sábado, 18 de março de 2023

Categoria O: Óh, e agora?


 Autor: Adriano da Silva (*)

O início do período letivo de 2023 dos/as professores/as da rede estadual de São Paulo, optantes pela carreira de categoria O*, se depararam com um processo seletivo longo e cansativo, que demandou no recesso escolar tempo, habilidades tecnológicas e muita paciência.

Com as incertezas da conquista nas vagas docentes, muitos/as professores/as ao atribuírem suas aulas foram coibidos a completarem suas cargas de trabalho em outras designações, levados a ministrarem aulas que muitas vezes não tinham pleno domínio ou formação.

Essas reformas da carreira docente, nos levam a repensar o papel social do/a professor/a, que está para além do fazer pedagógico, requerendo habilidades, atitudes, valores e ética, que extrapolam experiências acadêmicas.

O/a professor/a pedagogo/a, por exemplo, tem um papel fundamental na formação dos cidadãos brasileiros nos primeiros anos de escolarização. Reforçam os aprendizados em outros espaços; exploram as relações estabelecidas entre os pares em sala de aula; propõem interações entre classes; expressão, verbalização, escuta atenta e respeito a opiniões; é uma pequena parte das experiências proporcionadas pelos/as professores/as em sala de aula, além dos laços que são estabelecidos em todo ano letivo entre os alunos e professores/as.

A nova carreira docente, com as possibilidades de se atuar em diversos segmentos e escolas (inclusive), demonstram que o fazer pedagógico é algo banal, pois qualquer pessoa com o mínimo de instrução pode dar uma aula sobre qualquer conteúdo, descreditando assim o saber fazer pedagógico dos/as professores/as que de fato são formados para trabalharem e formarem os estudantes naquilo que se propuseram a lecionar em suas carreiras.

Exemplos disso, são os/as professores/as pedagogos/as que puderam atribuir aulas de sociologia ou filosofia para completarem sua jornada de trabalho ou até mesmo, das disciplinas de humanidades que puderam atribuir aulas eletivas com temas diversificados, que variam de assuntos de física, química, arquitetura, turismo, etc.

O trabalho com os/as estudantes não pode ser considerado de forma simples, trivial, comum. Se queremos ter bons resultados acadêmicos nas escolas é necessário que se crie possibilidades para que de fato tenha.

É necessário que o processo seletivo para os/as professores/as da categoria O no Estado de São Paulo seja revisto, desde o processo seletivo até a conclusão do ano escolar. O/a docente precisa ser valorizado/a em muitos aspectos da sua carreira, pois não é um assunto atual as problemáticas existentes na educação. Portanto, que se crie abordagens para o próprio desenvolvimento desse/a profissional, levando ele/a a desenvolver suas habilidades em sala de aula e aumentando seu saber fazer pedagógico, mas dentro de seus limites de atuação.

REFERÊNCIA

(1) A categoria O é uma das categorias de profissionais docentes da educação que atuam nas escolas públicas do Governo do Estado de São Paulo. Ainda existem as categorias A, P, F, S, L e V. A categoria O está vinculada nos termos da lei L.C. “1.093/2009” e é atribuída via processo seletivo.

*ADRIANO DA SILVA














- Graduado em Pedagogia  pela Universidade de São Paulo - FEUSP (2020);
- Pós graduando em Gestão de Projetos pela Universidade de São Paulo - ESALQ - USP; e
- Atua como Professor nas séries iniciais (Ensino Fundamental 1) do Estado de São Paulo.

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

quinta-feira, 16 de março de 2023

Abandono afetivo de pessoa idosa


 Autora: Camila Gonçalves (*)

Muito se fala sobre o abandono afetivo dos pais para com seus filhos, mas e quando os pais se tornam idosos, é possível uma inversão de papeis?

A resposta é sim. Assim como os pais possuem responsabilidades perante seus filhos (quando estes são menores de idade ou incapazes), os filhos também possuem deveres ante seus pais idosos.

O abandono afetivo de pessoa idosa (também chamado de "abandono afetivo inverso") é caracterizado pela falta de cuidado dos filhos em relação aos pais, quando estes atingem a velhice.

Esse tipo de abandono configura uma violação aos deveres dos filhos para com os pais. Além do dever de convivência, também existe o dever de assistir (em todos os sentidos: ajudar, amparar, confortar, observar, acompanhar, auxiliar etc.) os pais idosos.

Nesse sentido, a Lei Federal nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), em seu artigo 3º, nos traz que:
Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar à pessoa idosa, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
Ao mencionar a comunidade, a sociedade e o Poder Público, o legislador se refere à efetivação e respeito dos direitos do idoso. Ou seja, é competência do Poder Público prover os meios necessários para que a saúde, a educação, o lazer etc., estejam garantidos. De outro lado, a comunidade e a sociedade têm papel fundamental no respeito e asseguramento de que o Poder Público esteja cumprindo com a sua parte.

Já quando se fala da obrigação da família, o assunto se aprofunda. Abandonar os pais idosos é desrespeito direto ao princípio da solidariedade familiar, que prevê a assistência mútua entre todos os membros da família, conforme art. 229, da Constituição Federal ("Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade") e arts. 3º e 4º do Estatuto do Idoso. Aqui, está incluída, inclusive, a solidariedade afetiva.

No Recurso Especial nº 1159242 SP 2009/0193701-9, de 2012, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, foi fixada a máxima de “amar é faculdade, cuidar é dever”. Ou seja, ainda que seja impossível obrigar um a amar o outro, é possível que o dever de cuidado seja definido como uma obrigação de mão dupla, em que, primeiramente, os pais cuidam dos filhos e, no futuro, este cenário se inverta.

Dessa forma, assim como os pais que cometerem abandono afetivo de seus filhos podem ser civilmente responsabilizados, os filhos que abandonarem seus pais idosos também, ou seja, é possível que haja uma condenação indenizatória pelos danos causados aos genitores.

