sábado, 21 de outubro de 2023

Dá licença, mas eu vou sair do sério!


 Autora: Jacqueline Caixeta (*)




Em tempos de globalização, todo mundo entende de tudo. Todo mundo virou especialista e sabe tudo! Todo mundo tem opiniões formadas e certezas a defender quando o assunto é educação. Ora bolas, me desculpem, mas todo mundo é gente demais dando "pitaco" e querendo dizer o que é certo ou errado, quando nem se sabe direito do que está falando.

Nunca vi um paciente chegar para um médico e dizer como ele deve ou não fazer sua consulta, nem para um dentista, como proceder, para um cozinheiro, em como temperar sua comida ou para motorista, se deve ou não passar tal marcha, enfim, o único profissional que um monte de leigo se acha no direito de dar palpites e interferir na prática, é o professor.

Vocês não imaginam os recadinhos que um professor recebe de um pai leigo em educação, sobre como dar sua aula, em como abordar algum tema, em como avaliar tal conhecimento. Se a criança é pequena então, os pais, dentro das suas verdades, para que os filhos não se frustrem, ou por pura falta de competência para lidar com as limitações cognitivas dos filhos, se acham no direito de dizer aos professores como devem fazer. O que vale é a velha e boa regra de que "meu filho não pode sofrer", ou, "meu filho não pode se frustrar e tal atividade está frustrando ele porque ele não sabe fazer." Ora bolas, se não sabe fazer, procure a escola para descobrir os motivos e busque ajuda para sua filho, ao invés de tentar mudar a maneira de ensinar do professor ou mesmo a proposta avaliativa da escola!

A falta de limite dos pais ao enviarem seus recados para um professor esbarra, não somente na falta de educação deles, mas também em algo muito mais sério, a falta de respeito por uma categoria que se desdobra para que crianças e adolescentes aprendam. O aprendizado passa por várias questões e quando ele não se dá dentro do proposto para uma determinada faixa etária, é porque tem algo acontecendo com essa criança ou adolescente, algo que, provavelmente, vá além da maneira como o professor ensina. É preciso investigar, já que aquela criança teve os mesmos ensinamentos e oportunidades de aprendizados que as demais e só ela não está conseguindo o avanço desejado.

Infelizmente em casos assim, é mais fácil culpar a escola, o professor, sua didática, a metodologia, enfim, sempre o outro, do que querer saber o que está acontecendo com o meu filho. Na educação temos tantas propostas de intervenções que podem ajudar desde que diagnosticado as dificuldades. São tantas oportunidades de aprendizados na educação para os que não aprendem no mesmo ritmo dos demais, no entanto, dá trabalho investigar e culpar o outro é bem mais fácil.

Temos professores com competências absurdas de anos de prática pedagógica que são humilhados e desrespeitados com abordagens de famílias que preferem partir pra cima da escola ao invés de ajudar o filho. Não vamos permitir mais essa queda de braços, chega, estamos cansados de tanto desrespeito! Vamos, enquanto educadores chamar essas famílias, que os filhos aprendem de maneira e tempos diferentes dos demais, e mostrar que tá tudo bem, que eles precisam mesmo de um tempo maior e que temos muitas propostas pedagógicas para socorrer, mas precisamos que se juntem a nós em busca de avaliações específicas para que saibamos exatamente por onde e como começar.

Aos pais de crianças e adolescentes que não aprendem no mesmo tempo que os colegas, quero dizer que estamos juntos nessa. Isso aqui não é e nem pode ser uma guerra, não estamos disputando quem mais errou ou acertou, não aceitaremos mais os palpites sem fundamentação teórica e o que é pior, carregados de ofensas e desrespeito ao nosso trabalho. Estamos cansados de julgamentos, queremos parceria, confiança e respeito.

Dá licença, mas preciso sair do sério com tanta falta de respeito de abordagens grotescas que apontam sempre para o professor como único culpado pelo fracasso escolar de alguém. Educar, na minha concepção, sempre foi um ato de amor e coragem, carregado de ousadia e sonho de um mundo melhor. Neste ato, tão lindo aos meus olhos, não cabe desrespeito, não cabe agressões, não cabe falta de amor e cuidado de quem mais deveria estar junto e misturado no processo, que são os pais.

Não se trata de uma guerra, se trata de uma luta por pessoas melhores para que tenhamos um mundo melhor.

Com afeto,

Jacqueline Caixeta


*JACQUELINE CAIXETA
















-Especialista em Educação

 Autora do capítulo do livro Educação Semeadora: "A Escola é a mesma, o aluno não! "- Editora Conhecimento.

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.


sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Babel e o Legado de Ninrod


 Autor: Mateus Machado(*)

I – Gênese

Podemos imaginar o primeiro balbuciar do homem na aurora da humanidade. E esse balbuciar foi um dos divisores entre nós e os outros animais. O primeiro trabalho que D’us deu a Adão, antes da queda, foi dar nome aos animais e demais seres viventes (Gn 2:19-20). Alguns rabinos acreditam que D’us o estava preparando, tal trabalho era um teste. A conclusão de Adão foi entender que ele não era um animal, não era como os outros, pois havia sido feito imagem e semelhança do Criador. Por isso dominaria sobre todos os animais. Por isso também ele precisava de uma companheira, uma auxiliadora.

Qual foi a primeira palavra dita pela boca do homem antes de sua queda? Certamente foi uma palavra de adoração a D’us. Nascidos do Verbo para gerar através do Verbo; ainda que o homem tenha sido formado pelo barro e em suas narinas o fôlego de vida tenha sido soprado (pneuma). No entanto, nos dias atuais, a nossa linguagem oral (e logo, a escrita) tornou-se tão empobrecida que já não sabemos se grunhimos, balimos ou rosnamos ao tentarmos nos comunicar com os da nossa própria espécie. Há um retrocesso que começou há muito tempo atrás.

