sábado, 2 de setembro de 2023

Acolhimento e solidariedade no ensino de imigrantes adultos


 

Na última década, mais de um milhão de imigrantes saíram de suas terras e vieram para o Brasil em busca de melhores condições de sobrevivência. Muitos estão fugindo de recessões econômicas, conflitos políticos por territórios ou mesmo catástrofes naturais. Observamos que a crise política e humanitária na Venezuela e no Haiti trazem presença significativa de solicitantes de refúgio desses países.

O tema da migração suscita variados interesses de análise, pois é um fenômeno que marca as sociedades e suas relações. É possível encontrar investigações acerca do tema com perspectivas variadas. Algumas análises partem da geografia, mostrando quais são os movimentos migratórios. Outras, debatem o campo do direito e a legislação que contempla os imigrantes. Falar do fenômeno da migração é também expor vidas, humanidades e desumanidades. Estudo o binômio educação-migração, situando os processos educacionais dentro do terreno mais amplo, considerando aspectos políticos, econômicos e culturais. Ou seja, considerando educação não como sinônimo de escolarização, mas como processos e práticas de construção de saberes assentados nas realidades sociopolíticas, subjetivas e históricas das pessoas envolvidas (WALSH, 1991).

Em todos os processos migratórios a busca por trabalho é associada à necessidade de conhecimento da cultura, da língua, da geografia, de direitos humanos e de profissões específicas. Em pesquisa de mestrado, pude observar a atuação de três organizações sociais que se mobilizam no terreno educativo, tendo como motivação a solidariedade de classes. Mostramos ainda as características e potencialidades da educação não formal promovida por essas organizações.

Uma importante iniciativa em práticas educativas com imigrantes adultos vem da União Social dos Imigrantes Haitianos (U.S.I.H). Esta organização tem por objetivo oferecer serviços sociais em âmbito nacional (Brasil) e internacional (Haiti), aos Imigrantes Haitianos em São Paulo. Fundada em 2014, é coordenada pelos próprios imigrantes haitianos. A associação acolhe os haitianos para que tenham melhores condições de vida e busca colaborar na prestação de serviços para minimizar os problemas enfrentados por eles nos mais diferentes espaços. Oferecem ainda, formação profissionalizante, assim como cursos de idioma (português e outros), e propõe uma integração fundamentada na promoção de uma vida digna para todos os imigrantes haitianos em colaboração com organizações da sociedade brasileira.

As instituições religiosas também se destacam na acolhida aos imigrantes no Brasil. O Serviço Jesuíta de Apoio a Migrantes e Refugiados, por exemplo, atua em território nacional e tem um de seus pontos de trabalho em Belo Horizonte/Minas Gerais, desde o ano de 2014. A atuação inicial do Serviço Jesuíta em Belo Horizonte se deu com os Haitianos e por isso denominaram este polo como Centro ZANMI. A denominação significa AMIGOS em crioulo haitiano, e segundo a organização quer expressar experiência, método e programa. Atualmente a organização participa de redes a nível local, nacional e internacional, com diversas entidades públicas e privadas. Organiza equipes de trabalho em diversas áreas sociais, culturais, de ensino e promoção de pesquisa com a temática migratória. Realiza acolhimento a imigrantes e propõe o ensino e diálogo intercultural entre diferentes nacionalidades.

Vemos que a educação não-formal tem sido espaço promissor para a construção de relações interculturais entre imigrantes e educadores brasileiros. Este modelo educativo pode ser caracterizado como um processo de múltiplas dimensões, que pode ir desde a capacitação dos indivíduos para o trabalho, por meio da aprendizagem de habilidades e o desenvolvimento de potencialidades; a aprendizagem política dos indivíduos enquanto cidadãos ou mesmo de práticas que capacitam os indivíduos a se organizarem com objetivos comunitários.

Por outro lado, temos relatos animadores de experiências vindas da escola formal. Um exemplo é o CIEJA- Perus – Escola de EJA localizada no distrito de Perus, na região metropolitana de São Paulo. De acordo com o Projeto Político Pedagógico do CIEJA- Perus (2020), desde 2016, a unidade tem uma forte presença enquanto instituição de apoio ao imigrante. Essa escola passou a ser muito procurada, por ser uma instituição próxima a uma comunidade haitiana, que se localiza no distrito de Perus. Atualmente, os imigrantes correspondem a mais de 500 alunos matriculados. A fim de evitar a exclusão desses alunos e tornar o ambiente escolar mais próximo da necessidade dos imigrantes, a instituição reorganizou o currículo e a organização escolar com o objetivo de acolher e aumentar a interação entre os estudantes com os brasileiros.

Podemos ver, que além de compreender o ensino como algo fundamental para que os imigrantes se estabeleçam no Brasil, há um conjunto de ações que contribuem para amenizar os sofrimentos que passam os imigrantes fora da sua terra natal. Levando em conta essas considerações é interessante observar, ainda, que apesar de diversos e com objetivos distintos, os movimentos mencionados, além de serem agentes da garantia de direitos para essa população, operam, também, como espaços de fortalecimento de vínculos afetivos

Referências bibliográficas

FIALHO, C. M.C.; BUSICO, F. O Haiti é aqui... em Perus!: a integração de diferentes povos por meio da festa. In: EM CONTATO: COMUNIDADES, CULTURA E ENGAJAMENTO, 1., 2019, São Paulo. Anais [...]. São Paulo: Sem Editora, 2019. p. 28-34. 
Disponível: http://www.museudaimigracao.org.br/uploads/portal/avulso/arquivos/em-contato-pt- finalrev3-compressed-compressed-06-03-2020-13-25.pdf. Acesso em: 03 set. 2020;

WALSH, Catherine. Interculturalidade crítica e pedagogia decolonial: in-surgir, re- existir e re-viver. In: CANDAU, Vera Maria (Org.). Educação intercultural na América Latina: entre concepções, tensões e propostas. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009 e

_________________. Pedagogy and the Struggle for Voice. Issues of Language, Power, and Schooling for Puerto Ricans. NY: Bergin and Garvey, 1991.

