sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Face a face contrafactual

Autor: Jacinto Luigi de Morais Nogueira(*)


Iniciarei minha reflexão de possibilidades com algumas palavras do Apóstolo Paulo, Epístola aos Coríntios:

…mas não tivesse amor, eu nada seria… O amor não se alegra com a injustiça, mas sim com a verdade… e a maior delas é o amor.


Posso então existir, viver e ser nada, se não tiver amor?


Na existência de cada pessoa há um propósito de ser alguém, e alguém que tenha amor?


Se alguém se alegra com a injustiça não tem amor?


Quem se alegra com a verdade será o quê?


Quando a maior delas for o amor, viveremos um mundo de paz e bem?


Sigo imaginando espantos com a ligação, nexo ou harmonia entre dois fatos ou duas ideias, nas palavras de uma astuta doutora comum: 


…garanto-lhes que sou cristã e busco ser coerente no pensar e no agir… e decido minha vida e a dos que amo de maneira sensata… vivo satisfeita com minhas escolhas do dia a dia… se causo sofrimento às pessoas de minha comunidade, não sei…


Coerência é viver verdadeiramente? Ignorar as próprias ignorância e incoerência foi a realidade de muitos que viveram? A humanidade se repete absurdamente? Somos criadores dos problemas que sofremos e parte da solução?


Ao amar e respeitar o humano que sou, devo ao menos respeitar a vida de cada ser?


Se eu amar a minha vida, deveria respeito e gratidão aos meus pais e avós?


Quando eu passei a amar meus filhos, deveria gratidão e respeito à mãe deles e ascendentes?


Escolher de maneira leviana um Governador para cuidar da vida de uma comunidade e reclamar por ter sido assaltado na rua é coerente? E se causar a morte de um familiar? E se aquele que sofre for só mais um desconhecido, estarei condenando um pacto democrático que se propõe a defender os que respeitam a vida?

 

Saiu tranquilo para trabalhar depois de saber que o vizinho tinha sofrido um assalto e o tiro o deixara paraplégico. Aliviado por não ter sido ele. Mas ao se dar conta que na realidade paralela(ou nem tanto) seria o vizinho que estava indo trabalhar aliviado e ficou aterrorizado porque não podia mais voltar para mudar as consequências de suas escolhas?


E continuo com uma simples pergunta: se decidíssemos com mais seriedade as questões que impactam a nossa vida, a vida dos nossos familiares, vizinhos e cidadãos, teríamos uma existência mais humana e próspera?


Finalizo com um desafio: é 2024, ainda dá tempo de renascermos para a vida e a verdade; ainda dá tempo de amar e mudar as coisas! Escolhamos prefeitos e vereadores com a humana seriedade do amor e da coerência. Sejamos alguém para nossos irmãos, é preciso coragem, mas não é tão difícil assim.


*JACINTO LUIGI DE MORAIS NOGUEIRA















-Médico formado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (2023); 

-Anestesiologista especializado no SANE-RS / Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul / IC-FUC.; e

- Profissional liberal.

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Desafios e Oportunidades da Sucessão Digital no Direito Brasileiro


 Autor: Felipe Viana Mendes (*)

A revolução digital reconfigurou profundamente nossas interações, métodos de armazenamento de informações e gestão de patrimônio. Como resultado do quanto acima abarcado, surgiram novos desafios jurídicos, especialmente na área da sucessão, onde a transferência de ativos materiais e imateriais enfrenta novos obstáculos e possibilidades. Este artigo investiga a dinâmica da sucessão digital no contexto jurídico brasileiro, examinando casos pertinentes e discutindo as implicações legais e práticas desse campo emergente do direito, todavia de maneira simples, a exemplificar e clarear um pouco a ideia sobre este assunto que se revela nos dias atuais. 

Definição e Desafios da Sucessão Digital 

A sucessão digital refere-se à transferência e administração dos ativos digitais de uma pessoa após seu falecimento. Estes ativos podem abranger desde contas de e-mail e perfis em redes sociais, sejam por exemplo o Instagram, e até um perfil no Facebook, além de arquivos na nuvem e criptomoedas. A falta de regulamentação específica inicialmente gerou incertezas sobre como proceder com esses bens, especialmente quando armazenados em servidores fora do país e protegidos por políticas de privacidade e termos de serviço. 

Precedentes Relevantes

Entendimento recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) 

Na maioria das decisões deliberadas pela corte do Superior Tribunal de Justiça, a mesma vem deliberando no sentido positivo em relação a possibilidade de acesso à sucessão digital. Em uma das tais decisões, o STJ determinou sobre o acesso aos dados de uma conta de e-mail de um indivíduo falecido. Reconhecendo a importância da privacidade, o tribunal também considerou o direito dos herdeiros de obterem acesso a informações cruciais para a administração da herança, haja vista que esta consubstanciava-se, em parte, de maneira digital. Assim, determinou que, mediante ordem judicial, o provedor de serviços de e-mail poderia conceder acesso aos herdeiros legalmente constituídos.

Legislação Comparada: Brasil X EUA 

Em contraste com o Brasil, países como os Estados Unidos e certos estados europeus avançaram na regulamentação da sucessão digital. Muitos têm leis que permitem aos titulares de bens digitais nomear um "executor digital" ou autorizar o acesso póstumo aos seus ativos digitais por meio de testamentos ou outros mecanismos de planejamento sucessório.