Em um período de extrema vulgaridade, nem a decadência escapa do clichê. De qualquer forma, os conceitos, as terminologias, as ideias e a própria palavra estão vazias em sua essência, seja pelo esvaziamento ou diluição de seus significados, ou ainda pela própria incapacidade das pessoas interpretarem os símbolos que a cercam. Não há decadência em um mundo decadente.

Se em algum momento tínhamos uma linguagem perfeita, angélica por assim dizer, ela foi perdida, ou desligada, no momento em que o ser humano decaiu em sua insanidade através do pecado; não do chamado "pecado original", mas da consequência do erro de Adão. O pecado foi de Adão e Eva, coube a nós a consequência deste pecado. Alguns acreditam que o resquício dessa linguagem original possa ser encontrado na "Linguagem de Mistério"; por exemplo, a geometria sagrada.

O Poeta Arthur Rimbaud (1854-1891) já bradava"o tempo de uma linguagem universal virá!" – E essa língua será “de alma para alma”. Não mais de ego para ego. É interessante notar que a palavra hebraica para o pronome "Eu" é "Ani", que também é a palavra para "pobre"; o "eu" é pobre, é a ideia de um esvaziamento do "eu"; quanto mais esvaziamos nosso ego mais entendemos e praticamos o amor de D’us. No sermão da montanha, Cristo nos ensina: "-Bem aventurados os pobres de espírito, pois deles é o Reino dos Céus".

Os exegetas rabínicos afirmam que antes da criação do universo D’us já havia criado o alfabeto hebraico, sem vogais, para que através dele todas as coisas fossem criadas. O Verbo aqui é literal; D’us precisou criar o alfabeto hebraico para, a partir daí, dar início à criação pela Palavra. "E o Verbo se fez carne" (João 1:14), aqui é Cristo representando a comunicação entre D’us e o homem, sendo intercessor do homem diante do Pai pela própria Palavra.

Seja como for, será necessário uma linguagem, não corrompida, para o reinado no milênio, uma linguagem que seja digna de um corpo glorificado.

Temos a metáfora por trás da história da Torre de Babel, quando D’us intervém na construção da Torre que os homens intentavam, em sua arrogância, para alcançar a morada do D’us Criador e desafiá-Lo, na tentativa de centralizar o poder entre os homens desligados de D’us. Conta-se que foi nesse tempo que os homens se voltaram para a idolatria, astrologia (entende-se aqui a adoração dos astros) e para a feitiçaria.

Isso teria acontecido por volta de 120 anos depois do Dilúvio. No capítulo 11 de Genesis, versículo 07 está escrito – "…desçamos e confundamos a língua que falam, para que não entendam mais uns aos outros" – aplicando como "castigo", ou impondo um "limite" na ganância dos homens, a multiplicidade de línguas. Resultado: ninguém mais conseguiu se entender por causa da barreira que foi imposta pelas próprias palavras.

Porém, a barreira vai muito além da multiplicidade; ela está no cerne de nossa incapacidade de ouvir o outro. É quando o ego se sobressai ainda mais pungente e sua única lei torna-se a selvageria do "olho por olho e dente por dente". A impossibilidade está primeiramente enraizada no diálogo entre o Homem e D’us, diálogo esse que se tornaria cada vez mais difícil. Com a destruição da Torre temos a impossibilidade do Homem entender-se com o próprio Homem.

Das ruínas da Torre, seus escombros tornaram-se as novas línguas. A queda da Torre de Babel é a queda da própria linguagem humana, do seu comunicar-se. A Linguagem, nascida do ego é o veneno oculto no Homem.

II –Ninrod

Ninrod, filho de Cuxe, que foi filho de Cam, filho amaldiçoado de Noé. Portanto, Ninrod foi bisneto de Noé. Ninrod foi o primeiro homem notavelmente poderoso da Terra; reinou e construiu Babel, Ereque, Acade e Calné, na terra de Sinear. Na Assíria edificou Nínive, Reobote-Ir e Calá e também a grande cidade de Resém: - "Ele foi poderoso caçador diante do Senhor" Gn 10:9. Com Ninrod nasceu a escravidão, ele caçava pessoas para trabalhar como escravos. Mais ainda, em hebraico o seu nome significa "Caçador de Palavras", ou seja, Ninrod era um manipulador que aprisionava a mente das pessoas com seu discurso contra o Onipotente. Diz-se que a frase "diante do Senhor" significa que ele queria provocar a D’us "face a face".

Podemos ver claramente que o espírito maligno que agia em Ninrod ainda permanece agindo no mundo; agiu através de Nero, Marx, Hitler, Stalin e tantos outros líderes e personagens históricos, e assim será até a chegada do anti-Cristo no final dos tempos. É acima de tudo um espírito de apostasia e ódio ao povo escolhido de D’us

Alexander Hislop, cristão escocês e autor do livro "As Duas Babilônias", argumenta através de inúmeras pesquisas, que os cultos pagãos de adoração ao sol, tiveram origem com Ninrod e sua esposa Semiramis. Aqui temos um casal incestuoso. Semiramis, esposa de Cuxe e mãe de Ninrod, tornou-se esposa do próprio filho.

Quando Ninrod foi assassinado, Semiramis, com medo de perder o poder adquirido pelo filho e marido, espalha a notícia de que Ninrod não morreu, mas que se tornou o deus-sol, assim os sacerdotes de Ninrod criaram um calendário que permanece até hoje, um calendário solar, com solstícios e equinócios. Esse calendário foi posteriormente adotado por Júlio Cesar, sendo atualizado pelo papa Gregório, permanecendo até hoje como calendário oficial de todas as nações da Terra. Nós obedecemos a um calendário pagão baseado na religião de adoração a Ninrod.