* ANA PAULA SANTANA
























-Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado de Minas Gerais(2004);
-Pós graduada em Psicopedagogia pela Universidade do Estado de Minas Gerais(2008); 
-Mestre em Educação e Formação Humana pela Universidade do Estado de Minas Gerais (       )
-Pesquisadora do ILAESE – Instituto Latino-Americano de Estudos Socioeconômicos;
-Membro do Grupo de Pesquisa Polis e Mnemosine: Cidade, Memória e Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais e
-Integra a Associação Mineira de Psicopedagogia

Nota do Editor:

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sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Faltam novos líderes na política?


 Autor: Rodrigo Prando (*)

Não faz muito, tivemos a disputa eleitoral mais acirrada e, até, violenta dos últimos tempos, na disputa entre Bolsonaro e Lula, sendo este último o vitorioso e atual presidente da república. Muitos de meus alunos ou jornalistas foram, ao longo do tempo, me questionando: não há novos líderes políticos capazes de se apresentar com projetos para os eleitores brasileiros? Vejamos.

Bolsonaro, por exemplo, conseguiu se projetar contra a política e o sistema, embora por quase toda a sua vida tenha sido político e está – junto com a família – dentro do sistema; Lula, por sua vez, foi candidato à presidência em 1989 (quando eu tinha 11 anos) e foi eleito pela terceira vez em 2022 (quando contava com 44 anos). A polarização entre bolsonarismo e lulopetismo ganhou elementos novos por conta da presença de uma extrema-direita e ataques ao sistema político e eleitoral e isto não se verificava na polarização anterior, entre PT e PSDB. Mas, aqui, cabe a pergunta: qual o motivo da ausência de novos e bons líderes políticos?

Em primeiro lugar, há que se entender que líderes são mais difíceis de se forjar do que os chefes. Chefes precisam de cargo para mandar; líderes não se projetam por meio de um cargo e sim por sua capacidade de dialogar, coordenar, convencer e seguir junto aos liderados. É comum nas organizações privadas que existam chefes que não são líderes e funcionários sem cargo de chefia que lideram, informalmente, grupos no ambiente de trabalho. Na política, especialmente a brasileira, o gosto de mandar e chefiar sempre foi maior do que a capacidade de liderar. Líderes, segundo algumas ideias Marco Aurélio Nogueira (e que eu toma a liberdade de complementar), possuem qualidades especiais, que são qualidades intelectuais, técnicas, morais e políticas. Qualidades intelectuais, no caso, são aquelas que permitem exercer papéis de liderança, influenciando, organizando e, coletivamente, mobilizar recursos – intelectuais e materiais – criando projetos para o futuro; qualidade técnicas são, em nossa sociedade hiperconectada em rede, elementos atinentes ao uso das ferramentas oriundas da tecnologia, domínio das redes sociais e capacidade de falar e escrever com clareza, dominando conteúdo e forma no campo discursivo; já as qualidades morais estão no campo do respeito às leis, às regras, numa constante reafirmação dos valores democráticos num ambiente republicano; por fim, as qualidade políticas são às que permitem entender as relações de poder num espaço de diálogo, de confronto de ideias, às vezes, até de forma mais vigorosa, mas entendendo-se que o "outro" é um adversário e não um inimigo. A política coloca a resolução dos conflitos no bojo das instituições e à luz das leis, por meio do diálogo, da construção de consensos e do respeito à democracia.

Nos dias que correm, os líderes são escassos, embora os chefes – e chefetes – abundem, aqui e acolá. Não raro, o próprio ambiente institucional da política, nos partidos e nas casas legislativas, cria barreiras quase instransponíveis para a diversidade social, mormente, quando se pensa nos jovens. Além disso, atacar a política e os políticos tornou-se lugar comum e, com isso, cria-se a narrativa de que política e políticos são ruins, corruptos e que lá prevalece, sempre, o jogo sujo da busca e manutenção do poder. Quais são, assim, os incentivos que, por exemplo, um jovem líder teria para adentrar neste ambiente? A iniciativa privada costuma captar e remunerar muito bem estes líderes e, na política, muitas vezes, a força da tradição e do carisma populista e salvacionista costumam prevalecer.

Finalizo, com licença dos leitores, com uma rápida citação de Marco Aurélio Nogueira, em seu livro "Em defesa da política", de 2001: "Os políticos profissionais são intermediários, representantes, lideranças. Vivem e agem no interior de um sistema. A boa ou a má qualidade deles depende da qualidade dos que são por eles representados, dos valores que prevalecem e da armação institucional em que operam."

Fiquemos, então, com a atenção especial voltada para esse trecho: "A boa ou a má qualidade deles [dos políticos] depende da qualidade dos que são por eles representados, dos valores que prevalecem e da armação institucional em que operam". Pensemos em nossa sociedade e na qualidade de nossos valores e ações. Como nós, brasileiros, nos comportamos em relação às leis, às regras, aos conflitos, à separação do público e do privado? Como encaramos a corrupção? O quanto nós, criticamente, ponderamos acerca daquilo que vemos, ouvimos ou lemos? As respostas a estas poucas perguntas podem, talvez, indicar alguns aspectos do porquê da escassez de líderes políticos e da qualidade daqueles que operam no ambiente institucional da política.

*RODRIGO AUGUSTO PRANDO

















-Sociólogo graduado pela Unesp - Araraquara (1999);
-Mestrado em Sociologia pela Unesp - Araraquara (2003);
-Doutorado em Sociologia pela Unesp-Araraquara (2009);
-Atualmente, é Professor Assistente Doutor da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas;

-Desenvolve pesquisas e orienta nas áreas de empreendedorismo, empreendedorismo social, gestão em Organizações do Terceiro Setor, Responsabilidade Social Empresarial, história e cultura brasileira, Pensamento Social Brasileiro e Intelectuais e poder político e cenários políticos brasileiros.

