sábado, 20 de junho de 2020

A Educação Brasileira sob as Lentes do Covid-19


Autora: Márcia Stochi(*)

O ser humano, há cerca de 10 mil anos atrás, começou a perceber que depender da natureza não garantia seu sustendo. Essa percepção levou a humanidade ao início da agricultura e foi alterando gradualmente sua condição de homem nômade para sedentário. Em tempos atuais, nos preocupamos em garantir algum tipo de estabilidade financeira, para que possamos obter nosso sustento. Porém, anos de uma certa estabilidade fez com que a humanidade se esquecesse de algumas antigas lições e se sentisse mais segura em suas conquistas, até que um fato novo ocasionou uma quebra de paradigma. Essa nova condição nos obrigou a repensar nosso modo de vida, nossas prioridades e nossos valores.

Sempre ouvi a frase que a saúde precede a educação, pois sem saúde não se consegue aprender, mas nesse momento diria que essa questão se coloca de modo inverso, pois aqueles que se negam a utilizar máscara e que não praticam um distanciamento social, irão prejudicar a sua própria saúde, e fazem ainda pior, prejudicam a saúde de quem tentou se resguardar. Essa situação, que assola o planeta, escancarou nossos problemas de saúde e de educação para o mundo. 

O atual mandatário da nação se coloca numa posição negacionista em relação ao covid-19, esse fato acompanhado de um desleixo com as questões de saúde nacional, tem trazido resultados trágicos.

Desde a chegada do vírus ao Brasil, já trocamos dois ministros da saúde, o primeiro por um problema de competência, mas num sentido inverso, ele se mostrou competente, solidário e apresentava a situação com transparência e clareza, o que provocou ciúmes e levou a sua demissão. O segundo, em menos de um mês no comando da pasta teve que pedir demissão, pois lhe era imposta a condição de validar um medicamento que não se mostrava eficiente na cura da doença e com possíveis contra indicações. Neste mês de junho, temos um ministro interino, militar não médico, que em uma entrevista, mudou a posição da linha do equador, como se isso fosse possível e elevou à condição de Estado a Cidade de Porto Velho, revelando a falta de conhecimento daqueles que estão no poder. Nesse cenário, só podemos lamentar a falta que faz um pouco de conhecimento sobre geografia, pois assim teríamos evitado um vexame mundial.

A situação atual está intrinsecamente relacionada às questões biológicas, já na escola se ensina que a simplicidade na composição orgânica de um vírus faz com que ele seja muito mais perigoso, e que novos vírus podem surgir por meio de mutações de outros. O próprio covid-19 já é uma mutação de outro tipo de corona vírus. Essa possibilidade sempre levará a uma situação desconhecida, fazendo com que seja primordial ter profissionais bem formados em biologia, pois sempre haverá um novo desafio a ser superado. 

Porém, poucos jovens brasileiros têm condições financeiras e conhecimentos básicos para ingressar e permanecer em um curso de graduação nessa área. Além da falta desses profissionais eles ainda sofreram agressões por parte de setores da população, numa demonstração de completa ignorância. Se poucos brasileiros têm condições de atuar nessa área, então espera-se que o restante da população respeite e valorize esses profissionais. Nesse cenário, só podemos lamentar a falta que faz um pouco de conhecimento sobre biologia, o que poderia ter evitado as agressões e as altas taxas de contaminação. 

As questões sobre o isolamento social uso de máscaras, luvas e higienização das mãos, são questões de saúde e fator que colabora com o recuo na taxa de contaminação. A propagação da doença se dá segundo uma progressão geométrica, quanto maior esse índice, mais rápido a doença se espalha. Assim, a análise dessa situação está relacionada a matemática. Isso nos remete aos nossos conhecimentos, em nível da educação básica, pois quando o índice é maior que 1 significa que alguém com o vírus infecta mais de uma pessoa, fazendo com que a curva de contaminação seja ascendente.

Destacamos ainda, as comparações simplórias com outras nações sem se considerar a proporção em relação a população total. Neste cenário, só podemos lamentar a falta que faz um pouco de conhecimento sobre matemática, esses são essenciais para que cada cidadão consiga fazer suas reflexões e tomar decisões de como se proteger.

Para agravar a situação o Ministério da Educação tem se mostrado inapto em assegurar uma Educação em âmbito nacional e, ainda, somos ameaçados com a extinção desse Ministério, comprovando o pouco caso desse governo com nossa educação. Assim, cabe a população sair em defesa de uma educação para todos! 

