sábado, 6 de fevereiro de 2021

O Emburrecimento da Humanidade e a Falta de Juízo Rumo ao Fim


 Autor: Luiz Eduardo Corrêa Lima(*)


Atualmente ter algum conhecimento acima da média, embora ainda não seja considerado crime e nem pecado, certamente já é algo desinteressante ou, pelo menos, pouco desestimulante e constrangedor. Se você demonstra que sabe alguma coisa numa determinada área já lhe tacham como um sujeito presunçoso, que pensa ser uma "enciclopédia ambulante". Hoje saber sobre algo não parece ser uma coisa boa. E como foi que chegamos nesse lamentável nível?

Bem existem várias maneiras de tentar explicar a questão, mas vou ser bastante direto e resumir tudo numa única frase. Hoje, o que vale é a capacidade que o indivíduo tem de fazer alguma coisa. Não importa quem ou o  quê seja ele, desde que ele se disponha a assumir uma determinada tarefa, com o sem conhecimento, ele tem utilidade à sociedade. Na verdade, sempre foi assim, mas antes, se colocavam níveis de diversidade e esses níveis eram baseados no conhecimento. Hoje, o conhecimento é o que menos importa.

Assim, se o indivíduo faz alguma coisa. Não precisa saber exatamente o que é essa coisa, basta fazê-la, que esse indivíduo terá o seu espaço como ator social garantido. Se o espaço é bom ou ruim é outra questão, mas existe a garantia desse espaço. É tudo muito simples, mecânico e automático. Se faz serve e se pensa não serve. Por conta disso, temos presenciado um progressivo emburrecimento intelectual coletivo da humanidade. Pior é que tem muita gente acreditando que esse é um bom negócio.

As escolas, principalmente as Instituições de Ensino Superior – IES, deixaram de ser centros formadores de pessoas e passaram a ser "grande linhas de montagens de robôs". Estudantes viraram autômatos ou simulacros de seres humanos. Os simples e importantíssimos atos de pensar e refletir não tem mais sentido e nem significância na escola, mormente a partir da Pandemia do COVID 19, e muito menos nas diferentes atividades das vidas humanas.

Acabaram a poesia, o belo, o amor e o lirismo. Agora é na base do "fazejamento" sem entendimento. Se até existe planejamento da ação, esse planejamento se apoia no para quê e no como, mas não considera importante o porquê e nem considera saber ou se preocupar com ele. O conhecimento perdeu a importância e o sujeito culto em alguma área chega quase a ser pecaminoso, além de chato e fica numa situação vexatória.

Há uma total inversão de valores. Assim, se o sujeito faz alguma coisa ele já é bom, mas se esse sujeito é apenas bom, então ele não presta, porque não serve à sociedade. É como se servir à sociedade fosse apenas fazer algo concreto para ela, como prestar um favor qualquer. O fazer simplesmente superou o ser, que já havia sido superado também pelo ter. Em suma a pessoa hoje está em terceiro lugar, depois da coisa e do custo. Que espécie de homem estamos produzindo? Que sociedade construímos?

A vida humana perde importância e cada vez mais o ser humano conhece menos de outro ser humano. Não existe fraternidade efetiva entre os seres humanos. Ou seja, a humanidade caminha a passos largos para o fim, nesse mundo estranho e desconexo que estamos estabelecendo. A lógica do mundo atual diz, mais ou menos, assim: "o novo (moderno e tecnológico) tudo pode e faz, enquanto o velho (antigo e detalhado) que se dane, porque só faz o que pode, sem transcender a lógica do conhecimento".

Ora, quem vai contar a história que está dentro do computador? Alguns dirão: o próprio computador, mas isso é falso, porque o computador apenas guarda a informação. O computador não fala e não questiona, ao contrário, ele só responde às perguntas. Alguém já disse, responder é fácil, difícil é fazer perguntas. Pois então, ficarão faltando as perguntas, porque os novos não pensam e certamente isso não é uma incapacidade ou um defeito natural, é apenas um modismo, um mal jeito da nossa sociedade deturpada, que deu ao jovem muito poder, antes de lhe cobrar qualquer dever. É sabido que o excesso de liberdade traz preguiça, ociosidade e libertinagem. Onde vamos parar?

A vida humana atual, se resume em "trabalhar" (produzir) e "brincar" (divertir). Não há mais reflexão e nem contemplação. A felicidade tão sonhada pelos "velhos" é apenas mais um produto que sai da linha de montagem e que se consome muito rapidamente. Sonhos são violências mentais que precisam ser reprimidos, numa realidade sempre mentirosa de que a imagem da pessoa é sempre mais que a própria pessoa. A coisa que eu faço (represento) é mais importante que aquilo que eu sou, isto é, o personagem suplanta o ator.

Aliás, cumpre lembrar, imagem é tudo nessa sociedade fotográfica, cinematográfica e visual que hoje vivemos. Não importa a canalhice, pois o importante é manter a boa imagem. Ninguém quer efetivamente saber de nada, além daquilo que possa lhe trazer alguma vantagem mercantil imediata e ilusória. O ser humano virou migalha do egoísmo e trabalha ativamente para que essa migalha vire pó e que desapareça no ar como fumaça. O ser humano é cada vez mais desumano.

Desde que o sujeito faça alguma coisa "útil" para si próprio e para o seu grupo de interesse, ele pode tudo. Ninguém precisa e nem deve pensar e refletir sobre aa sociedade atual, basta fazer e continuar sempre fazendo aquilo que lhe mantém na condição, de acordo com os interesses próximos. Já viramos máquinas de traquinagem e embustice há muito tempo.

O maior problema é que a educação e os educadores também estão nessa situação de picaretas de plantão ao desserviço da sociedade, alguns por descrédito, outros por conivência e outros ainda por isonomia ou por quaisquer ideais sociais infelizes e impraticáveis dentro da condição fraterna que deveria existir entre seres humanos. Infelizmente, a escola, mormente as IESs, como já foi dito, mas que precisa ser ressaltado, está progressivamente deixando de preparar seres humanos (pessoas) e ninguém quer perceber esse fato.

