo um bom engajamento, fazendo uso saudável das redes sociais.

Portanto, quando você dá um like, comenta, compartilha ou reage à uma publicação, gerando engajamento, você está respondendo, na maioria das vezes à uma estratégia bem elaborada para construir uma comunidade ativa e engajada que contribuirá para o sucesso a e crescimento da página nas redes sociais, aumentando seu alcance e validando seu conteúdo.

Referências Bibliográficas

LANIER, J. Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais. São Paulo, SP: 2018. Intrínseca;

MODOLO, Artur Daniel Ramos. Formas responsivas no Facebook: curtir, compartilhar e comentar a divulgação científica em rede social. Tese de Doutorado. 2018. Universidade de São Paulo;

OLIVIERI, Fernando. Como o Facebook quer atrair a Geração Z para enfrentar o TikTok. 2024. Disponível em: https://exame.com/tecnologia/com-o-facebook-quer-atrair-a-geracao-z-para-enfrentar-o-tiktok/. Acesso em: 01 dez 2024; e

RECUERO, R. Redes sociais na internet. 2018. Porto Alegre, RS: Sulina.

*FABÍOLA CAUDURO DA ROCHA
















- Graduada em Design Gráfico pela FMU (2015);

-  MBA em Gestão de Recursos Humanos pela FMU  (2016); 

- Pós graduada em Design Educacional e Pedagogia do E-Learning pela Universidade Cruzeiro do Sul (2020);

- Mestra em Educação pela UNISAL (2022) ; 

- Trabalha há mais de 15 anos com práticas administrativas e acadêmicas relacionadas ao desenvolvimento pedagógico dos alunos, apoio aos professores e coordenadores, inclusive em cargos de gestão e supervisão como responsável junto ao MEC nos programas FIES e PROUNI e

- Atualmente é  docente na  nos cursos de comunicação e design gráfico, na Universidade de São Paulo - Unicid, e, também atua como conteudista e autora de artigos.

Nota do Editor:

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sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Qual a nova onda da Geração Alpha que precisamos saber?


Autora: Maria Cristina de Oliveira (*)



Atualmente, os jovens nascidos por volta de 2010, pertencentes à geração Alpha, estão sendo atraídos por uma nova tendência: os dispositivos eletrônicos para fumar (DEF), também conhecidos como cigarros eletrônicos, vapers, pods, e-cigarrettes, e-ciggys, e-pipes, e-cigars, e até os dispositivos de tabaco aquecido (heat-not-burn). Embora esses produtos sejam frequentemente apresentados como alternativas "menos prejudiciais", eles representam uma forma de dependência química, sendo proibidos por lei no Brasil devido aos riscos à saúde.

A maioria dos modelos de DEF são descartáveis, de uso único, mas também existem versões recarregáveis, com refis líquidos e sistemas de embalagem aberta ou fechada. No caso dos dispositivos de tabaco aquecido, um dispositivo eletrônico é usado para aquecer um refil com uma matriz sólida de tabaco. Além do tabaco, esses produtos podem conter diferentes formas de nicotina, como os sais de nicotina e a nicotina sintética, além de outras substâncias e plantas distintas do tabaco.

Criados por volta de 2003, os cigarros eletrônicos passaram por diversas gerações e modelos. O inventor desse dispositivo foi o chinês Hon Lik, atualmente com 73 anos, que desenvolveu a tecnologia após a morte de seu pai, vítima de uma doença relacionada ao fumo. Ele, que também fumava cigarros tradicionais, teve a intenção de criar uma alternativa menos nociva à saúde.

No Brasil, a comercialização, importação e propaganda de todos os tipos de dispositivos eletrônicos para fumar são proibidas desde 2009, contudo é intensa a sua comercialização. Recentemente, a regulamentação sobre esses produtos foi atualizada, mantendo-se a proibição de seu uso, que segue vigente até hoje. A decisão foi tomada após uma análise detalhada dos riscos e impactos desses dispositivos à saúde pública no país. A Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 855/2024 reforça a proibição, abrangendo também o armazenamento, o transporte e o uso desses produtos em ambientes coletivos fechados, públicos ou privados. O não cumprimento da Resolução constitui infração e dependendo do caso são punidos com advertência, interdição, recolhimento e multa.

Em 2023, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), referente ao COVITEL 2023, revelou que a prevalência do uso diário de DEF entre os jovens de 18 a 24 anos no Brasil foi de 23,9%. Em 2019, essa taxa era de 19,7%, o que demonstra um aumento no consumo desses dispositivos, mesmo diante da proibição. Isso reflete uma realidade preocupante, onde, apesar da legislação, o uso de cigarros eletrônicos continua a crescer.

