quinta-feira, 5 de maio de 2022

Auxílio Reclusão: um benefício condenado


 Autora: Aline  da Silva Teles (*)

O Auxílio Reclusão é um benefício previsto na legislação brasileira. A sua previsão legal é encontrada nos arts. 18, II, ‘b’, e 80 da Lei nº 8.213/1991, regulamentado pelos arts. 116/119 do Decreto nº 3.048/1999.

Nos termos do artigo 80 da Lei nº 8.213/91: "o auxílio reclusão, cumprida a carência prevista no inciso IV do caput do art. 25 desta Lei, será devido, nas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado de baixa renda recolhido à prisão em regime fechado que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de pensão por morte, de salário-maternidade, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço"

Após a reforma da previdência em 2019, houve alterações neste benefício. Antes da Reforma da Previdência, o Auxílio era devido aos dependentes do segurado preso em regime fechado e semiaberto. Com a nova redação do art. 80 da supracitada lei, o auxílio só será devido aos dependentes do segurado preso em regime fechado.

Outra mudança importante refere-se à carência. A partir de partir de 18de janeiro de 2019, data da entrada em vigor da MP 871/2019 (convertida na Lei nº 13.846/2019), passou a se exigir a carência de 24 contribuições para a concessão do auxílio reclusão, diante do acréscimo realizado sobre o art. 25, IV, da Lei nº 8.213/1991. Isto é, até 17 de janeiro de 2019, bastava que o segurado tivesse recolhido uma contribuição, para que o benefício fosse devido aos seus dependentes. Ainda, mesmo que a contribuição não tivesse sido paga no mês de sua prisão, os dependentes teriam direito ao benefício se existisse a qualidade de segurado na data da reclusão. Atualmente é exigido o mínimo de 24 contribuições para concessão do benefício.

No entanto, o objeto principal do artigo não é esmiuçar a previsão legal e os requisitos do Auxílio Reclusão, que pode e devem ser assunto de novo artigo posteriormente. O que se busca neste primeiro momento é desmistificar este auxílio, que é condenado pela sociedade e a maior estigmatização vem do próprio nome: Auxílio Reclusão. Nos leva a crer que se trata de auxílio pago a quem está recluso, o que é errado e, talvez uma das maiores fake News inseridas na sociedade.

A Lei de Planos e Benefícios da Previdência Social define que o auxílio reclusão será devido aos dependentes do segurado baixa renda preso em regime fechado. Dois pontos devem ser destacados: DEPENDENTES e SEGURADO.

Observemos que, o auxílio reclusão não é devido ao preso, é devido a seus dependentes. Terão direito a este auxílio, cumprido os requisitos:  O cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; os pais; o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave.

Assim, não há que se falar em pagar salário para o preso, caindo por terra qualquer elemento que nos leve a classificar o benefício como "Bolsa Bandido”, uma vez que, o condenado não recebe nada, quem recebe é a sua família, se cumprido os requisitos que tem ficado cada vez mais rigorosos.

Por outro lado, para que os dependentes tenham direito ao auxílio reclusão o preso em regime fechado precisa ter qualidade de segurado. A qualidade de segurado nada mais é do que uma condição conferida ao trabalhador que possui uma inscrição junto ao INSS e realiza todo mês as contribuições.

Para o INSS, são considerados segurados aqueles na condição de Empregado, Trabalhador Avulso, Empregado Doméstico, Contribuinte Individual, Segurado Especial e Facultativo.

Logo, o custeio do auxílio reclusão não é feito deliberadamente pela união, como é nos casos dos benefícios assistenciais (BPC – LOAS), o cidadão preso, para que sua família tenha direito ao auxílio reclusão precisa ter contribuído mensalmente para a previdência social. Como dito, desde 2019 passou-se a exigir carência, o cidadão preso precisa ter contribuído por 24 meses para o INSS e na data da prisão ter qualidade de segurado, isto é, que essas contribuições não possuam um lapso temporal, dependendo do caso, superior a 12 meses.

Do explicitado acima, podemos extrair que o Auxílio Reclusão é condenado socialmente porque há um desconhecimento acerca do benefício e seus requisitos, não se trata de benefício assistencial, se trada de benefício previdenciário, devido mediante contribuição para o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), ainda que seja um benefício devido somente aos dependentes do segurado baixa renda. O que, na minha opinião, é uma construção de estereótipo de presos, discussão que não cabe aqui, por ora.

Por fim, juridicamente falando, a repulsa social pelo instituto do auxílio reclusão não se justifica a não ser pela falta de conhecimento do próprio instituto, uma vez que, ao contribuinte da previdência social e a sua família é garantido proteção dos riscos considerados importantes.

 

ALINE DA SILVA TELES

-Graduada em Direito pela Universidade Paulista (2018);

Advogada nas áreas do Direito do Trabalho e Previdenciário e de Família;

- Pós graduanda em Direito Previdenciário pela Legale Educacional;

-Natural de Alagoas, hoje residente e domiciliada em Campinas/SP;
São suas palavras: 
Como anseio por um Brasil melhor, no sentido político e social, escolhi cursar direito para a partir do judiciário contribuir para que essa melhora deixe de ser utopia.

Nota do Editor:
Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

segunda-feira, 2 de maio de 2022

Família, família...