Nota do Editor:

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quinta-feira, 31 de agosto de 2023

Testamento: Um ato de cuidado


 Autora: Gabriela Aisen(*)


O testamento, para além das tecnicalidades jurídicas, é um instituto inserido no imaginário popular, pois está no cotidiano das pessoas e é sempre lembrado como tema central de toda sorte de manifestações artísticas.

Seja na literatura, na dramaturgia ou no cinema, é comum serem retratadas icônicas cenas da leitura do testamento, em algum escritório luxuoso, repleto de engravatados e pessoas apreensivas em razão da morte de um magnata, que pode levar ao inesperado.

Para ilustrar esta questão, convém citar um clássico como a tragédia Rei Lear, de William Shakespeare, cujo enredo narra a história de um Rei que resolve, em vida, legar seu Reino às 03 (três) filhas e é traído por 02 (duas) delas.

Outras pessoas, por sua vez, lembram-se de personalidades famosas da mídia que destinaram a sua herança de maneira a desagradar familiares, amigos, conhecidos e, não raras vezes, deram início a longos processos judiciais envolvendo o seu expressivo patrimônio.

Já alguns, ao seu turno, preferem apenas ignorar esta temática por receio de, supostamente, atrair má sorte ou até mesmo uma morte prematura para si mesmo. Fez testamento e faleceu, coitado! O imaginário popular é fértil quando se fala sobre a morte, ainda que o tema seja tabu para muitos.

Todavia, a verdade é que fazer um testamento pode ser o maior gesto de proteção e de carinho que as pessoas podem tomar em relação a aqueles que amam.

Isto ficou claro, por exemplo, com a eclosão da pandemia da Covid-19, que certamente evidenciou a fragilidade e a efemeridade da vida, comprovando a importância de deixar registradas as manifestações de vontade para depois do falecimento.

Se "viver não é preciso" como diria Fernando Pessoa, morrer bem pode sê-lo.

Desta feita, engana-se quem acha que o testamento se dá apenas em relação aos bens patrimoniais, uma vez que este também pode retratar temas relacionados aos direitos personalíssimos, tais como o direito de imagem ou de uma obra produzida em vida, e até mesmo conter disposições sobre quais providências devem ser tomadas em caso de grave doença, o conhecido como Testamento Vital, juridicamente chamado de Diretivas Antecipadas de Vontade.

Até mesmo as questões atuais envolvendo tecnologia e inteligência artificial têm a ver com o testamento, a exemplo de recente notícia veiculada na mídia expondo que a cantora Madonna alterou o seu testamento com o intuito de deixar expressa a proibição do uso de sua imagem em hologramas para reprodução de sua imagem após o falecimento, considerando a intensificação da utilização da inteligência artificial na área da cultura e do entretenimento.

Primeiramente é preciso esclarecer quem pode testar no Brasil, e sob quais circunstâncias. O Código Civil, em seu artigo 1.860 estabelece que toda pessoa maior de 16 (dezesseis) anos e que tenha pleno discernimento pode elaborar o seu testamento. Não podem testar, por outro lado, aqueles que estiverem acometidos por doenças psiquiátricas que lhes comprometam a lucidez ou aqueles que estejam sob o efeito de substâncias entorpecentes, sob pena de ser considerado inválido o testamento. Percebe-se, portanto, que antes de atingir a maioridade civil aos 18 (dezoito) anos é possível registrar as disposições de última vontade, tamanha a relevância deste instrumento para o planejamento patrimonial.

O próximo passo diz respeito a quem pode receber a herança objeto do testamento. Diferentemente de países estrangeiros, em território brasileiro apenas as pessoas físicas (nascidas ou já concebidas ao tempo da abertura da sucessão) e as pessoas jurídicas são legítimas destinatárias do patrimônio a ser recebido por força do testamento. Equivale dizer que são vedadas disposições testamentárias que beneficiem animais, tal como fora veiculado que a ex-presidente da Academia Brasileira de Letras, a escritora Nélida Piñon teria deixado 04 (quatro) apartamentos de luxo aos seus 02 (dois) cachorros em seu testamento.

Certamente bem assessorada, a escritora tomou os cuidados necessários para garantir a mantença dos seus animais de estimação, nomeando uma pessoa para ser a titular do patrimônio, cuja finalidade é o sustento dos bichinhos.

Ao contrário do que muitos possam pensar, não são somente os artistas ou indivíduos com grandes fortunas que são beneficiados com a lavratura de testamentos. Este instrumento, inclusive, pode auxiliar na resolução de preocupações do cotidiano que podem vir a acometer qualquer um. A principal vantagem de fazer um testamento é justamente decidir em vida a destinação do seu patrimônio, para que a sucessão ocorra de maneira célere e eficaz, de preferência sem a instauração de conflito e dos morosos processos judiciais entre os herdeiros.

Neste sentido, a finalidade mais conhecida do testamento é a instituição de legados, ou seja, designar bens certos ou patrimônio (integral ou frações) para determinadas pessoas que eventualmente não receberiam automaticamente a herança, acaso não fosse registrado este desejo.

Isto porque, quando uma pessoa falece sem deixar testamento, toda a sua herança é dividida entre os seus herdeiros necessários, de acordo com a ordem de vocação hereditária estabelecida pelo artigo 1.829, do Código Civil, composta pelos descendentes, ascendentes, cônjuge/companheiro(a) e colaterais.

Contudo, há a possibilidade de ser destinada a metade do patrimônio do testador para terceiros, através da chamada parcela disponível da herança, de modo que pessoas queridas sejam contempladas após o falecimento do testador com parte dos seus bens. Estes legados muitas vezes são deixados a parentes ou amigos próximos, funcionários de confiança e até mesmo organizações não governamentais (ONGs) que eram apoiadas em vida pelo testador.

