sábado, 17 de agosto de 2024

Como combater a intolerância religiosa na escola?


Autora:Karla Reis Martins de Oliveira


"- Você é macumbeiro!".

Provavelmente quem trabalha em escola já ouviu alguma frase com esse teor, à qual não caberia o estudante responder "- Você é cristão!", porque a sociedade contemporânea ainda entende que a pessoa que não pertence à religião da maioria, é a que deve ser marginalizada.

Dificilmente, quando uma criança ouve o termo macumbeiro, com intenção de ofensa, bastará simplesmente tentar explicar que macumba nada mais é do que um instrumento musical, semelhante ao reco-reco, de origem africana.

Apesar da grande diversidade de religiões, as de matriz africana são especialmente muito malvistas e malfaladas.

Timidamente, na última década, pode-se observar manifestações de religiões como umbanda ou candomblé, entre estudantes da educação básica, como a utilização de vestimentas e acessórios, que provocam medo ou zombaria.

A escola é um recorte da sociedade, repleta de preconceitos e o religioso se desenha de forma bastante nítida, e tão cruel como qualquer outro.

Embora haja embasamento legal que norteie o trabalho das escolas para uma cultura antirracista, não é o que vemos, de fato, na prática.

Talvez as crianças e jovens de religiões não cristãs já aprendam desde muito cedo a necessidade da paciência e da resiliência, mas o que a escola precisa também ensinar é o sentido de luta pelos direitos.

A Constituição Federal, no artigo 5º, inciso VI, aponta que "é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias".

O Código Penal Brasileiro - Decreto-Lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940, em seu artigo 208, estabelece que é crime "escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso", tendo como pena “detenção, de um mês a um ano, ou multa”, considerando-se que "se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência."

A Lei nº 20.451, de 22 de abril de 2019, instituiu a campanha estadual Aluno Consciente, que "tem como finalidade desenvolver, dentro do ambiente escolar, projetos acerca de temáticas que estão em discussão e afetam o ambiente e as relações escolares, como: [...] liberdade religiosa, intolerância religiosa e laicidade do Estado".

A Lei nº 14.532, de 11 de janeiro de 2023, alterou "a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989 (Lei do Crime Racial), e o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para tipificar como crime de racismo a injúria racial, prever pena de suspensão de direito em caso de racismo praticado no contexto de atividade esportiva ou artística e prever pena para o racismo religioso e recreativo e para o praticado por funcionário público".

Somente haverá tolerância e respeito quando houver conhecimento suficiente sobre o diferente.

A escola, representada por cada membro pertencente, precisa se mostrar antirracista e eficiente no combate a qualquer tipo de preconceito.

Mesmo que alguns pais não entendam e questionem, mesmo que alguns professores e funcionários não concordem.

É necessário que os estudantes conheçam a diversidade em todos os seus aspectos.

É preciso desmistificar, por exemplo, o que significa a figura Exu, que é associado ao Diabo pelos cristãos, mas que representa um ser de luz, força e grande proteção para as religiões de matriz africana.

Não se pode simplificar dizendo que todos seguem um só deus. Não é verdade.

Assim como a oração do Pai Nosso é tida, erroneamente, como universal. Se um estudante pertence ao islamismo, por exemplo, não fará sentido algum uma oração católica.

Por isso o Estado é laico e, embora cada um tenha o direito de professar sua fé, ou não crença, é imprescindível o respeito ao outro.

Esse é um assunto muito sério, que deve ser amplamente discutido e esclarecido, porque as pessoas temem o desconhecido.

O conhecimento é sempre o melhor, aliás, o único, caminho.



*KARLA REIS MARTINS DE OLIVEIRA
















-Graduada em Letras, com Habilitação Plena em Línguas Portuguesa e Inglesa e Literaturas - UNIFATEA (2004);

-Pós-graduada em:


Estudos Literários – UNIFATEA (2008);

Gestão Escolar - UNIFATEA (2012);

Psicopedagogia Clínica e Institucional – FACON (2018);

Supervisão Escolar - Faculdade São Luís (2019); e 


Educação em Direitos Humanos, Diversidade e Questões Étnico-Sociais ou Raciais - FAVENI (05/2024).

Diretora Efetiva da Rede Estadual de Ensino, atuando em Escola de Ensino Integral de 7h, no interior de SP, com experiência em Coordenação Pedagógica de Ciclo I e II do Ensino Fundamental e Ensino Médio, em Vice-Direção e como Professora Efetiva de Língua Inglesa

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Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

sexta-feira, 16 de agosto de 2024

Uma Armadilha para a Liberdade Econômica


Autor: Fábio Ribeiro(*)




Entendendo o Mecanismo do 'Split Payment'

O "split payment" é uma proposta do governo brasileiro, incluída na reforma tributária, que visa modernizar a forma de arrecadação de impostos. Nesse sistema, o valor do imposto é automaticamente separado e enviado ao fisco no momento do pagamento de uma transação, antes que o montante chegue ao vendedor. O objetivo principal é reduzir a sonegação fiscal, garantindo que o imposto seja recolhido diretamente, sem passar pelas mãos do contribuinte. Embora ainda esteja em fase de regulamentação, com previsão de implementação gradual até 2026, o sistema gera preocupações quanto aos custos de adaptação tecnológica e ao impacto sobre a liberdade econômica dos indivíduos​.

O Preço da Liberdade Econômica

Apesar dos argumentos a favor do "split payment" baseados na suposta eficiência em combater a sonegação, é preciso analisar as consequências mais amplas e profundas dessa proposta. De início, é importante destacar que a implementação desse mecanismo impõe uma nova camada de controle sobre as transações financeiras dos cidadãos, restringindo ainda mais a liberdade de empreender e gerir os próprios negócios.

A ideia de que impostos altos e controle rigoroso sobre as finanças são necessários para garantir justiça social e redistribuição de riqueza é, no mínimo, questionável. Na verdade, o que observamos na prática é que o Estado, quando dotado de mais poder, tende a se tornar um aparato burocrático ineficaz, permeado por corrupção e ineficiência. O split payment, longe de ser uma ferramenta para "justiça", age como um freio para a iniciativa privada, desincentivando o crescimento econômico e, em última análise, limitando a geração de riqueza.