É possível, também, que os filhos sejam obrigados a prover alimentos aos pais na velhice. E aqui, é importante permear que a pensão alimentícia não se restringe apenas aos alimentos (no sentido estrito da palavra). A obrigação abrange, também, todos os cuidados mínimos para que o idoso tenha uma subsistência digna, incluindo: saúde (despesas médicas de maneira geral), higiene, vestuário, lazer, alimentação, transporte, moradia (água, luz, gás) etc.

Frisa-se, ainda, a complexidade na avaliação das situações em que os pais alegam abandono afetivo inverso e, de outro lado, os filhos rebatem a argumentação, dizendo que o abandono se deu, primeiramente, dos pais para com eles, quando na infância.

Dessa forma, é preciso que seja feita uma análise, caso a caso, para entender o cenário concreto e, então, avaliar as possibilidades de indenizações e fixação de obrigações.

Ou seja, a máxima jurídica aqui se faz mais uma vez verdadeira: depende. Sendo assim, é de suma importância consultar um profissional especializado na área, para que seja feita uma análise profunda do caso, de maneira que seja traçada a estratégia jurídica mais adequada, para minimizar todo e qualquer sofrimento familiar – seja ele dos pais com os filhos, ou no cenário inverso.

* CAMILA LAVAQUI GONÇALVES























-Advogada graduada em Direito pela Faculdade de Direito, Universidade Presbiteriana Mackenzie (2019);

-Curso de extensão de Planejamento Sucessório pela Fundação Armando Alvares Penteado (05/2019);

-Curso de extensão de Psicologia Judiciária: o Universo da Lei, o Comportamento Humano e as Emoções pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (06/2019);

-Curso de expansão cultural: A Família no Judiciário pelo  Instituto Sedes Sapientiae (06/2019); e

-Pós-Graduação lato sensu  em Direito de Família e Sucessões pela  Escola Paulista de Direito (2020).

Nota do Editor:

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quarta-feira, 15 de março de 2023

A Cadeia de Vendas Oculta dos Bancos e a Facilitação dos Golpes


 Autora: Susanne Schaefer(*)

O Brasil possui 207,8 milhões de habitantes segundo censo prévio de 2022, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e de outra banda, em nosso país existem apenas 171 Bancos em atividade, além de outras 537 instituições como por exemplo Agencias de Investimento, Sociedades Corretoras, de Crédito Imobiliário, de Arrendamento Mercantil, e Instituições de Pagamento, espalhadas pelo Brasil.[1]

Pelos dados acima não é difícil perceber que o número de bancos versus o número de habitantes é muito baixo, mesmo considerando apenas a parcela apta a contratação de produtos e serviços bancários. Tal cenário impõe as Instituições Financeiras que desejam obter uma maior captação de clientes e suporte a suas atividades a necessidade de possuir uma ampla rede de atendimento, muito além das suas agências bancárias, especialmente porque manter a estrutura de uma agencia física para atendimento ao consumidor é algo caro, muito caro.

Com o advento da Pandemia COVID-19 aliado a criação do sistema PIX em novembro de 2020 houve o surgimento de uma nova era, aonde consumidores cada vez menos comparecem a uma agência bancária presencial e tal mudança de comportamento já foi sentida no setor, pois dados mais recentes do Banco Central mostram que atualmente existem apenas 17.348 agências bancárias no país, uma queda de 25,1% em relação ao ano de 2015.[2]

Mas, a diminuição do número de agências bancárias físicas não significa uma redução da rede de atendimento e captação bancária em si, isso porque, há toda uma cadeia de vendas que além das Instituições Financeiras, passa por seus correspondentes bancários que são contratados para executar atividades regulamentadas em nome do banco e recebem comissões por tais serviços prestados e essa extensão de atendimento por intermediação não é de hoje, mas com certeza se fortaleceu ao longo dos últimos anos.

O correspondente bancário é responsável por intermediar as relações entre as Instituições Financeiras e os clientes, facilitando o acesso aos serviços bancários como empréstimos, consórcios e financiamentos, sendo um verdadeiro facilitador no relacionamento entre cliente e banco e sua atividade é regulamentada pela Resolução nº 3.954, de 24 de fevereiro de 2011, dentre outras normativas.[3]

Nas empresas correspondentes, atuam os chamados agentes de crédito que são os profissionais responsáveis nos processos de atendimento e operacional para a concessão de crédito em uma correspondente bancária, essa profissão foi reconhecida pelo Ministério do Trabalho e Emprego em 2009, sendo que o Banco Central tornou obrigatório inclusive que o profissional possua um certificado para intermediar a liberação de crédito.

Assim, os bancos a cada dia diminuem seu contato direto com seus clientes e investem mais na contratação de correspondentes que atuam perante o consumidor final de forma “terceirizada”, abrindo contas, ofertando créditos, seguros, financiamentos e outros produtos, conforme o limite de sua atuação pré-determinado no contrato entre cada banco e correspondente, sendo o banco responsável legal por suas atividades. Nesse sentido o artigo 2º da resolução 3.954/2011 do Bacen:
Art. 2º O correspondente atua por conta e sob as diretrizes da instituição contratante, que assume inteira responsabilidade pelo atendimento prestado aos clientes e usuários por meio do contratado, à qual cabe garantir a integridade, a confiabilidade, a segurança e o sigilo das transações realizadas por meio do contratado, bem como o cumprimento da legislação e da regulamentação relativa a essas transações.
Para as Instituições Financeiras é um ótimo modelo de expansão enxuta, pois, quando diminuem a quantidade de suas agências físicas e contratam correspondentes mediante mero comissionamento, reduzem também seus custos com estrutura, funcionários diretos, passivo trabalhista e uma série de impostos. Já para as empresas que atuam como correspondentes, há o benefício de poderem se valer da já preestabelecida credibilidade e autoridade bancária que gera confiança perante o consumidor, trazendo assim a possibilidade de bons ganhos mediante a captação de novos clientes e atendimento a carteira já conquistada pelo Banco, que a disponibiliza ao correspondente com dados dos consumidores para que busquem manter uma fidelização através da frequente oferta de novos produtos.