Uma máscara imaginária cobriu o rosto de todos e a capa do super-homem fez com que o ser humano ligado à educação, queira ser apenas um super herói de si mesmo, sem caráter e sem causa social comum. Ou seja, e escola hoje é um arremedo do herói que historicamente foi e que deveria continuar sendo. A escola deveria ser a fonte de resistência da boa conduta social e não o avesso disso, como tem acontecido ultimamente.

Muitas escolas viraram balcões de negócios para alguns e espaços de arbitrariedades para outros, quando deveriam ser centros de prosperidade e integridade para todos. Voluntarismo, benemerência, filantropia, que foram palavras costumeiras nas escolas, hoje, salvo raras e insignes exceções, só são encontradas nos dicionários, que ninguém mais lê e quando lê se assusta, porque não conseguem conceber os seus significados. Onde vamos parar?

Nesse exato momento, vivemos numa Pandemia, onde milhões de pessoas já morreram pelo mundo afora, mas a grande maioria dos "seres humanos" não está nem aí e continua brincando com a vida e com a sociedade, como se tudo fosse muito simples e burlescamente divertido. O natural se confunde com a vulgar e o trivial com o ordinário. Nesse mundo da imagem fotográfica, a vida humana é apenas um mero detalhe perdido na história, onde o que vale é a artificialidade e a necessidade de aparecer sempre mais, para agradar o ego e a alguns afetos e interessados.

Os poderosos brincam com a população que se deleita ou se perde em falsas notícias de soluções mágicas e muito duvidosas. Como consolo, muitos ainda dizem, para reforçar a crença, "tudo bem, a vida é assim mesmo e se eu não morrer, chego lá". Mas, onde fica lá? Isso ninguém sabe e nem explica! Na verdade, não existe rumo de viagem e nem porto de chegada.

Não há esperança, além do não morrer ou do morrer mais tarde possível. Viver é uma simples questão cotidiana ilógica e impensada desse ser humano indolente e cada vez mais frio e menos humano. A realidade mais dolorosa já não causa dor nenhuma, nesse infeliz e aí ele diz: "amanhã, se eu ainda estiver vivo e tiver condições, vou pensar em fazer alguma coisa pela sociedade, mas hoje eu só quero trabalhar, ganhar dinheiro e me divertir". É triste, mas esse ser existe e ele é fisicamente semelhante a qualquer outro ser humano. Entretanto, falta-lhe exatamente a humanidade. Não há nenhum projeto, além do hoje e do agora.

Que os "velhos" pudessem pensar assim, eu até entendo, porque a maioria deles já viveu bastante. Esses "velhos" já fizeram suas histórias, contaram outras e certamente já deram a sua colaboração à sociedade de várias maneiras. Mas, os "jovens" necessitam agir de maneira diferente. No entanto, são exatamente os "jovens" que estão agindo como "velhos" nesse mundo incoerente e insano que só emburrece e se torna insistentemente mais desumano.

São "jovens" que estão destinados a permanecer nesse mundo sem história e sem sentido. Ou melhor, são "jovens", que embora conheçam as escolas, estão totalmente desorientados na vida e cujo único objetivo é o próprio umbigo, ou, quando muito algum umbigo próximo e comum. Todos esqueceram e apagaram o que já existe e criam outra realidade a partir do nada, como se o passado, mesmo o deles, nunca tivesse existido. Entendem o futuro como uma simples continuidade contingencial do presente, que não precisa de nenhuma programação.

Não há sonhos e nem planos, existe apenas conformidade de que tudo vai acabar mesmo, dentro de um niilismo tão profundo que assustaria o próprio  Nietzsche. Então, para esses "jovens" não há nenhuma coerência e nem faz sentido pensar no bem, pois a morte é certamente o único sentido da vida. E Deus e a religiosidade, onde ficam nessa história? Infelizmente, Deus também é só mais um detalhe insignificante e quase desprezível para a grande maioria.

Nem Deus e nem as religiões têm conseguido mudar o caos, haja vista que mesmo nessas questões religiosas, apenas dois lados atuam significativamente: os fanáticos e os descrentes, que agem de maneira a manter a condição imperante. Por outro lado, a grande maioria, que transita entre os dois extremos citados, simplesmente não se envolve, possivelmente, porque em algum momento da história, alguém disse: "religião não se discute". Os "jovens" estão perdidos e ainda não sabem, porque eles acreditam piamente que estão bem, permanecendo longe da discussão religiosa.

Meus amigos, como disse, aparentemente estamos caminhando para o fim e voltando ao caos. Quer dizer, está parecendo que o juízo final será semelhante ao caos inicial. A pandemia do COVID 19 resplandeceu a ironia de Voltaire e todo mundo está podendo dizer e fazer o que quiser numa desordem generalizada. O mundo emburrece, muita gente diz coisas, mas ninguém está fazendo realmente nada para mudar esse quadro lamentável. Ou a humanidade reencontra o fio da história e começa a agir em prol da recuperação dos verdadeiros valores humanos ou o juízo final está mais próximo do que muitos podem pensar.

* LUIZ EDUARDO CORRÊA LIMA












- Professor de biologia;
- Escritor e palestrante

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Aquarela Brasileira além do sonho genial!



Autora: Marilsa Prescinoti(*)


 

Um Brasil Dividido!

226 mil mortos e contando!

Uma seita formada e se formando!

Um Executivo submetendo!

Um Legislativo submetido!

 

Nesta aquarela pálida:

O vermelho apagado da extrema esquerda se confunde com o verde amarelo desbotado da extrema direita, virulentos na forma, na ação e no modus operandi; não faltou o opaco indefinido que nada serve, agrada ou corresponde.
 
Na prática são mais de 226 mil mortos, vacinação atrasada, politizada, negada e só no grito alcançada; a saúde, em plena pandemia, a mercê do negacionismo que se reflete em inação, ingerência e morte. 

Sistema de saúde comprometido em muitos Estados e Municípios; um Presidente da República que desfila indiferente em total falta de empatia e respeito. 

Ministério da Saúde incompetente, no comando da pasta, a servir um soldado tresloucado; temos um general que só reage. 

Desemprego crescendo, miséria aumentando, um Brasil submetido. Falta projeto de País, sobra arroubos fantasiosos do Paulo Guedes. 