Impostos Altos e o Fardo da Burocracia

A ideia de que o governo precisa arrecadar mais para oferecer melhores serviços é um mito que tem sido perpetuado por décadas. Na verdade, o que se vê é que onde o Estado se expande, os problemas se agravam. A burocracia se torna um monstro que engole recursos e tempo, enquanto os serviços públicos continuam ineficientes e insuficientes. Ao contrário do que se prega, aumentar o controle sobre as finanças dos cidadãos, como propõe o split payment, não vai melhorar a qualidade dos serviços prestados pelo Estado. Pelo contrário, vai apenas concentrar ainda mais recursos nas mãos de um governo que, muitas vezes, usa esses recursos de forma questionável.

Liberdade para Empreender: Um Direito Fundamental

A verdadeira justiça econômica reside na liberdade de empreender e investir, criando oportunidades e gerando empregos. Quando o Estado impõe controles excessivos, como o split payment, ele restringe essa liberdade e desencoraja o empreendedorismo, especialmente entre os pequenos empresários e os trabalhadores informais. Estes, muitas vezes, não têm acesso aos recursos necessários para se formalizarem e acabam sendo penalizados por um sistema que não os apoia, mas sim, os oprime.

O controle governamental, ao contrário do que se propaga, não resolve o problema da sonegação fiscal. Pelo contrário, ele pode, paradoxalmente, incentivar a informalidade e a evasão, uma vez que o custo de operar dentro da legalidade se torna insustentável para muitos. O caminho para combater a sonegação não está no aumento do controle, mas na criação de incentivos para que as pessoas participem voluntariamente do sistema tributário. Prêmios para quem emite e solicita notas fiscais, redução de alíquotas e simplificação dos processos são medidas que podem estimular a adesão ao sistema formal de maneira mais eficaz e justa.

A Real Intenção por Trás do Split Payment

Por fim, é crucial reconhecer que a implementação do split payment pode ter motivações que vão além do combate à sonegação fiscal. O controle sobre as finanças dos cidadãos pode ser uma ferramenta poderosa nas mãos de governos que desejam se perpetuar no poder e minar as liberdades individuais. A concentração de recursos nas mãos do Estado, em vez de promover o bem-estar social, pode resultar em um enfraquecimento da sociedade civil e do setor privado, abrindo caminho para abusos de poder e corrupção.

Em um sistema democrático, é vital que os cidadãos tenham o direito de questionar as políticas públicas e decidir sobre o destino de seus próprios recursos. O split payment, ao remover parte desse poder das mãos dos indivíduos, ameaça esse princípio fundamental. Portanto, é imperativo que se repense essa proposta e que se busquem alternativas que respeitem a liberdade econômica e incentivem o crescimento, sem sacrificar os direitos fundamentais dos cidadãos.

O debate sobre o split payment no Brasil deve ser encarado com seriedade e cautela. A liberdade econômica é um direito que não pode ser sacrificado em nome de um controle estatal que, historicamente, tem mostrado mais prejuízos do que benefícios. É essencial que busquemos soluções que incentivem a formalização e o crescimento econômico, sem abrir mão dos valores que sustentam uma sociedade livre e próspera.

*FÁBIO RIBEIRO´

















Profissional de Tecnologia especializado em Engenharia de Dados

Nota do Editor:


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quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Diferença entre Casamento e União Estável


Autora: Ivanir Venair das Neves Mazzotti(*)

Afinal, existe diferença entre Casamento e União Estável?

Antes de adentrarmos na resposta para a pergunta acima é importante descrever o conceito de família.

Conforme o artigo 226 da Constituição Federal, a família é a base da sociedade, logo tem especial proteção do Estado.

O conceito de família foi se adequando às novas necessidades da sociedade. Atualmente existem várias formas de constituir família, fugindo inteiramente do conceito de família que era formada por um homem e uma mulher unidos pelo casamento com objetivo de ter filhos.

Com o advento da Carta Magna de 1988 que a mudança na concepção de família ocorreu. Antes da CF/88 a família brasileira somente era reconhecida legal e socialmente quando proveniente do casamento válido e eficaz. Dessa forma, qualquer outro modelo de família existente era socialmente marginalizado.

Entretanto, esses outros tipos de constituição familiar passaram a ser amparados pela Constituição de 1988, que ampliou o conceito de família, não se restringindo ao casamento, visto que o matrimônio deixou de ser o fundamento da família legítima, sendo a entidade familiar formada pela sociedade de acordo com as novas necessidades humanas.

O referido artigo 226 da Constituição Federal, em seu parágrafo 3º extrai que "Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento."

O artigo 1723 do Código Civil estabelece que: "É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família."

Dessa forma, para que seja caracterizada a União Estável basta que a convivência seja pública, contínua e com objetivo de constituir família, sem que seja necessário a constatação de prazo mínimo de duração da convivência para que a união seja configurada.

Já o artigo 1.511 descreve que "O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges."

Dessa forma, conclui-se que a diferença entre casamento e união estável se dá na forma como são formados/oficializados, não havendo relevantes diferenças entre os dois institutos quanto aos efeitos jurídicos.

Importante ressaltar que também na União Estável é possível definir qual será o regime de bens da união. No entanto, quando não definido entre o casal, o regime adotado será o de comunhão parcial de bens, conforme previsto no artigo 1640 do CC/2002.

Assim, conforme já mencionado, a união estável permite os mesmos regimes patrimoniais previstos para o casamento.

Dessa forma, aquele que vive em União Estável possui os mesmos direitos daquele que optou pelo casamento, ou seja, direito a partilha de bens, observando-se que cabe a partilha somente dos bens comuns constituídos de forma onerosa durante a união, direito a pensão por morte, alimentos, guarda dos filhos, entre outros.