*MÁRCIA STOCHI
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-Atua há 20 anos na docência em vários níveis: Educação Básica; Graduação e Pós-graduação;
- Bacharel e Licenciatura em Matemática Pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (1993);
- Mestra em Educação pela Pontifícia Universidade católica de São Paulo  (2003) ; e
- Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade católica de São Paulo (2016).

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

sexta-feira, 19 de junho de 2020

O Reflexo da Ausência da Educação de Qualidade!



É hora de muitos experimentarem àquela estranha
sensação do uso do raciocínio em nosso país.
Fernando Pinho


Autor: Rafael Moia Filho(*)

O Brasil possuí aproximadamente 11,3 milhões de brasileiros com mais de 15 anos que são analfabetos. Some-se a eles os analfabetos funcionais, que são aqueles com incapacidade de compreender textos simples. Tais pessoas, mesmo capacitadas a decodificar minimamente as letras, geralmente frases, textos curtos e os números, não desenvolvem habilidade de interpretação de textos e de fazer operações matemáticas.

O Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional - Inaf em 2018, apontou que cerca de 30% dos brasileiros entre 15 e 64 anos são analfabetos funcionais.

Esses dados alarmantes indicam que aproximadamente 49 milhões de brasileiros do total de 210 milhões de habitantes do país são analfabetos completos ou funcionais. Enquanto isso assistimos à preocupação única do atual Ministro da Educação com ideologia. Nenhuma ação prática, nenhuma estratégia, nada que possa reduzir esses dados alarmantes.

Se num exercício ainda maior incluirmos a essa população os brasileiros que concluíram o segundo grau (ensino médio), num ambiente sem a qualidade necessária para fornecer uma base sólida de ensino e conhecimento ao aluno, teremos a razão para tantos problemas enfrentados em diversos setores do país.

Percebemos problemas graves em vários setores da sociedade, onde é nítida a falta de educação, como no trânsito por exemplo, onde as pessoas desconhecem as regras do trânsito, o teor das placas de sinalização. 

Os alunos não aprendem o esperado e o sistema não garante sequer que todos cheguem até o final do ensino médio. O que parece ficar nas sombras são os efeitos dessa situação. Indivíduos sem educação de qualidade tendem a sofrer mais com o desemprego, e os que estão empregados recebem salários menores.

A educação é também um escudo contra a violência. Há diminuição de 2% dos homicídios a cada 1% a mais de jovens entre 15 e 17 anos na escola, apontam estudos e pesquisas do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

A baixa qualidade educacional prejudica ainda a economia. São necessários quatro trabalhadores brasileiros para produzir o que um americano produz, de acordo com a consultoria The Conference Board, organização norte-americana que reúne empresas e pesquisadores.

A dura realidade é que sem uma educação de qualidade, com professores bem remunerados e plenamente capacitados, que prepare para a vida, cidadania e mercado de trabalho o Brasil está condenando suas crianças e jovens à exclusão social. Mais emprego e renda, qualidade de vida e aprendizado para conviver em sociedade são avanços que começam nas salas de aula. E a virada de jogo nas crises política e econômica do país, também. Precisamos mudar e mudar já. 

Entretanto, não percebemos no atual governo, assim como nos anteriores, vontade política de realizar uma revolução na Educação do nosso país. Para fazê-lo seria preciso uma completa reestruturação do MEC, em seguida o esforço de transformar o currículo escolar numa agenda que priorize a formação do jovem para o mundo moderno, para o futuro. 

A transformação começa nas salas de aulas, porém, deve ser apoiada por um pensamento único em todo país – Só a Educação de qualidade salva o futuro do nosso imenso país.

* RAFAEL MOIA FILHO









-Escritor, Blogger e Graduado em Gestão Pública.

Nota do Editor:


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quinta-feira, 18 de junho de 2020

Aumento da Violência Doméstica Durante a Pandemia de COVID -19

Autora: Mariana Costa(*)

Está aberto no Brasil, de uma forma muito mais veemente desde a edição da Lei Maria da Penha, Lei nº. 11.340/2006, o debate sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher. 

De acordo com a Lei Maria da Penha, configura violência doméstica e familiar contra a mulher "qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; 
II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa."

Desde 2006, organismos governamentais e não governamentais acompanham a evolução dos números da violência doméstica, incluindo os tipos de violência, a periodicidade dos casos, denúncias realizadas e demandas levadas ao Poder Judiciário. 