Brasil no balcão de negócios elegeu os candidatos do Planalto para presidência das duas casas do Legislativo. Para comandar a Câmara, o Arthur Lira do Centrão fisiológico, que já foi preso, condenado em primeira instancia por corrupção, réu e investigado em outros processos.

Para presidir a mais importante Comissão da Câmara, a CCJ, o nome mais cotado é de uma deputada bolsonarista investigada pelo STF por atuar contra a democracia; uma deputada sem compromisso com a verdade, conhecida como rainha das fakes nas redes sociais. Uma mulher pública que se presta a ensinar como burlar a medida sanitária para uso de máscaras em franco escárnio a seriedade e compostura que cargo exigiria.

Ainda não sabemos se o presidente tem o Centrão ou se o Centrão tem o presidente. Mas é fato que o baixo clero, o baixo nível e a vassalagem chegaram ao topo no Executivo e Legislativo, esbanjando dinheiro público, esbanjando falta de decoro e vergonha na cara. O toma lá da cá é anunciado em versos e prosas. A culpa é sua, que se ajoelha servil a tudo isso "senão o PT volta"; a culpa é sua, que se ajoelha a tudo isso, recitando o passado pela falta de vergonha na cara do presente. A culpa é sua, que ao se ajoelhar a isso, perde o horizonte e se curva ao obscurantismo.
 
Oposição partidária a isso tudo não temos. Só um amontoado de gente com mandato tentando levar alguma vantagem e, com sorte, não contrariar a fúria vingativa do senhor dos cofres e da ABIN paralela. Sabe como são as coisas... não é bom provocar.
 
Oposição da sociedade, em plena pandemia, se resume algumas milhares de pessoas que não perderam a coerência nem os princípios republicanos e democráticos; alguns setores da imprensa que se mantiveram no jornalismo profissional e sofrem ataques diários do totalitarismo que não admite ser contrariado. Fora isso, sobra servilismo e falta de vergonha.

Neste cenário começa os próximos dois anos do presidente eleito para acabar com o "sistema"; o homem que iria acabar com o toma lá da cá, mas que tomou de assalto as verbas parlamentares para fazer valer seus interesses.

O presidente eleito, que jurou proteger a Lava Jato e o combate a corrução, tem como prioridade livrar a cara da família e de amigos implicados com a justiça. E vai além com a escolha de Augusto Aras pra a PGR bancou o assassinato da Lava Jato uma das maiores operações de combate a corrupção do País, agradando muita gente com mandato. A Lava Jato sucumbiu pelos seus acertos e não pelo seus erros. Mas é fato que o maior tropeço da operação foi criminalizar a politica fora dos autos. Mas não só a Lava Jato sucumbiu, outras grandes operações de combate a corrupção foram vergonhosamente esvaziadas. "Acabei com a Lava Jato porque não tem mais corrupção no Governo" (bradou Bolsonaro, o algoz)

Bolsonaro de fato está acabando com algumas coisas na República, inclusive com o respeito e liturgia do cargo que ocupa.

É alguém corroendo o respeito as Instituições, colocando em xeque a credibilidade de órgãos respeitados e confiáveis quando afirma, sem nenhum constrangimento, que vai interferir na PF para saber o que acontece com seus amigos e familiares; quando avança sobre o Estado para abrigar aliados e militares de alta patente e baixo resultado. Quando indica para Anvisa o Almirante que desfila sem máscaras; seu alinhamento com o negacionismo mortal do presidente (felizmente neste, o corpo técnico se impôs). 

É alguém acabando com a independência do órgão, quando exonera cientista renomado mundialmente do Impe porque não gostou da realidade apresentada pelo satélite; quando exonera o funcionário que lhe aplicou uma multa indigesta, por irregularidade, que nem pagou, 10 anos atrás. 

Bolsonaro acaba com um resquício de vergonha e pudor, quando transforma a antiga e inútil TV Lula que prometeu fechar, na milionária TV Bolsonaro, tão inútil quanto. Quando avança sobre as estruturas do Estado para servir aos interesses ideológicos, pessoais e de seu grupo político.

Bolsonaro é alguém avançando sobre a estruturas do Estado para acabar com o trabalho técnico, para acabar com as divergências de opinião; é alguém avançando sobre o Estado para impor o pensamento único de obediência servil ao personalismo do presidente.

A Fundação Alexandre de Gusmão, órgão de pesquisa e divulgação do Itamaraty, ser transformada em escola doutrinária inspirada nos "ensinamentos" de Olavo de Carvalho é um bom exemplo.

Eu, por aqui, não confio nas intenções de um presidente da República que cultua o personalismo, que avança sobre Instituições de Estado, que não respeita a ciência, que não respeita o ente Federativo. Não confio em alguém que avança com benesses, favorecimento para cima das forças de segurança nacional; não confio em um presidente que flerta com o totalitarismo ao mesmo tempo que trabalha fortemente para armar a população e atua deliberadamente para dificultar rastreamento de armas e munições. Não confio em um presidente com ligação estreitas e elogiosas com milícias e milicianos, enquanto submete generais bem pagos às ordens de um soldado que saiu do Exército pela portas dos fundos, para se tornar um capitão politiqueiro.
 
Bolsonaro é alguém acabando com a grandeza da instituição da Presidência da República quando ataca virulentamente a imprensa profissional, para dar um show de cinismo, boçalidade, deboche e desrespeito a sociedade, na República da cercadinho (muito bem apelidado por Otávio Guedes).

Bolsonaro apequena o Executivo quando avança sobre órgão de Estado como sendo extensão particular dos interesses da família.

Neste cenário corrosivo, de desmonte dos órgãos de controle, de passos largos rumo ao totalitarismo, neste regozijo do bestial, tosco e do obscurantismo que alcançou o alto comando do País é que precisamos, enquanto sociedade, nos levantar em defesa do princípios democráticos e republicanos.

Em 2022 teremos mais uma oportunidade, enquanto sociedade e classe política, de aprender com os erros de 2018, quando homens sérios, comprometidos com resultados, foram defenestrados nas urnas pelos extremos populistas; em parte pela desunião de cada qual defender seus próprios interesses.  