Logo tal cadeia de vendas conta, logo após o atendimento direto do banco ao consumidor, com a figura do correspondente bancário, que sendo empresa contratada formalmente pelo banco e regulamentada de acordo com as Normas do Banco Central, atua perante o consumidor como verdadeiro "intermediador bancário", que fala em nome do banco e transmite ofertas e condições de empréstimos e financiamentos, por exemplo.

Porém, essa é a cadeia de vendas que está na superfície de percepção, a qual a existência é legal e admitida pelas Instituições Financeiras e pela qual os Bancos são facilmente reconhecidos como responsáveis quando ocorre uma falha na prestação de serviços, mas após o correspondente bancário, a cadeia de vendas continua e as vezes, de forma irregular.

O ponto é que tal continuidade não se dá sempre através de agentes de crédito que trabalham no correspondente diretamente vinculado ao banco, como seus funcionários ou por prestadores de serviços formais com substabelecimento autorizado pelo banco, mas sim através de outras empresas que prestam serviços informalmente aquele correspondente bancário, assumindo os poderes que esse recebeu do banco gerando uma verdadeira “quarteirização oculta” da atividade bancária.

O fato é que os correspondentes bancários também desejam expandir sua atividade do mesmo modo que os bancos e não querem precisar contratar muitos funcionários registrados ou prestadores de serviços diretos para tal finalidade mas o problema é que nem sempre esse substabelecimento é permitido.

Em que pese a norma legal permitir o substabelecimento da atividade do correspondente a outra empresa (vide art. 7º, § 1° da mesma norma), esse só é permitido em um único nível e somente se o contrato inicial prever essa possibilidade e as condições para sua efetivação, entre as quais a anuência da do Banco.

Assim, para que o correspondente possa substabelecer uma outra empresa para realizar suas atividades confiadas pelo banco, o contrato com o banco deve prever essa possibilidade e uma vez que haja tal intenção, o banco deve ser consultado para negar ou anuir, ao passo que é responsável por toda cadeia de vendas.

Os contratos de prestação de serviços entre as Instituições Bancárias e os Correspondentes no país em geral preveem uma vedação padrão ao substabelecimento de poderes do correspondente bancário, mas isso não tem impedido que essa quarteirização ocorra na prática.

Muitos correspondentes substabelecem seus poderes cedendo logins bancários e com eles, informações sigilosas de clientes e poder de inclusão de propostas na esteira bancária mesmo sem anuência formal do banco. Quando não cedem o login do sistema bancário, delegam as atividades de captação e negociação, passando então a receber destes substabelecidos a documentação para digitação de propostas de clientes que a correspondente bancária em si nunca teve contato, facilitando assim fraudes na negociação.

Esse substabelecimento a outras empresas menores no ramo de crédito ou até mesmo pessoas físicas para efetuar captação e atendimento e esses substabelecidos (parceiros informais perante o banco) permite que essas consigam ostentar perante o consumidor o status de correspondente bancário em função do acesso e informações sigilosas cedidas pelo correspondente direto do banco.

Logo, é estabelecido um elo muito fraco na cadeia de vendas, pois ao mesmo tempo que a empresa correspondente do banco deposita sua credibilidade e poderes em outra empresa, o banco, mesmo diante de todos os indícios de que parte dos contratos recebidos por determinado correspondente não foram efetivamente vendidos por ele, mas por outra empresa e agentes de crédito que desconhece, faz vista grossa visando apenas o lucro na atividade e assim, negligencia a segurança das operações bancárias vendidas ao consumidor final.

É neste contexto que o consumidor fica rendido.

Sem qualquer pretensão de generalizar toda uma classe de empresas prestadoras de serviços aos correspondentes, infelizmente algumas dessas empresas se aproveitam do acesso a esteira de vendas bancária e credibilidade que recebem perante o consumidor para prática de golpes, como por exemplo, induzir o consumidor a erro, realizando fraudes em empréstimos e tirando vantagens indevidas. Fazem isso porque pensam que estão "fora do radar".

Quando uma dessas empresas (e as vezes até mesmo pessoas físicas) substabelecido(a)s pelo correspondente bancário cometem uma falha de prestação de serviços ou praticam golpe e o consumidor recorre ao banco para pedir ajuda ou até mesmo aciona a justiça, o banco por vezes acaba se apoiando covardemente em uma narrativa de que "não teria culpa pelo ocorrido" pois "a empresa que falou com o cliente não é sua correspondente".

Ou seja, o banco delega poderes ao correspondente, possuindo dever de fiscalizar as atividades desse e a legitimidade das operações intermediadas (inclusive verificar se há ou não quarteirização indevida) e o correspondente delega esses poderes ao substabelecido, sendo clara a existência da cadeia de vendas, mas, quando surge uma lesão ao consumidor o banco nega sua responsabilidade, como se não possuísse o dever de assumir o risco da sua atividade (art. 927 do Código Civil) ou como se não houvesse lucrado com essa mesma amplitude da cadeia de vendas.

Isso tem ocorrido recorrentemente em muitos casos de fraudes bancárias, especialmente no "Golpe da Falsa Portabilidade" e "Redução de Parcelas", nos quais a empresa que contata o consumidor promete falsas vantagens de redução de juros, conseguindo induzir o cliente a erro, formalizando contratação de um novo empréstimo em nome dele e quando o valor cai na conta do cliente o induzem a repassar ao "correspondente" para suposta finalização da operação de portabilidade/redução, a qual no final nunca se concretiza, se apropriando a empresa do valor repassado e deixando o consumidor com mais um empréstimo no seu nome.

O resultado de golpes como esses é prejuízo ao consumidor, pois a vítima obtém uma nova dívida não desejada e quando descobre a fraude, como o dinheiro do empréstimo não está em seu poder para devolver ao banco, encontra resistência do mesmo no cancelamento do contrato e exclusão da parcela da fraude e essa é uma clássica situação aonde os bancos alegam a existência de duas excludentes de ilicitude, a "culpa exclusiva de terceiro" e a "culpa exclusiva da vítima", previstas no art. 14, § 3º, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor.

