sábado, 20 de maio de 2023

A Metáfora e a Pesquisa em Educação


 Autora: Marilice Mello(*)

"Metáfora é uma figura de linguagem na qual se faz uso de comparações subjetivas para se referir a algo de forma indireta. A linguagem metafórica enriquece a forma como nos comunicamos com a utilização do duplo sentido para expressarmos nossas ideias". Dicionário Aurélio.

Em 2021, segundo ano de pandemia da Covid-19, iniciei uma pesquisa de Pós- doutoramento na Universidade Estadual da Bahia- UNEB com o projeto INCLUSÃO NA DIVERSIDADE: A CONTRIBUIÇÃO DA INTERDISCIPLINARIDADE E ESPIRITUALIDADE.

Por conta da pandemia os encontros entre estudantes e professores da UNEB, tiveram que ser realizados virtualmente. As atividades foram muitas, encontros on-line de formação, aulas no mestrado, encontros nos grupos de pesquisas, lives com professores de outras Universidades e outros. As lives de uma forma geral foram se multiplicando e se tornou um dos recursos mais utilizados, uma alternativa foi reativar o meu canal do YouTube. Foram realizadas conversas com profissionais da área da educação sobre os temas estudados durante a pesquisa, os “Cafés com Pauta” no meu canal do youtube, o qual cresceu exponencialmente e vem crescendo a cada live realizada. Os “Cafés com Pauta” se encontram na playlist do canal, https://youtube.com/c/MariliceMello e é uma forma de contribuir para o aumento do conhecimento de estudantes, professores, profissionais da educação, familiares e interessados em desenvolvimento humano.

Os projetos do "Café com Pauta" se configuram como partilha do conhecimento e se convergem com o conceito de metáfora que de acordo com Fazenda (2015, p. 55) "é na metáfora que o conhecimento e prática de cada um vão sendo costurados, pensados e analisados para se transformar em novas realidades [...] nos permite ter acesso ao nosso próprio ser".  Foi isso o que aconteceu comigo, a cada live realizada um novo conhecimento era tecido e de certa forma transformado.

Tenho uma admiração muito grande pelo girassol, já há muito tempo. Pensando em tudo o que o girassol nos transmite com sua beleza, e em especial os campos de girassol, fui levada ao entendimento de tudo o que aconteceu e que acontece no meu processo de pesquisa e a relação com a minha vida pessoal. Posso dizer que descobrir isso me transformou, passei a entender muitas coisas antes desconhecidas e aceitar muito do que já aconteceu e outras que acontecem diariamente.

Em um texto de autoria desconhecida busco fazer uma conexão com o que pesquiso e a forma com que me relaciono com o conhecimento e as pessoas. "Antes de ser um girassol lindo e reluzente, ele é semente". Semente que na verdade continuo sendo, necessito de infinitas leituras para o entendimento de um assunto pesquisado antes da escrita.

Então ele recebe luz, calor, água e todos os nutrientes necessários para desabrochar. Assim como o girassol eu recebo o conhecimento de tantas outras pessoas por meio de textos e narrativas. Os nutrientes proveem de diferentes formas.

Ele cresce, floresce e sua natureza nos ensina o que devemos fazer todos os dias. O conhecimento nos faz crescer, florescer e nos transformar.

Sim! O girassol ensina uma lição preciosa e, mesmo sem dizer uma palavra sequer, ele revela sua sabedoria natural. Muitas vezes o meu olhar revela aquilo que o outro necessita para aprender e se transformar.

Ele gira de acordo com a inclinação do sol. Ele persegue a luz custe o que custar. Persigo o conhecimento e nem sempre de forma tranquila. Muitas vezes chego a pensar que seja a hora de mudar de foco.


E nos dias nublados, ao invés de se recolher e murchar, o girassol vira para outros girassóis, a fim de compartilhar energia e receber energia de volta. A partilha acontece naturalmente em minha vida, não consigo ser de outra forma, sou mesmo um girassol que sente falta de estar no convívio de pessoas para trocar tudo o que temos na vida, o amor!”

Em minha pesquisa de pós doutoramento vislumbrei a minha metáfora que na verdade me acompanha a muito tempo sem que eu tivesse percebido.

O exercício foi grande, posso dizer com certeza que meu autoconhecimento se deu por meio da metáfora do girassol.