Referências Bibliográficas:

Código de processo civil - Lei n. 13.105, de março de 2015;

Código Civil Brasileiro/2002; e

Constituição Federal de 1988.

*IVANIR VENAIR DAS NEVES MAZZOTTI














-Advogada graduada em em Direito pela Faculdade de Ciências Sociais de Florianópolis (2006);

Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade de Ciências Sociais de Florianópolis (2008);

-Especialista em Direito de Família e Sucessões na UCAN/SP; 

-Pós Graduada em Direito Civil e Direito Processual Civil na Faculdade LEGALE/SP (2022).

-Membro do núcleo de pesquisa e escrita científica da faculdade LEGALE;

-Atua nos âmbitos extrajudicial e judicial como advogada e consultora jurídica; 

-Possui Curso de Oratória Jurídica e negociação para Advogados – Campo Grande/MS; e

-Mediadora Judicial TJ/SC .

E-mail: ivanirnevesmazzottiadvocacia.com.br. 

(67) 98148-0832.

Nota do Editor:

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quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Diferença entre Garantia Legal e Contratual à Luz do CDC

                                                        Alex Shinji Hashimura(*) 
 

No Brasil, temos duas formas de garantia para produtos e serviços: a garantia legal, prevista no Código de Defesa do Consumidor – CDC, e a garantia contratual, que é a prevista nos contratos.

Em relação a garantia legal, o legislador deixou expresso os prazos de garantia para os produtos e serviços. Assim está previsto no art. 26 do CDC:


"Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:

I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis;

II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis. (...)"

Percebe-se que o legislador já garantiu ao consumidor uma segurança para, caso haja algum vício no produto ou na prestação de serviço, que o fornecedor responda pelos vícios que vierem a surgir. Esse prazo se diferencia entre duas categorias: bens/serviços duráveis e não duráveis.

Bens ou serviços não duráveis são aqueles que tem a sua usabilidade imediata, consumo imediato, tais como perfumes, alimentos, corte de cabelo, lavagem de carro, entre outros. Para esses tipos, a garantia legal é de trinta dias.

Já os bens ou serviços duráveis são aqueles que tem a sua vida útil de longo prazo, tais como aparelhos eletrônicos, veículos, dedetização, construção, entre outros. Para esses tipos, a garantia legal é de noventa dias.

Para ambos os casos, o prazo para reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação se inicia a partir do momento do recebimento ou da realização da prestação de serviço.

Por outro lado, temos a garantia contratual, é aquela concedida pelo fornecedor, por uma liberalidade sua, ou seja, não há uma obrigação em sua oferta, mas, uma vez concedida, deve ser cumprida em seus exatos termos pelo fornecedor.

O CDC também dispõe acerca da garantia contratual, mais especificamente em seu art. 50:

 

"Art. 50. A garantia contratual é complementar à legal e será conferida mediante termo escrito.

Parágrafo único. O termo de garantia ou equivalente deve ser padronizado e esclarecer, de maneira adequada em que consiste a mesma garantia, bem como a forma, o prazo e o lugar em que pode ser exercitada e os ônus a cargo do consumidor, devendo ser-lhe entregue, devidamente preenchido pelo fornecedor, no ato do fornecimento, acompanhado de manual de instrução, de instalação e uso do produto em linguagem didática, com ilustrações."
Ou seja, se o fornecedor concede um prazo maior que o previsto no CDC, ele deve cumprir nos mesmos moldes que o previsto no art. 18 do CDC.

Vale ressaltar também que a garantia contratual, em relação ao início do prazo para reclamar, prevalece sobre a garantia legal. Explico.

Caso haja a constatação de algum vício no produto ou serviço, e o fornecedor concedeu prazo de um ano, esse prazo será o primeiro a ser iniciado, para somente após um ano vir a correr o prazo previsto no CDC. Isso é o entendimento já firmado pelo Superior Tribunal de Justiça:

"CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE PELO FATO OU VÍCIO DO PRODUTO. DISTINÇÃO. DIREITO DE RECLAMAR. PRAZOS. VÍCIO DE ADEQUAÇÃO. PRAZO DECADENCIAL. DEFEITO DE SEGURANÇA. PRAZO PRESCRICIONAL. GARANTIA LEGAL E PRAZO DE RECLAMAÇÃO. DISTINÇÃO. GARANTIA CONTRATUAL. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DOS PRAZOS DE RECLAMAÇÃO ATINENTES À GARANTIA LEGAL.

- No sistema do CDC, a responsabilidade pela qualidade biparte-se na exigência de adequação e segurança, segundo o que razoavelmente se pode esperar dos produtos e serviços. Nesse contexto, fixa, de um lado, a responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço, que compreende os defeitos de segurança; e de outro, a responsabilidade por vício do produto ou do serviço, que abrange os vícios por inadequação.

- Observada a classificação utilizada pelo CDC, um produto ou serviço apresentará vício de adequação sempre que não corresponder à legítima expectativa do consumidor quanto à sua utilização ou fruição, ou seja, quando a desconformidade do produto ou do serviço comprometer a sua prestabilidade. Outrossim, um produto ou serviço apresentará defeito de segurança quando, além de não corresponder à expectativa do consumidor, sua utilização ou fruição for capaz de adicionar riscos à sua incolumidade ou de terceiros.

- O CDC apresenta duas regras distintas para regular o direito de reclamar, conforme se trate de vício de adequação ou defeito de segurança. Na primeira hipótese, os prazos para reclamação são decadenciais, nos termos do art. 26 do CDC, sendo de 30 (trinta) dias para produto ou serviço não durável e de 90 (noventa) dias para produto ou serviço durável. A pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou serviço vem regulada no art. 27 do CDC, prescrevendo em 05 (cinco) anos.

- A garantia legal é obrigatória, dela não podendo se esquivar o fornecedor. Paralelamente a ela, porém, pode o fornecedor oferecer uma garantia contratual, alargando o prazo ou o alcance da garantia legal.