Os homens passam, as Instituições devem permanecer. É nosso dever enquanto sociedade defende-las dos tiranos, dos tresloucados, dos canalhas, dos usurpadores, dos genocidas. Somos presas fáceis de populistas, oportunistas e inescrupulosos, todos eleitos a imagem e semelhança do povo. Ainda tenho esperança que um dia chegarem a ser, verdadeiramente, uma Nação.


*MARILSA PRESCINOTI 

REVISÃO de MARESSA FERNANDES













De acordo com suas próprias palavras:
-Administradora de empresa, blogueira e twiteira,
politicamente engajada, esposa, mãe e cidadã comum.

Nota do Editor:

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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Reflexões sobre Filiação

 Autor: Sergio Luiz Pereira Leite(*)

Nossa legislação civil foi recentemente modificada. Com a edição da Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002, que veio a substituir o Código Civil de 1916, que teve sua vigência por quase um século.

Se considerarmos a dinâmica social nesse último século, poderemos constatar a imensa variedade de situações que tomaram rumos absolutamente opostos ao daquele tempo.

Sobre o tema filiação o Código derrogado previa hipóteses que hoje nem se cogitam, como, vg, a expressão " filhos legítimos". A Constituição de 1988 veio trazer, com cores ainda mais berrantes, a necessidade de se adequar a lei civil à realidade brasileira. E assim se fez, não com remendos ao texto anterior, mas sim através de um conselho de notáveis que se debruçou sobre isso e fez criar a novo Codex substantivo brasileiro.

Porque não havia outra forma mais adequada, a não ser refazer, com as necessárias adequações, o texto legal. E existem artigos na nova legislação sem qualquer correspondência com a anterior, porque realmente algo de novo veio a lume.

Não podemos nos esquecer que o Código Civil de 1916 tratava de uma sociedade patriarcal, onde a condição feminina não permitia voto, a vontade da mulher carecia da anuência marital e outras situações que hoje nem mesmo acreditamos que fossem possíveis.

Dissemos, alhueres, que o Brasil de 1916 era uma sociedade baseada na agricultura, basicamente nas lavouras de café e de cana de açúcar. Também não haviam transcorrido 30 anos da Abolição da Escravatura onde a mão de obra barata dos escravos não mais existia.

E esse código derrogado resistiu a inúmeros textos constitucionais, mas não ao de 1988, que trouxe para a sociedade de então, recentemente livre do regime militar, uma tônica mais realista e atual aos direitos fundamentais de seus cidadãos.

Voltando ao tema, antes dessa constituição, os brasileiros tinham filhos legítimos e não legítimos, estes muitas vezes fruto de relações adulterinas entre o senhor e suas escravas, que eram criados pelo pai como bastardos.

Em boa hora tivemos, no texto constitucional e na lei civil, a unicidade sem distinção das relações de parentesco, como sendo os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por doção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

O artigo 1.596 acima mencionado, foi redigido para se conformar com a norma constitucional (§ 6º do artigo 227). Aliás, foi apenas reproduzido. Dessa maneira, não mais haviam distinções entre os filhos, havidos eles ou não de uma relação de casamento.

O texto constitucional em vigor habilita-se a consagrar o princípio da isonomia entre os filhos, ao pretender estabelecer um novo perfil na filiação, de completa igualdade entre todas as antigas classes sociais de perfilhação, trazendo a prole para um único e idêntico degrau de tratamento, e ao tentar derrogar quaisquer disposições legais que ainda ousassem ordenar em sentido contrário para diferenciar a descendência dos pais. Qualquer movimento de distinção dos filhos representaria, como diz Luiz Edson Fachin, um passo na contramão do Estatuto, cuja gênese impõe um tratamento unitário aos filhos credores de proteção integral contra quaisquer designações discriminatórias.

Como preleciona Rolf Madaleno, deveriam desaparecer da legislação brasileira a distinção discriminatória, com a equalização constitucional da filiação, espancados os conceitos espúrios de filiação legítima e ilegítima, quando a sorte dos filhos dependia do vínculo matrimonial dos seus pais.

Dessa maneira, tendo a Carta Federal de 1988 recepcionado o princípio único da dignidade da pessoa humana, de nova dimensão social e jurídica, inclusive sob a sua concepção cultural, para também amparar, ao menos por ora apenas na versão doutrinária e jurisprudencial, a filiação da afeição e não apenas a da verdade biológica.

O artigo 20 do Estatuto da Criança e do Adolescente, embora reconheça que os filhos havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, têm os mesmos direitos e qualificações, ficando proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação, ainda assim não desapareceu totalmente o preconceito social, pois continuam esses dispositivos mantendo uma classificação de acordo com o caráter matrimonial ou extramatrimonial da filiação, ou se a perfilhação advém dos vínculos de adoção.

Portanto, segue existindo uma clara distinção entre filhos conjugais e extraconjugais, cujas qualificações diferenciadas subsistem no texto legal e estão longe de apenas balizar diferentes realidades fáticas, pois até pouco tempo, ainda antes do advento da Lei n. 13.112/2015, que permitiu à mulher em igualdade de condições, proceder ao registro de nascimento do filho, dispensando a autorização do pai, continuavam sendo privilegiados pela presunção de paternidade os filhos do casamento, cujo benefício do registro materno não gozavam os filhos das relações extramatrimoniais, pois estes ainda dependiam do comparecimento do pai no ato registral, ou de seu expresso reconhecimento parental, nos termos do artigo 1.609 do Código Civil.

A criança nascida durante o casamento é presumida como filha do marido, razão pela qual a mulher casada podia comparecer sozinha para registrar seu filho, constando do assento de nascimento o nome do seu marido que a lei presume, por força da coabitação matrimonial, que seja o pai da criança.

Para êxito do registro materno da filiação conjugal, a esposa deveria exibir a certidão de casamento atualizada que comprovasse a existência do vínculo conjugal à época do nascimento da criança, ou, então, que o infante nasceu antes de completados trezentos dias da dissolução da sociedade conjugal.

Também existe presunção de paternidade na procriação medicamente assistida heteróloga, onde o material genético é doado por terceiro, com expressa autorização do marido ou companheiro para que sua esposa ou companheira seja com ele fecundada, nesta hipótese o pai da criança será o marido e não o doador, sobrepondo-se a verdade registral ou socioafetiva sobre a verdade biológica.