Contudo podemos dizer que o processo de descoberta da metáfora está relacionado à vivência da entrega, um dos princípios interdisciplinares de Fazenda (2002). Esse processo também está amparado pela escuta sensível que, conforme Barbier (2007), é necessário sentir o universo afetivo, imaginário e cognitivo do outro para compreender as atitudes e os comportamentos, os sistemas de ideias, de valores, de símbolos e de mitos, e também sua própria existência.

Busco aqui mostrar como foi a construção da metáfora desta pesquisa, ou seja, a representatividade dos conceitos teóricos com o girassol.

Ao iniciar a escrita do relatório de pesquisa com o tema: INCLUSÃO NA DIVERSIDADE: A CONTRIBUIÇÃO DA INTERDISCIPLINARIDADE E ESPIRITUALIDADE e repensar tudo o que fiz naquele período de julho de 2021 à dezembro de 2022 considero ser uma oportunidade única para reconstruir e descobrir um universo de ações realizadas que não poderia imaginar ser tão grande se não houvesse a obrigatoriedade de registro no relatório. Revisitar as ações realizadas me ajudou a descobrir a metáfora de pesquisa.

Assim sendo, temos por objetivo mostrar um lado criativo, sensível e, porque não, poético da pesquisa. Procuramos usar a vivência simbólica como um caminho de transformação das pessoas, fazer a interrelação dos conceitos inclusão, diversidade, interdisciplinaridade e espiritualidade tida nesta pesquisa.

A inclusão se dá no momento em que num campo de plantação de girassóis, onde uma flor está ao lado de outra, e todas com o mesmo propósito de contribuir com a beleza da plantação, juntos se tornam mais belas. A relação de coletividade tida nesse campo em que todos cuidam uns dos outros.

Segundo Mantoan, (2005, pg 76): Inclusão é a nossa capacidade de entender e reconhecer o outro e, assim, ter o privilégio de conviver e compartilhar com pessoas diferentes de nós. A educação inclusiva acolhe todas as pessoas, sem exceção.

A humanidade evolui com a diversidade, porém é necessário respeitar as diferenças. Entendemos que o respeito à diversidade é uma forma de inclusão e de acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, não deve haver discriminação por raça, cor, gênero, idioma, nacionalidade, opinião e outros. Mas para que isso aconteça se faz necessária a nossa transformação pessoal, nossa aceitação de nós mesmos e dos outros, nossa tolerância para com o diferente.

O ensinamento dos girassóis em relação a diversidade é no sentido de que eles, mesmo tendo a mesma cor - todos amarelos, são todos diferentes e assim confirmam a diversidade existente na humanidade, somos todos diferentes. É importante lembrar como a Natureza permite que cada um cresça no seu tempo, respeitando o processo.

A interdisciplinaridade está presente no momento em que um girassol se vira para outros girassóis a fim de compartilhar energia e luz. A partilha do conhecimento está relacionada a partilha de energia e luz, principalmente em dias nublados.

A palavra interdisciplinaridade em seu sentido morfológico nos remete a pensar da seguinte maneira: é o movimento interno que a disciplina causa em mim e me faz aprender um novo conceito.

Por outro lado, Fazenda apresenta cinco princípios da interdisciplinaridade; Coerência, humildade, respeito, espera e desapego. Esses princípios, quando praticados, irão contribuir diretamente com a inclusão, revestir-se de intencionalidade e comunicar experiências; ser interdisciplinar é saber perguntar e pesquisar a resposta para assim acontecer a aprendizagem.

Destacamos aqui o conceito de espiritualidade tido na pesquisa, que está relacionado com as virtudes do espírito humano: amor, compaixão, tolerância, paciência, capacidade de perdoar, contentamento, noção de responsabilidade, noção de harmonia. Estas qualidades interiores, que trazem ao seu cultivador transformação e felicidade tanto para si mesmo quanto para os outros, podem estar relacionadas com a fé religiosa ou não: podem ser desenvolvidas em alto grau sem estarem atreladas a qualquer sistema religioso ou metafísico. (Beneduzzi, 2017). A espiritualidade se relaciona com o despertar da beleza, do amor e da alegria em ver um campo de girassóis. Ele é resiliente, segue a luz custe o que custar, a busca do conhecimento e também a busca do bem de si e do outro.