- A lei não fixa expressamente um prazo de garantia legal. O que há é prazo para reclamar contra o descumprimento dessa garantia, o qual, em se tratando de vício de adequação, está previsto no art. 26 do CDC, sendo de 90 (noventa) ou 30 (trinta) dias, conforme seja produto ou serviço durável ou não.

- Diferentemente do que ocorre com a garantia legal contra vícios de adequação, cujos prazos de reclamação estão contidos no art. 26 do CDC, a lei não estabelece prazo de reclamação para a garantia contratual. Nessas condições, uma interpretação teleológica e sistemática do CDC permite integrar analogicamente a regra relativa à garantia contratual, estendendo-lhe os prazos de reclamação atinentes à garantia legal, ou seja, a partir do término da garantia contratual, o consumidor terá 30 (bens não duráveis) ou 90 (bens duráveis) dias para reclamar por vícios de adequação surgidos no decorrer do período desta garantia.

Recurso especial conhecido e provido.

(REsp n. 967.623/RJ, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 16/4/2009, DJe de 29/6/2009.)" (grifou-se)
Portanto, caso seja necessária a reparação do vício no produto ou serviço, verifique se no manual do produto ou contrato de serviço qual é o prazo que, eventualmente, o fornecedor do produto ou serviço está concedendo e, caso não havendo nenhuma previsão no manual ou contrato, verifique o prazo disposto no art. 26 do CDC para reclamar de qualquer vício aparente.

 *ALEX SHINJI HASHIMURA– OAB/DF n.º 52.833












-Graduado em Direito pela Universidade Projeção – UniProjeção (2016);

-Pós-graduado em Direito Previdenciário e Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Legale (2021);

-Pós-graduado em Direito Tributário e Processo Tributário pela Faculdade Legal (2023);

-Graduando em Ciências Contábeis pela Universidade Anhembi Morumbi – UAM;

Sócio Fundador do Escritório Alex Hashimura Advocacia e Assessoria Jurídica.

Nota do Editor:

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terça-feira, 13 de agosto de 2024

Dois Gigantes do Estado de Direito


 Autor: Rodolfo Costa Manso Real Amadeo (*)

Aproveitando as festividades jurídicas de agosto, aproveito para relembrar dois Professores Eméritos da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, Goffredo da Silva Telles Jr. e José Ignacio Botelho de Mesquita, que nos deixaram há 15 e 10 anos, respectivamente, e que foram os dois primeiros signatários da famosa "!Carta aos Brasileiros", de agosto de 1977, defendendo o retorno do Estado de Direito ao Brasil.

O Professor Goffredo lecionou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco de 1940 a 1985, quando se aposentou compulsoriamente ao completar 70 anos. Suas aulas se concentravam, principalmente, na disciplina Introdução à Ciência do Direito, ministrada no primeiro ano do curso.

Tendo ingressado na Faculdade em 1994, infelizmente, não tive o privilégio de ser aluno do Professor Goffredo, mas, estive com ele várias vezes durante minha graduação. Para minha sorte, meu avô, Nelson Real Amadeo, era advogado do Professor Goffredo e eu, que com ele estagiei desde o primeiro ano, sempre me voluntariava a entregar algum documento ou colher a assinatura do Professor, ocasiões em que era agraciado com suas histórias da Faculdade, desde seus tempos de aluno em 1933/1937, período em que presenciou a reforma do prédio histórico, até sua aposentadoria compulsória.

Mais recentemente, seguindo os passos de meu avô, tive o privilégio de advogar para a viúva e a filha do Professor Goffredo, Maria Eugenia Raposo da Silva Telles e Olivia Raposo da Silva Telles, podendo relembrar com elas as histórias do Professor Emérito.

Na falta de memórias próprias sobre seu período de docência, evoco aqui as lembranças de dois de seus ilustres alunos, José Carlos Dias e Walter Piva Rodrigues:

"Tínhamos um poeta a nos dar aula de Direito, mais do que um jurista atado a fórmulas bacharelescas, escandindo pausadamente as frases com rigor métrico, esgotando-lhes o sentido, constante preocupação com a sintonia fina do raciocínio. (...) Uma das aulas, talvez a mais linda, era presenciada por um número grande de estudantes para ouvir Goffredo ensinar onde estão as raízes do Direito: ‘o Direito é como o amor, nasce do coração dos homens’. (...) Convidado a escrever sobre Goffredo, pus-me a pensar muito e me desafiei a pensar sobre o filósofo, o pensador, o intelectual, o político na acepção de quem interfere no instante histórico de seu país com sua denúncia ou com seu apoio, o orador brilhante desde a mocidade, esse jovem bem nascido e bem crescido que não envelhece, sobre este ser humano predestinado à paixão. E por falar em paixão, a nossa geração acadêmica, sem dúvida, pulsa em especial no seu coração. É que a paixão de Goffredo se materializou em Maria Eugenia, bonita e brilhante, querida caloura da turma de 64. Como acontece com os grandes mestres, Goffredo acompanhou seus discípulos, encorajando-os, dando-lhes conselhos, ouvindo-os, torcendo por eles, sempre uma palavra amiga." (José Carlos Dias, In https://goffredotellesjr.com.br/goffredo-e-suas-licoes-de-amor-jose-carlos-dias/, acesso em 05.08.2024)