Até antes do isolamento social, esses números expressavam que a maior parte dos casos de violência doméstica ocorriam aos finais de semana, período durante o qual o convívio entre os familiares se torna mais próximo. Com a quarentena imposta pelo COVID-19, por consequência o convívio familiar também se estendeu em termos de tempo e testemunhamos um aumento nos números da violência doméstica e intrafamiliar. 

Conforme o Fórum Brasileiro de Segurança Pública - FBSP[1], houve um aumento considerável nos atendimentos de violência doméstica pela polícia militar (por meio do canal 190), notadamente no estado de São Paulo que teve aumento de 44,9% em relação ao mesmo período no ano anterior nos casos de violência doméstica. Ainda segundo o FBSP, nos estados do Acre, Mato Grosso, Rio Grande do Norte e São Paulo os índices de feminicídio também cresceram. 

A nota técnica do Fórum Brasileiro de Segurança Pública indica também que, embora tenha havido aumento no número de casos, no sentido contrário, houve a diminuição das denúncias, o que se deve ao fato de que as vítimas muitas vezes estão impedidas de sair de suas residências para pedir ajuda e/ou buscar os meios judiciais. 

A Organização das Nações Unidas - ONU também tem demonstrado preocupação com o tema e com o crescimento dos casos de violência contra meninas e mulheres durante a pandemia em vários países ao redor do mundo.

A diretora-executiva da ONU Mulheres, Phumzile Mlambo-Ngcuka, escreveu em artigo que "O confinamento está promovendo tensão e tem criado pressão pelas preocupações com segurança, saúde e dinheiro. E está aumentando o isolamento das mulheres com parceiros violentos, separando-as das pessoas e dos recursos que podem melhor ajudá-las."[2], revelando uma realidade que é comum a mulheres de várias nacionalidades. 

O artigo de Mlambo-Ngcuka não cita a situação enfrentada pelas mulheres brasileiras, mas adverte que "Abrigos e linhas de ajuda para mulheres devem ser considerados um serviço essencial para todos os países, com financiamento específico e amplos esforços para aumentar a conscientização sobre sua disponibilidade." 

De fato, a ONU tem recomendado que os países invistam nas organizações não governamentais de apoio à mulher e em serviços online, que sejam mantidas as atividades judiciárias para que as vítimas tenham acesso à justiça e às medidas judiciais cabíveis, além de estimular a criação de meios de denúncia acessíveis às vítimas de forma segura e sem exposição da vítima ao agressor e mais uma série de recomendações voltadas ao combate à escalada da violência doméstica e familiar no mundo. 

Embora essa coluna seja direcionada ao Direito das Famílias, existe uma relação estreita entre a violência doméstica e as questões jurídicas familiares, ademais é de extrema relevância lançar uma luz sobre essa ascendente da violência doméstica para que a sociedade se mobilize em prol da adoção de medidas de prevenção e combate nos moldes apontados pela Organização das Nações Unidas e já implantadas em diversos países. 

No Brasil, o FBSP ressaltou o lançamento do aplicativo para que as mulheres possam denunciar a violência doméstica via internet, anunciado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, chamado "Direitos Humanos Brasil", já disponível nas plataformas AppStore e PlayStore, o aplicativo também inclui, segundo a pasta ministerial, outras funcionalidades do canal "Disque 100", recebendo assim denúncias de violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes. 

No entanto, é possível verificar nas avaliações e resenhas sobre o aplicativo inúmeras reclamações de usuários que apontam dificuldades de cadastro, problemas na instalação e indisponibilidade. As medidas até então tomadas no Brasil se demonstram até o momento muito incipientes frente ao panorama enfrentado. 

REFERÊNCIAS

[1] Nota Técnica – Violência Doméstica Durante a Pandemia de Covid-19 – Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Disponível em: http://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2018/05/violencia-domestica-covid-19-v3.pdf


*MARIANA COSTA


-Advogada, inscrita na OAB/DF nº 41.871;
-Especialista em Direito Processual Civil
-Atuante nas áreas de Família, Sucessões, Direito da Mulher, Criança e Adolescente, Direito Homoafetivo,e
-Mediadora Familiar.

Nota do Editor:

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quarta-feira, 17 de junho de 2020

Teoria do Safety Flare e a correlação com a Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor


Autor: Juliano Lavina(*)




Ambas as teorias surgiram para enfrentamento de uma onda que visa derrubar a efetividade das normas do Código de Defesa do Consumidor, através do nascimento de outras duas teorias, a do mero aborrecimento e a indústria do dano moral. Assim, a Teoria do Safety Flare indica que, toda vez que a lei ou um contrato declarar que uma atividade deve ser praticada, o desrespeito a esse mandamento caracteriza dano moral in re ipsa, bastando ao lesado demonstrar o ato ilícito - que seria o desrespeito a lei ou ao contrato, e o nexo causal. 