Os cigarros eletrônicos oferecem nicotina em concentrações muito mais altas do que os cigarros convencionais, o que torna a dependência química mais intensa e precoce. Isso torna o uso desses dispositivos extremamente perigosos à saúde, sendo, no entanto, facilmente acessíveis, o que agrava ainda mais o problema.

É muito importante a conscientização da sociedade sobre os perigos dos dispositivos eletrônicos para fumar, da dependência química que ele gera, sendo crucial informar aos mais jovens, especialmente através de profissionais da saúde e da educação. Muitas vezes, os adolescentes afirmam que todo o seu grupo escolar já utiliza esses produtos e não encaram como maléfico à vida. Segundo o IBGE, quase 17% dos estudantes entre 13 e 17 anos já experimentaram o vape.

* MARIA CRISTINA DE OLIVEIRA



















Graduada em Letras pela PUC Campinas;

-MBA em Gestão Escolar na  USP ;

-Atualmente é funcionária pública

Nota do Editor:

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quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Regularize a guarda e evite traumas familiares


 Autora: Vanessa Rocha (*)


Imagine o desespero de uma mãe que vê seu filho sendo levado para uma visita de final de semana e, ao término do período combinado, não recebe a criança de volta. O telefone do outro genitor está desligado, e não há notícias. A angústia toma conta, as noites sem dormir se acumulam, e o desespero de não saber onde está seu filho vira a única realidade possível.

Essa situação, que parece cena de novela, acontece com mais frequência do que imaginamos. E, muitas vezes, poderia ter sido evitada com uma simples ação judicial para regularizar a guarda e a convivência.

A prevenção evita sofrimentos desnecessários.

Muitas famílias só percebem a importância de regulamentar a guarda e a convivência após enfrentarem situações de risco ou conflito. Mas prevenir é sempre melhor do que remediar — especialmente quando o "remédio" pode ser ineficaz ou demorado.

Quando um dos pais retém a criança sem autorização, inicia-se uma batalha judicial desgastante. O genitor que tomou a decisão unilateral pode até "conseguir uma liminar favorável, dificultando ainda mais o retorno da criança à rotina original. Esse processo é emocionalmente exaustivo e, acima de tudo, extremamente prejudicial para a criança.

O impacto emocional nas crianças

As crianças são as maiores vítimas em casos de disputas entre os pais. A ruptura da convivência com um dos genitores ou a instabilidade causada pela ausência de regras claras pode gerar sentimentos de abandono, insegurança e traumas que afetam o desenvolvimento emocional e psicológico.

Segurança para todos

Regularizar a guarda e a convivência não é apenas um ato jurídico; é um ato de amor e responsabilidade. É garantir que a criança tenha estabilidade e previsibilidade em sua rotina, promovendo um ambiente saudável para o seu crescimento.

• Para os pais: Evita conflitos desnecessários e garante proteção jurídica em situações adversas;

• Para a criança: Oferece segurança emocional e reduz o risco de disputas traumáticas.

Não deixe para agir depois do problema.

Buscar orientação jurídica antes de um conflito é um ato de cuidado e proteção para você e sua família. Se a guarda e a convivência com seu filho ainda não foram regulamentadas, procure um advogado especializado em Direito de Família. Prevenir é sempre o caminho mais sábio para proteger os laços familiares e, principalmente, a felicidade e o bem-estar da criança.

* VANESSA ROCHA 
















-Graduada pela Faculdade Brasileira de Ciências Juridicas -RJ (2002);

-Advogada especializada em Direito de Família há mais de 22 anos, com atuação voltada para o atendimento humanizado a mulheres em questões como guarda, pensão alimentícia, divórcio e violência doméstica;

-Co-fundadora do escritório Aguiar e Rocha Advocacia, combina técnica jurídica e empatia para promover justiça e transformar vidas.

São suas palavras:

"Direito não é apenas sobre leis, é sobre vidas. E cada vida merece justiça."

 Contatos e redes sociais:

📞 Telefone/WhatsApp: 21-9 6485 -7873

📩 E-mail: aguiarerochaadvocacia@gmail.com

🌐 Instagram: @doutorasnalei

 Nota do Editor:

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quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Justiça cria requisito para que consumidor ingresse em juízo


 

 Autor: Vinicius Henrique de Almeida Costa (*)


O Tribunal de Justiça de Minas Gerais firmou uma tese polêmica acerca de processos que envolvem relação de consumo que vai impactar diretamente na possibilidade de ajuizar ações. Isso porque, segundo entendimento firmado pelo tribunal, somente poderá ser ajuizada ação após tentativa extrajudicial de composição com o fornecedor de produtos e serviços.