No livro, Alexander Hislop, ainda diz que Semiramis tem um filho chamado Tamuz, e que ela acredita ser a própria reencarnação de Ninrod. A criança nasce perto do solstício de inverno, no dia 25 de dezembro. Ninrod passa a ser o deus-pai e Tamuz o deus-filho (um messias pagão ou anticristo). Em conseqüência, Semiramis passa a ser conhecida e chamada de "Senhora do Céu", ou a deusa Lua (Isthar); a “Rainha do Céu” segundo Jeremias 7:18 "Os filhos apanham a lenha, os pais acendem o fogo e as mulheres amassam a farinha, para fazerem bolos à rainha dos céus e oferecerem libações a outros deuses, provocando-me a ira" ou no capítulo 44: 18 "Mas desde que cessamos de queimar incenso à rainha dos céus e de lhe oferecer libações, tivemos falta de tudo e fomos consumidos pela espada e pela fome", e assim segue com outras menções ainda no mesmo capítulo. Em Ezequiel 8:14-15 "Então ele me levou à entrada da porta da casa do Senhor, que está do lado do norte, e vi ali mulheres assentadas chorando por Tamuz". Sendo o filho de Semiramis, Tamuz, o deus-filho, ela torna-se a mãe de deus.

Diz a lenda que Ninrod foi morto pelo seu tio-avô, Sem (filho de Noé), que o matou e o esquartejou para acabar com toda a perversidade de Ninrod.

É na Babilônia que nasce a Astrologia e toda espécie de ocultismo e idolatria; a Babilônia é a mãe de todas as prostitutas (falsas religiões) da Terra segundo Apocalipse 17; 05 e também no capítulo 18:02.

Alexandre Hislop deixa claro que Roma, e mais precisamente o Vaticano, é a moderna Babilônia, o caldeirão de costumes pagãos herdados de Ninrod e Semiramis; da idolatria declarada às festas oficializadas pela igreja, como o natal, além dos ritos e costumes corrompidos sob a égide de Constantino e outros papas.

Ninrod deixou-nos todo esse legado de maldição, incluindo um calendário pagão (solar) em que medimos nosso tempo e nossa vida. O calendário judaico é lunar. Isso diz muita coisa.

III – A Torre

Zigurates eram templos antigos e sua função religiosa tinha muita importância. Os antigos mesopotâmicos acreditavam que essas construções eram moradia dos deuses.  Eram feitos com tijolos queimados em altas temperaturas e a argamassa era usada como betume. Para alguns estudiosos a torre de Babel era um zigurate, porém a motivação da construção de uma torre tão alta, que pudesse tocar o céu, vai desde proteger as pessoas caso ocorresse um novo dilúvio até uma forma de unificar todos os povos, em uma espécie de cidade vertical, contrariando assim a vontade de D’us que lhes havia ordenado multiplicar-se e espalhar-se em toda a terra.

Com a intervenção divina, a torre ficou inacabada, as línguas se multiplicaram e o povo se espalhou pela terra. E por isso a torre passou a ser chamada de Babel, que em hebraico significa "confusão".

Ainda nos dias atuais, o espírito de Ninrod se faz presente entre nós. A torre de Babel simboliza o orgulho humano, a vaidade, a idolatria, a busca pelo poder sem limites e a falta de temor a D’us.

Há uma pintura famosa do holandês Pieter Bruegel, o velho (1525/30 – 1569) retratando a torre de Babel; a obra foi pintada em 1563. É interessante notar que essa imagem da torre é muito parecida com o prédio do Parlamento da União Européia, também conhecida como "Torre Inacabada"; talvez porque o projeto de um Governo Global, com a Europa no Centro do poder, ainda está sendo construído.

Seria a construção do Parlamento Europeu uma alusão a torre de Babel?

Podemos acreditar que tal construção é a continuação do trabalho de Ninrod? Na obra de Pascal Bernardin, Maquiavel Pedagogo, está claro a intenção da elite globalista em uniformizar a educação, propondo uma nova ética através de uma revolução cultural e psicológica. Segundo o autor, a agenda da educação global se da com uma educação multidimensional, que em resumo se divide em um ensino multicultural (a reunião de várias culturas) e o ensino intercultural, que é a segunda fase, ou seja, a fusão de todas essas culturas em uma única cultua global.

O prédio do Parlamento, situado em Estrasburgo, na França, é uma construção moderna mostrando em seu design um aspecto inacabado. Estranho é pensar que uma "instituição democrática", ainda mais com intento de "unir" os povos, possa usar um antigo símbolo de tirania e poder desmedido.

E qual a mensagem para o mundo por trás disso?

Fica evidente que a construção do prédio do Parlamento Europeu foi diretamente inspirada na torre de Babel, através da pintura de Pieter Brueguel, quando nos deparamos com o cartaz que promove o Parlamento da UE, que foi proibido sob protestos.

Com o slogan de efeito "Europe: many tongues one voice" – "Europa: muitas línguas, uma só voz". Além das onze estrelas, pentagramas de cabeça para baixo, revelando seu simbolismo esotérico e satânico, as pessoas são retratadas com as formas do corpo quadradas; como se fossem robôs.

A mensagem pode nos dizer que o intento de Ninrod estava certo; unir os povos e centralizar o poder em um único governo, além de endossar uma tirania sendo introduzida gradualmente, eliminar a crença em um único Deus, judaico-cristão, além da busca do homem em se tornar um deus.

A humanidade, ao longo de sua história, parece ansiar por um governo único, aproveitando-se disso, a elite dos governos mundiais vem promovendo essa filosofia da união dos povos, do ecumenismo religioso e da centralização de um governo que represente a todos.

Confusão

Ainda que alguns países da Europa tenham se beneficiado com união econômica, temos Portugal como exemplo, por outro lado, houve a recente saída do Reino Unido da União Europeia com o Brexit; o apelido deve-se a junção de British e exit. Hoje a Europa vem sofrendo consequências e enormes desafios na esfera política e econômica, com vários países quebrados financeiramente, imigrações em massa, seja de europeus fugindo se seus países de origem para buscar emprego nos países mais fortalecidos economicamente, quanto imigrantes que fogem da fome ou dos conflitos armados nos países do oriente médio, além dos atentados terroristas e da islamização sistemática da Europa, ameaçando assim a cultura ocidental.