Em âmbito corporativo, a instituição de legados em testamento pode ser uma excelente ferramenta para auxiliar empresários na continuidade da sociedade, após o seu falecimento, ainda mais levando-se em consideração que, no Brasil, renomadas empresas são compostas por membros de uma mesma família.

Ao deixar em legado as quotas sociais de determinada sociedade para os sócios remanescentes da empresa, privilegia-se a manutenção da participação societária daqueles que já faziam parte do quadro social, e evita-se que pessoas estranhas à relação institucional, como filhos e cônjuges que nunca participaram da atividade empresarial nela ingressem em decorrência sucessória, e eventualmente atrapalhem o bom andamento da corporação.

Em casos nos quais o testador possui herdeiros endividados, filhos menores de idade ou pessoas as quais pretende proteger patrimonialmente - como aqueles que possuem alguma doença que cause invalidez -, este pode incluir cláusulas restritivas nos bens que serão por eles recebidos quando da abertura da sucessão. Desta maneira, além de deixar recursos para seus entes queridos, o testador pode assegurar a manutenção do patrimônio herdado. São elas as cláusulas de impenhorabilidade, de incomunicabilidade e de inalienabilidade.

Em breves linhas, a primeira prevê que o patrimônio herdado com a cláusula de impenhorabilidade não pode responder pelas eventuais dívidas do destinatário da herança, de modo que seus credores não poderão obtê-lo judicialmente.

Já a cláusula de incomunicabilidade disciplina que os bens herdados não se comunicam com o cônjuge do herdeiro e, portanto, não serão objeto de partilha de bens na hipótese do seu divórcio.

Por fim, a cláusula de inalienabilidade, mais utilizada para bens imóveis, desautoriza, por exemplo, a venda deste bem, e deve ser utilizada somente quando o testador deseja que o imóvel em questão não seja facilmente transferido pelo herdeiro.

Para além das disposições patrimoniais, o testamento pode ser utilizado até mesmo para o reconhecimento de vínculo civil ou de parentalidade que o testador não formalizou em vida.

Como se sabe, a herança do apresentador Augusto Liberato, o Gugu, foi objeto de intenso processo judicial, cujo cerne fora o reconhecimento de possível união estável por ele mantida, porquanto 02 (duas) pessoas pleitearam judicialmente o reconhecimento póstumo do relacionamento e, consequentemente, a declaração do status de herdeiro necessário do apresentador.

Através da lavratura de um testamento, o próprio Gugu poderia ter reconhecido se mantinha ou não algum relacionamento caracterizado como união estável e indicar quem era o seu(sua) companheiro(a), com a finalidade de evitar conflitos patrimoniais após o seu falecimento.

O mesmo pode ser realizado para o reconhecimento de filhos havidos fora do casamento ou anteriores ao relacionamento conjugal. Neste caso, é dispensada a realização de exame genético para a comprovação da relação de parentalidade entre o testador e o filho por ele reconhecido, formalidade esta muitas vezes imposta em processos de investigação de paternidade.

Sendo assim, tem-se que a lavratura do testamento é essencial para o bem-estar da família, posto que é instrumento hábil de planejamento do testador para a transferência de seu acervo patrimonial após o falecimento. Organizar em vida como se dará a sucessão, de acordo com as necessidades dos herdeiros pode apaziguar os receios do testador, na medida em que se torna conhecido e previsível o destino de seus bens e as eventuais cláusulas restritivas que os acompanharão.

Se a chama da vida do testador se apagar, as disposições patrimoniais e extrapatrimoniais feitas em um bom e minucioso testamento, certamente podem evitar uma série de brigas, discussões e até tragédias familiares, para que ele possa efetivamente descansar em paz.

*GABRIELA  AISEN

















-Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo (2018);
-Especialização em Direito de Família pela Universidade de Coimbra (2019) e
-Pós - graduada em Direito de Família e Sucessões pela Escola Paulista de Direito (2021)

Nota do Editor:

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Direito de Família e os Princípios do Direito Matrimonial


 

Autor: André Ribeiro(*)

Hoje, em se tratando de sociedade moderna ainda, e com certas regras trazidas a baila pela norma legal, bem como por grandes Doutrinadores, ainda se esteia a imperiosidade dos conceitos adquiridos ao longo de nossa história.

Fatos contidos nesta sucinta elaboração, podemos em uma análise Perfunctória o porque a sobrevivência de algumas regras ainda contidas em nosso ordenamento jurídico Brasileiro.

Para uma maioria esmagadora, a constante modificação de convivências nos traz a alguns momentos retroativos para esta pequena análise. Até quando o ser humano irá se adaptar diante de tantas nuances a que nos devemos sujeitarmos, tendo em vista que sufocam-se os diplomas legais, e mesmo com todas essas aplicações, entendimentos, certo é que o tempo não irá permitir retrocessos.

Lado outro, ainda sobrevive algumas tradições que nos levam a refletir muito...assim escritas:

Para Orlando Gomes, três são os princípios que regem o casamento, sendo eles:

a) - A livre união dos futuros cônjuges, poiso casamento advém do consentimento dos próprios nubentes, que devem ser capazes para manifesta-lo. Impossível é a substituição do consentimento dos contraentes, bem como autolimitação de suas vontades pela condição ou termo;

b) - A monogamia, pois, embora alguns povos admitam a poliandria e a poligamia, a grande maioria dos países adota o regime da singularidade, por entender que a entrega mútua só é possível no matrimônio monogâmico, que não permite a existência simultânea de dois ou mais vínculos matrimoniais contraídos pela mesma pessoa, punindo severamente a bigamia. Por exemplo: o nosso Código Civil, artigo 1.521, inciso VI, estatui: “Não podem casar-se as pessoas casadas”; com a violação dessa disposição legal autoriza a norma que se decrete a nulidade do casamento. Normalmente, estabelece o Código Civil no artigo 1.548, inciso II, que “é nulo o casamento contraído por infringência de impedimento”, e que se aplique uma pena ao transgressor, como dispõe o Código Penal no seu artigo 235, caput “Contrair alguém, sendo casado novo casamento. Pena: reclusão de 2 a 6 anos”. Com isso nossa ordem jurídica consagra a monogamia, cuja violação autoriza a aplicação de duas sanções: a nulidade do ato praticado e a pena ao violador; e

c) - A comunhão indivisiva, que valoriza o aspecto moral da união sexual de dois seres, visto ter o matrimônio por objetivo criar uma plena comunhão de vida entre os cônjuges, que pretendem passar juntos as alegrias e os dissabores da existência. Artigo 1.511 do Código Civil.