Os bancos tem até mesmo alegado culpa de terceiros em casos de fraudes comprovadamente praticadas por seus correspondentes diretos, que são legalmente sua extensão perante o consumidor! um absurdo. Quando a fraude é praticada pela empresa “quarteirizada” ocultamente a situação para o consumidor é ainda pior, pois se torna mais difícil (mas não impossível) demonstrar a existência da cadeia de vendas, mesmo conseguindo a inversão do ônus da prova.

Quando a vítima entra com um processo judicial de anulação de um débito fruto de um golpe/fraude, os bancos nunca juntam aos autos o seu contrato de prestação de serviços com o correspondente que digitou o contrato no sistema, justamente para buscar ocultar sua responsabilidade, seja pela ação lesiva ao consumidor daquele correspondente, seja pela ação lesiva da empresa substabelecida pelo correspondente, pois o contrato demonstraria se naquele caso, houve a autorização para aquele correspondente substabelecer, o que prejudicaria a narrativa bancária de exclusão de sua culpa.

Mesmo havendo entendimento pacífico no STJ (Súmula 479) sobre a responsabilidade objetiva das Instituições Financeiras por fortuitos internos relativos a fraudes praticadas por terceiros no âmbito das operações bancárias, o objetivo dos bancos é tentar demonstrar que o fortuito nesses casos, seria externo. Mas pela ótica legal o correspondente bancário representa diretamente o banco perante o consumidor e quando esse decide delegar sua atividade, o banco através do risco da atividade e especialmente pelo seu dever de fiscalização, se mantem responsável por toda oferta feita ao consumidor final.

Registre-se ainda que os correspondentes diretos do banco que substabeleceram outra empresa para captação e negociação, quando incluídos no polo passivo de uma ação que contesta a validade de um empréstimo digitado por eles (mas não captado e negociado), raramente admitem a existência dessa outra empresa como sua parceira de negócios e mesmo sem juntar qualquer elemento de prova de que efetivamente negociaram com o cliente, sustentam genericamente que a operação é legítima e que não possui vícios.

Por todo exposto, para que se consiga um reconhecimento pelo do judiciário da existência da cadeia de vendas em casos de "quarteirização oculta" da atividade bancária, evidenciando-se assim a responsabilidade dos bancos, o advogado do consumidor vítima de fraude necessitará aplicar boa exposição lógica dos fatos que levaram a consumação da fraude ter domínio para explicitar o funcionamento do sistema de captação, negociação, digitação e averbação dos contratos de empréstimos a fim facilitar ao magistrado que forme seu convencimento acerca da inaplicabilidade dos excludentes de ilicitude arguidas pelas casas bancárias.

Do contrário, o consumidor que foi induzido a erro pode acabar amargando um prejuízo de forma definitiva, por conta de uma falha na cadeia de vendas que permite a atuação "oculta" de empresas mal intencionadas, que só conseguem acesso ao sistema bancário por falha dos bancos na contratação e fiscalização de seus correspondentes.

Não se deve deixar que uma facilidade comercial gozada pelas Instituições Bancárias seja ao mesmo tempo uma grave vulnerabilidade ao consumidor, hipossuficiente na relação de consumo e que merece ser atendido sempre de forma honesta, com clareza de informações e segurança de seus dados.

REFERÊNCIAS

[1] https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/relacao_instituicoes_funcionamento

[2] 
https://www.google.com/search?q=n%C3%BAmero+de+agencias+banc%C3%A1rias+no+brasil&rlz=1C1CHZN_pt-BRBR935BR935&oq=n%C3%BAmero+de+agencias+banc%C3%A1rias+no+brasil&aqs=chrome..69i57j0i22i30.10591j0j9&sourceid=chrome&ie=UTF-8

[3] https://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/2011/pdf/res_3954_v7_L.pdf

SUSANNE VALE DINIZ SCHAEFER
















 Advogada graduada  em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade UNIESP (2017);

- Pós-graduada em Direito civil e Processo Civil pela Faculdade Legale Educacional em São Paulo (2019);  
       
- Membro da Comissão de Direito Bancário e Comissão de Defesa do Consumidor na OAB Santos- SP;

-Agente de Crédito Bancária certificada de acordo com as normas do Banco Central, com mais de seis anos de experiência prática na área bancária especialista em crédito consignado;

-Sócia fundadora na Schaefer & Souza Advogados Associados, com equipe focada em processos envolvendo fraudes bancárias, possuindo o escritório além de área de amplo atendimento ao consumidor, nichos de atuação na esfera do direito civil, empresarial, trabalhista e previdenciário; e

-Autora do Canal “Via do Direito” no YouTube onde se compartilham conhecimentos sobre direitos, especialmente conscientizando consumidores e ensinando como evitar e como lidar com fraudes envolvendo crédito consignado.

 Nota do Editor:

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terça-feira, 14 de março de 2023

O direito de técnicos e auxiliares na aposentadoria dos professores


 Autor:  Alexandre Triches(*)


A aposentadoria dos professores é devida para professores de ensino da rede infantil, fundamental e médio das redes públicas ou privadas que comprovem período de contribuição de trabalho em atividade relacionada ao magistério. A prestação é devida também para os casos de professores que exercem cargos de coordenação, supervisão, direção ou orientação pedagógica nos estabelecimentos de ensino.

A reforma da previdência de 2019 alterou os requisitos para o enquadramento no direito da aposentadoria dos professores. É fundamental que cada professor avalie o melhor momento para requerer a aposentadoria, inclusive em relação às regras de transição que foram criadas.

Acontece que muitos professores, em especial aqueles que exercem cargos de supervisão, direção, orientação e coordenação, são contratados como técnicos e/ou auxiliares ou por outros cargos similares, pelos estabelecimentos de educação. Todavia, na prática, exercem típica atividade de professor.

O INSS não reconhece o direito de professores para fins de aposentadoria, que não foram admitidos ou contratados para a função de professor. Restringe também o direito da aposentadoria do professor ao especialista em educação.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, por sua vez, norma de hierarquia superior aos atos do Previdência Social, considera funções de magistério as exercidas por professores e especialistas em educação no desempenho de atividades educativas, quando exercidas em estabelecimento de educação básica em seus diversos níveis e modalidades, incluídas, além do exercício da docência, as de direção de unidade escolar e as de coordenação e assessoramento pedagógico.