Um exemplo é a proibição de crucifixos nas escolas da Itália.

Não seriam essas consequências o juízo de D’us sobre a Europa? Seja como for, o Espírito de apostasia, herdado de Ninrod, ainda age no mundo moderno como foi no passado.

*MATEUS MELO MACHADO

 









-Poeta, escritor e crítico literário;

-Vencedor de Prêmios Literários, entre eles Ocho Venado (México), e um dos finalistas do Mapa Cultural Paulista (edição 2002);

-Autor dos livros: 

"Origami de Metal" – Poemas – 2005 (Editora Pontes);
" Mulher Vestida de Sol" – Poemas – 2007 (Editora Íbis Líbris);
"Pandora" – Romance em parceria com Nadia Greco – 2009 (Editora Íbis Líbris);
"As Hienas de Rimbaud" – Romance -2018 (Editora Desconcertos),"
Contatos: mateusmachadoescritor@gmail.com
Cel/whats app (11) 940560885

Nota do Editor:

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quinta-feira, 19 de outubro de 2023

União estável do septuagenário


 Autor: Marcelo Bacchi Corrêa da Costa (*)

 

O direito brasileiro adota alguns regimes de bens no casamento, a saber: comunhão parcial de bens, comunhão universal de bens, separação legal de bens (convencional e obrigatório) e a participação final nos aquestos.

Especificamente quanto ao regime da Separação Obrigatória de Bens, o artigo 1.641 do Código Civil impõe que a pessoa maior de setenta anos, os que dependerem de suprimento judicial para casar e as pessoas que contraírem o casamento com inobservância das causas suspensivas da sua celebração, devem adotar esse regime de forma obrigatória. Com isso, em termos práticos, significa que o patrimônio dos cônjuges não se mistura.

Quanto aos maiores de setenta anos, a norma tem por objetivo, embora contestável, a proteção do patrimônio dessas pessoas sob o argumento de que eles são vulneráveis.

A constitucionalidade do artigo 1.641 do Código Civil referente aos maiores de 70 anos foi bastante discutida, tendo, inclusive, posições de Tribunais que declararam este dispositivo inconstitucional por violação à dignidade da pessoa humana.

Sobre a união estável, seu conceito vem descrito no artigo 1.723 do Código Civil Brasileiro. Entretanto, o artigo 1.725 dispõe que: "na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens".

Portanto, como regra geral, na união estável o regime de bens é o da comunhão parcial. E como fica a questão do septuagenário convivente, já que para o casamento existe norma específica que impõe a obrigatoriedade do regime da separação de bens? Aplica-se por analogia a regra do casamento? É uma exceção?

O tema chegou às Instâncias Superiores e em vários julgados o STJ decidiu que o regime imposto na união estável quando envolve pessoas maiores de 70 anos é o da separação obrigatória de bens, ou seja, a mesma aplicada para o casamento.

Nos precedentes, a Corte Superior indica que a "ratio legis foi a de proteger o idoso e seus herdeiros necessários dos casamentos realizados por interesse estritamente econômico, evitando que este seja o principal fator a mover o consorte para o enlace. (...) A Segunda Seção do STJ, seguindo a linha da Súmula n.º 377 do STF, pacificou o entendimento de que apenas os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, e desde que comprovado o esforço comum na sua aquisição, devem ser objeto de partilha" (Resp 1689152/SC, julgado em 24/10/2017).

De igual forma, podemos citar os julgados Resp 1403419/MG, Resp 1369860/PR e Resp 1171820/PR, que formaram os precedentes originários para que o Superior Tribunal de Justiça editasse a Súmula 655, pacificando o tema, cujo Enunciado assim dispõe:

"Aplica-se à união estável contraída por septuagenário o regime da separação obrigatória de bens, comunicando-se os adquiridos na constância, quando comprovado o esforço comum". (Segunda Seção, julgado em 09/11/2022, DJe 16/11/2022).

 Em recentes acórdãos posteriores à Súmula, a Corte Superior enfrentou o tema e por unanimidade decidiu pela sua incidência, cujas ementas são as seguintes:

"AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM. PERÍODO ANTERIOR AO CASAMENTO. CAUSA SUSPENSIVA DE UNIÃO ESTÁVEL ATÉ O DIVÓRCIO. CASAMENTO PELO REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. PROTEÇÃO AO IDOSO.

1. Inexiste a alegada violação dos arts. 489 e 1.022 do CPC, visto que o Tribunal de origem efetivamente enfrentou toda a questão levada ao seu conhecimento.

2. Cuida-se, na origem, de ação declaratória de reconhecimento de união estável cumulada com petição de herança, julgada parcialmente procedente pelo Juízo de primeiro grau. O Tribunal de origem, ao dar parcial provimento aos recursos das partes, entendeu pela não comprovação da existência de união estável desde 1990, mas apenas a partir de 1993.

3. Impossibilidade de revisão da premissa de comprovação da união estável apenas a partir de 1993, em razão do óbice da Súmula n. 7/STJ. Evidente a ocorrência de causa suspensiva de união estável até a data do divórcio.

4. A união estável entre a recorrente e o de cujus se iniciou antes do divórcio deste, na vigência de restrição legal prevista no art. 1.523, inciso III, do Código Civil. Apenas a partir do divórcio afastar-se-ia a obrigatoriedade da separação de bens. Contudo, em 2015, o de cujus já contava com 73 anos de idade, razão pela qual, nos termos do art. 1.641, II, do Código Civil, deve ser observado o regime de separação total de bens.