Bibliografia:

Diniz,Maria Helena
Curso de Direito Civil Brasileiro
Direito de Família
37 Ed – São Paulo: Saraiva Jur, 2023.

*ANDRÉ LUIZ DA SILVA RIBEIRO



-Graduação pela  Faculdade Quirinópolis - Quirinópolis-GO(2019);
-Pós Graduado em Direito e Processo do Trabalho pela UNINTER de Uberlândia - MG- (2022);
Atua nas  área de Direito Civil ( Família e Sucessões), Direito e Processo do Trabalho e Direito e Processo Penal.


Nota do Editor:

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quarta-feira, 30 de agosto de 2023

A importância do consentimento na relação médico -paciente


 Autor: Rômulo Ovando (*)

O artigo possui o objetivo de propiciar conhecimentos específicos e vigentes no ordenamento jurídico acerca da relevância da informação na relação médico e paciente, além de destacar a importância do termo de consentimento informado, tendo em vista que grande parte das ações judiciais de responsabilização enfoca na falta deste.

A relação entre médico e paciente é de natureza consumerista, ou seja, está subordinada à aplicação do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), de forma que a informação é um princípio fundamental de referida legislação pátria (art. 6º, III).

Logo, o direito à informação, a assertiva de vontade perante um método de comunicação claro, simples e objetivo, fornece ao consumidor a possibilidade de consentir ou não, de forma autônoma e consciente, sobre ser submetido a determinado tratamento médico-hospitalar.

Informar o paciente sobre os métodos que serão utilizados no tratamento, constar a sua anuência, expressada através do termo de consentimento informado são de extrema importância, pois a ausência poderá acarretar supressão de vontade e grave afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/1988).

A relação do profissional médico com o seu paciente, hoje em dia, difere da de tempos atrás, em virtude de uma mudança geral de comportamento, mentalidade e desenvolvimento, especificamente por parte do paciente.

Tais fatores desempenham papéis relevantes no tocante à responsabilidade dos profissionais da saúde, quais sejam, médicos, cirurgiões-dentistas, fisioterapeutas, enfermeiros, farmacêuticos, psicólogos, dentre outros, ocasionando uma visão e julgamento mais perspicaz por parte dos pacientes e da sociedade em geral.

À vista disso, tornou-se comum na sociedade, o debate acerca de assuntos relativos aos denominados erros médicos e responsabilidade do profissional da saúde, do que é possível extrair a conscientização social para tanto.

Frisa-se que a conscientização é maior por parte do paciente, usuário dos serviços de saúde, pois busca um tratamento humanizado e menos invasivo. Quanto ao médico, a conscientização é menor, mas com consequências imensuráveis, uma vez que preocupa-se com o risco de agir negligentemente, podendo lesionar o paciente.

Com efeito, esta percepção social caracteriza-se principalmente em razão do aumento expressivo dos processos cíveis v.g. envolvendo indenizações descomunais, criminais (omissão de socorro, homicídios, etc.) e administrativos (deixar de atender paciente injustificadamente) em face dos profissionais da saúde.

O profissional da saúde deve comprometer-se a ser mais zeloso no exercício de suas funções, com o objetivo de evitar desgastes com seus pacientes ou dissabores muito maiores com as demandas judiciais, as quais podem acarretar imponderáveis inconvenientes de ordem material (financeiro) e moral para si.

Para tanto, entre os atos de prevenção de riscos a serem tomados pelos profissionais da saúde, pode-se destacar o termo de consentimento informado como o mais importante, pois tal documento é a autorização do paciente obtida pelo profissional para a realização de determinado tratamento médico-hospitalar.

É requisito indispensável da relação médico-paciente. O termo de consentimento informado dispõe de decisão expressa e voluntária, escrita ou verbal, exposta por uma pessoa em pleno gozo de sua capacidade civil, tomada após intenso processo informativo, com o intuito de aceitação de tratamento médico, ciente de seus riscos, benefícios e consequências.

Além disso, o termo de consentimento informado demonstra o pleno respeito à autonomia do paciente, que poderá decidir se será submetido ou não a determinado procedimento médico, podendo escolher ainda pelo método mais humanizado e menos invasivo.

Com base no entendimento jurisprudencial majoritário, há que se ressaltar que o termo de consentimento informado deva ser escrito, documentado e registrado, sob pena de o profissional colocar-se diante de uma situação impossível de provar a efetiva expressão de vontade por parte do paciente, fato que poderá ocasionar consequências gravíssimas no âmbito da responsabilidade civil.

Demonstrada, portanto, a relevância da informação clara e objetiva para contribuir de forma benéfica para a relação médico e paciente, visto que este deve ser informado a respeito de todo o procedimento médico, além de constar sua anuência expressa para tanto mediante o termo de consentimento informado.

Por fim e não menos importante, pretende-se com essas ilações, alertar e elucidar aos profissionais da saúde sobre a importância de possuir toda a documentação (prontuários, termo de consentimento, fichas de atendimentos, etc.) pertinente ao procedimento a que o paciente fora submetido, sobretudo porque tal atitude é legítima e fundamenta o ato médico.