Já a Teoria Aprofundada sustenta que, o consumidor ao desperdiçar seu tempo vital e se desviar das suas atividades existenciais para tentar resolver problemas de consumo, sofre necessariamente um dano extrapatrimonial de natureza existencial, que é indenizável também in re ipsa. 

Como todos temos conhecimento as teorias do mero aborrecimento e da indústria do dano moral surgiram do desespero dos infratores que, visualizando condenações em massa, articularam essas teorias para minimizar suas percas, já que o rombo seria extraordinário.

Como no Brasil cumprir as leis não é a regra, era necessário encontrar uma forma de desviar o foco da Legislação Consumerista para mitigar os impactos nos cofres daqueles que desrespeitam a legislação protetiva. 

E por isso nasceram as terias do mero aborrecimento e da indústria do dano moral que, infelizmente, hoje, dominam o mercado de consumo derrubando os direitos dos consumidores e culpando-os pela judicialização em massa. Isso mesmo que você leu, a culpa está sendo despejada nos pobres consumidores.

Com base nessas teorias capitalistas meros distúrbios negociais não são suficientes para caracterizar o dano extrapatrimonial, sob pena de o ato gerar uma indústria indenizatória injustificada, e esse é o caso teórico porque o que era para ser uma regra passou a ser a exceção, isto é, cumprir a lei não é mais suficiente para demonstrar ao agente transgressor que essa é a conduta esperada de uma sociedade no mundo moderno.

O Código de Defesa do Consumidor foi instituído em 1990 exatamente para brecar o mercado capitalista que fazia o que queria com os direitos dos consumidores, mas infelizmente o mercado de capital, astuto como é, deu um jeito de driblar as regras novamente. E o pior disso tudo, é ver o Judiciário balizando essa conduta.

As regras nascem, como todos sabemos, para serem cumpridas e a pergunta que faço ao nobre leitor é a seguinte, por que o consumidor é obrigado a seguir a lei e o fornecedor não? Se o consumidor comprou determinado produto e ele veio com defeito, porque o adquirente precisa experimentar todo o dissabor da troca ou até mesmo da demora na devolução dos valores após cancelar, se é o fornecedor quem deve garantir a qualidade do produto? 

Infelizmente esse é o Brasil, onde receber uma "porcaria" é o mínimo que o cidadão tem de direito. Falo isso porque na América ou na Europa o melhor de um produto é o mínimo que o cidadão Europeu ou Americano pode esperar, e nós aqui somos obrigados a receber o lixo Coreano ou o Japonês e ficar contente, porque o mais nunca será a realidade neste país.

Nesta mesma linha é o teor das teorias do mero aborrecimento e da indústria do dano moral, porque elas culpam o consumidor pela busca de um direito, quando na verdade dever-se-ia entregar o mais e não o menos. A partir do momento que o cidadão busca no Judiciário a tutela jurisdicional é porque os tramites administrativos já se esgotaram, todas as tentativas para resolver o problema foram manejados, razão pela qual o dano anímico oriundo dessa resistência injustificada do fornecedor em resolver o problema, não pode ser suportado pelo consumidor. 

A partir do momento que a compra dá defeito ou não supre as expectativas de quem o adquiriu é o fornecedor que deve resolver a querela, a não ser que cientificou expressamente o adquirente de todos os pormenores, mas sabemos muito bem que isso não acontece no Brasil, a grande maioria é contrato de adesão que o consumidor nunca recebeu.

Logo, obrigar o consumidor a ficar ligando para a empresa, depois ir ao Procon e novamente não ter a solução do seu problema, e ao final ter que contratar um advogado e pagar pelo serviço para dar mais valia a lei ou o contrato, não pode ser objeto de uma alegação de mero aborrecimento ou indústria do dano moral. 

Enquanto houver essa cultura de que aborrecimentos comezinhos são naturais de uma relação jurídica bilateral, fornecedores farão o que quiserem com o Código de Defesa do Consumidor, e é o que vemos na prática hoje em dia. 

Vou citar um exemplo - seguradoras. O cidadão paga por uma vida inteira um seguro de vida para ao final do curso da vida a família ter o direito negado pelo banco por um motivo ignóbil – ouso falar aqui que 95% dos seguros de vida hoje no Brasil são negados de plano imotivadamente, ou o motivo é ilegal. Tenho experiência de 10 anos de Judiciário e 100% dos casos que analisei eram de decisões por um fundamento qualquer, estranho a relação, simplesmente a seguradora negava. 