A tese fixada pelo TJMG dispõe o seguinte:

(I) A caracterização do interesse de agir nas ações de natureza prestacional das relações de consumo depende da comprovação da prévia tentativa de solução extrajudicial da controvérsia. A comprovação pode ocorrer por quaisquer canais oficiais de serviço de atendimento mantido pelo fornecedor (SAC); pelo PROCON; órgão fiscalizadores como Banco Central; agências reguladoras (ANS, ANVISA; ANATEL, ANEEL, ANAC; ANA; ANM; ANP; ANTAQ; ANTT; ANCINE); plataformas públicas (consumidor.gov) e privadas (Reclame Aqui e outras) de reclamação/solicitação; notificação extrajudicial por carta com Aviso de Recebimento ou via cartorária. Não basta, nos casos de registros realizados perante o Serviços de Atendimento do Cliente (SAC) mantido pelo fornecedor, a mera indicação pelo consumidor de número de protocolo;

(II) Com relação ao prazo de resposta do fornecedor à reclamação/pedido administrativo, nas hipóteses em que a reclamação não for registrada em órgãos ou plataformas públicas que já disponham de regramento e prazo próprio, mostra-se razoável a adoção, por analogia, do prazo conferido pela Lei nº. 9.507/1997 ("Habeas Data"), inciso I, do parágrafo único do art. 8º, de decurso de mais de 10 (dez) dias úteis sem decisão/resposta do fornecedor. A partir do referido prazo sem resposta do fornecedor, restará configurado o interesse de agir do consumidor para defender os seus direitos em juízo;

(III) Nas hipóteses em que o fornecedor responder à reclamação/solicitação, a referida resposta deverá ser carreada aos documentos da petição inicial, juntamente com o pedido administrativo formulado pelo consumidor;

(IV) A exigência da prévia tentativa de solução extrajudicial poderá ser excepcionada nas hipóteses em que o consumidor comprovar risco de perecimento do direito alegado (inclusive na eventualidade de iminente transcurso de prazo prescricional ou decadencial), situação em que o julgador deverá aferir o interesse de agir de forma diferida. Nesses casos, caberá ao consumidor exibir a prova da tentativa de solução extrajudicial em até 30 (trinta) dias úteis da intimação da decisão que analisou o pedido de concessão da tutela de urgência, sob pena de extinção do processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, VI, do CPC;

(V) Nas ações ajuizadas após a publicação das teses fixadas no presente IRDR, nas quais não exista comprovação da prévia tentativa extrajudicial de solução da controvérsia e que não haja pedido expresso e fundamentado sobre a excepcionalidade por risco de perecimento do direito, recebida a inicial e constatada a ausência de interesse de agir, a parte autora deverá ser intimada para emendar a inicial de modo a demonstrar, no prazo de 30 dias úteis, o atendimento a uma das referidas exigências. Decorrido o prazo sem cumprimento da diligência, o processo será extinto sem julgamento de mérito, nos termos do art. 485, VI, do CPC; e

(VI) Com relação à modulação dos efeitos da tese ora proposta, por questão de interesse social e segurança jurídica (art. 927, §3º do CPC c/c art. 46 da Recomendação n. 134/ 2022 do CNJ), nas ações ajuizadas antes da publicação das teses fixadas no presente IRDR, o interesse de agir deverá ser analisado casuisticamente pelo magistrado, considerando-se o seguinte: a) nas hipóteses em que o réu ainda não apresentou contestação, constatada a ausência do interesse de agir, a parte autora deverá ser intimada para emendar a inicial (art. 321 do CPC), nos termos do presente IRDR, com o fim de coligir aos autos, no prazo de 30 dias úteis, o requerimento extrajudicial de solução da controvérsia ou fundamentar o pleito de dispensa da prévia comprovação do pedido administrativo, por se tratar de situação em que há risco de perecimento do direito. Quedando-se inerte, o juiz julgará extinto o feito sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, VI, do CPC. b) nas hipóteses em que já houver contestação nos autos, tendo sido alegado na peça de defesa fato extintivo, modificativo ou impeditivo do direito do autor (art. 373, II, do CPC), restará comprovado o interesse de agir.

Antes de adentrarmos ao mérito da tese, cabe uma pequena explicação do que venha a ser um Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR. Sempre que um Tribunal de Justiça ou uma Corte Superior se deparar com um tema que possui várias demandas para ser julgado, poderá afetar um recurso específico sobre a questão para fixar uma tese que deverá ser aplicada a todos os processos que tratarem do assunto.