É razoável concluir que a vedação do INSS ao reconhecimento do direito da aposentadoria para os professores que, contratados para cargos, dos mais diversos, comprovarem exercer atividade típica de docência gera injustiças. A formalidade não deve prevalecer à realidade do trabalho do professor. Seria razoável que a Previdência Social adequasse esta norma.

*ALEXANDRE TRICHES















-Graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul -PUC/RS (2005);
-Especialização em Direito Público pela PUC/RS(2007)
-Mestrado pela PUC/RS (2012).
Atualmente é advogado especializado em Previdência Social e é Professor Universitário 
Contatos

Nota do Editor:

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Como Morre o “Espírito da Lei”?


 Autor: Rogério Alves (*)

Sabemos que o nosso Legislativo formam as Leis Municipais, Estaduais e Federais. Não obstante, quando o legislador desenvolve determinada lei através do processo legislativo que envolvem debates públicos, estabelecimento de comissões temáticas, análise de constitucionalidade pelo CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), apresentação e colocação para voto e respectiva aprovação no parlamento e por fim o sancionamento pelo Poder Executivo e publicação em órgão oficial de imprensa, ele impõe seus fundamentos com base na necessidade social e intenções quando aos seus efeitos.

Há momentos que o texto legislativo, embora tenha validade, torna sem efeito no âmbito fático da sociedade. Um exemplo interessante reside no âmbito processual que atua fortemente no trabalho dos advogados, trata-se do Agravo de Instrumento, uma espécie de recurso utilizado para questões assessorias, porém importantes, do processo, por exemplo, se ajuizar uma ação de alimentos requerendo pagamento imediato diante da necessidade do alimentado e possibilidade do alimentante em provê-lo e, o juiz da causa não conceder, o alimentante através de seu advogado se utiliza do Agravo de Instrumento para recorrer ao Tribunal e obter a modificação da decisão e conceder os alimentos provisórios até que se torne definitivo no fim do processo através da sentença.

O agravo de instrumento atualmente está previsto no art. 1.015 do Código de Processo Civil e com as mudanças ocorridas no ano de 2015 com a Lei 13.105, passou a ser aplicável somente em algumas situações relacionadas em Lei, já que no art. 522 do antigo código permitia tal recurso em todas as decisões de primeira instância, exceto aos despachos de mero expediente e sentença, neste último caso cabendo recurso de apelação.

Na verdade, a intenção do legislador era diminuir o volume de recursos de Agravo de Instrumento nos Tribunais, já que o advogado poderia recorrer de qualquer situação estando em termos com a legislação processual anterior. Tal fato gerou uma quantidade absurda de recursos para o Tribunal julgar. Lembro inclusive no estágio, ao realizar relatório das decisões do Tribunal na parte de julgamento dos recursos de Agravo de Instrumento, os mesmos eram realizados a “toque de caixa”, não se conseguia anotar o nome das partes e o número de processo, o que dizer sobre o mérito e a decisão final do recurso, era muito corrido devido à quantidade que se tinha de decidir nas sessões de julgamento. 

Portanto, é de se entender a intenção de reduzir os recursos nos Tribunais para desafogar os trabalhos, porém a justiça é dinâmica e os operadores de direito começaram a insistir pelo processamento do referido recurso em questões fora do relacionado em Lei para alcançar também causas urgentes, gerando tema repetitivo nas instâncias superiores, até que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) fixou entendimento jurisprudencial de aplicação ampla em 2018 através do Tema repetitivo 988, cuja tese definida foi:

“O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.”

Desta forma o STJ decidiu que o referido artigo de lei processual civil possui “taxatividade mitigada”, ou seja, a sua aplicação rígida foi suavizada para as questões urgentes e que não teriam importância se colocadas depois no recurso de apelação, ampliando assim a sua aplicação além das situações já previstas em Lei. 

Tal ato fez com que as intenções do legislativo contidas na redação do art. 1.015 do CPC para restringir a aplicação do recurso e desafogar os Tribunais fossem totalmente excluídas, ou seja, o espírito da lei imposto pelo legislador foi invalidado pela necessidade fática da sociedade. Perceba que tudo aconteceu de forma orgânica e não por vontade de um indivíduo ou outro, mas sim houve uma construção jurisprudencial demonstrando a necessidade de aplicação mais ampla de uma modalidade de recurso tão importante para o trabalho do advogado na em defesa dos direitos de seus clientes.

Interessante saber que é papel do legislador verificar os efeitos da Lei antes de sua promulgação, o problema é que fatos como os relatados no presente artigo ocorrem muitas vezes em diferentes áreas da sociedade, perde-se tempo e dinheiro dos impostos, sem contar que o custo social por um artigo de lei mal redigido é imensurável: Quantos possuíam questões urgentes passíveis de agravo de instrumento e que não puderam utilizar entre 2016 (aplicação da vigência da Lei Processual) e 2018 (fixação do novo entendimento jurisprudencial)? Realmente os prejuízos são imensuráveis.

Este é só mais um exemplo de como as Leis brasileiras são promulgadas e com o passar do tempo perdem sua eficácia integral, deixam de ser aplicáveis devido à ausência de perspicácia do Poder Legislativo na constituição das Leis, erros graves que só podem ser corrigidos através das eleições escolhendo-se pessoas preparadas e capazes de atender e entender a sociedade através de uma boa e saudável construção normativa é o que se espera a cada eleição que acontece.

 

Fontes:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm#:~:text=Art.%201.015.%20Cabe,processo%20de%20invent%C3%A1rio

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm#:~:text=Art.%20522.%20Ressalvado%20o%20disposto%20nos%20arts.%20504%20e%20513%2C%20de%20todas%20as%20decis%C3%B5es%20proferidas%20no%20processo%20caber%C3%A1%20agravo%20de%20instrumento.

https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=988&cod_tema_final=988

https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/STJ-define-hipoteses-de-cabimento-do-agravo-de-instrumento-sob-o-novo-CPC.aspx

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm#art1015

https://www.dicio.com.br/taxatividade/

https://www.dicio.com.br/mitigado/

Resumo: Como Morre o "Espírito da Lei"? (Tema 988 do STJ). Depois da vigência de determinada Lei, esta pode sofrer a perda de seu espírito, entenda como através do Tema 988 do STJ.