Julie Cristine Delinski bem identifica uma nova estrutura da família brasileira que passa a dar maior importância aos laços afetivos, e aduz já não ser suficiente a descendência genética, ou civil, sendo fundamental para a família atual a integração dos pais e filhos através do sublime sentimento da afeição.

Acresce possuírem a paternidade e a maternidade um significado mais profundo do que a verdade biológica, onde o zelo, o amor filial e a natural dedicação ao filho revelam uma verdade afetiva, um vínculo de filiação construído pelo livre-desejo de atuar em interação entre pai, mãe e filho do coração, formando verdadeiros laços de afeto, nem sempre presentes na filiação biológica, até porque a filiação real não é a biológica, e sim cultural, fruto dos vínculos e das relações de sentimento cultivados durante a convivência com a criança e o adolescente.

Essa é a coerente visão defendida por José Bernardo Ramos Boeira quando menciona que: "A própria modificação na concepção jurídica de família conduz, necessariamente, a uma alteração na ordem jurídica da filiação, em que a paternidade socioafetiva deverá ocupar posição de destaque, sobretudo para solução de conflitos de paternidade."

Não obstante a codificação em vigor não reconheça a filiação socioafetiva, inquestionavelmente a jurisprudência dos pretórios brasileiros vem paulatina e reiteradamente prestigiando a prevalência da chamada posse do estado de filho, representando em essência o substrato fático da verdadeira e única filiação, sustentada no amor e no desejo de ser pai ou de ser mãe, em suma, de estabelecer espontaneamente os vínculos da cristalina relação filial.

A noção de posse do estado de filho vem recebendo abrigo nas reformas do direito comparado, o qual não estabelece os vínculos parentais com o nascimento, mas sim na vontade de ser genitor, e esse desejo é sedimentado no terreno da afetividade, e põe em xeque tanto a verdade jurídica como a certeza científica no estabelecimento da filiação.

O real valor jurídico está na verdade afetiva e jamais sustentada na ascendência genética, porque essa, quando desligada do afeto e da convivência, apenas representa um efeito da natureza, quase sempre fruto de um indesejado acaso, obra de um indesejado descuido e da pronta rejeição. Não podem ser considerados genitores pessoas que nunca quiseram exercer as funções de pai ou de mãe, e sob todos os modos e ações se desvinculam dos efeitos sociais, morais, pessoais e materiais da relação natural de filiação.

A filiação consanguínea deve coexistir com o vínculo afetivo, pois com ele se completa a relação parental. Não há como aceitar uma relação de filiação apenas biológica sem ser afetiva, externada quando o filho é acolhido pelos pais que assumem plenamente suas funções inerentes ao poder familiar e reguladas pelos artigos 1.634 e 1.690 do Código Civil.

Mas não deixará de ser genitor aquele ascendente com temperamento mais frio, menos afetuoso e mais distanciado por decorrência de sua personalidade, fruto da construção de seu caráter e do ambiente de desenvolvimento de sua educação e formação familiar, mas que não deixou de se fazer presente na vida, direção, criação e educação do filho.

Em contrapartida, não pode ser considerado genitor o ascendente biológico da mera concepção, tão só porque forneceu o material genético para o nascimento do filho que nunca desejou criar e pelo qual nunca zelou.

Lembra Maria Berenice Dias existir um viés ético na consagração da filiação socioafetiva, a qual tem servido de fundamento para vedar as tentativas processuais de desconstituição do registro de nascimento, quando de forma espontânea uma pessoa registra como seu filho alguém que sabe não ser o pai consanguíneo, na chamada adoção à brasileira.

Muitas páginas poderiam adensar este ensaio, mas o aqui refletivo demonstra que, paulatinamente, nossas leis vão se atualizando e evoluindo com o conceito de filiação. Mesmo nos casos em que, muitas vezes, não se concorde.

*SERGIO LUIZ PEREIRA LEITE





-Advogado militante nas áreas cível e criminal na Comarca de Tietê, Estado de São Paulo.

 Nota do Editor:

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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Transformação Digital e o CDC frente a LGPD


 Autora: Silvana Cristina Cavalcanti de Lima(*)


O panorama de que a Lei Geral de Proteção de dados (Lei nº 13.709 de 14 de agosto de 2018 – disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm) seria um avanço ao Código do Consumidor? Ou pode ressignificar a utilização irresponsável ou ainda descontrolada destes dados... uma reflexão...

Diretrizes implantadas na referida Lei de Proteção aos dados – Lei que se inspirou nas diretrizes Europeias, vêm com o objetivo ousado de trazer maior assertividade, ética e responsabilidade efetiva nos metadados divulgados.

Apesar dos consumidores serem os principais interessados na autorização de sua publicização e, por conseguinte sua divulgação, o consumidor deseja ver seu produto chegar em suas mãos, sua conta bancária ser aberta, e seu livro preferido na cabeceira de sua cama; o seu exame de saúde disponibilizado, e de preferência com o resultado que se espera dele.

Nenhum consumidor se dá ao trabalho de pensar o que estaria por trás na telinha do notebook ou celular quando clica "ok" ou "concordo" ...

Na verdade, seus dados percorrerão infinitos algoritmos e vão parar em algum lugar... como aquela formiguinha de aparelho na floresta de nossa infância... Desde a geolocalização, até uma simples pesquisa de dados... ou ainda uma conversa secreta com o microfone ligado... tudo estará em algum lugar... conectado a um mundo invisível e fios e cabos ópticos... no fundo do mar... e alguém ou algum robô os acessará...

Determinados seguimentos pagam verdadeiras fortunas por big datas... e o interessante é que o assunto parece segredo... é velado... como se houvesse um mistério a ser desvendado, além da ilha "wi fi". Big Data é o termo em Tecnologia da Informação (TI) que trata sobre grandes conjuntos de dados que precisam ser processados e armazenados ...

Por outro lado, cabe ao observador do dado, a utilização da ética digital, que certamente mitigará as forças destrutivas da segurança cibernética. E é por esta razão que os principais setores da economia estão preocupados com qualquer incidente que possa colocar em xeque a proteção de dados e a segurança física de suas informações. Exatamente o que temos acompanhado ultimamente, em todo o mundo.

