sábado, 6 de maio de 2023

Novos paradigmas para a educação


Ana Machado(*)

Estamos diante de uma crise do sistema educacional no país, que nos conduz a um momento de grandes revisões e busca por novos paradigmas para a educação. O modelo vigente não atende as reais necessidades da sociedade, um modelo que reduz o aluno a um simples futuro candidato a uma vaga no mercado de trabalho cada vez mais competitivo.

Um a cada quatro alunos que inicia o ensino fundamental no Brasil, abandona a escola antes de completar a última série - dado do Relatório de Desenvolvimento 2012, divulgado pelo Pnud - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

O Brasil tem a terceira maior taxa de abandono escolar entre os 100 países com maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Na América Latina, só a Guatemala e Nicarágua tem taxas de evasão superiores.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 1,3 milhão de jovens entre 15 e 17 anos, deixaram a escola sem concluir os estudos, dos quais 52% não concluíram sequer o ensino fundamental. Dentre as causas da evasão, o desinteresse do jovem pelos estudos é apontado como um dos fatores no âmbito escolar.

Mais do que quantificar a extensão dessa crise, precisamos compreender sua profundidade e para isso partimos da análise das seguintes premissas:

 - Visão do ser humano integral

 - Origem da palavra  Educar

 - Autoconhecimento e Autoeducação

Para entender essa integralidade propomos a observação do desenho do Homem Vitruviano de Leonardo Da Vinci , datado de 1490. A que nos remete esta imagem?



- Completude

- Harmonia

 - Equilíbrio

 - Beleza 


A representação das proporções ideias do ser humano no desenho de Leonardo da Vinci, traz a ideia de equilíbrio e harmonia entre as parte
s que compõe o homem, sem privilegiar nenhum aspecto em detrimento do outro.

Dando um salto na História da Arte, propomos um diálogo entre a obra de Leonardo da Vinci e a de Tarsila do Amaral, com o quadro Abaporu de 1928.



A figura humana na obra de Tarsila do Amaral retrata o homem da terra, ligado à natureza. Trata-se do homem do fazer, que caminha, planta, colhe, usa a força física de seus membros superiores e inferiores, e por esta razão apresenta-os bem desenvolvidos. Podemos definir o homem de Tarsila como o homem do fazer, da ação.

Na comparação com o Homem Vitruviano, pode-se perceber a perda das proporções ideais do ser humano.

Contrapondo o homem do fazer de Tarsila do Amaral, na pintura a seguir, de autoria desconhecida, observamos a desproporcionalidade entre cabeça e corpo.

Pela ênfase dada à cabeça, evidencia-se a importância da racionalidade, do intelecto, do desenvolvimento cognitivo expressa pelo artista. Temos aqui o homem que dá ênfase ao lado intelectual.




Este é o homem contemporâneo, que tem na racionalidade sua prioridade e a utiliza como o grande condutor de sua vida.

Formulamos então a pergunta: se no passado o homem desenvolveu seus membros inferiores e superiores privilegiando a capacidade do fazer e hoje ele prioriza o desenvolvimento cognitivo, representado pela cabeça, como fica o desenvolvimento da região toráxica, composta pelo coração e pulmão, que forma seu sistema rítmico?

A visão ampliada do ser humano, proposta pela Antroposofia, concebida pelo filósofo e educador Rudolf Steiner, 1861-1925, considera a espiritualidade parte da constituição do ser humano, assim como também aponta o corpo astral, um corpo de emoções.

Fomos até aqui guiados por uma visão fragmentada do ser humano, precisamos reconstruir sua visão integral como ponto de partida para a Educação, conforme diz o Profº Ruy Cezar do Espírito Santo em O renascimento do Sagrado na Educação: "a inserção da espiritualidade no contexto educacional é essencial". E para que isso aconteça, o primeiro passo é compreender a totalidade da constituição humana.