*ROGÉRIO ALVES











-Advogado Graduado no Centro Universitário Nove de Julho (2004);

-Especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Direito (2007);

- Advogado parceiro da Buratto Sociedade de Advogados e Shilinkert Sociedade de Advogados; e

- Palestrante do Departamento de Cultura e Eventos da OAB Seção São Paulo.

Nota do Editor:

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segunda-feira, 13 de março de 2023

Quanto ganha um vereador?


 Autor: Paulo Toledo (*)

Já faz alguns anos que a classe política e seu custo vêm sendo bastante questionados no Brasil. Não é raro lermos mensagens nas redes sociais fazendo contas e contestando a relação custo-benefício dos Poderes constituídos, em especial, quando falamos no Executivo e no Legislativo, paradoxalmente, aqueles cujos mandatários são representantes do povo, escolhidos pela vontade da maioria.

O Brasil tem seu Poder Legislativo dividido pelas três esferas da Federação, tendo câmaras específicas tanto na União, quanto nos Estados e nos Municípios.

A nível federal, temos um sistema bicameral, onde a Câmara de Deputados é composta de 513 (quinhentos e treze) deputados federais, eleitos pelo sistema proporcional, que representam a população dos estados. São Paulo, estado mais populoso da federação, tem 70 (setenta) deputados, e já os estados do Acre, Amazonas, Amapá, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, Sergipe e Tocantins, além do Distrito Federal, possuem 08 (oito) representantes cada. Os demais estados estão distribuídos entre estes, de acordo com suas populações.

A outra Casa, que junto com a Câmara dos Deputados compõe o Congresso Nacional, é o Senado Federal, que tem representantes de cada unidade federativa, ou seja, os 26 Estados e o Distrito Federal, com igual representação, ou seja, 03 (três) senadores cada, em um total de 81 (oitenta e um) legisladores eleitos.

Já os Estados possuem suas Assembleias Legislativas (e o DF, a Câmara Legislativa), cujo número de deputados estaduais está previsto no art. 27 da Constituição Federal: "O número de Deputados à Assembleia Legislativa corresponderá ao triplo da representação do Estado na Câmara dos Deputados e, atingido o número de trinta e seis, será acrescido de tantos quantos forem os Deputados Federais acima de doze".

E por fim, os Municípios, que possuem as Câmaras Municipais, também conhecida como Câmara de Vereadores, por ser este o nome dos legisladores locais, que de acordo com o art. 29, inciso IV da Constituição Federal, possuem de 09 (nove) a 55 (cinquenta e cinco) vereadores. Por ter o teto de vereadores estipulado pelo tamanho populacional, a única cidade com 55 vereadores do país é o município de São Paulo (SP).

As funções dos legisladores, de crucial importância para o sistema democrático, além da clássica atribuição de formular leis, também envolve, de forma muito marcante, a fiscalização do Poder Executivo, a qual é exercida por meio de diversas formas, incluindo a possibilidade de cassação do Chefe daquele Poder, processo conhecido no Brasil pelo popular termo inglês impeachment.

Desta forma, traçado um rápido panorama do Poder que é considerado aquele que maior representatividade traz à população, é momento de voltar ao assunto abordado de início, ou seja, o custo dos vereadores para cada Município.

Algumas informações são importantes de se ter em vista na discussão do assunto. As Câmaras de Vereadores não tem uma receita própria, eis que todo o poder arrecadatório do estado se encontra nas mãos do Poder Executivo. Não existe Poder Judiciário no âmbito municipal. Comumente as Comarcas, divisão administrativa do Judiciário são confundidas com os Municípios onde ficam a sua sede, mas não existe nenhuma vinculação entre uma e outra coisa. A administração das chamadas "varas" ficam a cargo dos Estados e da União, não havendo nenhum órgão judicial vinculado à Administração Municipal.

Assim, cabe ao Poder Executivo, além de suas próprias despesas, a responsabilidade pelo custeio do Poder Legislativo, que é feito por meio de repasses mensais, conhecido no meio político e administrativo como duodécimos, justamente por se dividirem em 12 (doze) parcelas. O valor do duodécimo, que pode ser estabelecido por cada Município, deve, no entanto, respeitar os limites previstos no art. 29-A da Carta Magna, ou seja, de 3,5% (três e meio por cento) a 7% (sete por cento) da receita municipal (receita esta, aferida com base em alguns critérios contidos na própria carta constitucional). Neste caso, novamente a referência é a cidade de São Paulo/SP, única inserida na faixa do 3,5%.

Desta forma, vemos que os Municípios, embora tenham alguma margem para decidir o valor, em percentual da receita, que será repassado às Câmaras, esta se revela estreita, de modo que o valor total de gasto com o Legislativo municipal recebe pouca influência da vontade dos políticos.

E em que seriam gastas estas receitas repassadas às Câmaras? Obviamente, na manutenção na estrutura de trabalho dos vereadores: estrutura física, material e de recursos humanos que permitam aos mandatários o exercício de suas atribuições. Ou seja, são os gastos com a manutenção do prédio onde funcionam o apoio administrativo, os gabinetes, plenários e salas de reuniões, que pode ser próprio do Município ou locado, e de toda sua estrutura, os gastos com equipamentos e materiais de escritório, limpeza e divulgação dos trabalhos, pagamentos dos funcionários efetivos da Casa e da assessoria de cada vereador e prestadores de serviço terceirizados, como o pessoal de limpeza e segurança.

Mas o principal questionamento da população acerca dos gastos ainda não foi explicado.

Afinal, quanto ganha um Vereador??? Existem critérios objetivos para a fixação da remuneração de tais representantes da população nesta esfera de governo.