5. De acordo com a redação originária do art. 1.641, II, do Código Civil de 2002, vigente à época do início da união estável reconhecida, impõe-se ao nubente ou companheiro sexagenário o regime de separação obrigatória de bens. Precedentes. Agravo interno improvido. (AgInt no REsp 2060732/SP Agravo Interno no Recurso Especial 2023/0077725-2 - RELATOR Ministro HUMBERTO MARTINS - ÓRGÃO JULGADOR T3 - TERCEIRA TURMA - DATA DO JULGAMENTO 11/09/2023 DATA DA PUBLICAÇÃO/FONTE DJe 13/09/2023)

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INVENTÁRIO. OMISSÃO SOBRE QUESTÃO CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. OMISSÃO E CONTRADIÇÃO SOBRE A INCIDÊNCIA DA SÚMULA 377/STF. INOCORRÊNCIA. QUESTÃO DECIDIDA DE FORMA EXPRESSA E CLARA. OMISSÃO SOBRE PRECLUSÃO. OCORRÊNCIA. NULIDADE DO JULGADO. DESNECESSIDADE. PRIMAZIA DA RESOLUÇÃO DO MÉRITO. EXISTÊNCIA DE PRECEDENTE CONTRÁRIO À TESE RECURSAL. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA PROFERIDA COM BASE NO ART. 1.790 DO CC/2002. SUPERVENIÊNCIA DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA REGRA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADEQUAÇÃO À NOVA REALIDADE NORMATIVA. POSSIBILIDADE. MODULAÇÃO DE EFEITOS. APLICABILIDADE DA TESE ÀS AÇÕES DE INVENTÁRIO EM CURSO. REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS ENTRE OS SEPTUAGENÁRIOS. APLICABILIDADE À UNIÃO ESTÁVEL. COMUNICAÇÃO DE BENS ADMITIDA, DESDE QUE COMPROVADO O ESFORÇO COMUM. INOCORRÊNCIA NA HIPÓTESE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO. ACÓRDÃO RECORRIDO CONFORME JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ.
1- Ação de inventário proposta em 12/09/2007. Recurso especial interposto em 08/09/2020 e atribuído à Relatora em 10/02/2022.
2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se há omissões e contradição relevantes no acórdão recorrido; (ii) se o direito de meação da recorrente teria sido objeto de decisão anterior acobertada pela preclusão; (iii) se o art. 1.641, II, do CC/2002, que impõe o regime da separação de bens ao casamento do septuagenário, aplica-se à união estável; (iv) se, na hipótese, incide a Súmula 377/STF, de modo a ser cabível a partilha dos bens adquiridos a título oneroso durante a união estável; (v) se o direito à meação seria fato incontroverso e dispensaria a produção de prova; e (vi) se houve dissídio jurisprudencial.
3- Cabe ao Supremo Tribunal Federal, e não ao Superior Tribunal de Justiça, examinar a suposta ocorrência de omissão sobre a alegada inconstitucionalidade do art. 1.641, II, do CC/2002, uma vez que compete exclusivamente àquela Corte examinar a pertinência e a relevância da questão constitucional suscitada pela parte para o desfecho da controvérsia.
4- Não há omissão e contradição no acórdão recorrido que examina, de forma expressa e clara, a matéria relativa à incidência da Súmula 377/STF suscitada pela parte.
5- Conquanto existente a omissão sobre a alegada ocorrência de preclusão, supostamente ocorrida em virtude de anterior decisão interlocutória, proferida antes do julgamento do tema 809/STF, em que teria sido reconhecido o direito à meação pleiteado pela parte, a jurisprudência desta Corte se consolidou no sentido de que, em homenagem ao princípio da primazia da resolução de mérito, não se deve decretar a nulidade do julgado e determinar o retorno do processo à Corte estadual para que supra omissão sobre uma questão que já foi objeto de posicionamento desta Corte em oportunidade anterior. Precedente.
6- Em ação de inventário, o juiz que proferiu decisão interlocutória fundada no art. 1.790 do CC/2002 estará autorizado a proferir uma nova decisão a respeito da matéria anteriormente decidida, de modo a ajustar a questão sucessória ao superveniente julgamento da tese firmada no tema 809/STF e à disciplina do art. 1.829 do CC/2002, uma vez que o Supremo Tribunal Federal modulou temporalmente a aplicação da tese de modo a atingir os processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha. Precedente.
7- A regra do art. 1.641, II, do CC/2002, que estabelece o regime da separação de bens para os septuagenários, embora expressamente prevista apenas para a hipótese de casamento, aplica-se também às uniões estáveis. Precedentes.
8- No regime da separação legal, comunicam-se os bens adquiridos na constância do casamento ou da união estável, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição. Precedentes.
9- Na hipótese, o acórdão recorrido, soberano no exame da matéria fático-probatória, concluiu que não houve prova, sequer indiciária, de que a recorrente tenha contribuído para a aquisição dos bens que pretende sejam partilhados e que pudesse revelar a existência de esforço comum, a despeito de à parte ter sido oportunizada a produção das referidas provas, ainda que em âmbito de cognição mais restritivo típico das ações de inventário.
10- Prejudicado o exame do alegado dissídio jurisprudencial, na medida em que a orientação do acórdão recorrido está em plena sintonia com a jurisprudência firmada nesta Corte. Aplicabilidade da Súmula 83/STJ.
11- Recurso especial conhecido e não-provido. (REsp 2017064/SP RECURSO ESPECIAL 2021/0336326-8 RELATORA Ministra NANCY ANDRIGHI - ÓRGÃO JULGADOR T3 - TERCEIRA TURMA - DATA DO JULGAMENTO 11/04/2023 - DATA DA PUBLICAÇÃO/FONTE DJe 14/04/2023)"