Diante do exposto, é possível concluir que a ausência ou a precariedade de informações e/ou do termo de consentimento informado, certamente culminará em inúmeros prejuízos e transtornos, podendo, inclusive, determinar o declínio do profissional da saúde, levando-se em consideração que no âmbito da responsabilidade civil, é ônus do profissional comprovar que agiu com prudência e cautela para a realização do ato médico.

*RÔMULO GUSTAVO MORAES OVANDO

















-Graduado em Ciências Jurídicas pela Universidade Católica Dom Bosco (2012);
-Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus (2014);
-Especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Escola Paulista de Direito/SP (2015);
-Especialista em Direito Médico e Hospitalar pela Escola Paulista de Direito/SP (2016);
-Mestre em Desenvolvimento Local pela Universidade Católica Dom Bosco(2019); e
-Doutorando em Direito pelo Centro Universitário de Brasília;
-Advogado no Escritório Jurídico Moraes Ovando Advogados;
-Professor na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Universidade Estácio de Sá e FaPrime.
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Contatos: 67 99238 5742/ 67 3382 0663

Nota do Editor:

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Leve grátis: como agir quando há ilegalidade na venda?


 Autor: Alex Hashimura(*)

Quem nunca viu aquela famosa promoção "leve 2, pague 1", ou até mesmo em produtos de cosméticos "70 ml grátis". Pois é, ficamos tentados a comprar o produto, ainda mais se estamos precisando, e com a sensação de estar saindo na vantagem. Mas será que está mesmo?

Uma forma de saber é fazendo um comparativo dos valores do mesmo produto, se for possível. Como assim? Simples! Basta pegar dois produtos da mesma fabricante e quantidade e verificar se o comerciante está dando o "desconto". Isso mesmo. Quando uma marca está fazendo essa forma de promoção, esse produto tem de ser mais barato, em comparação com o outro que não está.

Exemplo: se o fabricante coloca "leve 2, pague 1", e na embalagem tem 2 produtos, e ao mesmo tempo também coloca o mesmo produto, mas de forma individualizada, o que está na promoção tem que estar mais em conta ou de igual valor que o individual. Então o comerciante, quando for colocar a venda, terá que vender 2 pelo preço de 1.

Outro exemplo: na embalagem de um shampoo de 400 ml estiver constando que o fabricante está dando 70 ml grátis, e ao mesmo tempo também coloca o mesmo produto de mesma quantidade, mas sem o ml grátis, o comerciante deverá vender o produto mais em conta, pois o que deverá ser efetivamente cobrado é só 330 ml, pois 70 ml é o desconto.

Mas e se o comerciante estiver vendendo mais caro ou com o mesmo valor do unitário, sem o desconto? Você poderá exigir o cumprimento da oferta, exigindo o desconto que o fabricante impôs, conforme dispõe o art. 35, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:

I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade; (...)

Tal prática, caso não seja concedido o desconto, é considerada publicidade enganosa, pois se o fabricante está ofertando que é para levar dois produtos, mas pagando por um, ou está expressamente escrito que há uma quantidade "X" grátis, o comerciante não pode fazer diferenciação de valor a mais para induzir em erro o consumidor, conforme preceitua o art. 37, parágrafo primeiro, do CDC:


Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. (...)

Portanto, fique ligado nessas promoções, e sempre confira se o comerciante está, de fato, concedendo o desconto conforme a oferta, e exija, com argumentos nos artigos 35 e 37, o cumprimento da oferta. Caso haja a recusa pelo comerciante, acione os órgãos de proteção ao consumidor para as medidas e sanções cabíveis.

*ALEX SHINJI HASHIMURA -OAB/DF nº 52.833
















-Graduado pela Universidade Projeção – UniProjeção (2016);
-Graduando em Ciências Contábeis pela Universidade Anhembi Morumbi – UAM
-Pós-graduado em  Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Legale (2021); 
-Pós-graduado em  Direito Tributário e Processo Tributário pela Fasculdade Legale (06/2023).
Sócio Fundador do Escritório Alex Hashimura Advocacia e Assessoria Jurídica

Nota do Editor:


Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

terça-feira, 29 de agosto de 2023

A importância do Direito Constitucional


 Autora: Sarita Goulart(*)

O estudo de qualquer ramo ou área do Direito parte sempre de um Conceito Geral de onde ramificam os sustentáculos de todos os outros ramos da Ciência Jurídica, segundo, o Professor Helly Lopes Meirelles, referindo-se ao conceito do Direito Administrativo que por analogia podemos aplicar outros conceitos jurídicos assim diz o professor na sua obra DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO- "O estudo do Direito Administrativo há de partir, necessariamente , da noção geral do Direito – tronco de onde se esgalham todos os ramos da Ciência jurídica." Então compreendemos que o Direito é o Conjunto de regras impostas de forma coercitiva pelo Estado com o intuito de promover que os indivíduos de uma sociedade ou comunidade convivam com bons princípios de conduta para que a Justiça seja realizada. Quando temos esses princípios coexistindo em teorias, de uma forma não sistemática , podemos dizer que faz parte do Direito , conhecido como CIÊNCIA. Agora regras e princípios organizados são as Normas Jurídicas o que nos traz o DIREITO EXPRESSO NA LEGISLAÇÃO criado para ser a base de sustentação para que o Estado exista e a coexistência dos indivíduos.

Necessário esse preâmbulo para clarificar o quanto a Ciência Jurídica é dinâmica e permite dentro de seu bojo dois grande ramos do Direito são eles: O DIREITO PÚBLICO e o DIREITO PRIVADO.

No Direito Público destaca-se o Direito Constitucional e esse ramo do Direito tal como o Direito Eleitoral são escopos do Direito Público Interno tendo precipuamente o fim de regular os interesses do Estado e sociedade civil cuidando só de maneira reflexiva da conduta individual de seus cidadãos.