O reconhecimento da dimensão espiritual do ser humano, coloca-nos diante de grandes desafios como educadores. Considerando as palavras de Huberto Rohden, filósofo, educador e teólogo catarinense (1893-1981):

"Todo homem é muito mais aquilo que é potencialmente do que aquilo que é atualmente [...] Uma semente é potencialmente a planta que dela vai brotar, embora não seja ainda atualmente essa planta. A verdadeira natureza de uma semente de palmeira é a palmeira que dela nascerá. A ‘natura’ é a coisa ‘na(sci)tura’, isto é, aquela coisa que vai nascer. A potencialidade é, pois, a íntima natureza de um ser, a sua verdadeira natura ou natureza"

Pode-se afirmar que como educadores trabalhamos com aquilo que ainda não é visível no educando externamente, e devemos atuar como facilitadores na tarefa de tornar manifesto aquilo que ele carrega dentro de si, sua essência central, objetivar, sua subjetividade.

Como o educador pode estabelecer uma relação com a verdadeira essência do ser ainda não manifesta de modo a facilitar sua exteriorização, e não permitir que a temporalidade das atitudes desarmoniosas externas, interfira negativamente no processo educativo?

Rohden nos instiga ao afirmar que:

"Toda a verdadeira educação consiste em que o homem faça a sua existência à imagem e semelhança da sua essência; que essencialize a sua existência; que verticalize as suas horizontalidades; que divinize a sua humanidade; que faça o seu externo agir tão bom como é o seu interno ser".

Sob a perspectiva do reconhecimento dessa essência central do ser humano, invisível externamente, passemos agora para a compreensão da palavra educar.

Apreender verdadeiramente seu significado nos colocará num patamar mais elevado de entendimento da grandiosidade do papel da Educação.

Etimologicamente educar vem do verbo latim educare, que significa conduzir para fora, ou seja, despertar no homem o que nele se acha dormente. Desta forma, educar não é incutir algo, mas sim propiciar que venha à superfície o que existe dentro.

Paulo Freire diz que: "Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção". Freire cunhou o termo: educação bancária, para denunciar a prática do educador como detentor dos conteúdos que simplesmente são depositados nos educandos.

Esta temática já recorrente, pode ser observada nas citações de outros autores, a exemplo de Plutarco (1844, p.38): "O espírito (a cabeça) não é como uma jarra que se enche. Semelhante às matérias combustíveis, ela tem, antes, necessidade de um alimento que o sacie, que aqueça suas faculdades e anime o espírito para a busca da verdade".

Johann Heinrich Pestalozzi, educador suíço (1746-1827), também discorre a respeito dizendo que o educando não é semelhante a "um vaso vazio que se deve encher" acrescenta ainda que o educando é: "uma força real, viva, ativa por si mesma que, desde o primeiro momento da sua existência age no sentido de um corpo orgânico sobre seu próprio desenvolvimento" (PESTALOZZI, 2009, p. 160). Esta afirmação abre uma janela importante que deve ser explorada reconhecendo que cada ser humano carrega em si potencialidades, e são com essas potencialidades que o educador trabalhará, no sentido de despertá-las e trazê-las para fora.

Da mesma forma que Rohden (2005, p.13) diz: "...dentro de cada um de nós existe algo maior e melhor do que aquilo que existe fora de nós. O homem é muito mais aquilo que pode vir a ser e deseja ser do que aquilo que é no plano histórico da sua vida. O homem é a sua permanente e silenciosa atitude interna, e não os seus ruidosos atos externos e transitórios. O homem é a sua eterna potencialidade, e não apenas a sua atualidade temporal."

Convém agora perguntar: Qual a qualidade do olhar que precisamos desenvolver para enxergar e confiar na essência não manifesta de uma criança?

Tomemos como referência a vida de Cristo que em toda sua trajetória demonstrou compaixão e ofereceu um olhar atento e individualizado a todos que dele se aproximavam. Qual a qualidade do olhar de Cristo?

Um olhar capaz de alcançar a essência do ser humano, um olhar fluídico, que não se fixa em um único ponto. Um olhar penetrante, de longo alcance, livre de julgamentos e preconceitos, que enxerga a necessidade humana individualizada. Um olhar que se renova a cada dia, criando novas possibilidades de vir a ser. Um olhar profético, capaz de alcançar o futuro, independente das circunstâncias adversas do momento presente, que vê além das aparências e comportamento em si.

Certas crianças encontram-se prisioneiras de um olhar cristalizado e estigmatizante, um olhar viciado, que enxerga as mesmas coisas sempre, e que, portanto, não estimula, não favorece a manifestação de suas potencialidades, pelo contrário, reforça atos externos que não expressam sua essência interior.