Por fim, a Súmula 655 está vigente e determina o regime da separação de bens entre os septuagenários que mantém união estável, apenas admitindo-se a comunicação dos bens quando comprovado o esforço comum. O tema foi sumulado pela Corte Superior visando a proteção do idoso e os seus herdeiros contra as uniões estritamente por interesses patrimoniais.
Entretanto, a sociedade evolui a passos largos e o que outrora era visto como vulnerável, hoje em dia já não o poderá ser. Doenças são tratadas, medicações aparecem a todo o instante e a qualidade de vida tende a melhorar com o passar do tempo.
Portanto, considerar uma pessoa vulnerável apenas porque possui mais de 70 anos de idade, impondo-lhe obrigações legais como no caso do regime de bens, é tirar a capacidade de discernimento de um idoso que muitas vezes possui melhor compreensão de vida do que um recém maior de idade. As demandas que chegam ao Judiciário envolvendo os septuagenários deveriam ser apreciadas caso a caso, não tendo o fator idade como pressuposto de imposição de regime de bens e sim o discernimento da pessoa idosa.

*MARCELO BACCHI CORRÊA DA COSTA 












Formado pela Universidade Católica Dom Bosco - UCDB (1999), em Campo Grande/MS;
Especialista em Direito Público (2012);
Especialista em Ciências Penais (2013);
Advogado há 22 anos na cidade de Campo Grande/MS e região

Tel/Whatsapp: (67) 99221-0475
Instagram: @marcelobacchi
Twitter: @marcelo_bacchi


Nota do Editor:

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União estável do septuagenário


Autor:Marcelo Bacchi Corrêa da Costa (*)

 O direito brasileiro adota alguns regimes de bens no casamento, a saber: comunhão parcial de bens, comunhão universal de bens, separação legal de bens (convencional e obrigatório) e a participação final nos aquestos.


Especificamente quanto ao regime da Separação Obrigatória de Bens, o artigo 1.641 do Código Civil impõe que a pessoa maior de setenta anos, os que dependerem de suprimento judicial para casar e as pessoas que contraírem o casamento com inobservância das causas suspensivas da sua celebração, devem adotar esse regime de forma obrigatória. Com isso, em termos práticos, significa que o patrimônio dos cônjuges não se mistura.

Quanto aos maiores de setenta anos, a norma tem por objetivo, embora contestável, a proteção do patrimônio dessas pessoas sob o argumento de que eles são vulneráveis.

A constitucionalidade do artigo 1.641 do Código Civil referente aos maiores de 70 anos foi bastante discutida, tendo, inclusive, posições de Tribunais que declararam este dispositivo inconstitucional por violação à dignidade da pessoa humana.

Sobre a união estável, seu conceito vem descrito no artigo 1.723 do Código Civil Brasileiro. Entretanto, o artigo 1.725 dispõe que: "na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens".

Portanto, como regra geral, na união estável o regime de bens é o da comunhão parcial. E como fica a questão do septuagenário convivente, já que para o casamento existe norma específica que impõe a obrigatoriedade do regime da separação de bens? Aplica-se por analogia a regra do casamento? É uma exceção?

O tema chegou às Instâncias Superiores e em vários julgados o STJ decidiu que o regime imposto na união estável quando envolve pessoas maiores de 70 anos é o da separação obrigatória de bens, ou seja, a mesma aplicada para o casamento. Nos precedentes, a Corte Superior indica que a "ratio legis foi a de proteger o idoso e seus herdeiros necessários dos casamentos realizados por interesse estritamente econômico, evitando que este seja o principal fator a mover o consorte para o enlace. (...) A Segunda Seção do STJ, seguindo a linha da Súmula n.º 377 do STF, pacificou o entendimento de que apenas os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, e desde que comprovado o esforço comum na sua aquisição, devem ser objeto de partilha" (Resp 1689152/SC, julgado em 24/10/2017).

De igual forma, podemos citar os julgados Resp 1403419/MG, Resp 1369860/PR e Resp 1171820/PR, que formaram os precedentes originários para que o Superior Tribunal de Justiça editasse a Súmula 655, pacificando o tema, cujo Enunciado assim dispõe:
"Aplica-se à união estável contraída por septuagenário o regime da separação obrigatória de bens, comunicando-se os adquiridos na constância, quando comprovado o esforço comum”. (Segunda Seção, julgado em 09/11/2022, DJe 16/11/2022). 

Em recentes acórdãos posteriores à Súmula, a Corte Superior enfrentou o tema e por unanimidade decidiu pela sua incidência, cujas ementas são as seguintes:

"AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM. PERÍODO ANTERIOR AO CASAMENTO. CAUSA SUSPENSIVA DE UNIÃO ESTÁVEL ATÉ O DIVÓRCIO. CASAMENTO PELO REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. PROTEÇÃO AO IDOSO.

1. Inexiste a alegada violação dos arts. 489 e 1.022 do CPC, visto que o Tribunal de origem efetivamente enfrentou toda a questão levada ao seu conhecimento.

2. Cuida-se, na origem, de ação declaratória de reconhecimento de união estável cumulada com petição de herança, julgada parcialmente procedente pelo Juízo de primeiro grau. O Tribunal de origem, ao dar parcial provimento aos recursos das partes, entendeu pela não comprovação da existência de união estável desde 1990, mas apenas a partir de 1993.

3. Impossibilidade de revisão da premissa de comprovação da união estável apenas a partir de 1993, em razão do óbice da Súmula n. 7/STJ. Evidente a ocorrência de causa suspensiva de união estável até a data do divórcio.

4. A união estável entre a recorrente e o de cujus se iniciou antes do divórcio deste, na vigência de restrição legal prevista no art. 1.523, inciso III, do Código Civil. Apenas a partir do divórcio afastar-se-ia a obrigatoriedade da separação de bens. Contudo, em 2015, o de cujus já contava com 73 anos de idade, razão pela qual, nos termos do art. 1.641, II, do Código Civil, deve ser observado o regime de separação total de bens.