"O aluno mais antigo e o mais moderno da Velha Academia sempre terão cada qual o seu depoimento muito próprio sobre a inesquecível e produtiva vivência acadêmica e sobre a semeadora e edificante militância de Mestre Goffredo pelo predomínio da Lei, do Direito e da Justiça. (...) Como se sabe, Mestre Goffredo protagonizou um dos pontos altos da retomada da Liberdade e da Democracia no nosso País ao redigir e ao ler a ‘Carta aos Brasileiros’ (1977) (...) Quero, todavia, relembrar a redação pelo Professor Goffredo da sua ‘Carta aos Brasileiros, ao Presidente da República e ao Congresso Nacional’, em outro momento histórico do Brasil, quando se opôs em nome de centenas de entidades da mais alta representatividade (...) à ilegítima Emenda n.º 26/85, proposta pelo Presidente da República. Mestre Goffredo não só denunciava a ilegitimidade da Emenda do Presidente Sarney, mas, ainda, conclamava por uma Assembleia Constituinte, Livre, Autônoma e Soberana, desvinculada do Congresso Nacional. (...) Em Brasília, Mestre Goffredo, na companhia inseparável de Maria Eugenia, Francisco Whitaker (...), Marco Antonio Barbosa, Samuel Figueiredo, Margarida Genevois, Silvia Whitaker e tantos outros representantes de entidades de estudantes e da sociedade civil, fomos ao Congresso e lá, prontamente, recebidos pelo Presidente Ulisses Guimarães (...). As gerações novas – do presente e do futuro – devem ser lembradas do exemplar comportamento do nosso ‘Professor Símbolo’, para que o melhor da tradição das Arcadas justifique o seu culto, transformando-se em fonte permanente do longo e penoso processo de construção da cidadania em nosso país." (Walter Piva Rodrigues, Mestre Goffredo: um farol para as gerações (do passado, do presente e do futuro) da Velha e sempre Nova Academia, In Revista do Advogado, n.º 67, ago/2002, pp. 42/44)

Já o Professor Mesquita lecionou diversas disciplinas de Direito Processual Civil na Faculdade de Direito do Largo São Francisco de 1964 a 2005, quando se aposentou, compulsoriamente, aos 70 anos. Tive a honra e a felicidade de ser aluno do Professor Mesquita nos meus três últimos anos da graduação (1996/1998), tendo ainda sido seu orientando no mestrado e integrante de seu grupo de estudos de Processo Civil. Foi um professor amado por seus alunos, pois nele reconhecíamos um mestre rigoroso, mas, ao mesmo tempo, muito próximo da turma, extremamente dedicado à preparação das aulas e preocupado em despertar em nós o espírito crítico.

Sua forma de lecionar pode ser vislumbrada nos discursos proferidos quando da outorga de seu título de Professor Emérito, proferidos pelo Professor Tercio Sampaio Ferraz e pelo próprio Professor Mesquita:

"No ato de lecionar, a formação do aluno não pode ser apenas uma consequência automática da transmissão de informações, mesmo com a finalidade de ensinar algo. Essa característica deixa transparecer o modo pelo qual o mestre José Ignacio lecionou e formou, formou e lecionou. (...) o verdadeiro mestre que exerce o seu ofício de ensinar, ainda que minimamente, exercita aquela capacidade de avaliar com convicção: despertar no aluno o senso crítico. E nisso sempre esteve a pedra angular de sua docência. (...) seu processo de ensinar não era um diálogo do eu consigo mesmo, mas demandava, mesmo quando estava inteiramente só a transmitir informações, esse estar em comunicação com seus alunos, com quem, sabia o nosso professor emérito, deveria chegar afinal a alguma comunhão. (...) Um verdadeiro mestre, José Ignacio, mesmo no momento de sua convicção, não sendo um ensimesmado, sempre se pôs no mundo comum da sala de aula, ao qual não negava a exuberância da inteligência e da personalidade daqueles autores que discutia. Tinha, pois, o senso crítico do acerto e do erro, ao que aliava essa rara capacidade de reconhecer e proclamar o mérito alheio (tão forte no respeito pela juventude), com antecedência aos ensinamentos que transmitia. Exatamente por isso, como professor, o mestre sempre soube que as opiniões e questões dos alunos, por mais obtusas (desarrazoadamente inúteis) que parecessem, mereciam respeito e atenção." (Saudação do Professor Tercio Sampaio Ferraz, In José Rogério Cruz e Tucci, Walter Piva Rodrigues e Rodolfo da Costa Manso Real Amadeo (coords.), Processo Civil: Homenagem a José Ignacio Botelho de Mesquita, São Paulo: Quartier Latin, 2013, pp. 18/22)

"O poder dos alunos empurrou-me, de diversas formas, no rumo da paixão pelo direito, pelo ensino do direito e por esta Faculdade, por esta sagrada e consagrada Faculdade. É um poder que se manifesta na sala de aula e estabelece uma relação com o professor, um vínculo, um vínculo tão consistente que poderia dizer, quase que material, tangível, perceptível como as marés, às vezes montantes, às vezes vazantes. Permito-me essa metáfora porque ela exprime exatamente o que eu sentia em classe: as variações de distância, maior ou menor, entre os alunos e o professor, consoante a qualidade da aula. Dias em que, por alguma razão, a aula não saía a contento, o espaço entre a mesa do professor e a primeira fileira de alunos aumentava, os alunos ficavam distantes. Ao contrário, nos dias em que a aula agradava, esse mesmo espaço diminuía, como se me fosse possível, estendendo as mãos, cerrar nas minhas as dos meus alunos. Quem, tendo a felicidade de sentir esse poder dos alunos, não se atiraria de corpo e alma na busca da aula perfeita?" (Agradecimento do Prof. José Ignacio Botelho de Mesquita pelo título de Professor Emérito, In José Rogério Cruz e Tucci, Walter Piva Rodrigues e Rodolfo da Costa Manso Real Amadeo (coords.), Processo Civil: Homenagem a José Ignacio Botelho de Mesquita, São Paulo: Quartier Latin, 2013, p. 25)

Quero terminar com uma lição sobre as características do Estado de Direito, extraída da própria "Carta aos Brasileiros", assinada por esses dois Professores Eméritos e por outros tantos brasileiros e brasileiras que lutaram pela redemocratização do país:

"O Estado de Direito se caracteriza por três notas essenciais, a saber: por ser obediente ao Direito; por ser guardião dos Direitos; e por ser aberto para as conquistas da cultura jurídica. É obediente ao Direito, porque suas funções são as que a Constituição lhe atribui, e porque, ao exercê-las, o Governo não ultrapassa os limites de sua competência. É guardião dos Direitos, porque o Estado de Direito é o Estado-Meio, organizado para servir o ser humano, ou seja, para assegurar o exercício das liberdades e dos direitos subjetivos das pessoas. E é aberto para as conquistas da cultura jurídica, porque o Estado de Direito é uma democracia, caracterizado pelo regime de representação popular nos órgãos legislativos e, portanto, é um Estado sensível às necessidades de incorporar à legislação as normas tendentes a realizar o ideal de uma Justiça cada vez mais perfeita."