Considerações finais

A interdisciplinaridade tem como um de seus princípios a transformação por meio do autoconhecimento e isso posso dizer que é um processo que vem ganhando forças.

Descobrir minha metáfora de pesquisa me fez entender muito do que se passou em minha caminhada, assim como aceitar os desafios. Ser resiliente é a minha maior conquista, e com isso me preparo a cada dia para pesquisas mais ousadas.

Descobrir minha metáfora de pesquisa, não foi uma tarefa fácil, porém foi libertadora, trouxe-me uma aceitação para além da pesquisa, aceitação de mim mesma, considero ser um autoconhecimento que estava adormecido.

A Descoberta  

Quando descobrimos algo ficamos felizes!

Especialmente quando juntamos nossas ideias...

Quando descobri minha metáfora de pesquisa fiquei muitíssimo feliz

Sentindo que iria partilha-la com alguém...

Tenta descobrir

Quem é este Alguém...

Partilhar o conhecimento nos faz pessoas melhores.

Descobrir isso me transformou, me fez aceitar o meu passado e ensinou a viver o agora.

Viver a eternidade do Agora é estar espiritualmente acordado...

Minha metáfora de pesquisa é uma flor que muito nos ensina,

ela busca constantemente a luz do sol

O sinal da Beleza que habita o Universo

Em dias nublados busca a luz da outra flor que está do seu lado

Buscando uma grande lição que Jesus nos deixou:

"Sejam Um como Eu e o Pai o somos"

Sua cor é intensa e alegra onde está.

Concluindo com a profunda verdade que nos diz da Alegria que vem da Beleza, encontrando-se no Amor,

até sempre!

RUY e MARILICE

 








REFERÊNCIA

BENEDUZI, T. M. Considerações sobre espiritualidade, religiosidade e religião. Revista INTERESPE, no 8, pp.01-117, jun.2017;

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNP (CP) n.1, de 18 de fevereiro de 2002.Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_02.pdf>. Acesso em: 24 nov.2012;

FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Interdisciplinaridade. Grupo de Estudos e pesquisa em Interdisciplinaridade (GEPI). Educação: Currículo – Linha de Pesquisa: Interdisciplinaridade ,  v. 1, n.  6 – especial (abril. 2015), São Paulo: PUCSP, 2015; e

FAZENDA, Ivani Catarina Arantes (Org.). Dicionário em construção: interdisciplinaridade. São Paulo: Cortez, 2001.;FAZENDA, I. C. A. Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro: efetividade ou ideologia. São Paulo: Loyola, 2011.;MANTOAN, Maria Tereza Eglér. Inclusão escolar: o que é? Por quê? Como fazer? São Paulo: Moderna, 2003.


*MARILICE  PEREIRA RUIZ DO AMARAL MELLO
























-Graduação em Pedagogia com habilitação Pré-Escolar pela Universidade Metodista de Piracicaba (1984);

-Mestrado em educação pela Universidade Metodista de Piracicaba (2001);

-Doutorado em educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo- PUCSP (2013);

-Pós-graduação em Análise do Comportamento Aplicada em Pessoas com TEA. (2019);

-Pós - Doutoranda da UNEB- Campus VI- Caetité-BA, no Programa de Pós-graduação e em Ensino, Linguagem e Sociedade (PPGELS); e

-Membro dos grupos de pesquisa: GEPI – Grupo de Estudos e Pesquisas em Interdisciplinaridade (PUC/SP), INTERESPI- Grupo de Pesquisas em Espiritualidade e Interdisciplinaridade (PUC/SP) e PPGELS- UNEB- Campus VI- Caetité-BA.

Nota do Editor:

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sexta-feira, 19 de maio de 2023

Quem ocupa os (homens) vazios?


Autor: Luigi Morais (*)


Percebo, com certa facilidade, aqui no sertão, que, onde falta a lei, os mais fortes acabam dominando o espaço. Mas não basta ser o mais forte. É força bruta acompanhada de vigarice. Pequeno, na escola já constatava o fato, vez ou outra: quando a autoridade do professor ou da diretoria era duvidosa ou desinteressante, havia sempre um aluno mais violento que dominava a sala de aula. E, com medo, deixávamos roubarem parte de nossa liberdade.