Somos bilhões de usuários conectados a inteligência artificial produzindo um número infinito de dados, e ninguém sabe, ao certo para onde todas estas informações vão parar...

É preciso confiar para que possamos inserir o número de um CPF em um site de compra, ou ainda enviar a fotografia para um aplicativo de banco...

Tal confiança, de certo que gera responsabilidade. Responsabilidade de quem insere seus dados e responsabilidade ainda maior daquele que colhe os dados... os resguarda e previne ameaças pelos mal intencionados – os chamados crackers acordados na "deep web".

Ao contrário dos hackers, os crackers são técnicos de amplo conhecimento e entendimento tecnológico, capazes de destruir os sistemas de segurança da computação com práticas ilícitas, causando prejuízos incomensuráveis a toda sociedade.
Aos consumidores, resta não apenas clicar naquele quadradinho "CONCORDO". E aos que irão arquivar os dados, também não pode haver linguagem rebuscada e longa, cheia de termos técnicos... porque de certo que ninguém lê ... e é aí que se forma o buraco negro.

Deve haver paciência do consumidor em ler aquilo que está na tela, se vai ou não aceitar que seus dados sejam divulgados a terceiros, através dos chamados "cookies" e se ainda podem estes dados serem compartilhados totalmente ou parcialmente para sites de propaganda ou ainda em pesquisas.

Daí a importância da identificação digital segura, tanto para o consumidor, como para o fornecedor do produto ou do serviço.

O cientista Rodrigo Cavalcante em seu artigo e-book "Cibernética Jurídica: estudo sobre o direito digital", faz um alerta "Devemos festejar a evolução do direito digital com suas novas normas, mas interpretá-las de acordo com a finalidade maior que vem a ser a proteção às relações jurídicas sem impedir que as mesmas ocorram sem resguardo jurídico em âmbito privado ou Público."

Veículos e drones absolutamente autônomos estão entre nossa realidade e fazem parte do desenvolvimento natural da sociedade. Já é possível que um veículo, utilizando a geolocalização, vá até a lavanderia apanhar as roupas, ou ainda buscar as crianças na escola... há robôs que ao simples comando da voz deixam o piso aquecido, o ar-condicionado ligado e repõem o estoque de cerveja na geladeira... tudo isto já é perfeitamente possível no mundo digital.

Se por um lado a internet transmite dados de um certo dispositivo para outro, a inteligência artificial faz com que determinado dispositivo intérprete tais dados e assim dê sequência aos meta dados coletados, traduzindo-se em maior assertividade.

A Lei Geral de Proteção de dados, longe de ser uma realidade em todos os setores, aos poucos vai se mostrando indispensável para organizar este fluxo ... de modo que possa ser aplicada concomitantemente a Responsabilidade Civil prevista no código consumerista, é obrigação não apenas das empresas, mas também de toda a sociedade.

As empresas têm se mostrado respectivas e preocupadas em resguardar ao máximo os dados de seus consumidores. Prova disto é constante – inclusive com o envolvimento do Governo Federal que criou a ANPD, Autoridade máxima em dados digitais, justamente para que as empresas detentoras destes dados, possam gerir providências e angariar diretrizes necessárias a proteção do consumidor e a sua própria segurança digital.

A discussão da LGPD decorre da verificação da necessidade de disciplinar a coleta e o tratamento de dados pessoais no Brasil. A utilização destes dados, sem dúvida é FATO SOCIAL – ECONÔMICO.

Na coleta dos dados pessoais, os direitos devem estar garantidos, assim como a responsabilidade civil pela violação destes direitos.

Diversas ações governamentais e empresariais estão na pasta do Consumidor ... e a web sabe disto.... Falaremos mais sobre este interessante assunto, em nosso próximo Artigo.

 *SILVANA CRISTINA CAVALCANTI DE LIMA













- Advogada  e administradora de empresas. CLO - Chief Legal Officer;
-Especialista em LGPD, Legal Menthoring, parecista e palestrante, iniciando sua certificação em Master DPO.
Contatos pelo Whats app 11 9 6136-1216. 
Seu escritório conta com Patners nos setores da saúde, finanças e educação. 
E-mail com dúvidas para cavalcantiadv@aasp.org.br

Nota do Editor:

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terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

O acesso de migrantes e refugiados à Seguridade Social


 Autor: Alexandre Triches(*)


Com o incremento do número de migrantes acolhidos pelo Brasil nos últimos anos, oriundos de países em crise humanitária ou econômica, como o Haiti, a Venezuela e a Síria, o convívio de estrangeiros entre os brasileiros se tornou uma realidade.

Considerando que na condição de residente no país, mesmo que aguardando análise de sua condição jurídica, o solicitante de refúgio ou acolhida humanitária pode viver no Brasil de forma regular, possui também o direito de acessar as políticas públicas da previdência, da assistência e do sistema de saúde.

No âmbito da previdência, uma vez exercendo atividade remunerada formal no país, tem o refugiado direito ao seguro social, que compreende as prestações por incapacidade, aposentadorias e demais auxílios. No âmbito trabalhista terá direito a seguro-desemprego e a tratamento igualitário aos nacionais.

Inclusive, na condição de repatriado (retorno ao seu país de origem) ou reassentado (migração para outro país que não o seu de origem) deverá ter sua condição previdenciária aproveitada, no caso de existência de acordo internacional a regular o tempo de contribuição entre o Brasil e o novo destino.

Os estrangeiros residentes no país têm direito a rede de proteção do sistema único de assistência social. A rede tem atuação preventiva e reparatórias por meio do centro de referências em assistência social - CRAS e do CREAS, os centros especializados para população em situação de rua, os centros de referências para pessoa com deficiência e as unidades de acolhimento.

O estrangeiro que esteja deficiente ou idoso com 65 ou mais e possua renda per capita familiar não superior a um quarto do salário mínimo, tem direito ao benefício de prestação continuada da LOAS. Trata-se de prestação mensal, que deve ser solicitada no INSS e que vise à redução dos riscos de miserabilidade do migrante.