Conceitualmente Direito Constitucional – É o ramo do Direito Público que estuda as normas constitucionais para o funcionamento do Estado , bem como da sua estrutura , garantias e direitos fundamentais dos indivíduos que nele vivem.

Assim o Direito Constitucional tem em suas fontes principais e basilares a CARTA MAGNA; A teoria da Tripartição dos Poderes; Legalidade e Igualdade; Direitos e Garantias Individuais.

Finalizando no próprio conceito vemos bem caracterizados as suas fontes e princípios bem como as suas similitudes com outros ramos do Direito notadamente a Filosofia do Direito quando bebe na Fonte do Direito Natural tendo na figura do Filósofo Inglês John Locke um dos primeiros a dissertar sobre a ideia dos direitos naturais à vida, à liberdade e à propriedade.

Nessa esteira incluímos os Direitos e garantias Individuais e a Teoria da Separação dos Poderes de Montesquieu como meio encontrado há séculos para estruturar a maioria dos Estados contemporâneos semelhante ao Direito Administrativo tendo por Bússola a Constituição Federal.


Bibliografia

 Hely Lopes Meirelles, 4ª Edição atualizada

*SARITA DE LOURDES FERREIRA GOULART 

















-Advogada graduada em Direito pela UNISINOS-São Leopoldo (1988);
-Pós graduada no Curso de Especialização em Direito Político pela UNISINOS em 1990; e
- Natural de Canoas - RS  aonde advoga.
-E-mail: saritagoulart@gmail.com
-Twitter: @saritagoulart
- Celular: 51 9 9490-0440

Nota do Editor:

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A importância da atualização do extrato previdenciário através da sentença trabalhista


Autor: Gutemberg Amorim(*)

O CNIS, mais conhecido como extrato previdenciário, é o documento em que consta as informações de todos os vínculos, remunerações e contribuições previdenciárias do segurado junto ao INSS.

Para ter acesso aos serviços da Previdência Social (como benefícios e até mesmo a futura aposentadoria) de forma correta, é necessário que o contribuinte fique atento aos dados presentes em seu extrato previdenciário.

Isso deve ser feito através de consultas por meio do portal MEU INSS, ferramenta de serviços digitais do INSS que pode ser acessada pelo celular ou computador.

Vínculo empregatício e remuneração salarial reconhecidos através de ação trabalhista

Ao ter um período de trabalho ou remuneração salarial reconhecidos através de uma ação trabalhista na Justiça, o segurado deve trazer tais informações para o seu extrato previdenciário, pois isso não é feito de maneira automática.

Chamamos esse procedimento de "averbação de sentença trabalhista", um pedido que será protocolado no INSS, tendo como finalidade a inclusão das novas informações trabalhistas no CNIS desse contribuinte.

Inicialmente esse pedido pode ser feito em caráter administrativo, ou seja, pelo cadastro do MEU INSS. Contudo, não são raros os casos em que o segurado tem o seu pedido negado.

Mas se isso ocorrer, saiba que é possível recorrer à Justiça Federal para que um juiz determine que o órgão faça o procedimento.

Planejamento previdenciário destaca a necessidade de averbação de sentença trabalhista

Serviço que vem ganhando bastante espaço na medida em que as pessoas têm percebido o seu proveito econômico, o planejamento previdenciário pode trazer a tona a necessidade de uma averbação de sentença trabalhista.

Digo isso por experiência própria. Atendo muitos trabalhadores que estão em busca de uma aposentadoria e que ao longo da vida, adquiriram direitos por meio de ação trabalhista, sem nunca informá-los ao INSS.

E atenção: períodos laborais ou aumentos de salário que são reconhecidos na Justiça Trabalhista, podem influenciar na base de cálculo das contribuições previdenciárias e aumentar o tempo de contribuição do segurado.

Os efeitos práticos são:

1- O aumento do valor a ser recebido em auxílios temporários ou aposentadorias programadas, além de dar direito a revisões de valores recebidos no passado; e

2- E o aumento do tempo de contribuição junto ao INSS, um dos principais requisitos obrigatórios para concessão de benefícios.

Durante a elaboração do planejamento, informo essa necessidade para o contribuinte e assim podemos fazer o pedido da averbação de sentença trabalhista antes do requerimento de aposentadoria.

Averbação de sentença trabalhista para aposentados e não aposentados

O aposentado que possui uma sentença trabalhista pode fazer um pedido de revisão da sua aposentadoria, para recalcular o benefício e utilizar o tempo e/ou salário de contribuição adicional após a averbação.

Para isso, é importante observar o prazo decadencial de até 10 anos contados a partir da concessão da aposentadoria para solicitar a revisão.

Entretanto, nos casos em que a ação trabalhista é encerrada após a concessão da aposentadoria, há entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que o prazo dessa revisão começa a contar a partir do trânsito em julgado da sentença trabalhista.

Como resultado, a averbação de sentença trabalhista poderá aumentar o valor da aposentadoria recebida.

Já os segurados que ainda não se aposentaram, podem antecipar o momento da aposentadoria através da averbação.

Isso ocorre com contribuintes que adicionam período de trabalho que anteriormente não constavam em seu CNIS.

Por outro lado, se a averbação for de uma sentença que reconhece um aumento salarial, horas extras ou adicional de insalubridade, esses valores serão somados ao salário de contribuição previdenciária.

Assim, o valor da aposentadoria pode ser mais vantajoso.

Além disso, a averbação de sentença trabalhista causa reflexos em benefícios temporários.

O auxílio-doença e o auxílio-acidente são dois tipos de assistência que o segurado pode precisar a qualquer momento, se houver incapacidade para o trabalho.

Verbas e períodos adquiridos na reclamação trabalhista também podem fazer diferença na concessão ou na revisão destes benefícios.