Art. 976. É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente:

I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito;

II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

Art. 985. Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada:

I - a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região;

II - aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal, salvo revisão na forma do art. 986 .

Há na Constituição Federal disposições contidas no art. 5º que destacam o quão polêmica é a tese firmada pelo TJMG:

Art. 5º (omissis)

(...)

XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

(...)

XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

Comparando essa decisão e outras que também têm sido proferidas pelos tribunais em IRDR e também pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de Recursos Repetitivos há uma clara usurpação do poder judiciário da capacidade legislativa que compete ao poder legislativo.

O judiciário tem se sentido no direito de proferir decisões com efeito de lei para limitar e criar direitos que a própria lei não impõe ao cidadão.

Não queremos dizer que somos contra a composição entre as partes, mas colocar isso como requisito para uma demanda judicial é afastar o direito de ação do cidadão e impor requisito pré processual que a lei não impõe. Não cabe ao judiciário legislar sobre relação de consumo!

Vale destacar ainda que grande parte da população não tem a menor ideia de quais são os seus direitos em um situação de consumo, podendo ser facilmente enganada e ter direito renunciado em eventual acordo, situação que não poderá ser discutida no judiciário por se tratar de direito disponível.

Ora, já temos diversos contratos de adesão com cláusulas extremamente abusivas rodando no mercado. Agora, vamos imaginar quantos acordos abusivos poderão ser firmados porque os consumidores vulneráveis e hipossuficientes serão obrigados a procurar plataformas extrajudiciais antes de recorrer ao poder judiciário.

A educação na relação de consumo deveria ser pautada em decisões e punições legais e não na criação de impedimento de acesso livre do consumidor ao poder judiciário.

*VINICIUS HENRIQUE DE ALMEIDA COSTA













-Advogado graduado pela Universidade FUMEC (2011);

-Pós graduado em Direito de Família e Sucessões (2015);

 -Especialista em Direito Imobiliário, consumidor e condominial e

-Áreas de atuação: Imobiliário, Condominial, Consumidor, Família e Sucessões, Cível e Trabalhista.

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Nota do Editor:

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terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Desafios Jurídicos, Impactos Econômicos e Reflexos Sociais da Jornada de Trabalho 6x1


 Autora: Palloma Parola Del Boni (*)

Atualmente, a jornada de trabalho sob o regime 6×1 tem sido objeto de intensa discussão, especialmente em relação ao disposto no artigo 7⁠º, inciso XV, da Constituição Federal, que assegura ao trabalhador o direito ao descanso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos. Essa discussão demonstra a necessidade de uma revisão desse modelo, que, apesar de estar regulamentado pelo artigo 67 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), requer uma análise aprofundada das mudanças sociais e econômicas que caracterizam o cenário atual.

O regime de trabalho 6×1 determina que, após seis dias consecutivos de trabalho, é indispensável que, pelo menos, um dia de descanso semanal seja pago. Esta norma, amplamente difundida no Brasil, visa garantir condições mínimas que preservem a saúde e o bem-estar do trabalhador. No entanto, a adequação desse regime às dinâmicas atuais do mercado de trabalho é objeto de questionamento, sobretudo devido ao progresso tecnológico e às novas formas de organização do trabalho.

O artigo 6 da CLT reconhece a influência da tecnologia e da conexão digital nas relações laborais, expandindo as possibilidades de jornadas de trabalho para além do ambiente físico convencional. Nesse cenário, o regime de trabalho 6×1 surge como uma forma de conciliar as demandas dos empregadores com a necessidade de proteger os trabalhadores contra jornadas excessivas. No entanto, setores como o comércio e os serviços, que requerem operações constantes, costumam seguir esse modelo, fundamentando-se nos artigos 68 e 69 da CLT, apoiados por acordos coletivos ou por leis específicas.

Apesar de o regime de trabalho 6 × 1 apresentar algumas funcionalidades, é necessário reconhecer os desafios sociais relevantes que dele decorrem. A estrutura que impõe seis dias consecutivos de trabalho, com um dia de descanso, tem um impacto significativo na qualidade de vida dos trabalhadores. Estudos demonstram que uma configuração intensa pode causar desgaste físico e mental, comprometendo a recuperação integral e, consequentemente, a saúde e o desempenho profissional dos trabalhadores. A ausência de uma correspondência entre o dia de descanso e o domingo limita as oportunidades de convívio social e familiar, o que tem um impacto negativo nas relações interpessoais. A rigidez desse sistema também impede a realização de tarefas essenciais, como consultas médicas ou assistência a dependentes.