É uma questão de teoria versus prática. Na teoria o Brasil tem tudo, e gritarão políticos, juristas, ministros, estudiosos e cidadãos apaixonados que por aqui há leis. Ora, estão ali, anotadas nos livros. Já na prática… não é difícil enxergar este mundo real.

Assim, simples assim, em todos os tempos na História e hoje, em vários lugares do mundo, aqui no nordeste do Brasil não seria diferente, onde falta a instituição Justiça, a verdadeira, por ausência ou por falsidade (imparcial ou politizada), há grande chance de o criminoso dominar o local.

Nestes meus trinta e poucos anos de lida na terra e de venda na feira, desconheço outro momento em que eu tenha tido tanta esperança no nosso Brasil, no futuro de nossas famílias, do que na época da Força-Tarefa da Lava Jato. Era bom demais! 😁 Foram várias manhãs de alegrias e até de comemorações emocionadas quando ouvia na rádio que havia acontecido mais uma operação. Até assistia à televisão pra ver as conduções de poderosos enquadrados na Lei, que, por curto tempo, era para todos... Meu Deus, havia uma chance de desenvolvimento para nosso lugar.

Naquele tempo, daqui do Nordeste, eu desejava, até rezava, que, um dia, chegasse Ministério Público para investigar possíveis crimes por estes lados também e, de uma vez por todas, transformasse nosso suor diário de trabalho em um País decente, justo e livre. De próprio punho cheguei até a escrever uma carta pedindo tal realização. Torcia para que chegassem juízes federais da décima terceira vara de Curitiba, com coragem parecida, e mostrassem que ninguém estava acima da lei por estes lados também.

E como cheguei à conclusão de que a impunidade gera pobreza e miséria? Ora, se as pessoas que desviam recursos públicos para fins pessoais, se os criminosos que aterrorizam comércios e lares, se políticos que usam de seus postos para beneficiarem amigos e parceiros, se profissionais cometem seus desvios em detrimento do sofrimento dos seus colegas, e, por fim, se qualquer trapaceiro que prejudica e atrasa seu ambiente de mercado permanecer livre e impune, como o local crescerá e se desenvolverá?

Somos a décima segunda economia do mundo. Não somos um País desenvolvido. Nem perto dos melhores do planeta. O que garante este atraso? Quem são os responsáveis por manter esta Nação no submundo da dignidade? Que fracas instituições nos fazem o que somos?

Passou-se o tempo e acabei descobrindo que aqui já havia procuradores e juízes. No início fiquei triste, mas logo descobri, sozinho, a justificativa de todo o contexto, matemática pura: se havia ministério público e juízes federais aqui no Ceará também e nunca havia acontecido tamanha operação por estes lados, a única explicação é que por aqui não aconteciam crimes para serem investigados e punidos.

Hoje sigo esperançoso, mas saudoso daqueles dias singulares de força e inteligência institucionais. Trabalho tanto para dar o mínimo de dignidade aos meus filhos, que muitas noites não tenho tempo nem de me revoltar. 🙂 Não está morto quem peleia.

E vivo tranquilo, pois, se hoje não vejo grandes operações contra o crime organizado, muito menos reportagens que investiguem e revelem suspeitos de sangrar nosso querido Brasil, é porque, muito provavelmente, não existe mais crime por aqui. Somos um País forte e desenvolvido, que respeita a vida, protege a liberdade e garante a propriedade.


*JACINTO LUIGI DE MORAIS NOGUEIRA

















-Médico formado em 2003 pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará; 
 Anestesiologista especializado no SANE-RS / Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul / IC-FUC.; e
- Profissional liberal.

Nota do Editor:

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quinta-feira, 18 de maio de 2023

O estado da arte da mediação


 Autora: Águida Barbosa (*)

Conheci a mediação em 1.989, na França, que foi pioneira na implantação deste método, alinhado a um novo modo de lidar com os conflitos, qual seja, em lugar de levá-los à apreciação do Judiciário, nascia uma instância que visava à diluição do conflito, tratando-o em circuitos fechados, capazes de garantir sigilo, imparcialidade, inclusão etc.