Regras para utilização de ação trabalhista no procedimento de averbação junto ao INSS

Em primeiro lugar, é preciso que o processo trabalhista tenha transitado em julgado.

Isso significa que as partes já não podem recorrer da decisão e, como consequência, o seu texto não pode mais ser alterado, tornando-se definitiva. Ou seja, não há como recorrer mais da decisão trabalhista.

Por fim, é necessário que haja o chamado início de prova material.

Apesar do nome peculiar, o seu significado é bastante simples: documentos contemporâneos aos fatos, que comprovem o exercício da atividade nos períodos que deverão integrar seu tempo de contribuição.

As provas podem ser juntadas durante o processo administrativo no INSS. Alguns exemplos são:

● Extrato do FGTS;

● Carteira de Trabalho (CTPS);

● Holerite;

● Contrato de trabalho;

● Declaração de Imposto de Renda;

● Rescisão do contrato de trabalho;

● Fichas de registro de ponto;

● Fotos/vídeos de você exercendo seu trabalho;

● Conversas entre você e seu antigo chefe;

● Qualquer outro documento que demonstre o trabalho exercido na época alegada no processo trabalhista.

Importante: a existência de início de prova material está dispensada para os recolhimentos dos contribuintes individuais antes de 04/2003. Isso porque, antes deste período, estes segurados tinham que fazer o próprio recolhimento e não a empresa que estava prestando o serviço.

O empregado doméstico também está dispensado da apresentação de início de prova material, seja o período que for.

Alguns segurados que se beneficiaram com a averbação de sentença trabalhista

Vejamos algumas das decisões em que atuei sobre o tema.

Averbação com revisão de valores recebidos em benefício por incapacidade

Uma segurada em posse de sua sentença trabalhista que reconheceu um período laboral de 16/02/2004 à 05/09/2007 e salário de R$2.100,00, buscou a averbação.

Inicialmente o INSS contestou o pedido administrativo e então ingressamos na via judicial, tendo o pedido aceito.

Assim, foi determinada a averbação no CNIS e, consequentemente, a revisão dos valores já recebidos de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. (Processo nº 0032812-42.2019.4.01.3500).

Correção de salários de contribuição através de averbação de sentença trabalhista

Antes de buscar a via judicial, o segurado fez um pedido administrativo junto ao INSS para que fosse realizada a atualização de seu extrato previdenciário, com as correções de salário que havia conquistado em uma reclamação trabalhista.

Por meio do processo, foram reconhecidas as verbas salariais referentes ao período de 13 de maio de 2013 a 30 de março de 2016.

A resposta dada pela Previdência Social foi de que "a inclusão requerida pela parte autora foi deferida administrativamente, após análise do requerimento administrativo apresentado".

No entanto, os salários de contribuição não foram alterados no CNIS. Ao verificar que a averbação não foi realizada como deveria, o juiz determinou que o INSS fizesse as devidas correções. (Processo nº 1037606-55.2020.4.01.3500).

Aumento da aposentadoria após averbação de sentença trabalhista

Um aposentado teve diferenças salariais reconhecidas através de uma ação trabalhista (horas extras e adicionais de insalubridade), no período de 16/07/2012 a 07/03/2017.

Tais diferenças não foram incluídas nas contribuições previdenciárias do segurado durante o período, pois o empregador só recolhia valores referentes ao salário da época.

Por essa razão, buscamos fazer a averbação, com o objetivo de atualizar os salários de contribuição entre as datas de 16/07/2012 a 07/03/2017

Inicialmente o pedido foi feito de maneira administrativa, mas o órgão negou a averbação, quando buscamos a via judicial.

O juiz acatou o pedido e determinou que o INSS atualize os salários de contribuição, conforme as informações lançadas na sentença trabalhista.

Assim o aposentado ainda terá revisado os valores de dois auxílios-doença recebidos entre 03/08/2017 e 05/02/2019.

Além disso, terá a revisão da sua aposentadoria especial, recebendo os valores em atraso e tendo o devido aumento no valor que já recebe atualmente. (Processo nº 1003556-88.2020.4.01.3504).

Revisão de aposentadoria por direito adquirido em ação trabalhista

O cálculo da Renda Mensal Inicial da aposentadoria do segurado ficou equivocado, isto porque, ao calcular o salário de benefício, o INSS não considerou as remunerações com adicional de periculosidade que foram reconhecidas através de uma ação trabalhista.

Assim, visando incluir as remunerações reconhecidas na Justiça do Trabalho no cálculo de seu benefício, fizemos um pedido administrativo de revisão de benefício. Entretanto, o INSS indeferiu o pedido em março de 2020.

Na via judicial, foi verificado o direito de revisão da aposentadoria, e o juiz determinou em sua decisão que "o INSS deve revisar a RMI do benefício concedido à parte autora, incluindo no cálculo do salário de benefício os valores do adicional de periculosidade reconhecidos como devidos por meio da sentença proferida nos autos de reclamação trabalhista, relativamente ao período de 16/12/2013 a 18/07/2018".

Além disso, o órgão deverá pagar os valores em atraso (decorrentes das diferenças na aposentadoria), acrescidos de juros e correção monetária. (Processo nº 1000696-52.2022.4.01.3502).

* GUTEMBERG MONTE AMORIM
















-Graduado em Direito pela  Pontifícia Universidade Católica de Goiás  ( 2009);

-Advogado especialista em Direito Previdenciário, Direito Médico e da Saúde e Direito Empresarial;

Atuação junto ao cliente desde o primeiro contato, sempre em busca de entender as particularidades do caso e construir a solução mais viável para a questão, com base em sua experiência e nos recorrentes estudos e atualizações sobre as áreas de especialidades. Acredita que o sucesso do cliente (Customer Sucess) na advocacia vai além dos resultados esperados e permeia, sobretudo, um bom acompanhamento, transparência e  proximidade em todas as fases da prestação de serviços.

Nota do Editor:

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