E por que isso? Explico: um seguro de vida com uma indenização pela morte de 1 milhão de reais, por exemplo, tem o pleito ressarcitório negado administrativamente. O beneficiário então será obrigado a ajuizar a ação, desta fase em diante até a sentença lapso temporal mínimo de 2 anos, sendo bem modesto. Soma-se a esse prazo mais 2 anos de recurso, já temos 4 anos. Além disso, mais 1 ano de cumprimento de sentença, total 5 anos de trâmite, se não houver recurso para o Superior Tribunal de Justiça.

Agora, faça uma simulação desse um milhão aplicado a fundo fixo por 5 anos, teríamos aí uma lucratividade de R$ 170.000,00, mas todos sabemos que os bancos têm carteiras de investimentos muito mais lucrativas. Ainda assim, vamos nos manter nesse patamar de R$ 170.000,00 de ganhos; agora multiplique esse valor pelo número de seguros negados por dia, empregue novamente a lucratividade mencionada e jogue todo esse valor em investimentos diversificados. Responda para você mesmo se é lucrativo para as seguradoras cumprirem o contrato? Não precisa ser muito inteligente para chegar a uma resposta não é? 
Onde quero chegar com esse cálculo? Quero dizer que é muito mais lucrativo para o fornecedor não cumprir o contrato do que cumpri-lo. 

A seguradora é só um exemplo, mas posso citar outros tantos. Hoje as securitizadoras de crédito são as que mais estão ganhando dinheiro no mercado e as sociedades empresárias estão pegando carona nessa onda e fazendo o mesmo. 

A partir do momento que ela possui um bom grupo de pedidos que foram cancelados e já estão pagos, quanto mais tempo levar para esse dinheiro ser devolvido ao consumidor, mais elas lucrarão, consequentemente a negativa do Judiciário no que toca ao reconhecimento do dano moral por todo esse incômodo só favorece o bolso desses aproveitadores, e o resultado é um só: aquela máxima jurídica de que o dano moral deve ser temperado pelo Judiciário para evitar a indústria do dano moral está invertendo a lógica das coisas, deixando de indenizar quem devidamente possui o direito para favorecer uma minoria privilegiada no mercado de capital. 

E é aí que está o pulo do gato, quando o Judiciário pensa que está fazendo Justiça, está fazendo exatamente o contrário, infelizmente. Como declarou muito bem o Min. Marco Aurélio Bellizze, no AREsp 1.260.458/SP, o "Estado falha em cumprir seu dever de proteger o consumidor" {STJ}. Não preciso dizer mais nada!

Sob esse aspecto, antes mesmo da Teoria Safety Flare vir ao mundo a teoria do desvio aprofundado já demonstrava para o Judiciário que essa corrente do mero aborrecimento/indústria do dano moral era uma aplicação injusta, e foi assim que o Tribunal de Justiça de São Paulo inovou à época proferindo várias decisões declarando que todo o transtorno experimentado pelo consumidor pela perda do tempo para resolver um problema criado pelo fornecedor, deveria ser indenizado. Mais tarde foi a vez do Superior Tribunal de Justiça dar peso a essa teoria, aplicando-a em inúmeros casos, inclusive quando se tratava das astreintes, reiteradamente descumpridas pelos agentes financeiros. Citar desrespeito ao ordenamento pelos fornecedores é muito fácil no nosso País!

Nessa mesma esteira lancei a Teoria do Safety Flare, irresignado com a deterioração do Código de Defesa do Consumidor e das injustiças presenciadas no Judiciário com a falsa resposta Estatal. Após acompanhar inúmeros pleitos de pessoas que escrachadamente tinham seu direito ceifado por bancos, seguradoras, empresas de telefonia ou aviação, sociedades empresárias, entre outras, percebi que o objeto central sempre foi o descumprimento do contrato ou da lei, e mesmo depois de 30 anos de Pergaminho Consumerista nada havia sido ensinado aos fornecedores com as sentenças proferidas, lamentavelmente. 

Assim nasceu minha teoria que trata essas questões e outras, como um problema de macrocriminalidade. Esta se caracteriza por crimes praticados que atingem toda uma coletividade, sua característica se concentra no elevado status social dos seus infratores, e a impunidade fomentada por inúmeros setores faz com que esses fornecedores invertam valores, a regra passa a ser não obedecer às leis ou o contrato. O fato de não executar um acordo ou a lei; de não atender o cliente com fito em resolver o problema; o seguro que não é devidamente indenizado; o cancelamento do serviço que não é realizado após inúmeras tentativas e etc., são condutas criminosas desses fornecedores, que se utilizam dessas manobras para dificultar a concretização do pleito realizado, vencendo o consumidor pelo cansaço ou criando entraves à concretização.