Desafios Práticos e Recomendações

Planejamento Sucessório: É essencial que os indivíduos considerem seus ativos digitais ao planejar sua sucessão, englobando todos os ativos que este possua. Nomear um executor digital e registrar claramente suas intenções pode facilitar o processo para seus herdeiros, a fim de viabilizar a herança, e o acesso aos mesmos. 

Cooperação Internacional: Dado o caráter global dos serviços digitais, é crucial buscar formas de cooperação internacional para garantir o cumprimento de decisões judiciais e proteger os direitos dos herdeiros. 

*FELIPE VIANNA MENDES- OAB/SP Nº 498.411 













-Graduado em Direito pelo Centro Universitário Braz Cubas, Mogi das Cruzes/SP(2022);

-Pós-graduando em Direito Previdenciário pela Instituição LEGALE Educacional e

-Atuante nas áreas do Direito Cível, Família e Sucessões, Trabalhista e Previdenciário. 

Nota do Editor:

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quarta-feira, 4 de setembro de 2024

A Prestação de Serviços Estéticos e o CDC

Autor: Gustavo Capucho da Cruz Soares(*)

Tendo em vista a crescente demanda em procedimentos estéticos, sendo os mesmos apresentados e ofertados por diversos profissionais do mercado, incluindo dentistas, tatuadores e clínicas estéticas, é justo caracterizá-los como uma demanda vinculada ao Código de Defesa do Consumidor.

Nessa seara, importante se faz demonstrar que as relações de consumo (relações jurídicas entre fornecedor e consumidor tendo como objeto o produto ou o serviço) estavam desequilibradas no mercado, antes da entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, estando o consumidor sem recursos legais hábeis a torná-lo tão forte quanto o fornecedor.

O Código veio para regulamentar essa relação, criando mecanismos para que se torne equilibrada, evitando a prevalência de um em detrimento do outro sujeito da relação de consumo. Em suma, o Código não veio para punir o empresário ou prestador de serviços, mas, para dotar o consumidor de maior poder de negociação.

O consumo em sentido estrito não é objeto do regramento do CDC, mas, apenas, quando vem esse consumo qualificado com a circulação dos produtos e serviços, o que implica reconhecer que existem, pelo menos, dois sujeitos nessa relação, aos quais o CDC dá os nomes de consumidor e fornecedor (artigos 2.º e 3.º).

Temos aqui as premissas dessa relação: CONSUMIDOR E PRESTADOR DE SERVIÇOS (no caso em tela).

O Consumidor está descrito no artigo 2º do CDC e qualificado como é uma pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza um produto ou serviço como destinatário final. O consumidor usufrui do produto ou serviço em benefício próprio.

Fornecedor, descrito no art. 3º do CDC é uma pessoa física ou jurídica que, com habitualidade, desenvolve atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Temos aqui a construção do binômio, consumidor, prestador de serviços.

Voltando ao ponto inicial, temos que os serviços de estética podem ser ofertados ao mercado por profissionais das mais diversas áreas, sejam eles estéticos (no puro termo), dentistas e, até mesmo, tatuadores.

Os procedimentos estéticos têm como objetivo o embelezamento ou a melhoria da aparência daquele a que é submetido.

É pacificado em nossos Tribunais que os procedimentos estéticos possuem relação com o resultado, ou seja, o objetivo de uma pessoa passar por um procedimento de natureza estética é o resultado.

Diante da premissa acima, as relações contratuais e extracontratuais entre o profissional estético (!) e o tomador desse serviço são de natureza, exclusiva, consumerista.

As consequências dessa premissa de nossos Tribunais são imensas, o profissional é visto como prestador de serviço e o paciente como consumidor, essa relação faz com que a natureza da responsabilidade civil seja objetiva.

Nesse caso, a responsabilidade civil objetiva difere da subjetiva, no que tange à comprovação da culpa, que é aquela quando o agente age com negligência, imprudência e imperícia, porque o primeiro não é necessário, já, no segundo, é imprescindível a comprovação.

A fim de se precaver, o profissional da área estética deve ter um termo de consentimento do paciente, bem esclarecido e bem redigido, para evitar quaisquer problemas futuros em uma ação judicial.

Deve, também, manter um cadastro e prontuário (o que algumas categorias profissionais, por estar em seus regramentos, já instrumentalizam) bem atualizados e, principalmente, assinados pelo cliente.

O cliente deverá ser esclarecido acerca dos riscos, das possíveis complicações do procedimento e dos resultados esperados, além disso, o prestador de serviços deverá explicar acerca dos cuidados, antes, durante e depois do procedimento.

Além de todo o procedimento acima, o Sistema Judiciário, ao decidir, leva em consideração se o profissional segue as devidas diretrizes ético-profissionais, que, em diversos casos, possuem todas as diretrizes fundamentais para cada um.

O Código de Defesa do Consumidor é uma legislação com intuito protecionista, ou seja, o objetivo da lei é proteger o consumidor e não o prestador de serviço.

Nesse sentido:

RECURSO APELAÇÃO CÍVEL PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS CLÍNICA ESTÉTICA RELAÇÃO CONSUMERISTA - REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS AÇÃO DE COBRANÇA. Alegação de danos causados por falha em procedimento estético realizado junto à clínica requerida. Sentença de procedência parcial para condenar a clínica requerida ao pagamento de danos materiais e morais. Inconformismo recursal da requerida. Prova acerca da má prestação de serviços com procedimento estético realizado que não observou corretamente o desenho da sobrancelha da autora, acarretando indiscutível e aparente dano estético. Presença de nexo causal entre o dano e a conduta da requerida. Dano estético e moral fixados em patamar adequado, observados os critérios da razoabilidade e equidade, descabida a redução. Procedência parcial. Sentença mantida. Recurso de apelação da requerida não provido, devida a majoração prevista no parágrafo 11 do artigo 85 do Código de Processo Civil, em favor do advogado da requerente.