A remuneração do vereador é sempre definida por uma legislatura (composição da Câmara, que muda a cada quatro anos, com as novas eleições) para a legislatura seguinte. O nome técnico da remuneração dos vereadores é "subsídio", e é instituída em um valor único, que não pode ser acrescido de mais nada. Ou seja, vereador não tem adicional, gratificação, prêmio ou nenhuma outra parcela além daquela única que é o subsídio. E o valor que é fixado tem um teto, que varia de acordo com o tamanho da cidade e o salário do deputado do Estado onde o município está localizado.

Os tetos remuneratórios são os seguintes:

• 20% do salário dos deputados estaduais em cidades com até 10 mil habitantes

• 30% do salário dos deputados estaduais em cidades com 10 mil a 50 mil habitantes

• 40% do salário dos deputados estaduais em cidades com 50 mil a 100 mil habitantes

• 50% do salário dos deputados estaduais em cidades com 100 mil a 300 mil habitantes

• 60% do salário dos deputados estaduais em cidades com 300 mil a 500 mil habitantes

• 75% do salário dos deputados estaduais em cidades com mais de 500 mil habitantes

Para se ter uma noção, no estado de São Paulo, maior da federação, o salário do deputado estadual está em um valor bruto de R$ 29.469,99 (vinte e nove mil, quatrocentos e sessenta e nove reais e noventa e nove centavos), em abril de 2023 será aumentado para R$ 31.238,19 (trinta e um mil, duzentos e trinta e oito reais e dezenove centavos).

Assim, sabendo a população de seu município, qualquer pessoa pode calcular até quanto pode ser o subsídio do vereador. Mas ainda assim, os valores são estabelecidos, dentro deste teto, a cada quatro anos, por vereadores que não sabem se serão reeleitos no próximo pleito.

Obviamente, o conhecimento sobre os critérios objetivos pelos quais são estabelecidos os vencimentos dos vereadores, não encerra a discussão sobre a justiça, oportunidade e conveniência dos seus valores, mas lança uma luz sobre a forma como são definidos. Se é pouco ou muito, é uma polêmica que pode variar de uma cidade para outra, mas é fundamental, para qualquer debate, que fiquem claras as informações. E está quase tudo no "livrinho" (como alguns chamam, carinhosamente, nossa Lei Maior).

* PAULO TOLEDO










-Graduado em Direito pela Universidade Católica de Santos(1999);

-Especialista em Direito Eleitoral no curso de pós graduação latu sensu pela Universidade de Santa Cruz do Sul (2017);

-Advogado, militante na área do Direito Público na região da Baixada Santista (SP).



Nota do Editor:


Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

domingo, 12 de março de 2023

Mitos, crenças e tabus em torno da sexualidade dos casais


 Autora: Fernanda Araújo (*)



Neste artigo quero trazer algumas reflexões sobre os mitos e tabus envolvendo a vida sexual dos casais.

Durante a leitura, observe os mitos que são mais frequentes, os que te chamam mais atenção.

Pode ser que você chegue a pensar: "meu Deus, as pessoas pensam verdadeiramente isso?". Ou então: "isso é um mito? achei que era verdade".

Analise como esses mitos afetaram e podem estar afetando a sua vida.

Alguns mitos geram um "peso", expectativas e cobranças sobre o que é uma vida sexual ideal. Incluem mensagens ou imagens fantasiosas e até irreais sobre como seria uma vida sexual fascinante.

Trazem uma ideia idealizada da vida sexual dos casais e geram uma série de desconfortos, conflitos e sofrimento. E nem sempre os casais terão conhecimento suficiente, experiência e preparo para lidar bem com os conflitos reais que se apresentarão na vida íntima.

Por isso, como terapeuta de casais percebo que é crucial falarmos sobre os tabus que envolvem a vida sexual de um casal.

"DEPOIS QUE SE CASAR, O SEXO ACABARÁ"

O fato de o sexo acabar quando os casais se casam não está relacionado a um documento assinado que formalizou a união dos parceiros, mas sim à dinâmica que se estabeleceu entre eles, que deve incluir o cuidado, atitudes, empenho e disposição para manterem uma relação harmônica em todos os sentidos.

É certo que o casamento engloba responsabilidades, mas o casal deve trabalhar para ir além do comodismo. Casais que já estão juntos há muito tempo experimentam diferentes fases e momentos no caminho de dividir a vida.

A fase da paixão não se sustenta, e dá lugar, com o tempo, a aspectos diferentes de afeto, carinho e um amor mais calmo e puro. A sexualidade com qualidade é reflexo de uma construção no dia a dia.

Os casais que seguem bem já se conhecem mais, já se exploraram muitas vezes, sabem os gostos do outro, se aceitam como são, tem uma troca equilibrada e são esses fatores que deixam o sexo cada vez melhor, mais profundo.

"SE NÃO SINTO DESEJO SEXUAL, É PORQUE NÃO AMO MAIS O PARCEIRO"

Não necessariamente. O fato de se ter mais ou menos "apetite" não significa que alguém não ame o seu companheiro, e sim que nem todas as pessoas são iguais. No ritmo sexual não poderia ser diferente. O casal haverá de encontrar junto, a medida que equilibre e satisfaça cada um.

Quando um dos parceiros tem mais libido, geralmente será o que procura mais, que propõe mais variações nas formas de se relacionarem na cama, e pode com o tempo sentir que só há esforço de sua parte, acreditando que o outro não lhe gosta muito.

O casal deve conversar de forma transparente, e assim encontrar uma forma equilibrada de estar junto. A vida sexual é para os dois e é muito saudável.

"SEXO SÓ É BOM QUANDO AMBOS TÊM ORGASMO"

Fazer sexo não é só chegar ao orgasmo. Pensa-se sempre que se os parceiros não chegaram ao clímax, então a relação sexual "não contou".7

Por muitas vezes, condições como cansaço, preocupação, alterações hormonais e estados emocionais pontuais poderão influenciar na chegada ao orgasmo.

Mas o casal deve considerar que beijos, carícias, toques e estímulos também podem ser experimentados com muito prazer, mesmo que alguém não chegue ao orgasmo.