A questão é simples: ou cumpre ou não cumpre a lei/contrato, não há espaço para delírios normativos. Os poderes institucionalizados atualmente estão enfraquecidos justamente por força desse tipo de decisão que sustenta a indústria do dano moral, que inverte a culpa para impunha-la no consumidor.

A reação backlash que vivenciamos no país tem fundamento na insatisfação dos cidadãos com esse tipo de decisum, e eu provoco qualquer um dos leitores a perguntar ao povo brasileiro o que eles pensam das decisões atuais do Judiciário a esse respeito. O próprio tema da segurança jurídica foi objeto de discurso do Min. Dias Toffoli em reunião com Ministros do Superior do Tribunal de Justiça. 
Contudo, o espaço aqui é exíguo para falar mais a respeito e no curso das minhas publicações falarei mais profundamente sobre esta teoria que já desperta atenção de algumas autoridades que acompanham mais de frente essa mudança que precisa ser posta em prática logo, agora para ser mais preciso. O tempo urge e não há mais espaço para manter esse dano provocado.

Espero que tenham gostado do artigo, por favor comentem e compartilhem para que possamos dialogar abertamente sobre.

* JULIANO LAVINA
-Advogado Criminal especializado no Trib. do Júri;
-Professor de Direito Penal e Processo Penal;
-Membro da Comissão Especial de Estudos de Ciências Psicológicas;
-CEO da Conceito Soluções; 
-Autor da Teoria do Safety Flare ou da Direção Sinalizada; e
-Ex-Assessor do Min. Marco Buzzi


 Nota do Editor:

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terça-feira, 16 de junho de 2020

Breves Comentários sobre o Crime de Associação Criminosa


Autora: Laís Pantolfi(*)

Comentaremos o delito previsto no Art. 288, do Código Penal. 

"Associação Criminosa 
Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes 
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos. 
Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente". 
A expressão Associação Criminosa, pela Lei nº. 12.850/2013, superou a anterior "bando ou quadrilha". 

Trata-se de crime comum, associativo (plurissubjetivo), que necessita de condutas paralelas dos sujeitos ativos, com o interesse de produzir um resultado comum, ou seja, com a finalidade de praticar outras infrações penais, exigindo o tipo penal três ou mais pessoas. Um outro exemplo de crime associativo é o delito do artigo 35, da Lei nº. 11.343/06 – Lei de Drogas. 

O entendimento da doutrina é no sentido de que para o cômputo mínimo de agentes ativos, contam-se os inimputáveis, NÃO importando que sejam punidos pelo código penal, desde que hajam os requisitos: permanência e estabilidade, para se caracterizar o crime. 

Para melhor elucidar, vejamos um exemplo: Associação Criminosa de dois indivíduos com 30 anos e um com 17 anos (inimputável). Aqui, os imputáveis respondem pelo delito do Art. 288, parágrafo único, do CP, e o menor será submetido a um procedimento que irá apurar o ato infracional, de acordo com o Estatuto da Criança e Adolescente – ECA. 

Cumpre ressaltar, que é necessário a estabilidade E permanência e não um requisito ou outro. 

Deve haver também especial fim de agir, ou seja, vontade de cometer crimes. 

Haverá consumação da Associação Criminosa ainda que não haja prática de outros crimes, pois se consuma com a mera "associação". Assim, é crime de perigo abstrato, basta a prática de uma conduta. 

Este é o entendimento do STJ: "[...] a consumação do delito de associação criminosa independe da prática de qualquer crime posterior [...]". (HC 547.945 SP, QUINTA TURMA, julgado em 04/02/2020). 

Porém, sempre que houver outro delito praticado, haverá concurso material de crimes. Por exemplo: os sujeitos praticaram o crime de extorsão (art. 158, CP) + (art. 288, CP). Somam-se as penas (art. 69, CP). 

Por ser classificado pela doutrina como crime de mera conduta, não se admite a tentativa. 

E por fim, quanto ao Parágrafo Único, o mesmo é autoexplicativo. Todavia segundo o entendimento do STJ, não incide o "bis in idem", podendo o delito estudado ser cumulado com o porte ou posse ilegal de arma de fogo, ou como crime de corrupção de menores, pois se tratam de delitos autônomos, cujos objetos jurídicos são distintos. (STJ – Resp: 1673179 SP 2017/0124834-3, Relatora: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data da Publicação: DJ 04/10/2017).