O modelo 6×1, apesar de sua ampla adoção, requer uma análise crítica e incessante, visando garantir que atenda adequadamente às necessidades contemporâneas tanto dos trabalhadores quanto dos empregadores, sem que se comprometam os direitos fundamentais e a qualidade de vida dos indivíduos envolvidos.

Não obstante as vantagens apresentadas, o modelo em questão suscita considerações críticas de natureza econômica. A escassez de dias de descanso regulares pode, potencialmente, comprometer a produtividade a longo prazo, uma vez que trabalhadores fatigados demonstram maior propensão a incorrer em erros, a sofrer acidentes e a apresentar uma diminuição na qualidade dos serviços prestados. Ademais, a imposição de horários atípicos, como a exigência de trabalho em finais de semana, pode resultar em insatisfação entre os colaboradores, elevando, por conseguinte, os índices de rotatividade e absenteísmo.

Não obstante, a jornada de trabalho de seis dias com uma folga (6×1) permanece em ampla utilização; contudo, seus efeitos sociais e econômicos requerem uma análise minuciosa e ajustes permanentes. É imprescindível que se busque um equilíbrio entre os interesses dos trabalhadores, que reivindicam qualidade de vida e saúde, e os dos empregadores, que necessitam de previsibilidade e eficiência operacional.

Para enfrentar os desafios inerentes a esse regime, é de suma importância o fortalecimento da negociação coletiva, assegurando que as condições laborais sejam ajustadas às necessidades particulares de cada setor. Ademais, a implementação de políticas públicas que promovam práticas laborais mais adequadas, bem como o investimento em tecnologias que visem otimizar a produtividade sem prejudicar o bem-estar dos trabalhadores, são estratégias promissoras. Dessa forma, será viável harmonizar os aspectos econômicos e sociais de maneira equitativa e sustentável, em consonância com as exigências da sociedade contemporânea.

 *PALLOMA PAROLA DEL BONI RAMOS



















-Graduada em Direito pela Universidade Nove de Julho (2014);

- Pós Graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2018); 

-Pós Graduada em Direito Constitucional e Direitos Humanos pelo Ius Gentium Conibrigae - Universidade de Coimbra (2020);

-Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (Bolsa CAPES/PROSUC - 2023); 

-Doutoranda (Bolsa Mérito do Instituto Presbiteriano Mackenzie); 

-Pesquisadora do Grupo de Pesquisa: "O Sistema de Seguridade Social";

-Membra da Comissão de Comunicação (COMUNICAMACK) de publicações em idiomas inglês e italiano; 

-Membra da Equipe de Apoio à Produção Científica - Sucupira (PPGDPE - Mackenzie) e

- Defensora na Vigésima Terceira Turma do Tribunal de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil - São Paulo.

Nota do Editor:

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Análise de um acórdão prolatado durante a ditadura militar


 


Autora:Scheilla Regina Brevidelli(*)

Durante meu trabalho como higienizadora de Acórdãos históricos da Justiça do Trabalho pude entrar em contato com um material decisório revelador.

O que me encantou nesse trabalho foi a postura do juiz diante do mundo ao seu redor, observando com clareza as diferenças de classes sociais, as desigualdades do país e o poder empresarial, usado, muitas vezes, para criar uma versão dos fatos capaz de trazer à empresa vantagens materiais, além de retirar sua responsabilidade sobre o desenrolar do conflito posto no processo.

Mais do que as argumentações jurídicas, o que ressalta do material colhido em minha pesquisa foi o compromisso social do julgador, inserido na realidade histórica da época.

Meu olhar se volta, pois, à investigação e análise dessa postura, capaz de gerar decisões que conseguem alterar a realidade trazida aos autos, com a clara visão do impacto social da sentença, trazendo um resultado de equanimidade ao conflito.

Trata-se de textos onde o juiz se coloca de uma maneira muito pessoal, fazendo indagações sobre a postura das partes no conflito e que ao final projetam um modelo de sociedade calcado em maior justiça social, menor desigualdade de classes, trazendo como resultado um equilíbrio de forças entre as partes litigantes.

Disso tudo resultam decisões que dialogam com a sociedade, e onde o juiz assume que a sentença ou Acórdão deve ter um caráter educativo sobre o meio social em que atua, desempenhando a função de abrir janelas éticas para o mundo.

São decisões potentes, cheias de pessoalidade e visão crítica da sociedade, inclusive no período da ditadura militar, em que havia censura aberta do Poder Executivo sobre a atividade judicante.

Carolina Nabarro Muhoz Rossi em seu livro O juiz visto por ele mesmo diz: "O juiz pode representar tanto a resistência contra a opressão quanto a própria opressão" (1).