No caso do Acórdão acima, a consumidora, ao se deparar com a falha no procedimento estético realizado, intentou com a ação consumerista, a fim de reparação dos danos materiais e morais.

Conforme antes mencionado, a responsabilidade é OBJETIVA (independe da comprovação de culpa ou dolo do agente causador do dano, ou seja, parte-se da noção de culpa presumida), quer dizer, as questões relacionadas à comprovação dos fatos são meramente fundamentadas nas condições da prestação de serviços.

Nesse quesito, importante destacar duas ramificações que pegam "carona" nas questões estéticas, os dentistas e os tatuadores.

No caso dos tatuadores, o resultado esperado pelo tatuado é objetivo: necessário que o desenho aplicado à pele do cliente seja o mais próximo possível do apresentado ao profissional no início da sessão.

Casos extremos serão avaliados pelo poder judiciário e, sim, serão aplicados o Dano Moral e o Dano Material em face do tatuador (seja ele pessoa física ou jurídica).

No caso dos dentistas, grupo que, recentemente, passou a ofertar uma gama de procedimentos estéticos que, até outrora, não eram tão divulgados, o caso se torna ainda mais específico.

Existe um código de ética odontológico, e nele encontram-se regras a que o cirurgião dentista está adstrito. Portanto, além da responsabilidade objetiva junto ao Código de Defesa do Consumidor (prestador de serviços), ainda temos a punibilidade aplicada pelo Código de Ética da Odontologia, que, em conformidade com o art. 51, podem ir desde a advertência até a cassação do exercício profissional.

Importante ressaltar que todos os profissionais do ramo estético deverão ser submetidos, em casos de falha na prestação do serviço, à esfera judicial, e com fundamento no Código de Defesa do Consumidor.

Nesse sentido, compete a cada um desses profissionais o zelo com o trato com o cliente/paciente e principalmente o cuidado com o procedimento a ser realizado e a técnica empregada a cada caso

* GUSTAVO CAPUCHO DA CRUZ SOARES
















-Advogado graduado pela Universidade Salesiana de Lorena - Unisal (2001);
-Sócio-Proprietário da Cruz & Soares - Sociedade de Advogados
-Especialista em Direito Civil, Direito Trabalhista e Direito Previdenciário e
- Ex-Secretário de Negócios Jurídico - Prefeitura de Lorena

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

terça-feira, 3 de setembro de 2024

Além da Máscara


 Autor: Rogério Alves (*)


O direito civil descreve dois tipos de pessoa em nosso ordenamento jurídico, temos a pessoa física (art. 1º do Código Civil) e a jurídica (art. 44, CC), a primeira diz respeito a todas as pessoas naturais, já a segunda são os entes corporativos que, por exemplo, possuem CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica. Neste trabalho, pode-se destacar uma diferença peculiar: uma pessoa física existe sem a pessoa jurídica, porém o contrário não é possível.

Para a existência da pessoa jurídica é necessário que haja uma ou mais pessoas físicas (art. 46, II, CC). No caso de empresas, são os sócios, já em outras situações, pode ser uma diretoria com presidente a frente da administração, em fim, sempre haverá uma pessoa física responsável pela pessoa jurídica.

No aspecto judicial das relações, quando uma pessoa jurídica ofende o direito de outrem através de seus colaboradores ou responsáveis, acaba sendo alvo de reparação em eventual ajuizamento de ação (art. 17 do Código de Processo Civil), ocupando assim a posição de réu no polo passivo do processo, podendo ser alcançado pelos efeitos da sentença judicial (art. 489 e ss., CPC).

Interessante que no momento que se busca a relação com uma pessoa jurídica, se observa primeiramente o seu histórico de atuação nas mais diferentes áreas da sociedade através dos órgãos de pesquisa pública na área financeira, jurídica ou fiscal, tudo para se buscar o nível de idoneidade, pelo menos é o mais correto a fazer para se evitar problemas.

O que não é pensado nesse primeiro momento é a idoneidade daqueles que representam a pessoa jurídica, ou seja, o que há por trás da máscara desses entes corporativos? No final das contas, o bom ou no mau agir vai depender de quem administra ou conduz a pessoa jurídica.

Com vista nisso, nosso ordenamento jurídico cria mecanismos de proteção àqueles que são lesados pelas pessoas jurídicas, transferindo assim a responsabilidade para seus representantes legais, é a chamada "desconsideração da personalidade jurídica" (art. 133, CPC).

Como dito anteriormente, iniciado o processo judicial pelo ofendido (autor) contra determinada empresa (ré), durante toda a fase de conhecimento, este último responderá pelos seus atos como pessoa jurídica, realizando assim as reparações determinadas em sentença (art. 203, §1º, CPC) após o trânsito em julgado na fase de execução (art. 523, CPC), o chamado cumprimento de sentença.