Por fim, cumpre anotar que a saúde é direito de todos, sem qualquer distinção, de modo que o atendimento médico, preventivo ou reparatório, com internações, procedimentos cirúrgicos e tratamentos complexos, podem ser realizados por estrangeiros residentes no Brasil.

A condição de refugiado é reconhecida pelas leis internacionais desde o ano de 1951, por meio de Convenção da ONU sobre refugiados, a qual, posteriormente, foi atualizada pelo Protocolo de 1967 e pela Declaração de Cartagena de 1984. O Brasil é signatário de todos as normas.

No âmbito do Brasil, a Lei de Refúgio e a Lei de Migração são consideradas referencias internacionais e têm possibilitado gerir de forma humanitária a vinda de refugiados ao Brasil. O texto constitucional é enfático na igualdade das pessoas perante à lei, na universalidade das políticas de seguridade social e na promoção da dignidade da pessoa humana. Por isso, devem ser invocadas perante os órgãos públicos, na formatação das políticas públicas e na defesa dos direitos dos refugiados perante a justiça brasileira.

* ALEXANDRE TRICHES









Nota do Editor:

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O Pandemônio Legislativo e a Pandemia


 Autor: Luiz Antonio  Sampaio Gouveia(*)

Ao atingir o pico de nossa permanente inflação legislativa, justamente com a legislação vigente, a partir da crise sanitária atual, os operadores do direito veem-se envolvidos em um cipoal legislativo, que o português antigo a demonstrar o caráter da confusão, pela semântica, denomina aranzel.

Desde a exegese das antinomias, que, pela Lei nº14.010, de 10 de junho de 2020, até a Lei nº14.030, de 28 de julho de 2020 e pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, permitem e não permitem, ao mesmo tempo, assembleias societárias, associativas e condominiais virtuais, dificultando a vida operativa dessas entidades ao extremo, até o ponto em que a imprecisa redação legislativa e a pobreza dos vetos, no geral, vão paulatinamente destruindo a unidade compreensiva do Direito brasileiro.

As mais diversas dúvidas vão surgindo, como, por exemplo, quando entra em vigor, uma lei publicada com vetos? Ou os vetos, se derrubados pelo Congresso Nacional, quando vigem, desde a data em que a lei foi publicada? Ou os dispositivos vetados, depois de derrubados, pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, é que passam a vigorar? Se os dispositivos vetados constituem uma nova lei, quando derrubados, como muitos constitucionalistas entendem ser a hipótese, como podem eles ter efeito retroativo? O Congresso Nacional pode resolver estas dúvidas, modulando a eficácia dos dispositivos de Lei cujos vetos as Câmaras derrubaram?

A solução do problema está no Direito Constitucional notadamente na perspectiva do processo legislativo e na interpretação sistêmica e teleológica da questão. Sem perder o contexto da occasio legis, que se não vale para a interpretação futura, pelos mais rigorosos critérios de direito, daqui para frente, vai valer porque a pandemia não será eterna e não se poderá entender a lei sem critérios sociais e econômicos, talvez consequencialistas de interpretação, a ter em conta a circunstância de sua promulgação/publicação.

A barafunda atinge o Direito de Família, das Obrigações, dos Contratos em geral, do Direito Sucessório, Comercial, Empresarial, de Falências e Recuperação Judicial, entre outros. Vou aqui traçar algumas observações sobre o tema.

Um projeto de lei sancionado, promulgado e publicado pelo Presidente da República, obedecido o prazo legal, para tanto, pela Presidência, entra em vigor quarenta e cinco dias após sua publicação (ver LINDB, artigo 1º), imediatamente depois dela, se tanto e assim, nela estiver legislado ou em outro prazo, que nela igualmente se estipular. Se houver sanção parcial, a parte vetada volta para o Congresso Nacional. A que foi promulgada/publicada, já entra em vigor, obedecido o que nela estiver consignado quanto ao prazo de sua vigência.

Os vetos, quando derrubados são revogados por ato Congressual, que assim se transformam projetos de lei, carecendo de promulgação/publicação pelo Presidente da República e na hipótese de ele se recusar a este ato, pelo Presidente do Senado ou pelo Vice, se o anterior também não a promulgar e publicar.  Este ato que atribui validade ao dispositivo vetado é Lei e como tal, não poderá ter efeito retroativo, por exemplo, até a data em que iniciou a viger a lei em que houve os vetos. 

Entretanto, o STF vem decidindo que a parte vetada entra em vigor, se derrubada pelo Congresso Nacional, na mesma data em que entrou em vigor a lei, onde ocorreu o veto. De fato, esta decisão tem em mira a preservação da integridade do espírito da lei e atende a finalidade dela e certamente como apreciadas, em quaisquer e específicas circunstâncias, as exigências do bem comum. Tratando-se de uma retroatividade "in bonam partem".

Mas o Congresso Nacional ao derrubar os vetos, não pode acrescentar aos dispositivos de lei restaurados, novas disposições porque se o fizer modulando-os, por exemplo, para ditar o momento e as condições de vigência deles, estará infringindo a regra constitucional do processo legislativo. Porque a entrada em vigor, como, lei da parte de uma lei restaurada, pela supressão do veto que impedira sua vigência, não é consequência de um novo processo legislativo, é, sim, o arremate de um processo legislativo pretérito, que foi frustrado, em sua fase conclusiva pelo veto da Presidência da República.

Convindo lembrar que a modulação de efeitos de uma decisão jurídica, é consequência da Lei nº 9.868 de 10 de novembro de 1999, que, nas hipóteses de arguição de inconstitucionalidade, no processo objetivo, por seu artigo 27, tanto permite em atenção às razões de segurança jurídica e de excepcional interesse social.

A regra, pois, é esta: a parte não vetada de uma lei, pelo Presidente da República, entra em vigor, depois de sancionada, promulgada e publicada, imediatamente depois de sua publicação. Quando o Congresso derruba o veto obedecido o rito próprio de consumação do processo legislativo, o dispositivo, que estava vetado, entra em vigor, no mesmo dia em que a lei em parte vetada, ganhou vigência legal. Mantendo-se assim o espírito da lei.

O processo legislativo envolve a rigor o Poder Legislativo e o Executivo. Mas não se pode dizer que ele prescinda do Judiciário que é quem dá vida à Lei. Trata-se de um processo complexo em que se exprime a essência do mando democrático, no sistema em que a convivência entre poderes é harmônica.