O mito da imparcialidade do juiz é inviável, eis que ele é influenciado pelo ambiente em que vive e por suas experiências. O cerne deste questionamento se refere ao receio de que a pessoalidade afaste a decisão judicial da lei que a embasa.

Mas não é isso o que se mostra nas decisões pesquisadas. Ao contrário, a clara percepção do seu papel político e social torna o juiz muito mais capaz de encontrar uma solução ajustada ao caso concreto, pacificando o anseio das partes em litígio.

Carolina Nabarro assim aduz em seu livro:
A principal característica de alguém que pretenda ser juiz talvez seja a capacidade de se indignar diante da injustiça, e a necessidade de reequilibrar o fiel da balança…Mais do que conhecimentos técnicos, o juiz precisa ter a consciência de que cada decisão envolve interesses humanos, e que em cada processo há a vida de uma pessoa, muitas vezes pausada até sua decisão (2).
Para ilustrar, trago como exemplo o ACÓRDÃO 1134/65, que tem como relator o desembargador Fernando de Oliveira Coutinho:

TEMA REAJUSTE SALARIAL DURANTE A DITADURA MILITAR/ DISSÍDIO COLETIVO DE SANTOS/ SINDICATO DOS TRABALHADORES NA INDÚSTRIA DE DESTILAÇÃO E REFINAÇÃO DE PETRÓLEO DE CUBATÃO X PETROBRÁS:

Alega o suscitante que a suscitada vinha resolvendo os problemas salariais dos servidores através de acordos semestrais. Mas após a vitória do Movimento Revolucionário Nacional que se propôs extirpar do nosso meio as agitações, o clima recíproco de entendimento foi interrompido por força da orientação econômica e financeira que o que o Governo Revolucionário resolveu intervir no problema salarial ligado às suas autarquias, às sociedades de economia mista e outras entidades.

E no desenvolvimento de sua política econômica e financeira partiu o Governo Federal do pressuposto segundo o qual existiam classes de trabalhadores ganhando muito e outras percebendo remuneração não condizente com a sua efetiva cooperação no trabalho de engrandecimento nacional, fato que, no meu entender se incluía entre os fatores de agravamento da espiral inflacionária e do desequilíbrio social reinante.

O sistema discriminatório estabelecido pela política salarial do Governo Federal não terá outra virtude que não a de acarretar o empobrecimento paulatino dos integrantes dessas categorias, tidas e havidas como milionárias como decorrência dos exagerados favores até então concedidos, quando é certo que são apenas titulares de vantagens conquistadas de forma legal. Se existem classes de trabalhadores percebendo salários não condizentes com as suas obrigações funcionais, nada justifica se promova um nivelamento de cima para baixo em detrimento de quem se encontra numa situação melhor, quando o certo e justo seria trazer essas classes tidas como menos aquinhoadas a um nível de vida mais consentâneo com o grau de suas atividades profissionais. Como decorrência surgiu o decreto 54.018 de 1965 e outros que vieram a dar feição do Conselho Nacional de Política Salarial.

As sentenças normativas limitaram-se quase sempre a reajustamento de salário, ou seja, à restauração do poder aquisitivo da moeda, pelo crescimento do custo de vida. Acreditamos mesmo que a solução final será os acordos intersindicais. Mas de momento é patente a imaturidade dos sindicatos obreiros ou mesmo patronais. Mas como consequência dessa imaturidade e influências nefastas à classe, temos como certo que os reajustes deveriam sempre ser decididos pelo Poder Judiciário, competente que se encontrava, encontra e sempre se encontrará livre de injunções de ordem política.

E cremos não exagerar ao afirmar que a categoria suscitante sem estar situada na área denominada milionária ou dos príncipes da República é uma das mais bem dotadas do país, obviamente dentro da classe obreira…tão só demonstrar a disparidade gritante com outras categorias, com o abandono clamoroso e injustificável do nordestino que se vê obrigado a consumir bens de produção oriundos desta terra a preços astronômicos dado a melhor remuneração de nosso operariado ou em consequência do nosso maior poder aquisitivo; do camponês entregue à sua própria sorte protegido por leis ineficazes por falta de aparelhamento apropriado do litorâneo inteiramente olvidado. Assim, se razão assiste aos suscitantes, não pode deixar de ser parcial. E não menos razão assiste à suscitada.

As regras dos decretos 54.018 e 54.228 deste ano, não se aplicam aos empregadores envolvidos neste dissídio. Por isso não nos utilizamos da fórmula por eles preconizada para fixar salários.