*RODOLFO COSTA MANSO REAL AMADEO 

 














-Graduação em Direito pela Universidade de São Paulo - USP (1998); 

-Pós-graduação em Direito Ambiental pela Universidade de São Paulo -USP (2002);

-Mestrado em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo - USP (2005) e 

-Doutorado em Direito Processual Civil  pela Universidade de São Paulo -USP (2010);

- Professor de Direito Processual Civil e  Meios Adequados de Resolução de Disputas em cursos  de graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e da Fundação Getulio Vargas;

- Integrante do Grupo de Estudos Avançados em Arbitragem da Fundação Arcadas (GEAARB) e do Núcleo de Acesso à Justiça, Processo Civil e Meios de Solução de Conflitos da Fundação Getulio Vargas (NAJUPMESC); e

Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAR), do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), do Centro de Estudos Avançados de Processo (CEAPRO), do Instituto Brasileiro de Estudos do Direito da Energia (IBDE), da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) e da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE).

Nota do Editor:

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A importância da laicidade na relação entre religião e o direito constitucional



Autora: Eryca Mattos(*)

A relação entre religião e direito constitucional é um tema central em qualquer sociedade democrática, pois envolve a garantia de direitos fundamentais e a manutenção da ordem pública. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 estabelece a laicidade como um princípio fundamental do Estado, o que significa que o governo deve manter-se neutro em relação às religiões, assegurando a liberdade de crença e o respeito à diversidade religiosa.

 A laicidade do Estado é expressamente prevista no artigo 19 da Constituição Federal Brasileira, que proíbe a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios de estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embarcar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou suas representantes relações de dependência ou aliança. Este princípio é essencial para garantir que nenhuma religião seja favorecida ou discriminada pelo poder público, preservando assim a igualdade entre todos os cidadãos, independentemente de suas convicções religiosas. 

A importância da laicidade no direito constitucional reside em sua função de proteger a liberdade religiosa de todos os indivíduos. O artigo 5º, inciso VI, da Constituição, assegura a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, garantindo o livre exercício dos cultos religiosos e a proteção aos locais de culto. Dessa forma, a laicidade não significa a negação da religião, mas sim a garantia de que todas as crenças possam coexistir em um ambiente de respeito mútuo, sem a interferência do Estado. Logo, podemos entender que o direito constitucional brasileiro busca, assim, equilibrar a liberdade religiosa com a laicidade estatal. 

Posto isto, podemos concluir que a laicidade é fundamental para a proteção dos direitos humanos. Em uma sociedade pluralista, onde coexistem diversas crenças e convicções, a neutralidade do Estado é essencial para evitar conflitos e garantir a paz social. A laicidade impede que uma religião específica se sobreponha às outras e imponha seus valores sobre toda a sociedade, preservando, assim, a liberdade individual e a diversidade cultural. Logo, esse equilíbrio é fundamental para assegurar que todos os cidadãos possam exercer suas crenças sem interferência do Estado, ao mesmo tempo em que se evita a imposição de valores religiosos específicos na esfera pública.

No entanto, a aplicação do princípio da laicidade enfrenta desafios, especialmente em contextos onde grupos religiosos buscam influenciar políticas públicas ou obter privilégios do Estado. Casos como o ensino religioso em escolas públicas, a exibição de símbolos religiosos em repartições públicas e a intervenção de líderes religiosos em decisões políticas levantam debates sobre os limites da laicidade e a necessidade de sua defesa contínua.

Em conclusão, a laicidade é um princípio fundamental no direito constitucional brasileiro, assegurando a liberdade religiosa e a igualdade entre os cidadãos. Ao manter o Estado neutro em relação às religiões, a laicidade protege a diversidade religiosa e garante que nenhuma crença seja imposta ou privilegiada pelo poder público. Assim, a laicidade não apenas preserva a liberdade individual, mas também contribui para a construção de uma sociedade mais justa, inclusiva e democrática. 

*ERYCA MATTOS





















Graduada pela Universidade Estácio de Sá no Curso de Direito (2022)
Advogada inscrita na  OAB/RJ
Áreas de atuação:Direito Cível e  de Família, com ênfase  em divórcios.

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segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Elegibilidade e Direitos Políticos


 Autor: Alexandre Guimarães Melatti(*)


A elegibilidade refere-se à capacidade de ser escolhido para ocupar cargos políticos por meio de uma eleição. Um cidadão elegível é aquele que pode receber votos e ser eleito para funções político-eletivas. Essa capacidade de se candidatar é conhecida como cidadania passiva.

A elegibilidade faz parte do status político-eleitoral de um cidadão e resulta da conformidade com as normas jurídicas que regem o processo eleitoral. Atingir a elegibilidade plena ocorre de maneira gradual, alcançando-se aos 35 anos de idade, momento em que é possível candidatar-se à Presidência, Vice-Presidência ou ao Senado. No entanto, cidadãos naturalizados nunca poderão ocupar certos cargos, como o de Presidente da República, que são reservados aos brasileiros natos.

Para que um cidadão possa se candidatar e ser eleito para um cargo político, é necessário cumprir certas condições previstas na Constituição Federal, conhecidas como condições de elegibilidade.

É importante notar que uma pessoa pode ter o direito de votar (cidadania ativa) sem ter o direito de ser votada (cidadania passiva). Isso ocorre se não atender às condições de elegibilidade ou se for inelegível devido a algum fator que impeça sua candidatura.

Condições de Elegibilidade

As condições de elegibilidade são requisitos que devem ser atendidos para que um cidadão possa se candidatar a um cargo político e receber votos válidos. Esses requisitos estão estabelecidos no artigo 14, § 3º, da Constituição e incluem:

Nacionalidade Brasileira: Apenas cidadãos brasileiros podem se candidatar, com exceção dos portugueses que residem permanentemente no Brasil e têm reciprocidade de direitos com os brasileiros.