 *LUIZ ANTONIO SAMPAIO GOUVEIA

 









-Advogado graduado em Direito pela Faculdade de Direito da USP (Arcadas) (1972);
-Mestre em Direito Público (Constitucional) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
- Especialista pela FGV, em Finanças (EAESP) e Crimes Econômicos (GVlaw);
-Orador Oficial e Conselheiro do Instituto dos Advogados da São Paulo e
 -CEO de Sampaio Gouveia Advogados.

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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

A evolução da atuação do estado nos processos judiciais


 Autor: Gerardo Azevedo(*)

Historicamente, os conflitos judiciais no Brasil, se davam somente entre as partes envolvidas, o Estado permanecia inerte, até que fosse provocado pelos interessados à jurisdição. Na contemporaneidade, o modelo demonstrado do período supracitado não é mais aplicável, pois, a sociedade moderna necessita de uma justiça célere, tendo em  vista que as atuais demandas necessitam de certa urgência. A contenção do aumento da criminalidade, o combate às desigualdades sociais, entre outras, são pautas levadas ao MP e ao judiciário que necessitam de uma resposta rápida para que se possa vislumbrar futuramente um equilíbrio social almejado pelas instituições.

O que se percebe na atualidade é uma atuação mecânica e técnica de juízes e promotores, os quais, devido ao engessamento do sistema e o grande número de processos têm suas decisões mecanizadas, não conseguindo por inúmeras vezes um aprofundamento nos casos concretos, comprometendo, dessa forma, uma atuação mais contributiva com o  desenvolvimento social mais justo.

Ainda, outro problema que assola tanto o MP quanto juízes, são as questões referentes aos entes públicos, especificamente o executivo, quando o assunto das demandas são referentes a gestão e aplicação de recursos que interferem diretamente em questões econômicas, os quais não se consegue desvincular da política e do próprio estado. Tal afirmativa, sobre essa não desvinculação há muito é uma problemática a ser enfrentada. Foucault (1979, p.53), explica:

"Um fato originário fundamental, que era o de que não se podia pensar a economia política, isto é, a liberdade de mercado, sem levantar ao mesmo tempo o problema do Direito público, a saber, a limitação do poder público."

Dessa forma, vislumbra-se o fenômeno da judicialização da política e da economia, e uma ligação de proximidade dos poderes, embora nem sempre tão benéficas à coletividade. Onde o judiciário tente expandir  sua prestação de serviços, porém, às vezes, esbarra  nos limites orçamentários do Estado, tentando em diversos momentos dialogar e tentar encontrar um equilíbrio com os poderes executivos  legislativos.

Quando a expansão da prestação jurisdicional nem sempre é possível, devido a escassez de recursos, o poder judiciário juntamente com membros do MP, buscam alternativas para oferecerem um serviço mais célere, como os que são ofertados pelos juizados especiais criminais por exemplo.

Sobre os juizados, é importante considerar-se que em muitas oportunidades os cidadãos abrem mãos de seus direitos, em especial o da ampla defesa, para não ter que passar por todo um processo que em regra se estende por um longo período de tempo, ocorre uma espécie de negociação, vista por muitos como benefícios dos institutos despenalizadores, a exemplo do que ocorre na transação penal no âmbito do direito penal.  Nesse sentido Grinover (2005, citado por, TASSAR, 2011) afirma:

As críticas mais fortes, evidentemente, são dirigidas nos institutos onde há ampla possibilidade de acordo, como ocorre no sistema do pleabargaining nos Estados Unidos da América. Outra crítica consiste na aplicação de pena sem processo e sem reconhecimento de culpa, ferindo o inciso LIV do artigo 5º da CF/88.

Nota-se um alargamento da competência dos magistrados que em determinados momentos exercem a função de legisladores, essa legitimidade é atribuída a própria Constituição.

A interferência do capitalismo e o avanço tecnológico que este promoveu também devem ser considerados como fatos transformadores das relações sociais, e de uma análise do funcionamento das instituições, as quais devem se adaptar ao desenvolvimento social, muito embora, a velocidade de transformação seja muito mais rápida que a adaptação das instituições, sendo esse o maior desafio de magistrados e promotores, o rompimento da forma tradicional de  atuação. 

Atualmente, alguns membros do poder judiciário e membros do ministério público mais especificamente, juízes e promotores, tem sofrido muitas críticas perante suas atuações, que em nome de um interesse coletivo acabam por não seguir a "regra do jogo", ou seja, relativizam o princípio da legalidade dentro de um processo, como ao recorrer a escutas clandestinas, para pautar e referendar denúncias.

 CONCLUSÃO

Conclui-se que é um problema recorrente que se prolonga no tempo as demandas que são opostas a outros poderes, e que essa comunicabilidade com a política , vem gerando um fenômeno que atualmente denomina-se judicialização da política.

Fica demonstrado de forma evidente que a política e economia interferem nas ações do sistema judiciário brasileiro. As demandas judiciais em face do Estado acabam por ser sopesadas, pois, essas podem ter um efeito catastrófico em toda a sociedade, além de agravar a escassez dos recursos monetários.

Também se observou que magistrados e promotores preocupados com a manutenção da ordem pública, muitas vezes, agem desrespeitando preceitos legais, com ênfase, aos procedimentos processuais. A busca pela justiça, às vezes se dá contrariando os ideais da própria justiça, muitas vezes desconsiderando preceitos processuais.

*GERARDO BEZERRA DE MENEZES AZEVEDO



-Advogado atuante no ramo do direito público, inscrito na OAB, secções Ceará, São Paulo e Piaui;
-Graduado no curso de Direito em 2009 pela Universidade Christus (UNICHRISTUS);
-Pós Graduado em Direito Administrativo (2015/2017) pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), Pós Graduado, em Direito Eleitoral (2017/2018) pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR) e
-Pós Graduando em Gestão Pública na Universidade Christus (UNICHRISTUS); e
-Atualmente exerce o cargo de Procurador Autárquico do Consórcio Público de Saúde do Estado do Ceará (CPSMAR).

Nota do Editor:

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