A competência desta Justiça do Trabalho decorre de princípio de ordem constitucional, da qual não nos é lícito sequer abrir mão. O nosso operariado não teme a retaliação policial mas respeita e acata as decisões de um poder que sempre pairou acima das paixões humanas. Dito isto, estamos certos. Conceder-se salário elevado por um falso princípio de solidariedade humana, sem levar-se em conta outros de caráter objetivo e subjetivo é manifesto suicídio. Repelir-se liminarmente os pedidos de reajuste salarial é manifesta subversão. É incentivar o ódio. É acalentar a miséria É encaminhar as massas ao desespero e frustração. É fazer medrar o que deve permanecer sem germinar. Não se pode assim acolher-se a sugestão da suscitada no sentido de repelir-se o presente dissídio de natureza econômica. Os interesses da política econômica do governo que exige um sustentáculo ainda que não possa ser atendida de forma cabal por pecar por excessos que podem e devem ser corrigidos. (31 de março de 1965) (grifos nossos).
A análise do juiz sobre a política pública adotada para conter a inflação, durante a ditadura militar, revela que a opção adotada teve um impacto direto sobre a classe trabalhadora, impedida de ter seu salário recomposto pelo índice oficial da inflação. Isso se reflete em menor poder aquisitivo e consequentemente em maior empobrecimento e diminuição do bem estar e da qualidade de vida.

Na linha contundente do olhar de Édouard Louis (3), as políticas de cunho neoliberal, como a que se apresenta explícita no processo, implicam muitas vezes na escolha de "quem vai morrer primeiro", em suas próprias palavras. O início do livro Quem matou meu pai, assim descreve a política:
Se considerarmos a política como o governo de seres vivos por outros seres vivos e a existência de indivíduos dentro de uma comunidade que não escolheram, então política é a distinção entre populações com a vida sustentada, encorajada, protegida, e populações expostas à morte, à perseguição, ao assassinato. (4).
O Centro de Memória do TRT-2 analisa a interferência do Poder Executivo sobre o Judiciário nos seguintes termos:

Durante a ditadura militar a Justiça do Trabalho sofreu uma restrição de seu poder normativo (competência para decidir, criar e modificar normas, em matéria de dissídios coletivos, sempre respeitando as garantias mínimas previstas em lei), bem como se viu limitada nas possibilidades de reajustes salariais controladas pela legislação criada nesse período.

A Justiça do Trabalho passou a sofrer pressões com relação ao julgamento dos reajustes salariais em dissídios coletivos. Os militares temiam que sua política econômica, o Programa de Ação Econômica do Governo (PAERG), alicerçada no arrocho salarial, fosse prejudicada pelo poder normativo da Justiça do Trabalho, que tinha autonomia para julgar os processos e os pedidos dos sindicatos de trabalhadores e patronais.

Gradualmente, nos anos após o golpe, as ações trabalhistas passaram a ser uma das poucas alternativas de reivindicação de direitos por parte dos trabalhadores, tendo em vista que as greves tinham se tornado praticamente ilegais com a publicação da Lei 4.330/1964 (a chamada Lei Antigreve).

A Justiça do Trabalho tinha sido alijada de seu poder de atuação e conciliação no caso das paralisações. Greve se tornou caso de polícia e responsabilidade do Executivo, restando à Justiça do Trabalho manter resistência no que dizia respeito ao seu poder de atuar como conciliadora e julgadora das causas individuais e coletivas em outras matérias.

Na 2ª Região, como medida assertiva em nome da manutenção do poder normativo da Justiça do Trabalho, foi criado, em 1965, o Setor de Estatísticas e Estudos Econômicos do TRT-2, com o objetivo de realizar estudos sobre custo de vida, para subsidiar as decisões do Tribunal com relação aos julgamentos de reajustes salariais em causas coletivas. Tratou-se de um posicionamento do Regional frente à Lei 4.725/1965, que impunha condições para o cálculo dos reajustes salariais, que deveriam ser baseados em parâmetros fornecidos pelo Departamento Nacional de Emprego e Salário, estando alinhados com a Política de Ação Econômica do Governo. Ainda que não fosse uma oposição aberta ao Regime, o TRT-2 tomava posição com relação à defesa de suas prerrogativas de autonomia. (5)
O olhar do juiz sobre o impacto direto da política adotada sobre a vida de quem é atingido por ela é um olhar sociológico, crítico e capaz de corrigir as distorções, no sentido da construção de uma sociedade mais justa.

Atualmente é a falta desse olhar que causa em nossa sociedade a validação de políticas de interesse claramente excludentes das classes minoritárias, a quem falta a força política capaz de reverter os prejuízos que recaem sobre elas.

Uma crítica que costuma combater essa postura da magistratura se funda no fato da não isenção, capaz de favorecer uma das partes do processo.