Pleno Exercício dos Direitos Políticos: O cidadão deve estar em pleno gozo de seus direitos políticos, o que é certificado pela Justiça Eleitoral através da certidão de quitação eleitoral. Se essa certidão for negativa, o cidadão não pode registrar sua candidatura.

Alistamento Eleitoral: O alistamento é essencial para adquirir a cidadania, pois organiza o corpo de eleitores. Sem inscrição no cadastro eleitoral, o cidadão não pode exercer direitos políticos.

Domicílio Eleitoral na Circunscrição: O cidadão deve ter domicílio eleitoral na área em que pretende concorrer por pelo menos seis meses. O título eleitoral prova esse domicílio. Portanto, para concorrer aos cargos de Prefeito, Vice-Prefeito ou Vereador, é necessário que o cidadão possua domicílio eleitoral no respectivo Município. Já para os cargos de Governador, Vice-Governador, Senador, Deputado Federal e Estadual, o domicílio eleitoral deve ser no Estado, em qualquer cidade. Finalmente, para os cargos de Presidente ou Vice-Presidente da República, o domicílio eleitoral pode ser em qualquer lugar do país. O título eleitoral serve como prova do domicílio eleitoral.

Filiação Partidária: A candidatura deve ser vinculada a um partido político, conforme regulado pela legislação eleitoral e pelo estatuto do partido. O sistema brasileiro não permite candidaturas avulsas.

Idade Mínima: Variando conforme o cargo, a idade mínima é:

35 anos para Presidente, Vice-Presidente e Senador;

30 anos para Governador e Vice-Governador;

21 anos para Deputado Federal, Deputado Estadual, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz;

18 anos para Vereador.

A nacionalidade é o vínculo que liga o indivíduo ao Estado. Apenas os nacionais podem ser candidatos, exceto os portugueses com residência permanente e reciprocidade de direitos.

O alistamento eleitoral é fundamental para a cidadania, pois organiza o corpo de eleitores. O título eleitoral prova essa inscrição e o domicílio eleitoral, necessário para concorrer em uma determinada área.

A filiação partidária é o vínculo entre o cidadão e um partido político, sendo essencial para a candidatura, pois o sistema brasileiro não permite candidaturas independentes.

O pleno exercício dos direitos políticos exige o cumprimento de todas as obrigações eleitorais, como comprovado pela certidão de quitação eleitoral, que abrange vários aspectos como o regular exercício do voto e a ausência de multas eleitorais não pagas. Sobre isso vale destacar as hipóteses de suspensão ou perda dos direitos políticos. Vamos lá!

Perda e Suspensão dos Direitos Políticos

A Constituição Federal, em seu artigo 15, veda a cassação dos direitos políticos, caracterizada como uma ação promovida sem o devido processo legal ou motivada por razões ideológicas, filosóficas ou partidárias, com o intuito de silenciar a dissidência. A história do Brasil registra diversos episódios em que regimes de exceção retiraram a capacidade de expressão política oficial dos opositores, forçando-os a atuar de maneira oficiosa ou clandestina.

No entanto, os direitos políticos, conforme a Constituição de 1988, podem ser perdidos ou suspensos, diferenciando-se da cassação. A perda e a suspensão só podem ocorrer dentro dos limites estabelecidos pela própria Constituição (art. 15), que define critérios objetivos para tais medidas extremas. Diferentemente da cassação, que é baseada em motivos subjetivos e contrária aos princípios democráticos e republicanos, a perda e a suspensão de direitos políticos são aplicadas com base em fundamentos legítimos e gerais, não visando atingir indivíduos ou grupos específicos.

Hipóteses de Perda ou Suspensão

A Constituição permite a perda e a suspensão dos direitos políticos em situações específicas, previstas normativamente, e não dirigidas a indivíduos particulares. Veja-se o que diz o texto constitucional:

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:

I – cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;

II – incapacidade civil absoluta;

III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;

IV – recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5o, VIII;

V – improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.

Os incisos I e IV têm sido considerados como hipóteses de perda de direitos políticos, e os demais como de suspensão. Vamos analisar juntos essas hipóteses:

Cancelamento da Naturalização por Sentença Transitada em Julgado

Estrangeiros não podem ser eleitores, conforme o § 2º do art. 14 da CF. Assim, a perda da condição de brasileiro implica a exclusão do colégio eleitoral. A perda da nacionalidade ocorre com o cancelamento da naturalização, que pode resultar da opção por outra nacionalidade, salvo em casos de reconhecimento de nacionalidade originária ou imposição de naturalização para brasileiros residentes no exterior, conforme o art. 12, § 4º.

Embora o inciso I do art. 15 da Constituição mencione apenas a desconstituição judicial da naturalização como causa para a perda dos direitos políticos, o abandono voluntário da nacionalidade também resulta na mesma consequência. Essa interpretação sistêmica considera o conjunto normativo constitucional, superando possíveis imprecisões redacionais.

Incapacidade Civil Absoluta

Pessoas absolutamente incapazes de exercer atos da vida civil podem ter seus direitos políticos suspensos temporariamente, dependendo da natureza da incapacidade. Aqueles sob curatela, por decisão judicial, estão sujeitos à suspensão dos direitos políticos. Caso superem a condição que levou à interdição, readquirem imediatamente o direito de participar do processo eleitoral.

A relação entre capacidade civil e direitos políticos das pessoas com deficiência foi profundamente impactada pela Lei Brasileira de Inclusão (LBI), que alterou o artigo 3º do Código Civil. Agora, apenas menores de 16 anos são considerados absolutamente incapazes de exercer atos da vida civil, o que não se aplica mais às pessoas com deficiência. Essa mudança esvaziou o conteúdo do artigo 15, inciso II, da Constituição, assegurando o direito fundamental de votar e ser votado a todas as pessoas com deficiência.