A mediação decorre dos valores insculpidos em decorrência da segunda guerra mundial, com o desenvolvimento do princípio constitucional da proteção da dignidade da pessoa humana, recepcionado pela Constituição Federal brasileira de 1.988, acompanhando várias constituições europeias, com pioneirismo da Itália e Alemanha, correspondendo ao movimento contemporâneo de reconhecer a essência humana, que se manifesta pela expressão do sentimento.

Em 1.999, dez anos após o início de minha pesquisa sobre o tema, em um curso de mediação, em Paris, conheci a mediadora Annie Dépré, engenheira de formação, encarregada pelo Centro Nacional de Mediação - integrante do Ministério da Justiça da França - de elaborar um projeto de Cultura de Paz para promover a distribuição de apartamentos a imigrantes de baixa renda, em um conjunto habitacional construído nos arredores da Cidade Luz. 

O desafio consistia em desenhar uma espécie de mosaico, com as famílias multiculturais, visando à inclusão das diferenças destes núcleos, mesclando características étnicas e religiosas. Para implantação do projeto a mediadora promoveu sessões de mediação em grupo, seguidas de dinâmicas, para entender onde estava o potencial latente de conflitos, que poderiam vir a eclodir nesta comunidade.

Norteada pelo princípio da mediação, dividiu as unidades em vários blocos. No primeiro bloco, formado por oito apartamentos, reservou a moradia central para uma família disfuncional, com alcoolismo do pai, dependência química de dois filhos adolescentes e gravidez da filha de 13 anos. Os apartamentos em torno foram reservados a famílias funcionais: umas com filhos adolescentes estudiosos, educados e afetivos, outro para um religioso mulçumano, outro para um casal sem filhos e assim por diante. 

O propósito deste desenho era o de propiciar à família disfuncional a possibilidade de espelhamento em famílias funcionais, visando desenvolver atitudes capazes de despertar, nas famílias disfuncionais, o desejo de pertencer àquele grupo maior, formado pelos vizinhos acolhedores.

Encantada com o projeto, indaguei à mediadora qual era o conceito de mediação que ela buscava implantar, ao que Annie Dépré me respondeu: " Mediação é perceber o espaço que existe entre mim e o outro, e preenchê-lo. Mediação trabalha com o sagrado do humano: o sagrado do mediador dialoga com o sagrado dos mediandos".

Depois de mais de duas décadas desta marcante vivência relatada, em minha formação de mediadora, aplico este conceito de mediação em todos os meus atendimentos, em busca de perfeiçoar esta nobre atividade de mediar.

O estado da arte da mediação na França encontra-se num patamar bastante avançado, pois foi construída a partir da implantação de políticas públicas ousadas, como o projeto acima descrito, focado em pequenos circuitos de convivência humana, semeando o ideal de cultura de paz para alcançar a máxima: educar para mediar. 

No Brasil, o estado da arte da mediação anda a passos lentos, refletindo a ausência de políticas públicas para alicerçar a implantação dos princípios da cultura de paz. Ademais, falta empenho na construção teórica do conceito de mediação, o que leva à falta de distinção entre conciliação e mediação, termos usados, erroneamente, como sinônimos.

Enquanto a conciliação visa ao acordo, racionalmente, a mediação visa à diluição do conflito, respeitando as diferenças entre os mediandos, em prol da exacerbação do sentimento sobre a razão, concretizando a dignidade da pessoa humana. Merece destaque acentuar que a mediação tem natureza preventiva, pois tem por objeto o nascedouro do conflito, quando ele ainda está subjacente. 

A necessidade de políticas públicas para conter a violência nas escolas tem recebido sugestões de implantação de mediação junto às comunidades escolares, o que pode representar um grande passo em prol do desenvolvimento deste método que poderá garantir a conquista da cultura de paz genuinamente brasileira.

ÁGUIDA ARRUDA BARBOSA























-Advogada especializada em Direito de Família;
-Mediadora familiar interdisciplinar;
- Doutora e Mestre pela FADUSP(1972)

Nota do Editor:

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terça-feira, 16 de maio de 2023

Principais aspectos da Sociedade Anônima de Futebol (SAF)


Autor: André Luiz Franco (*)


A Sociedade Anônima do Futebol (SAF) é um tipo de empresa, estabelecido pela Lei 14.193/2021, que permite e regulamenta a transição de clubes de futebol de associação civil sem fins lucrativos para a empresarial.⠀

A Lei da SAF não é obrigatória para os clubes, trata-se na verdade de uma alternativa para as agremiações poderem equacionar suas dívidas e desenvolver seu formato de governança. O dispositivo incentiva a mudança para um modelo de clube-empresa, já que estabelece normas e meios de financiamento específicos para o futebol, além de trazer mais transparência aos atos dos clubes.