No caso de a empresa não cumprir a decisão judicial, sendo a obrigação de natureza pecuniária, seu patrimônio responde pelos valores cobrados (art. 523, §3º, CPC), porém, caso a empresa não possua patrimônio, não se sabe a localização da sua sede e não possua contas bancárias para as suas operações, esgotando-se todos os meios de busca para a continuidade das cobranças no processo, levantando assim as suspeitas do art. 50 do Código Civil, há a possibilidade de requerer a desconsideração da personalidade jurídica (art. 133, CPC), que será processada incidentalmente, ou seja, separado dos autos principais do cumprimento de sentença, tendo como polo passivo os responsáveis pela pessoa jurídica.

Inicialmente, o juiz recebe o pedido, analisa a admissibilidade, suspende a ação principal (art. 134, §3º, CPC) e determina a citação dos representantes da pessoa jurídica (art. 135, CPC). O pedido deve conter a alegação de “abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial” (art. 50, CC). O desvio de finalidade ocorre nas situações onde os responsáveis constituem a pessoa jurídica para negócios escusos diferentes da finalidade principal da empresa, como por exemplo, tomar empréstimos, enganar pessoas para obter vantagens, apresentar garantias que não possam suportar, etc., já em relação a confusão patrimonial, ocorre quando os responsáveis misturam os seus patrimônios com os da empresa, sendo difícil distinguir a propriedade.

Superada a defesa e a instrução processual, o juiz resolverá por decisão interlocutória (art. 203, §2º, CPC) se os representantes da pessoa jurídica responderão pelas obrigações contidas no despacho judicial definitivo (art. 136, CPC). Sobre o decidido, cabe agravo de instrumento (art. 1.015, IV, CPC) ou no caso de decisão proferida por relator, utiliza-se o agravo interno para recorrer (art. 136, parágrafo único, CPC). Após a fase recursal sem a alteração da decisão interlocutória, prossegue-se a execução no nome dos responsáveis pela pessoa jurídica, podendo assim alcançar os seus respectivos patrimônios.

Importa lembrar que o procedimento da desconsideração da personalidade jurídica, além de ser aplicável no cumprimento de sentença, também pode ser utilizada nas ações de execução de título extrajudicial ou durante toda a fase de conhecimento (art. 134, CPC), sempre de forma incidental.

A grande tragédia nesse procedimento acontece quando se descobre que os representantes da pessoa jurídica também não possuem condições de arcar com as obrigações contidas na decisão judicial definitiva ou no título extrajudicial, trazendo assim enormes prejuízos ao demandante que, além de ter o seu direito ofendido, teve que suportar todo o custo e desgaste no processo.

Como visto, nossa legislação prevê responsabilidades de pessoas físicas que ocupam a posição de responsáveis pela pessoa jurídica, inclusive através de seu patrimônio, trazendo uma maior segurança nas relações jurídicas, no entanto, podem haver situações onde nem um e nem o outro possuem condições de cumprir com os seus compromissos, por esta razão, diante da possibilidade desses dissabores, deve-se ter cuidado com quem se relacionar para não ter prejuízos futuros.

Hoje há mecanismos de pesquisas com informações públicas que podem auxiliar na análise de idoneidade das pessoas jurídicas, por outro lado há também pessoas com notório conhecimento jurídico que podem checar essas informações, por isso consulte sempre um advogado especializado antes de realizar grandes negócios.

Fontes:






*ROGÉRIO ALVES














-Advogado Graduado no Centro Universitário Nove de Julho - 2004. Especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Direito(2007); 

-Advogado parceiro da Buratto Sociedade de Advogados e Shilinkert Sociedade de Advogados; e

- Palestrante do Departamento de Cultura e Eventos da OAB Seção São Paulo.

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

Como os trabalhadores em profissões insalubres podem garantir maior benefício?


 

Autora: Renata Brandão Canella(*)


Trabalhar em uma profissão insalubre exige uma dedicação extra, e esse esforço deve ser reconhecido na hora da aposentadoria.

Felizmente, a legislação previdenciária brasileira oferece mecanismos para que trabalhadores em condições insalubres possam se aposentar de forma antecipada, garantindo um benefício justo.

1. O que são profissões insalubres?

 Profissões insalubres são aquelas em que o trabalhador está exposto a agentes nocivos à saúde, como produtos químicos, ruídos excessivos, poeiras, entre outros. Essa exposição, quando constante e significativa, pode comprometer a saúde do trabalhador ao longo do tempo. Alguns exemplos de profissões insalubres incluem trabalhadores da construção civil, metalúrgicos, profissionais de saúde, e eletricistas.

2. Algumas profissões que podem se beneficiar com uma aposentadoria antecipada:

 2.1. Trabalhadores da construção civil;

2.2. Metalúrgicos;

2.3. Mineradores;

2.4. Soldadores;

2.5. Enfermeiros;

2.6. Técnicos em enfermagem;

2.7. Eletricistas;

2.8. Pintores industriais;

2.9. Químicos industriais;

2.10. Operadores de máquinas pesadas;

2.11. Trabalhadores em saneamento;

2.12. Trabalhadores de galvanoplastia;

2.13. Trabalhadores em refinarias de petróleo;

2.14. Trabalhadores em indústrias de cimento;

2.15. Trabalhadores em frigoríficos;

2.16. Trabalhadores em curtumes;

2.17. Trabalhadores em marcenaria;

2.18. Trabalhadores da indústria têxtil (expostos a poeiras, fibras e ruído intenso);

2.19. Trabalhadores em fundições;

2.20. Trabalhadores em estaleiros;

2.21. Operadores de caldeiras;

2.22. Trabalhadores em indústrias químicas;

2.23. Trabalhadores em indústrias farmacêuticas;

2.24. Trabalhadores em laboratórios de análises clínicas;

2.25. Trabalhadores em manutenção de aeronaves (expostos a combustíveis e solventes), dentro vários outros.

 Estes são alguns exemplos de profissões que podem se beneficiar de uma aposentadoria antecipada devido às condições insalubres de trabalho.