5. De acordo com a redação originária do art. 1.641, II, do Código Civil de 2002, vigente à época do início da união estável reconhecida, impõe-se ao nubente ou companheiro sexagenário o regime de separação obrigatória de bens. Precedentes. Agravo interno improvido. (AgInt no REsp 2060732/SP Agravo Interno no Recurso Especial 2023/0077725-2 - RELATOR Ministro HUMBERTO MARTINS - ÓRGÃO JULGADOR T3 - TERCEIRA TURMA - DATA DO JULGAMENTO 11/09/2023 DATA DA PUBLICAÇÃO/FONTE DJe 13/09/2023)"

"CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INVENTÁRIO. OMISSÃO SOBRE QUESTÃO CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. OMISSÃO E CONTRADIÇÃO SOBRE A INCIDÊNCIA DA SÚMULA 377/STF. INOCORRÊNCIA. QUESTÃO DECIDIDA DE FORMA EXPRESSA E CLARA. OMISSÃO SOBRE PRECLUSÃO. OCORRÊNCIA. NULIDADE DO JULGADO. DESNECESSIDADE. PRIMAZIA DA RESOLUÇÃO DO MÉRITO. EXISTÊNCIA DE PRECEDENTE CONTRÁRIO À TESE RECURSAL. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA PROFERIDA COM BASE NO ART. 1.790 DO CC/2002. SUPERVENIÊNCIA DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA REGRA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADEQUAÇÃO À NOVA REALIDADE NORMATIVA. POSSIBILIDADE. MODULAÇÃO DE EFEITOS. APLICABILIDADE DA TESE ÀS AÇÕES DE INVENTÁRIO EM CURSO. REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS ENTRE OS SEPTUAGENÁRIOS. APLICABILIDADE À UNIÃO ESTÁVEL. COMUNICAÇÃO DE BENS ADMITIDA, DESDE QUE COMPROVADO O ESFORÇO COMUM. INOCORRÊNCIA NA HIPÓTESE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO. ACÓRDÃO RECORRIDO CONFORME JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ.

1- Ação de inventário proposta em 12/09/2007. Recurso especial interposto em 08/09/2020 e atribuído à Relatora em 10/02/2022.

2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se há omissões e contradição relevantes no acórdão recorrido; (ii) se o direito de meação da recorrente teria sido objeto de decisão anterior acobertada pela preclusão; (iii) se o art. 1.641, II, do CC/2002, que impõe o regime da separação de bens ao casamento do septuagenário, aplica-se à união estável; (iv) se, na hipótese, incide a Súmula 377/STF, de modo a ser cabível a partilha dos bens adquiridos a título oneroso durante a união estável; (v) se o direito à meação seria fato incontroverso e dispensaria a produção de prova; e (vi) se houve dissídio jurisprudencial.

3- Cabe ao Supremo Tribunal Federal, e não ao Superior Tribunal de Justiça, examinar a suposta ocorrência de omissão sobre a alegada inconstitucionalidade do art. 1.641, II, do CC/2002, uma vez que compete exclusivamente àquela Corte examinar a pertinência e a relevância da questão constitucional suscitada pela parte para o desfecho da controvérsia.

4- Não há omissão e contradição no acórdão recorrido que examina, de forma expressa e clara, a matéria relativa à incidência da Súmula 377/STF suscitada pela parte.

5- Conquanto existente a omissão sobre a alegada ocorrência de preclusão, supostamente ocorrida em virtude de anterior decisão interlocutória, proferida antes do julgamento do tema 809/STF, em que teria sido reconhecido o direito à meação pleiteado pela parte, a jurisprudência desta Corte se consolidou no sentido de que, em homenagem ao princípio da primazia da resolução de mérito, não se deve decretar a nulidade do julgado e determinar o retorno do processo à Corte estadual para que supra omissão sobre uma questão que já foi objeto de posicionamento desta Corte em oportunidade anterior. Precedente.

6- Em ação de inventário, o juiz que proferiu decisão interlocutória fundada no art. 1.790 do CC/2002 estará autorizado a proferir uma nova decisão a respeito da matéria anteriormente decidida, de modo a ajustar a questão sucessória ao superveniente julgamento da tese firmada no tema 809/STF e à disciplina do art. 1.829 do CC/2002, uma vez que o Supremo Tribunal Federal modulou temporalmente a aplicação da tese de modo a atingir os processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha. Precedente.

7- A regra do art. 1.641, II, do CC/2002, que estabelece o regime da separação de bens para os septuagenários, embora expressamente prevista apenas para a hipótese de casamento, aplica-se também às uniões estáveis. Precedentes.

8- No regime da separação legal, comunicam-se os bens adquiridos na constância do casamento ou da união estável, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição. Precedentes.

9- Na hipótese, o acórdão recorrido, soberano no exame da matéria fático-probatória, concluiu que não houve prova, sequer indiciária, de que a recorrente tenha contribuído para a aquisição dos bens que pretende sejam partilhados e que pudesse revelar a existência de esforço comum, a despeito de à parte ter sido oportunizada a produção das referidas provas, ainda que em âmbito de cognição mais restritivo típico das ações de inventário.

10- Prejudicado o exame do alegado dissídio jurisprudencial, na medida em que a orientação do acórdão recorrido está em plena sintonia com a jurisprudência firmada nesta Corte. Aplicabilidade da Súmula 83/STJ.

11- Recurso especial conhecido e não-provido. (REsp 2017064/SP RECURSO ESPECIAL 2021/0336326-8 RELATORA Ministra NANCY ANDRIGHI - ÓRGÃO JULGADOR T3 - TERCEIRA TURMA - DATA DO JULGAMENTO 11/04/2023 - DATA DA PUBLICAÇÃO/FONTE DJe 14/04/2023)"

Por fim, a Súmula 655 está vigente e determina o regime da separação de bens entre os septuagenários que mantém união estável, apenas admitindo-se a comunicação dos bens quando comprovado o esforço comum. O tema foi sumulado pela Corte Superior visando a proteção do idoso e os seus herdeiros contra as uniões estritamente por interesses patrimoniais.