O sistema mais utilizado pelos clubes de futebol no Brasil, ainda é o gerenciamento por meio de associação civil sem fins lucrativos, administrada unicamente pelo quadro de sócios - as associações não podem ser vendidas para investidores. Já quando um clube adere ao modelo SAF, é possível vender parte majoritária, minoritária ou todo seu capital para um novo proprietário.

Um caso recente e de destaque da mídia no Brasil, por exemplo, foi a compra do Cruzeiro Esporte Clube pelo ex-jogador Ronaldo.⠀

Com uma carga tributária limitada a 5% mensais nos primeiros cinco anos após sua constituição, a alíquota cai para 4% a partir do sexto ano. A SAF também pode emitir debêntures do futebol e os torcedores podem investir na compra desses títulos de dívida. ⠀

No que tange a eventuais mudanças de nome, escudo, uniforme ou hino só acontecerão mediante a concordância da associação que criou o clube-empresa.

* ANDRÉ LUIZ BRAGA FRANCO

















-Advogado formado pela Universidade Salgado de Oliveira (2018);
-Pós graduado em Direito Penal e Processual Penal pela Estácio de Sá 
-Sócio do Franco, Cabral & Silva Advogados;
-Membro da Comissão de Direito Penal da OAB/PE;
-Vice-presidente da Comissão do Jovem Advogado da -ANACRIM-PE;
-Professor de curso preparatório para Exame de Ordem e
-Palestrante.

Nota do Editor:

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A rotatividade como forma de flexibilização do emprego


 Autora: Palloma Ramos(*)

O fenômeno da rotatividade é um movimento cíclico anual de substituição de parte dos trabalhadores, ocorrendo por meio das demissões e admissões pelas unidades produtivas do país. Esse movimento de substituição é medido pela taxa de rotatividade, que expressa o "ajuste de quantidade de mão-de-obra" realizado anualmente.[1]

Standing, ao analisar o diagnóstico e prognóstico a partir de uma perspectiva histórica e geopolítica, mostra que a globalização precarizante, provocada pelo surgimento da terceira revolução industrial, do neoliberalismo e da superexploração de populações da Ásia, desmontou o que os gregos criaram no início da democracia como elemento humanizador do trabalho: o vínculo interno entre praxis e philia, que reconhecia os cidadãos como homens livremente associados nas construções da amizade cívica. A China tem impactado negativamente a desigualdade de renda global de diversas maneiras. Salários baixos tendem a aumentar as diferenças salariais ao diminuir os rendimentos globais. O país manteve seus próprios salários consideravelmente baixos. Ao mesmo tempo, onde o crescimento aumentou, a parcela dos salários na renda nacional diminuiu por 22 anos consecutivos, caindo de 57% do PIB em 1983 para somente 37% em 2005.[2]

Uma vez que os empregos se tornam flexíveis e instrumentais, com salários insuficientes para uma subsistência socialmente respeitável e um estilo de vida dignificador, não há “profissionalismo” que combine com o pertencimento a uma comunidade com padrões, códigos éticos e respeito mútuo entre seus membros baseados em competência e respeito a norma de comportamento consagradas. Dessa forma, a relação jurídica de emprego se torna cada vez mais precária, o que acaba favorecendo a rotatividade, dificultando a profissionalização, uma vez que não é possível aprimorar constantemente as competências ou experiência. Essas pessoas enfrentam a possibilidade de retornar a um tipo de trabalho sem perspectiva de melhora social.[3]

Em relação à rotatividade no trabalho, (STANDING, 2013, p. 59), atribui:

Quando todas as complicações da flexibilidade numérica são consideradas, o resultado evidente são vidas de trabalho inseguro para um crescente número de pessoas próximas do precariado. Todo ano, cerca de um terço dos empregados em países da O C D E deixa seu empregador por uma razão ou outra. Nos Estados Unidos, cerca de 45% das pessoas deixam seus empregos a cada ano. A imagem do emprego de longo prazo é enganosa, mesmo que uma minoria ainda tenha um terço da rotatividade de emprego é contabilizado pela abertura e fechamento de empresas.