3.Benefícios para quem trabalha em condições insalubres

 A legislação brasileira permite que o tempo trabalhado em condições insalubres seja convertido em tempo comum com um fator de multiplicação de 40% para homens e 20% para mulheres. Isso significa que um trabalhador que atuou por 10 anos em uma condição insalubre pode ter esse tempo convertido para 14 anos no cálculo da aposentadoria.

4. Requisitos para a conversão de tempo especial

Para que o tempo especial seja convertido, é necessário que o trabalhador comprove a exposição a agentes nocivos por meio de documentos como o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) e o Laudo Técnico de Condições Ambientais de Trabalho (LTCAT).

Esses documentos devem ser apresentados ao INSS para que o tempo insalubre seja reconhecido e a conversão seja aplicada.

5. Planejamento previdenciário para profissionais em profissões insalubres

É essencial que o trabalhador que atua em uma profissão insalubre faça um planejamento previdenciário detalhado.

Isso inclui o acompanhamento da emissão correta dos documentos necessários, como o PPP e o LTCAT, e a consulta a um advogado especializado para garantir que todos os direitos sejam reconhecidos e que o benefício seja maximizado.

6. Conclusão

Profissionais que trabalham em condições insalubres têm direito a uma aposentadoria antecipada e, potencialmente, mais vantajosa.

Para garantir que todos os direitos sejam respeitados e que o benefício seja justo, é fundamental realizar um planejamento previdenciário cuidadoso e contar com o suporte de um especialista.

* RENATA BRANDÃO CANELLA

















-Advogada previdenciária com atuação no âmbito do Regime Geral de Previdência Social  (RGPS), Regime Próprio (RRPS), Previdência Complementar e Previdência Internacional;

-Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL- 1999);

-Mestre em Processo Civil pela Universidade Estadual de Londrina (UEL-2003);

- Especialista em 

   -Direito Empresarial pela Universidade Estadual de Londrina (UEL-2000) e
   -Direito do Trabalho pela AMATRA;

- Autora de artigos especializados para diversos jornais, revistas e sites jurídicos;

 -Autora e Organizadora do livro “Direito Previdenciário, atualidades e tendências” (2018, Editora Thoth);

-Palestrante;

-Expert em planejamento e cálculos previdenciários com diversos  cursos avançados na área;

-Presidente da Associação Brasileira dos Advogados Previdenciários (ABAP) na atual gestão (2020-2024):

-.Advogada da Associação dos Aposentados do Balneário Camboriú -SC(ASAPREV);
- Advogada atuante em diversos Sindicatos e Associações Portuárias no Vale do Itajaí - SC 
- Sócia e Gestora do Escritório Brandão Canella Advogados Associados.

Nota do Editor:

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segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Tripé Macroeconômico Brasileiro


 Autor: Rafael de  Castro Perez (*) 


Provavelmente você já deve ter ouvido nos noticiários a expressão "tripé macroeconômico", mas você sabe o que ela significa? 

Basicamente, o tripé macroeconômico indica quais regras o Estado brasileiro segue na hora de fazer uma determinada política econômica.

Antes de nos debruçar sobre esse tema, é preciso destacar dois conceitos que norteiam qualquer boa política, a previsibilidade e regras bem definidas. Ambas são essenciais para diminuir as incertezas e os riscos. Além de possibilitar que os agentes econômicos aloquem de forma mais eficientes seus recursos.

Quem iria investir em uma empresa ou país em que a legislação, tributação ou decisões judiciais mudassem a todo momento? Ou ainda, imagine se o Banco Central alterasse a taxa de juros todo mês, não dando previsibilidade as empresas no pagamento de seus empréstimos.

Dessa forma, a maioria dos países possuem diretrizes e regras que embasam as decisões das autoridades econômicas.

O caso brasileiro não foge à regra e, a partir de 1999, instituiu-se no Brasil o chamado Tripé Macroeconômico. Ele se baseia em três pilares: (i) metas de inflação; (ii) meta fiscal; (iii) câmbio flutuante.

Princípios vigentes até hoje, eles não só reorganizam a economia brasileira, mas também trazem maior coordenação entre as políticas fiscal, monetária e cambial.

O regime de metas de inflação, como o próprio nome diz, estabelece que o objetivo do Banco Central é perseguir uma meta de inflação. Para alcançar esse propósito a autoridade monetária utiliza a taxa de juros básica da economia, conhecida como Selic.

A meta fiscal consiste em definir uma diretriz para a política fiscal. O governo se compromete a um determinado patamar de gastos e receitas na busca de superávits primários – ou seja, receitas maiores que despesas -, como forma de reduzir o endividamento público ao longo dos anos.

Finalmente, o câmbio flutuante corresponde à forma de manejo da moeda brasileira em relação às outras moedas. A ideia é deixar o valor do câmbio oscilar livremente conforme as leis de oferta e demanda do mercado. Todavia, vale mencionar que em momentos de grande instabilidade o Bacen intervém no valor do câmbio para amenizar sua volatilidade.