*LAÍS MACORIN PANTOLFI

-Advogada;
-Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Alta Paulista - FADAP;e
Pós-Graduada em Direito e Processo Penal pela Universidade Estadual de Londrina - UEL

Nota do Editor:

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segunda-feira, 15 de junho de 2020

Dois vírus a Vencer


Autora: Ana Paula Stucchi(*)



Depois de 2019, um ano de muitas emoções, disparidades, discórdias, e muita esperança para o ano seguinte, com uma expectativa de crescimento econômico, de vida nos trilhos... daí o que acontece? Pandemia mundial de covid-19...

Um amigo querido então numa conversa sobre conjuntura disse: precisamos vencer dois vírus: o covid-19 e o da crise econômica.

Ficou a discórdia entre a saúde das pessoas e o bem estar ameaçado pelo desemprego/redução da atividade econômica forçosamente reduzida pelo isolamento social.

Várias teorias tentadas, a prática ameaçada por mortes e casos graves forçaram os governos no mundo todo a cercearem a liberdade das pessoas numa quarentena forçada que dura em média 90 dias. Sim, no Brasil, em São Paulo desde 16 de março. Estamos em junho, sem muita previsão de normalidade. A flexibilização não é certeza de retomada total, porque com aglomeração aumenta transmissão do vírus.

Mas... e o isolamento traz prejuízos? Sim, porque para cada emprego perdido demora em média 1,5 anos para recolocação, segundo Dieese. Hoje a pessoa perdeu emprego, só daqui a um ano pelo menos é que vai ter renda novamente. Complicado pelo ponto de vista econômico. Porém, se esse empregado trabalhando adoecer e morrer? Sim, concordo, é difícil para os governantes atuais deliberarem sobre o assunto. Ainda segundo o Dieese, demora 10 anos para se recuperar as vagas perdidas quando uma empresa fecha. 10 anos! Ou seja, na crise de 2013, só em 2023 seriam recuperadas as vagas... mas e as perdidas em 2020? Já se vai mais uma década perdida... a produção industrial recuou 18,8% no comparativo mensal com ajuste sazonal em abril em relação a 2019. 

Mesmo leigo, olhe esse gráfico e veja o que o vírus covid-19 entre outros fatores fez na nossa economia:



A linha laranja mostra o crescimento do PIB antes do covid-19. A linha azul é a "quebra" que deu na economia. Analistas apostam em redução em 2020 de -4,5%, contra uma previsão do final de 2019 de 0,8 a 1,0% de crescimento. Com isso a inflação se retrai, não há consumo forte e o desemprego de 12% vai a 14%.

Por isso que o Governo Federal soltou as ajudas emergenciais que vão piorar o déficit primário, porém, é uma medida que a médio prazo mantém a economia menos aquecida, mas ainda aquecida.

No meu artigo anterior estava bem otimista com o ano de 2020. Porém, depois de quase seis meses percebo que está complicado matar tanto o vírus covid-19 quanto o vírus da crise econômica. Mas sabemos todos que o brasileiro é resiliente e mesmo que alguns setores tiveram quedas assustadoras, como indústria de base por exemplo, outros vão bem obrigado. Consumo, higiene e limpeza até cresceram atendendo demandas exigidas pelas medidas sanitárias. Ah, e indústria farmacêutica... com a crise, uns choram... outros vendem antidepressivos, ansiolíticos...

Agora, quem pode ficar de home office (outra medida emergencial que era possibilidade que geraria tendência que agora veio para ficar, muitas empresas perceberam o ganho que todos têm ao não se deslocar, gastar com uma série de fatores) fique e quem precisa se deslocar se desloque com cuidado evitando aglomerações.

Usando palavras de Delfim Netto: 2021 vai chegar! Pelo menos no calendário ele já está!

E claro, somos brasileiros, não desistimos nunca. o Brasil é grande, é maior que os dois vírus.

*ANA PAULA STUCCHI



-Economista de formação;
-MBA em Gestão de Finanças Públicas pela FDC - Fundação Dom Cabral;

-Atualmente na área pública
Twitter:@stucchiana





Nota do Editor:


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domingo, 14 de junho de 2020

Amadurecimento das Fases do Amor


Autora: Renata de Masi(*)


Aos olhos da Psicanálise, a infância é de extrema importância para nossas vidas, sem deixar de lado a adolescência que finaliza o desenvolvimento. Esse desenvolvimento estrutura a construção do nosso ‘Eu’ e as nossas relações por toda a vida. Os cuidadores da criança são as figuras-espelho que a ensinam a nomear o mundo externo e seu mundo interno onde o Amor pode ou não amadurecer.