Entretanto, a sociedade evolui a passos largos e o que outrora era visto como vulnerável, hoje em dia já não o poderá ser. Doenças são tratadas, medicações aparecem a todo o instante e a qualidade de vida tende a melhorar com o passar do tempo.

Portanto, considerar uma pessoa vulnerável apenas porque possui mais de 70 anos de idade, impondo-lhe obrigações legais como no caso do regime de bens, é tirar a capacidade de discernimento de um idoso que muitas vezes possui melhor compreensão de vida do que um recém maior de idade. As demandas que chegam ao Judiciário envolvendo os septuagenários deveriam ser apreciadas caso a caso, não tendo o fator idade como pressuposto de imposição de regime de bens e sim o discernimento da pessoa idosa.

* MARCELO BACCHI CORRÊA DA COSTA
















-Advogado graduado pela Universidade Católica Dom Bosco - UCDB, em Campo Grande/MS (1999)
-Especialista em Direito Público (2012)
-Especialista em Ciências Penais (2013)
-Advogado há 22 anos na cidade de Campo Grande/MS e região
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quarta-feira, 18 de outubro de 2023

Aceitas "Cookies"?

 




Autor: Ricardo Ramalho Junior(*)


Hey você, consumidor que se encontra passeando pela internet, olhando ofertas, comparando preços e buscando aquele cupom de desconto... você com absoluta certeza já se deparou com uma mensagem nada discreta, atrapalhando sua visão, pedindo para que você aceite os famigerados "cookies".

Porém, não se trata do delicioso biscoito com gotinhas de chocolate.

Os cookies de navegação, nada mais são, que pequenos arquivos de texto que os sites da internet armazenam no seu computador para agilizar e personalizar sua experiência. Estes arquivos ficam salvos no seu dispositivo, e quando você acessa o site vinculado ao referido cookie, este arquivo é carregado e as informações são reproduzidas.

Os cookies armazenados podem lembrar o idioma que você selecionou para utilizar um determinado site, guardar as informações do seu carrinho de compras, lembrar o seu login em uma determinada rede social... porém, podem armazenar mais informação do que você precisa, e nos tempos atuais, onde os dados são o novo petróleo, informação demais em mãos inescrupulosas, podem causar um estrago absurdo.

E esse perigo não necessariamente precisa ser causado por um hacker altamente capacitado, mas às vezes por um colega de escritório. Imagine a situação hipotética em que você, ao encerrar seu dia, desliga o computador do seu ambiente de trabalho e não desloga seu e-mail. Nesta situação imaginária, um colega mal-intencionado liga o seu computador e ao acessar seu e-mail, consegue acesso a toda sua caixa, pois sua conta permaneceu vinculada por causa dos cookies de armazenamento... imagine o estrago que essa pessoa pode fazer e a dor de cabeça que pode lhe causar?

Agora que já tenho sua atenção e já te deixei assustado o suficiente para você se preocupar com o assunto, vamos falar sobre algo mais específico. Por que você, consumidor, deveria dar um pouco mais de atenção a este assunto?

Quando você está acostumado a comprar na mesma loja com certa frequência, é muito cômodo aceitar os cookies, facilitando assim o processo de sair exercendo seu direito ao consumo desenfreado (estou vendo você colocando papel higiênico no carrinho da Amazon! – brincadeira), afinal, quem quer ficar fazendo login na mesma loja todo dia, não é mesmo?

Porém, o processo em uma loja menos confiável pode se tornar uma grande dor de cabeça. Como explicado acima, o cookie é um pequeno arquivo de texto armazenado no seu PC, e no caso de ocorrência de qualquer fragilidade, por menor que seja, esse diminuto arquivo pode se tornar uma porta de entrada para seus dados, pois, o que passa a armazenar seus dados de login e preferências é o cookie. Caso esse cookie seja, de alguma forma, comprometido, o seu acesso pode ser violado, com o invasor conseguindo acesso permanente a sua conta.

Cookies não armazenam dados sensíveis, como o número do cartão de crédito ou outros dados bancários. Porém, o comprometimento dos cookies pode gerar uma porta de entrada para o seu login, e um site mal estruturado pode apresentar falhas de segurança. Ou seja, pode não armazenar o número do seu cartão, mas pode permitir a entrada em um lugar onde esta informação esteja salva.

Em 2019, fora documentado um ataque massivo de uma rede de hackers a canais de YouTube através justamente de ataques de sequestro de cookies, garantindo acesso a canais para transmitir outros golpes, ou até mesmo vende-los (um canal com muitos inscritos pode valer bastante). Para saber mais, recomendo este texto do Investigador Digital Orozimbo Rosa.

Sei que ninguém tem muito tempo disponível para ficar lendo política de cookies toda vez que aparece a mensagem para você aceitar, mas dada a importância destes pequeninos biscoitinhos virtuais, às vezes vale controlar as permissões que você fornece a eles.

Há muitas considerações sobre o assunto, e uma pesquisa um pouco mais profunda sempre é válida. Se possível, recuse-os sempre, principalmente em sites que você não costuma acessar. Apesar de cookies não armazenarem, por exemplo, dados bancários, qualquer informação sua pode causar uma dor de cabeça imensa nas mãos de pessoas más intencionadas.

Às vezes o biscoito sai caro.

Até mais, pessoal!

*RICARDO RAMALHO LUIZ JUNIOR














-Advogado graduado  pela Universidade Estácio de Sá(2017);

-Pós-graduando em Direito Digital pela Universidade Paulista de Direito; e

Músico frustrado, nerd de carteirinha, apaixonado por tecnologia e em reconciliação com o Direito.

Nota do Editor:


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