 Autora: Maria Lucia Mazzei de Alencar(*)


Telefono para mamãe, quero combinar de vê-la. Sei que tenho mais paciência, meus irmãos não tem ido muito, ela tem sido algo geniosa nos últimos tempos, afastando as pessoas. Mas tenho muita pena da minha velhinha, acho que precisa ser visitada para manter-se um pouco mais animada. E pergunto se sua pressão arterial baixou. Às minhas indagações responde: "mas é que na minha idade preciso de ajuda para subir escadas, para conseguir acessar armários mais altos"... e ameaça entrar em mil outros temas que nada me esclarecem.

"Sim mamãe, mas volte ao assunto da pressão, por favor!"

Ela: "como você é apressada".

"Mamãe, não enrola, estou preocupada com você!"

Ela: "bem a pressão baixou, mas é que a empregada"...

"Sei, digo, não fique nervosa com ela, senão a pressão subirá de novo".

Ela: "é verdade, apesar de eu ser uma pessoa extremamente equilibrada e centrada, a médica cardiologista insiste que minha pressão alta também é culpa das emoções...quer que eu volte a tomar a medicação psiquiátrica."

Brinco: "é fato, culpa da lua que insiste em mudar suas fases, movimenta as marés, e possivelmente também a personalidade das divas deste mundo... mas nada que um ansiolítico leve não resolva."

Ela: "lá vem você com seus remédios, estou ótima, já disse que não preciso deste tipo de medicamento!”

"Mas tenho uma boa notícia para você", diz ela.

"Dê-me então, mamãe. Estou ávida por uma injeção de ânimo hoje!"

Após outros quinze minutos de considerações variadas, solta a pérola: "Bem, resolvi doar minhas poucas joias e algo que recebi de mamãe para as minhas filhas e noras...mas não quero doar nada já, só quero que escolham logo, faremos uma carta, não quero que briguem. Minha nora Cláudia já avisou que não quer nada, melhor para vocês, não”?... Mãe, para mim não fará diferença, eu quero duas peças somente"...

Ela: "bom, mas eu deixarei algo para Camila, mulher de seu irmão Junior : sem ela ao seu lado, cuidando bem dele, não sei o que seria de mim, tenho uma dívida de gratidão com ela".

"Bem pensado, reflito alto, ela tem muita paciência com Junior, que tem gênio forte mesmo".

"O que você prefere minha filha?"

"Gostaria de ficar com a pedra de água marinha azul que papai lhe deu, como lembrança dele. E o diamante amarelo, com lapidação antiga, que foi de vovó, como recordação dela; este pouco vale, mas ela gostava muito dele."

"Bom, mas pode ser que sua irmã Luísa também o queira, para fazer um pingente, pois ele é grande "

"Pois você lhe diga que não o queira, ela pode ficar com o que você tem de mais valioso, seus brincos de brilhantes que são grandes ...E seus bonitos anéis de diamantes"...

"Mas você não competiria com ela por tais coisas?"

"Não, mãe".

"Então vou chamar primeiro Camila, que espero escolha algo bem valioso, que por mim seria o colar de ouro torcido de sua avó, junto com a pulseira e berloques combinando. Depois sua irmã escolherá..."

"Mãe , não acredito no que escuto: sou sua filha mais velha, a que mais te ajuda e você está dizendo que ficarei por último nessas escolhas? Mesmo eu querendo abrir mão da maior parte das tuas joias mais valiosas?"

"Ela: você não ficaria feliz se eu te separasse a pedra azul? Olha que está montada com dez lindos pequenos brilhantinhos, vale bastante... talvez por isso pode ser que Luíisa também a queira"... 
"Mãe, olha só, se Luísa quiser ela retira os brilhantes, ok? Só quero a pedra e não é pelo valor econômico, mas afetivo, papai a escolheu com muito cuidado para você!"...

"Vamos ver, vamos ver"”... 
"Mamãe, vamos desligar? Essa conversa está amargando meu sábado e vou voltar ao livro que estava lendo. Ah! diga-me só isso: quando você pensa efetuar essa doação?"

"Ora, quando morrer".

"Mas mãe, você quase não quer sair de casa, nem à esquina, ao hortifruti, à farmácia... você só se anima a sair para seus frequentes exames de saúde... Olhe, suas filhas tem um pouco mais de vida social, mas isso tende a minguar com a idade."

"Só lhes darei quando morrer, repete."

"Mamãe você já tem oitenta e cinco, do jeito que se cuida vai para os cem, eu tenho sessenta e cinco e sujeita a um enfarte de tanto tumulto que você causa na família... Se calhar, como dizem os portugueses, não vou usá-las nunca! Por que e para que tanta vaidade? Aliás, você perderá a graça de dar, só ratificará uma possível herança a que já temos direito, percebe isso?"

"Bom, nunca se sabe ...Talvez um dia...Mas só vou dar minhas joias quando morrer! Vou chamar você para escolher quando chegar a sua vez...Agora você me fará o favor, como advogada, de elaborar uma carta testamento das joias", "dou uma cópia para cada uma e vou querer vocês felizes!"


Filha eterna

MARIA LUCIA MAZZEI ALENCAR

Candidata a escritora, amante da boa literatura e de cinema;
Vencedora dos segundo e terceiro lugar do prêmio Acesc de Literatura( Associação dos 20 maiores e tradicionais clubes da cidade de São Paulo ( com exceção dos de futebol);
Aluna das Arcadas, ( Direito da Usp), formou-se em 1972, 
Procuradora do Estado de São Paulo aposentada, atualmente Advogada.



ota do Editor:


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