Portanto, é essencial considerar o impacto imediato desta norma na suspensão dos direitos políticos devido à incapacidade civil absoluta.

Condenação Criminal Transitada em Julgado

Quando ocorre o trânsito em julgado de uma condenação criminal, além da suspensão dos direitos políticos, pode também resultar na perda de mandato público-eletivo. No entanto, é importante distinguir entre os mandatos do Poder Executivo (prefeito, governador e presidente da República) e os mandatos do Poder Legislativo (vereador, deputado e senador).

Para os ocupantes de mandatos executivos e vereadores, a condenação criminal transitada em julgado leva automaticamente à perda do mandato, sendo este um efeito secundário da sentença penal condenatória.

Por outro lado, para aqueles que detêm mandatos legislativos (deputados e senadores), a perda do mandato não é automática. Nesses casos, aplicam-se os artigos 15, III, e 55, VI, § 2º, da Constituição Federal. A decisão sobre a perda do mandato deve ser tomada pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de um partido político representado no Congresso Nacional, assegurando-se ampla defesa. Esta regra também se estende a deputados estaduais e distritais, conforme os artigos 27, § 1º, e 32, § 3º, da Constituição Federal. Assim, a perda do mandato não decorre diretamente da condenação judicial, mas de uma decisão da respectiva Casa Legislativa.

O artigo 92, I, do Código Penal, estabelece como efeito secundário da condenação a "perda de cargo, função pública ou mandato eletivo" quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; ou quando a pena privativa de liberdade for superior a quatro anos nos demais casos. Contudo, após a Constituição de 1988, este dispositivo penal não se aplica aos mandatos eletivos, pois o regime de suspensão e perda de mandato político-eletivo é determinado diretamente pela Constituição, notadamente nos artigos 15, III, 55, IV, VI, §§ 2º e 3º. Assim, a suspensão dos direitos políticos por condenação criminal transitada em julgado pode afetar o mandato.

Recusa em Cumprir Obrigações Legais ou Prestação Alternativa

Conforme o inciso VIII do artigo 5º da Constituição Federal:

Art. 5º [...]

VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.

O artigo 143, § 1º, da Constituição determina que as Forças Armadas atribuam serviço alternativo, na forma da lei, aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência, decorrente de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades essencialmente militares.

O § 2º do mesmo artigo dispõe que mulheres e eclesiásticos ficam isentos do serviço militar obrigatório em tempo de paz, mas estão sujeitos a outros encargos que a lei determinar.

A Lei nº 8.239, de 4 de outubro de 1991, regulamenta o artigo 143, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal, estabelecendo a prestação de Serviço Alternativo ao Serviço Militar Obrigatório.

Conforme os §§ 2º e 3º do artigo 3º desta lei, serviço alternativo refere-se ao exercício de atividades administrativas, assistenciais, filantrópicas ou produtivas, em substituição às atividades militares. Tais atividades devem ser realizadas em organizações militares ativas, órgãos de formação de reservas das Forças Armadas ou órgãos subordinados aos Ministérios Civis, mediante convênios entre estes e os Ministérios Militares, desde que haja interesse mútuo e que as aptidões do convocado sejam consideradas.

Improbidade Administrativa

O § 4º do artigo 37 da Constituição Federal estabelece que:

Art. 37 [...]

§ 4º Os atos de improbidade administrativa resultarão na suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao erário, conforme previsto em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
A Lei nº 8.429/1992 trata das sanções aplicáveis aos agentes públicos em casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na Administração pública direta, indireta ou fundacional.

A suspensão dos direitos políticos está explicitamente prevista no artigo 12, I a III, da Lei de Improbidade Administrativa, com aplicação escalonada de três a quatorze anos:

Art. 12. Independentemente do ressarcimento integral do dano patrimonial, se efetivo, e das sanções penais comuns e de responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:

I – na hipótese do artigo 9º desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 14 anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 14 anos;

II – na hipótese do artigo 10 desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 12 anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 12 anos;

III – na hipótese do artigo 11 desta Lei, pagamento de multa civil de até 24 vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 4 anos.

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determina que a suspensão dos direitos políticos ocorre apenas após o trânsito em julgado de sentença condenatória, conforme previsto no artigo 20 da Lei nº 8.429/1992. O § 9º do artigo 12 da Lei de Improbidade Administrativa, incluído pela Lei nº 14.230/2021, reforça que as sanções só podem ser executadas após o trânsito em julgado da sentença condenatória.

O Supremo Tribunal Federal (STF) analisou a Lei nº 14.230/2021 no julgamento do recurso extraordinário ARE 843.989, com repercussão geral, fixando as seguintes teses:

1. É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para tipificação de atos de improbidade administrativa, exigindo-se a presença de dolo.

2. A norma benéfica da Lei nº 14.230/2021, que revoga a modalidade culposa do ato de improbidade, é irretroativa, não incidindo sobre a eficácia da coisa julgada, nem durante o processo de execução das penas.

3. A nova Lei nº 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados sob a vigência do texto anterior, mas sem condenação transitada em julgado, devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente.

4. O novo regime prescricional previsto na Lei nº 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.

O TSE também decidiu que a sanção de suspensão dos direitos políticos por improbidade administrativa não possui natureza penal e depende de aplicação expressa e motivada pelo juízo competente, estando condicionada ao trânsito em julgado da sentença condenatória, conforme o artigo 20 da Lei nº 8.429/1992.

Além disso, a condenação de um candidato por ato de improbidade administrativa não gera inelegibilidade se a sentença não impuser expressamente a suspensão dos direitos políticos.

*ALEXANDRE GUIMARÃES MELATTI












-Advogado, graduado em Direito pela Universidade Norte do Paraná/PR (2013);

-Pós-graduado em Direito do Estado pela Universidade Estadual de Londrina/PR(2015);

-Mestrado em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina (2020) e

Professor de Direito Administrativo e Direito Constitucional na Cogna Educação, na Anhanguera e na Universidade Estadual de Londrina

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