"A FREQUÊNCIA DAS RELAÇÕES SEXUAIS DITA QUANTO TEMPO O CASAL  FICARÁ JUNTO"

Para alguns, poder manter relações sexuais todos os dias pode ser essencial. Para outros, não.

De qualquer forma, cada casal funciona de uma maneira e nem todos se “conectam” do mesmo jeito.

Cada relacionamento pode ser um mundo à parte e não cabe a ninguém definir regras e protocolos sobre a melhor forma de se viver uma vida sexual em casal.

Ninguém pode ditar quanta paixão deve haver entre os lençóis de duas pessoas. As relações devem ser desfrutadas cada uma à sua maneira. Momentos inesquecíveis podem ser vividos totalmente em privacidade. Cada casal a seu modo.

"SEXO SEM PENETRAÇÃO NÃO É SEXO DE VERDADE"

Sexo é muito mais do que só a penetração. Aqui se cria uma crença que dificulta a aceitação e o desenvolvimento de uma vida feliz com alguém. Casais podem sim compartilhar momentos de imenso prazer, de diversas formas que não incluem a penetração. Uma vida sexual pode ser muito feliz quando vivida com liberdade.

"A PRÁTICA DA AUTOMASTURBAÇÃO INDICA QUE A VIDA SEXUAL NÃO ESTÁ SENDO SUFICIENTE"

A masturbação faz parte do processo de satisfação sexual individual e inclui conhecer o próprio corpo. Não há nada de mal nisso, desde que não se estabeleça um padrão de excesso, que poderia estar indicando uma compulsão sexual. A vida sexual começa por cada um conhecendo a si e como funciona seu corpo.

Há a crença de que se o parceiro se masturbar, é porque o outro não lhe está satisfazendo. O que não é verdade. Não somos a metade da laranja do outro. Somos para a vida dele, complemento. 

 "TERAPIA SEXUAL É UM BATE-PAPO SOBRE SEXO"

 A terapia sexual é baseada em um conjunto de práticas que auxiliam o indivíduo a solucionar dificuldades sexuais. É feita uma análise aprofundada sobre a sua história de vida, crenças, conflitos e relacionamentos. A partir disso, trabalha-se para ressignificar e melhorar a vida sexual do paciente. Na terapia sexual, ninguém é julgado ou exposto. Apenas acolhido para que tenha seus medos trabalhados. Seus traumas identificados. Seus receios e dúvidas esclarecidos. Mulheres, homens, transgêneros, travestis, homossexuais, heterossexuais, pessoas não binárias, todos são bem-vindos à terapia sexual.

"SE OS PARCEIROS SE AMAM, SABERÃO COMO SATISFAZER AO OUTRO SEXUALMENTE"

Não necessariamente se conhecerá totalmente as preferências de um parceiro. É preciso que seja dito, mostrado, conversado, sem receio. A comunicação do casal sobre o sexo é extremamente necessária. O casal pode fazer combinados e acordos. E que seja num clima tranquilo e descontraído.

"ASPECTOS PSICOLÓGICOS NÃO PODEM AFETAR O DESEJO SEXUAL"

A falta de desejo sexual pode ter diversas causas. E pode ser inclusive, multifatorial.

Encontraremos questões fisiológicas, emocionais e psicológicas, crenças e muito mais.

Alguns traumas ou situações vivenciadas podem gerar algum bloqueio que afeta a vida sexual dos indivíduos. É importante buscar uma ajuda psicológica quando não se tem vontade de fazer sexo, quando não se sente prazer, quando não se permite vivenciar a sexualidade.

Em alguns casos encontraremos características de frigidez, onde a pessoa não responde de forma alguma a estímulos sexuais. Não há excitação de jeito nenhum.

Neste caso é recomendado que se procure um especialista. O urologista em casos de disfunção sexual masculina, ou o ginecologista se a questão for feminina.

Se for identificada uma dificuldade no nível emocional, é recomendado que se procure um sexólogo ou psicólogo. Muitas vezes a dificuldade se encontra no nível mental.

"O HOMEM DEVE SATISFAZER A SUA PARCEIRA"

A satisfação em primeiro lugar é individual. A busca e abertura por se sentir satisfeito é de cada um. O parceiro participa e auxilia, mas não é sua total responsabilidade dar conta do prazer do outro. Um homem não deve ser colocado como um "provedor" de prazer.

Uma pessoa melhor resolvida e que se conhece bem, não colocará nas mãos do outro essa responsabilidade. Além disso, sabe identificar um melhor parceiro possível, sem idealizar ou buscar alguém que seja perfeito.

"CONTRACEPÇÃO É RESPONSABILIDADE DA MULHER"

O homem ou mulher precisam estar plenamente conscientes de que a relação sexual não inclui apenas trocas prazerosas. Inclui também seus riscos e um deles diz respeito a uma gravidez. Se o casal não intenta ter filhos, deve se preocupar igualmente com isso. Devem pesquisar, buscar orientação profissional, conversar e encontrar a dois o melhor método.

Vivenciar tais crenças e mitos é algo comum e não deve trazer intimidação. O conhecimento acerca de algo pode libertar.

Em muitos casos, os assuntos mais delicados, que geram conflitos, são abafados, deixados de lado na esperança de que tudo vai se resolver de forma espontânea. A ideia é que falar sobre os problemas vai deixar tudo pior do que já está, quando na verdade é o oposto.

Pesquisar, buscar auxílio, estudar e conhecer, além de conversar com o parceiro, é imprescindível.

E nunca descartar a busca por um especialista, que tem ferramentas para ajudar.

Porque a sexualidade faz parte da vida e deve ser experimentada com leveza e saúde.

* FERNANDA ARAÚJO












Psicóloga Clínica – CRP 06/143598;
-Formada em Psicologia pela Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU);
-Especialista em Saúde Coletiva com Ênfase em Saúde da Família;
-Atende em consultório particular, na abordagem psicanalítica;
-Atendimento de casais, adultos e adolescentes;
-Local de Atendimento ABCD e Jabaquara / SP;
@psicofernandaaraujo

Nota do Editor:

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