Entretanto, o tripé macroeconômico não está livre de críticas, de modo que muitos economistas advogam que alguns de seus pilares deveriam ser flexibilizados, como é o caso do superávit primário ou mesmo utilizar outros instrumentos, além da taxa de juros, para combater a inflação.

De toda forma, após mais de 20 anos de implementação desse regime macroeconômico, podemos dizer que o Brasil conseguiu estabilizar sua inflação e reorganizar suas contas públicas, além de possibilitar taxas de juros mais baixas.

Por fim, apesar das crises econômicos das últimas décadas e dos desafios que ainda marcam a economia brasileira, o país conseguiu apresentar avanços importantes em termos de estabilidade macroeconômica, principalmente quando comparado com outros países emergentes.

*RAFAEL DE CASTRO PEREZ
















- Graduação em Relações Internacionais pela Unesp (2012);

- Graduação  em Economia pela Unicamp (2018);e 

- Mestre em Economia pela USP (2022).

Nota do Editor:


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domingo, 1 de setembro de 2024

O suicídio e sua dimensão social


Autor: Fábio Dias Rezende (*)



"O colonialismo visível te mutila sem disfarce: te proíbe de dizer, te proíbe de fazer, te proíbe de ser. O colonialismo invisível, por sua vez, te convence de que a servidão é um destino, e a impotência, a tua natureza: te convence de que não se pode dizer, não se pode fazer, não se pode ser."
(Eduardo Galeano, em “O livro dos abraços”, p. 157)

1. UM JOVEM BRILHANTE

Matéria produzida por João Batista Jr. e publicada pela Piauí, nos conta um pouco da história de suicídio de um aluno brilhante do Colégio Bandeirantes, tradicional instituição de ensino localizada na Vila Mariana, em São Paulo, cuja mensalidade gira em torno de R$ 4,5 mil.

Pedro Henrique Oliveira dos Santos era um adolescente de 14 anos, bolsista, morador da periferia, no bairro chamado Vila dos Remédios, em Osasco. Diz a matéria:
"Pedro Henrique Oliveira dos Santos tinha o hábito de ler muitos livros e mangás ao mesmo tempo. As suas leituras mais recentes foram Capitães de Areia, de Jorge Amado, Ataque aos Titãs, do mangaká Hajime Isayama, e Aimô: Uma viagem pelo mundos dos orixás, de Reginaldo Prandi. Ele sonhava em fazer faculdade fora do Brasil. Tinha o hábito de escrever anotações, passar marca-texto em frases e colocar post-it nas páginas de tudo que lia. Seus cadernos eram de um capricho notável. Na infância, aprendeu a tocar violoncelo em um projeto social, e o instrumento se tornou sua outra grande paixão, ao lado da literatura."
O jovem gostava de Gal Costa e Rita Lee, cantoras que ouviu enquanto tomava banho para ir à escola, no fatídico dia 12 de agosto de 2024, o seu último no mundo de uma minoria numérica, mas poderosa, que escolhia não respeitar quem ele era e quem estava se tornando. Pedro era filho de uma auxiliar de limpeza e um auxiliar de almoxarifado, e esse primeiro marcador, o de classe, nos situa um pouco para sabermos que o lugar em que Pedro estudava, apesar dos programas de bolsas de ensino, não tem parte com gente como ele e milhões de jovens brasileiros, abaixo da linha que determina quem pode viver uma vida plena e quem não pode. Como diz KL Jay, do grupo Racionais MC’s: "Não queira ser aceito. O sistema não gosta de você." Infelizmente, poucos não precisam se curvar diante da lógica do mercado, que coopta o ensino para preparar futuros profissionais e não cidadãos, numa forma concorrencial implacável, onde o mais adaptado ao mundo doente do capitalismo e do consumo é quem tem o que se costuma chamar de "sucesso". Um colégio de pais de alunos, em sua maioria, abastados, não prescinde dessa mesma premissa.

Aliás, não haveria nome mais apropriado para o colégio senão um que faça referência à elite econômica deste país, que sempre perseguiu e matou minorias, dissidentes, povos originários, enfim, o diferente da norma, a saber, do padrão europeu: rico, branco e colonizador. Agora seus métodos não são mais as caças com espingardas e cavalos, pela mata atlântica, mas a colonização feita pelo dinheiro mesmo: não aceitam o pobre, o preto, o LGBTQIA+, por estes representarem um mundo no qual a hegemonia dos privilegiados pareça ameaçada. Não querem mais gente pobre na universidade, nos colégios particulares, nos espaços historicamente ocupados pelos mais favorecidos economicamente.

Tratam como ameaça ao status quo, leia-se, à sua dominação pelo capital, e atacam tudo o que não dialoga com seus estereótipos morais. São ricos, moradores dos jardins, com casas que têm quarto de empregada e babá, que se arrogam a forma mais acabada que a civilização produziu. Seu preconceito de classe é proferido de maneira sutil e eles odeiam manifestações culturais, intelectuais e o povo da periferia do capital: os pobres.

O modus operandi dessa chamada "elite do dinheiro" (único sentido possível para o emprego do termo) é cooptar a política e a classe média, minando a única possibilidade de oposição e enfrentamento de seu mundo: o acesso universal à educação.