Nessa abordagem palavras como recalque, trauma, angústia, repetição, fixação, sublimação, libido, Édipo, etc., são norteadoras dos pensamentos teóricos aos quais me dedico em meu tempo profissional e deparei-me com a complexidade do tema Amor e a necessidade de deixá-lo mais didático para o grupo de profissionais que supervisiono pois colaboraria para a organização clínica.

Começo, então, a olhar para o Amor e ‘brincar’ com a teoria, unindo as fases de Freud e as possíveis fixações que resultam na imaturidade das relações.

Para elucidar a nossa "brincadeira" teórica, peguei como exemplo os relacionamentos amorosos, mas poderíamos olhar assim para qualquer outro tipo de relacionamento, pois carregamos nossas projeções psíquicas por onde andamos:
    Amor Oral: com um exemplo de uma pessoa extremamente carente, dependente, egoísta, precisando da presença real do Outro para supri-la e, quando o outro não corresponde, ela 'morde' pois não possui recurso para lidar com tal frustração. Temos aqui um grande 'bebê' voraz;

    Amor Anal: pensando ainda que o desenvolvimento está primitivo, há apenas um pouco mais da existência do outro, que deve servir seu par em alguma instância simbólica, mas também ser controlado. O 'ter' é superior ao 'ser' e, se nessa relação o casal conseguir fixar essa parceria/conluio, temos a possibilidade de umamor/convívio. Caso uma das partes apareça com um desejo em que o outro não esteja incluído ou não aprove, temos um ‘bebê enfezado’ recusando ser incompleto;

    Amor Fálico: ah, esse Amor! A pessoa importa-se com quase tudo… o gozo para os dois, a troca de afeto, o 'ser'’ antes do 'ter', um 'comigo' sem necessitar da presença. Este par não é facilmente substituível, parece ser até a minha ‘metade’, meu faltante. Consigo torcer por ele/ela mesmo que tenha que renunciar uma parte em mim. Mas, tudo isso acompanhado do fantasma do ciúme. Nesse amor encontramos a necessidade mesmo que fantasiosa de um terceiro criando a situação de haver uma escolha e um excluído. Temos uma 'criança’ angustiada pelo medo de ser esquecida por um dos pais;
Amor de Latência: aos olhos do ‘vizinho’, talvez seja um Amor invejado. São parceiros, educados, respeitosos, tem um grupo de amigos próximos e até mantem um projeto juntos. A questão é que sua vida sexual está reprimida ou cindida, deixando suas vidas e o tempo no automático e sem cor. Mas essa é a única relação que necessariamente a renúncia dos corpos deve incomodar. Temos uma 'criança' em período de alfabetização que, por enquanto, não identificou a importância de sua sexualidade;
Amor de Saída Edípica: provavelmente, o início do fim da evolução do Amor depois de treinar muito e de várias experiências. A doação não é contabilizada pela certeza de receber, pois a justiça, confiança e igualdade são os alicerces dessa relação. O gozo é sobre um corpo simbolizado pelo ser que é, a liberdade de escolha é a certeza de querer ficar e o ir é a paz que faz morada na eternidade de sua falta. Temos um sujeito 'pronto' para suportar o percurso da frustração pela descoberta do incompleto.

Espero que o leitor tenha alcançado o valor e a importância de preocupar-se com o seu desenvolvimento emocional frente a esse sentimento que é tão difícil de alcançar em plenitude. A responsabilidade faz-se ainda maior na função de ensinar ao outro não só com fala, mas também em ação. 

A complexidade do Amor pode ser encontrada de forma mais simples quando é norteado pelas palavras empatia, moral, justiça, igualdade e liberdade estruturados na singularidade.

*RENATA DE MASI


-Psicóloga e Psicanalista atuando em consultório particular em Santo André/SP;
-Formada na UniABC;
-Especialista em Psicopedagogia pela UniABC;.
-Foi professora universitária na UniABC nas áreas que envolvem Psicologia e Educação;
-Coordenadora de Projeto de atendimentos clínicos.
-Atualmente pesquisadora na clínica no tema Psicanálise e Sexualidade;e
-Supervisora clínica.
E-mail: reverieespaco@yahoo.com
Tel/WhatsApp: (11) 9.8487.6907

Nota do Editor:

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