No que diz respeito ao Brasil, a rotatividade do trabalho é uma característica histórica, que se apresenta com uma intensa movimentação de trabalhadores entre postos de trabalho. Em termos práticos, segundo o Banco Mundial[4], poucas estatísticas são tão relevantes para economistas que pesquisam o mercado de trabalho no Brasil como aquelas que tratam da rotatividade de empregos. Aproximadamente um terço da força de trabalho muda de emprego todos os anos.

Em relação ao capital humano, os autores (VELOSO e BONELLI, 2014) tratam da rotatividade em diálogo aos efeitos prejudiciais causados na produção:

Um ponto tradicional da teoria do capital humano é que a produtividade do trabalho depende não apenas da qualificação da mão-de-obra (via educação), mas também fundamentalmente de capital humano específico acumulado através de treinamento no ambiente de trabalho. A alta rotatividade no trabalho, ao prejudicar o investimento em treinamento, impede, portanto, um aumento da produtividade. Cria-se um círculo vicioso em que, diante da baixa perspectiva de ascensão salarial, alguns trabalhadores preferem sair de seus empregos para acessar alguns benefícios disponíveis apenas no caso de demissão. Diante desse risco (rotatividade), firmas e trabalhadores investem pouco em treinamento. O resultado é uma baixa acumulação de capital humano, o que resulta em baixo crescimento de produtividade e baixa perspectiva de ascensão salarial. 


A relação jurídica de trabalho, descrita na CLT, configura-se nos artigos 2.ºˢ[5]e 3.º[6], apresentam as partes da relação de emprego. O empregador, ao assumir os riscos de sua atividade econômica, e o empregado, qualquer pessoa física que presta serviços permanentes, sob dependência de seu empregador, mediante salário. Essa relação jurídica poderá ser encerrada pelo empregador, mediante o pagamento das verbas rescisórias, segundo o que dispõe o artigo 477 da Consolidação das Leis do Trabalho.

A facilidade na resilição contratual, favorece a rotatividade do trabalho, sobretudo, após a vigência do artigo 7., incisos I e III, da Constituição Federal. A indenização compensatória criada para despedidas arbitrárias e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço afastam o direito de estabilidade do trabalhador, previsto no artigo 492 da CLT. Dessa forma, um empregado que possua mais de 10 anos de serviço[7] na mesma companhia não poderia ser dispensado.

Nesse sentido, pontua (DELGADO, 2017, p. 62):

Com a criação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), pela Lei n. 5.107/66, vigorante a partir de janeiro de 1967, se estabelece a sistemática alternativa à regulada pela CLT, de modo a tornar a dispensa do trabalhador inquestionável direito potestativo do empregador, sem amarras legais e institucionais relevantes (em contraste com a sistemática legal precedente, que previa alta indenização por tempo de serviço e, desde os dez anos de emprego, a própria estabilidade).


A grande rotatividade de mão-de-obra nas empresas e o baixo número de trabalhadores permanentes são os primeiros sinais de flexibilização no Brasil, em resposta à crise internacional. (BALTAR e PRONI, 1996, p. 109). A alta rotatividade prejudica reajustes salariais e a projeção profissional.

A Convenção n. 158 [8]da Organização Internacional do Trabalho — OIT, visa reduzir o desemprego involuntário. Auxiliaria na diminuição da taxa de turnover. As suas finalidades principais são estabelecer proteções contra dispensas coletivas e/ou individuais, bem como regulamentar as dispensas quando ocorrem por iniciativa do empregador, determinando medidas de proteção ao empregado.
Em síntese, a Convenção seria uma limitação ao ato discricionário do empregador de rescindir o contrato individual de emprego sem uma justificativa. Nesse sentido:

Parte II Normas de Aplicação Geral:

Seção A – A justificação do término

Art. 4º — Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.[9]

 