Alguém dirá, em outra estratégia neoliberal, que individualiza os problemas sociais, que foram iniciativas de alguns poucos jovens que ofenderam o garoto, o que não reflete a educação que receberam, posto que seus pais lhes transmitiram princípios e valores - geralmente pautados pela cultura ocidental, judaico-cristã. Ora, a psicanálise não nos deixa inocentes e, para isso, nos apresenta o conceito de "transmissão" de forma mais ampla, que implica aquilo que é passado de pessoa para pessoa - neste caso, de geração para geração - de maneira inconsciente, ou seja, independente do discurso articulado e racional de pais bem intencionados. Certamente os pais destes jovens, os que tenham boa-fé, estarão genuinamente espantados com aquilo que seus filhos são capazes de fazer, mas, igualmente, jamais deverão implicar-se no problema, reconhecendo seus privilégios, suas ações e omissões no mundo que perpetuam com a ideia de que haja uma elite, constituída pela meritocracia, normalizando a pobreza, a miséria e desejando que seus filhos sejam uma versão aprimorada de si mesmos.

Esse é o ponto. O mundo desses pais autorizava e recompensava quem atacasse os que não se enquadravam em suas réguas. Esse mundo acabou, mas uma pequena e poderosa parcela da população recusa-se em aceitar. É triste que os levemos em consideração e que Pedro Henrique tenha sido atingido por eles. Isto posto, é notável a distância moral entre Pedro Henrique e seus ofensores que, separados pelo abismo de uma nobreza que existe no esforço de alguém que teve menos oportunidades e aqueles que recebem seus privilégios de mãos beijadas. A culpa inconsciente está, ao mesmo tempo, na causa e no efeito dos atos dos agressores.

Vale mencionar outros marcadores interseccionais que contextualizam o trágico desfecho da história de Pedro Henrique: era negro e assumidamente gay, como a mesma matéria nos dá conta. Ora, aqui temos o que a elite do atraso, para citar Jessé Souza (2019) mais teme: o diverso de seu modelo normativo presente no território que, há pouco tempo, era interditado para pessoas como Pedro Henrique.

2. CLASSE, COR E PRECONCEITO

Em "O povo brasileiro" (2015), Darcy Ribeiro aborda o tema que parece orbitar, ao menos em parte, o ocorrido com Pedro Henrique. Como nos diz o autor, após se referir aos bolsões que reúnem o topo da "tipologia das classes" (patronato de empresários e patriciado) identificando, logo abaixo, a "grande massa as classes oprimidas dos chamados marginais, principalmente negros e mulatos, moradores das favelas e periferias da cidade, cujo:
"(...) desígnio histórico é entrar no sistema, o que, sendo impraticável, os situa na condição de classe intrinsecamente oprimida, cuja luta terá de ser a de romper com a estrutura de classes. Desfazer a sociedade para refazê-la. Essa estrutura de classes engloba e organiza todo o povo, operando como um sistema autoperpetuante da ordem social vigente. Seu comando natural são as classes dominantes." (p. 157-158).
Assim, na base dos ataques ao jovem, reside uma estrutura social cristalizada que combate qualquer ameaça, real ou imaginária, que afronte seus alicerces. Prossegue Darcy:
"A distância social mais espantosa do Brasil é a que separa e opõe os pobres dos ricos. A ela se soma, porém, a discrimação que pesa sobre negros, mulatos e índio, sobretudo os primeiros." (p. 165).
Sobre o preconceito racial em São Paulo, um trabalho incontornável é a obra "Brancos e negros em São Paulo" (2008), na qual Florestan Fernandes e Roger Bastide discorrem sobre o fim de uma certa estrutura racista que dá lugar a uma nova organização social de convivência entre brancos e negro. Em suas palavras:
"Os efeitos do colapso da antiga ideologia racial se fazem sentir em vários sentidos; os mais importantes são, provavelmente: a desorientação dos brancos com relação às atitudes a tomar diante do negro." (p. 277).
Também lança luz sobre o assunto, o clássico “A pedagogia do oprimido", de Paulo Freire, ao se referir ao contraste de classes da seguinte maneira:
"Para os opressores, porém, na hipocrisia de sua ‘generosidade’, são sepre os oprimidos, que eles jamais obviamente chama de oprimidos, mas conforme se situem, interna ou externamente, de ‘essa gente’ ou de ‘essa massa cega e invejosa’, ou de ‘selvagens’, ou de ‘nativos’, ou de ‘subversivos ‘, são sempre os oprimidos que os desamam. São sempre eles os ‘violentos’, os ‘bárbaros’, os ‘malvados’, os ‘ferozes’, quando reagem à violência dos opressores." (p. 59).
Pedro Henrique tinha, como obstáculo adicional, o descrédito de sua denúncia, feita e não levada adiante, como nos diz a matéria da Piauí. Caso levada a cabo, ele tinha muito a perder. No limite, seu futuro estava em jogo. Diante disso, ele tentou seguir, e foi, bravamente, até onde deu conta, como o fez o jovem, do clássico literário de Goethe, "Os sofrimentos do jovem Werther" que, antes de cometer suicídio, disse, no derradeiro gesto de grandeza de um observador atento do mundo, que lutou o quanto pôde para ir adiante:
"Tudo está tão quieto ao meu redor, e tão tranquila minh’alma. Sou-vos grato, Deus, que me presenteais, nesses últimos momentos com esse calor, essa força." (p. 132).
3. SOBRE O SUICÍDIO

Os estudos em suicidologia indicam que, por mais radicalmente íntimo que seja este ato, ele encerra uma dimensão social fundamental para ocorrer. Deste modo, um fator predisponente importante é o afrouxamento do laço social, ou seja, um distanciamento afetivo entre o sujeito que faz o suicídio e seu entorno, seus agentes identificatórios, enfim, aqueles com quem o indivíduo sinta-se autorizado a dialogar e a ouvir-se. Não se trata da disponibilidade daqueles que o assistem, mas da possibilidade mesma de que este sinta a abertura necessária para abrir-se e desabafar. A questão neste ponto é necessariamente íntima.