Contudo, somente a partir dessa análise global do conflito expresso no processo é que se torna possível a construção da chamada "solução mais ajustada", transformando a utopia da justiça social em justiça do caso concreto.

Carolina Nabarro assim descreve:

O juiz utiliza todo um conjunto orgânico de regras e diretrizes interpretativas e busca encontrar a solução mais próxima da justiça para o conflito social apresentado. As leis não começam ou terminam em si próprias, mas estão inseridas em um sistema que permite diversos tipos de interpretação. O juiz, diante de um caso específico, pode construir a melhor resposta utilizando-se das mais diversas fontes legais para respaldar seu entendimento e a solução mais justa…. A interpretação deve envolver a contextualização histórica e social do conflito. (6)
Assim, há na magistratura um espaço para a criação de soluções que contemplam os mais altos valores postos na constituição e no espírito das leis, e que se coadunam com a função social da justiça do trabalho de ser o fiel da balança de poderes desiguais das partes implicadas no processo.

E não há como dizer que tais decisões fogem de quaisquer balizamentos legais. São, ao contrário, muito mais embasadas no conjunto do ordenamento legal do que uma decisão meramente técnica, que não analisa o impacto global sobre o tecido social, já tão esgarçado em nossos tempos e marcado pela desesperança das classes sociais mais desfavorecidas e cada vez mais excluídas de direitos e sentido de cidadania, que explicam o radicalismo de posições e valores que permeiam as discussões políticas, como postas na atualidade.

Seria esse um exemplo de ativismo judicial? Esse conceito que remonta à Constituição de 1988 e que se encontra em discussão na atualidade caberia ao exemplo de decisão aqui exposta?

O ativismo judicial é caracterizado por uma postura proativa do Judiciário com vistas à concretização de direitos sociais. (7)

Um questionamento a essa postura se dá no sentido de que ela desequilibra o jogo de forças entre os três poderes da República.

Mas durante o governo militar o próprio Executivo rompeu o equilíbrio entre os poderes, através das diversas edições dos Atos Institucionais.

Em relação à Justiça do Trabalho a retirada do seu poder normativo, a prerrogativa na edição de regras entre as partes com força de lei em matéria de dissídios coletivos, que tratam fundamentalmente de aumento e recomposição salarial, explicita que a quebra se deu por iniciativa do Executivo.

A postura de enfrentamento de alguns desembargadores do TRT-2 mostra apenas sua resistência, na tentativa de se reapossar de seu dever legal de balancear a assimetria de poderes entre empregadores e trabalhadores.

A questão da política econômica adotada durante a ditadura militar é especialmente emblemática nesse tema do estreitamento dos limites entre as esferas de poder. E por esse motivo havia, inclusive, um monitoramento do posicionamento dos desembargadores nessa questão, que culminou com a aposentadoria compulsória de alguns deles, dentre eles Fernando de Oliveira Coutinho, citado na decisão elencada, anos mais tarde, com base no AI-5.

A falta de uma visão e comprometimento social das decisões judiciais talvez seja a causa da crise de legitimidade do Judiciário, e revela também a fragilidade de um Estado, que cada vez mais deixa de atuar como mantenedor da coesão social, ao deixar de exercer sua função primordial de diminuir as desigualdades de classe e promover a pacificação social.

E esse debate se torna mais importante no ano que marca os 60 anos do golpe militar, que através de sua política monetária acirrou as desigualdades sociais que nos atravessam até hoje e marcam nosso país.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

(1) ROSSI, Carolina Nabarro Munhoz. O juiz visto por ele mesmo. São Paulo: Foco, 2023, pág.01;

(2) idem, pág.20;

(3) LOUIS, Édouard. Quem matou meu pai. São Paulo: Todavia, 2024;

(4) idem, pág.09;

(5) Carlos de Figueiredo Sá: um legado de resistência, in https://memoriatrt2.wordpress.com/2024/10/31/carlos-de-figueiredo-sa-um-legado-de-resistencia/. Acesso em 26 de novembro de 2024;

(6) ROSSI, Carolina Nabarro Munhoz. O juiz visto por ele mesmo. São Paulo: Foco, 2023, págs.86/87; e

(7) Ativismo Judicial, Princípio da Eficiência e Litigiosidade Repetitiva: Análise da Atuação do Judiciário na Efetivação dos
Direitos Sociais
Acesso em 26 de novembro de 2024.

*SCHEILLA REGINA BREVIDELLI

















- Bacharel em Direito pela Universidade de Direito da USP (2000)
-Servidora da Justiça do Trabalho da 2ª Região há mais de 33 anos
Atualmente está lotada na Divisão de apoioo técnico à gestão documental e memória.

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