A Convenção n. 158 não se limita à matéria trabalhista, uma vez que os seus objetivos interferem em outras áreas do direito, como as relações com o Direito Constitucional e com os Direitos Humanos. Embora seja relevante, houve problemas na aplicação no Brasil, de tal forma que, embora o Brasil a tenha ratificado inicialmente, acabou por denunciá-la.[10]

A proteção do trabalhador é o objetivo, mas a convenção também considera os custos das empresas. Se o empregado ocupa um posto de trabalho improdutivo, a manutenção dele torna-se inviável para o empregador. Logo, torna-se indispensável proteger o empregado, mas é preciso que as companhias permaneçam em funcionamento para manter outros empregos. Razões pelas quais a Convenção foi denunciada e não está em vigor no ordenamento jurídico brasileiro.[11]

Dessa forma, diante da possibilidade de dispensa sem justificativa, estudos sobre os seus efeitos no mercado de trabalho são indispensáveis.

A rescisão do contrato de trabalho sem justa causa em manifestação de vontade do empregador, é a que predomina no mercado de trabalho brasileiro e, em termos absolutos, cresceu mesmo no período de aquecimento do mercado de trabalho. Ou seja, isso aconteceu quando o mercado estava aquecido, com baixo desemprego, e se questionava se a falta de mão de obra era real ou se o Brasil tinha pleno emprego.

Apesar de o número de rescisões de contrato a pedido do empregador ser superior, houve um aumento, no período, das rescisões contratuais voluntárias dos trabalhadores.

A rotatividade é o primeiro indício da precarização porque, apesar de existirem opções de emprego, elas não são suficientes para diminuir as desigualdades sociais. No entanto, como acontece em ciclos, as condições adversas do mercado de trabalho dificultam a formação de capital humano, prejudicando o crescimento produtivo. Apesar disso, o Brasil denunciou a citada Convenção da OIT, devido às divergências em sua legislação trabalhista, especialmente pelo fato de a rescisão do contrato sem justificativa ser permitida.

No contraponto entre o direito potestativo do empregador (em adotar baixos salários no curso do contrato), a dispensa imotivada e a proteção ao trabalhador, há de se analisar se não causa inversão no crescimento produtivo, ou seja, a dificuldade e especialização do trabalhador aos avanços tecnológicos.

REFERÊNCIAS

[1]DIEESE, DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS. Sistema de Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED). [S.l.], p. 79;

[2] STANDING, G. O Precariado, A nova classe perigosa. Tradução de Cristina ANTUNES. 6ª. ed. [S.l.]: Autêntica, 2013. 44 p;

[3] Ibidem. p. 46;

[4] THE WORLD BANK. Brazil Jobs Report. 1ª. ed. [S.l.]: World Bank, v. I - Policy Briefing, 2002. 3 p.Tradução nossa – original: "Among labor economists, few statistics are as widely cited in Brazil as those on job turnover. Fully one-third of the labor force changes jobs every year, (...)";

[5] Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço;

[6] Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário;

[7] A Lei n. 62/1935 garantia a estabilidade ao empregado que possuía dez anos de serviço em um único emprego, podendo ser dispensado apenas com o seu consentimento; caso ele cometesse uma falta grave (falta que deveria ser constatada em um inquérito administrativo), ou se a empresa encerrasse as suas atividades. 
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1930-1939/lei-62-5-junho-1935-557023-normaatualizada-pl.html ;

[8]ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO - OIT. https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_236164/lang--pt/index.htm. C158 - Término da Relação de Trabalho por Iniciativa do Empregador. Acesso em: 05 out. 2022;

[9] Ibidem.

[10] Ibidem cit. 65

[11] Ibidem cit 67, 12. p

*PALLOMA PAROLA DEL BONI RAMOS
















Advogada graduada em Direito pela Universidade Nove de Julho - (2014);

Pós Graduada em:

 -Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2018); e

    -Direito Constitucional e Direitos Humanos pelo Ius Gentium Conibrigae - Universidade de Coimbra (2020);

 -Mestranda em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie;

 -Pesquisadora do Grupo de Pesquisa: "O Sistema de Seguridade Social";

-Membra da Comissão de Comunicação (COMUNICAMACK) de publicações em idioma italiano. e

-  Defensora na Vigésima Terceira Turma do Tribunal de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil - São Paulo.

 Currículo lattes:  http://lattes.cnpq.br/5116050103412908


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