O primeiro estudo sistemático sobre o tema, escrito por Émile Durkheim, chamado "O suicídio", nos informa que há um tipo de suicídio que:
"ocorre porque a sociedade, desagregada em certos aspectos ou mesmo em seu conjunto, deixa o indivíduo lhe escapar" (p. 275).
Isso nos indica que existe uma relação entre o indivíduo e o social que pode interferir e influenciar, ou, quando menos, não oferecer condições que confiram sentido à sua vida, predispondo-o a buscar uma solução final para o seu sofrimento.

No mesmo sentido, em "Sobre o suicídio", Marx denuncia:
"O que é contra a natureza não acontece. Ao contrário, está na natureza de nossa sociedade gerar muitos suicídios" (p. 25).
Em outra reflexão importante a respeito do suicídio, "Um crime da solidão", Andrew Solomon trata do assunto e aborda a questão da homossexualidade tão dificilmente aceita e acolhida por uma sociedade moralista e homofóbica, relatando casos e, ele mesmo, assumidamente gay, tratando sua história como objeto de sua pesquisa. Solomon nos diz que há uma epidemia oculta de depressão, que não necessariamente seria o caso de Pedro Henrique, mas, dadas algumas semelhanças, podemos aludir ao seu caso. Solomon escreve:
"Gays sofrem de depressão em números imensamente desproporcionais. É a peste não reconhecida da nossa comunidade, e a única razão que me ocorre para explicar por que não se ouve mais a esse respeito é que temos vergonha." (p. 65).
Schopenhauer, em "Sobre o sofrimento do mundo":
"O suicídio também pode ser visto como um experimento, uma questão que se põe à natureza, com a intenção de forçá-la a responder, a saber: qual mudança a existência e a cognição do ser humano experimentam com a morte?" (p.100-101).
CONCLUSÃO

Negro, periférico, gay e bolsista de colégio de gente rica: fórmula para o bullyng, essa forma de matar socialmente, antes de alguém pôr fim à própria vida.

Evidente que a relação de causa e efeito não é direta, dado que muitas pessoas não reagem a esta violência da mesma forma. E é precisamente essa impossibilidade de estabelecer inequivocamente a causalidade que faz com que os agressores sintam-se autorizados e perdoados de antemão por sua violência, que sempre mira alguém que esteja em posição mais vulnerável e busca uma plateia que remunere com risos os seus atos repugnantes. Para afirmarem sua existência, os indivíduos precisam subjugar o outro, numa espécie de confirmação de que a sua forma de vida é legítima. O jovem agressor carrega em si os traços da geração anterior, estando deslocado do mundo real que passa por constantes transformações. É, no fim das contas, um ser do passado em um invólucro jovial, que manifesta o que de pior a sociedade já produziu: preconceito e violência.

Pedro Henrique tinha enorme potencial, mas quem ele era é, e deve continuar sendo por algum tempo, uma ameaça à elite do atraso, que vive em negação contínua da realidade: não admite sua decadência e projeta seu ódio sobre aqueles que podem criar um novo mundo, no qual haja menos desigualdade social, no qual a orientação sexual de alguém não seja tema para outrem, e em que a periferia, o negro, o LGBTQIA+ sejam tão cidadãos quanto aqueles que os boicotaram ao longo da história. É uma pena que Pedro Henrique não esteja mais aqui para oferecer sua preciosa contribuição para a construção desse novo mundo – ou será que ele tem ainda mais força agora?

REFERÊNCIAS

BASTIDE, Roger, & FERNANDES, Florestan, "Brancos e negros em São Paulo : ensaio sociológico sobre aspectos da formação, manifestações atuais e efeitos do preconceito de cor na sociedade paulistana". (São Paulo : Global, 2008);

DURKHEIM, Émile, "O suicídio : estudo de sociologia". (São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2019);

FREIRE, Paulo, "Pedagogia do oprimido". (Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2020);

GALEANO, Eduardo, "O livro dos abraços". (Porto Alegre : L&PM, 2021);

GOETHE, Johann Wolfgang von, "Os sofrimentos do jovem Werther". (São Paulo : Martin Claret, 2014);

MARX, Karl, "Sobre o suicídio". (São Paulo : Boitempo, 2006);

SCHOPENHAUER, Arthur. "Sobre o sofrimento do mundo & outros ensaios". (Porto Alegre [RS]: L&PM Pocket, 2023);

SOLOMON, Andrew, "Um crime da solidão: Reflexões sobre o suicídio". (São Paulo : Companhia das Letras, 2018);

SOUZA, Jessé, "A elite do atraso". (Rio de Janeiro : Estação Brasil, 2019);

RIBEIRO, Darcy. "O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil". (São Paulo : Global, 2015); e


*FÁBIO DIAS REZENDE
















-Graduado em Psicologia pela  Faculdade: Faculdades Metropolitanas Unidas - FMU (2017);

- Pós-Graduado em Clínica Psicanalítica: Conflito e Sintoma pelo Instituto Sedes  Sapientiae (2019) ;

Atendimento psicológico em Consultório Particular

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