Cabe aqui uma citação de Wolfgang von Goethe que demonstra a relevância da relação que deve ser estabelecida com o que ainda não se manifestou: "Trate um homem como ele é e ele permanecerá como é; trate-o como ele deve ser e ele será como pode e deve ser."

Identificamos pela abordagem dos autores citados, a necessidade de um trabalho apurado de autoconhecimento e autoeducação daqueles que se dispõem ao exercício da docência.

Para a compreensão da relevância da autoeducação, analisemos o pensamento de Steiner:

"Não há, basicamente, em nenhum nível, uma outra educação que não seja a auto-educação. [...] Toda educação é autoeducação e nós, como professores e educadores, somos, em realidade, apenas o entorno da criança educando-se a si própria. Devemos criar o mais propício ambiente para que a criança se eduque junto a nós, da maneira como ela precisa educar-se por meio de seu destino interior."

Podemos entender ‘destino interior’ como a essência central distinta, individual do ser humano.

Paulo Freire também fala que é necessário se educar para educar e que se educar é impregnar de sentido cada momento da vida, cada ato do cotidiano.

Portanto, eu educo o outro, educando a mim mesmo, e o que faço enquanto educador, é criar o ambiente favorável em volta da criança, proporcionando assim condições por meio das quais a própria criança se revele.

Como um jardineiro, nossa tarefa é encontrar as condições adequadas para cada tipo de semente, o tipo certo de solo, o adubo adequado, a proteção e irrigação corretas, achar os ingredientes apropriados que darão suporte e força a semente, para que ela brote, surja para fora, emerja sua natureza e cresça formosa.

Levando em conta que uma das características marcantes da criança é sua capacidade imitativa, podemos ressaltar a importância de modelos adequados de homens e mulheres em torno da criança como espelhamento de seres humanos íntegros. A criança não repete apenas a fala, o movimento e gestual do adulto, ela é capaz de assimilar o que o educador é, e assim reproduzir sua maneira de viver. E mais tarde, quando adolescente, de forma contumaz, procurará a veracidade nos educadores, tutores e pais, por meio da comparação entre o que esses falam e suas ações, seu jeito de se colocar no mundo, de ser e viver.

Por esta razão o educador, como referencial para a criança, adolescente e jovem, tem grande responsabilidade, pois atua no campo ético moral. Daí a importância do seu trabalho constante de autoconhecimento, como instrumento de revisão, aprimoramento e desenvolvimento humano, como processo de construção de si mesmo, num contínuo explorar-se, conhecer-se, transformar-se.

Enquanto educadores, precisamos nos tornar modelos mais adequados para as novas gerações que iniciam seus processos de construção de seres humanos no mundo.

A ARTE COMO CAMINHO DE REENCANTAMENTO DA EDUCAÇÃO

A educação convencional que vem se perpetuando, está fundamentada numa concepção materialista, cientificista, mecanicista, pautada na transmissão de conhecimento e informação. Vem privilegiando o desenvolvimento do lado cognitivo, deixando em segundo plano o corpo e a alma da criança. Isto porque o homem moderno tem endeusado a abstração, a fórmula, a quantificação e os avanços tecnológicos.

A partir da concepção do ser humano integral, não podemos mais fundamentar o sistema educacional levando em conta apenas uma parte do que é o homem. Precisamos educar na/para inteireza.

Precisamos educar para a vida, abarcar o coração do homem no processo educativo, considerando seus sentimentos, emoções, relações. É necessário trazer para a educação temas essenciais, como o amor, a alegria, solidariedade, gentileza, temas estes que a racionalidade moderna não comporta por não conseguir explica-los cientificamente.

Precisamos reencantar a educação, com uma linguagem que fale à alma da criança, por meio de vivências artísticas, estéticas. A arte é o caminho que permite o desenvolvimento harmônico da criança, porque é a linguagem do coração. Ela permeia a razão e a conecta com o lado anímico da criança, fortalecendo a sua vontade, o seu fazer no mundo, e suas interações com o mundo.

A expressão artística, seja pela pintura, modelagem, dança, teatro, poesia, música, etc., desperta a consciência do mundo interior de cada ser, faz a ponte entre o lado intelectual humano e sua capacidade de ação, possibilita a criação de algo resultante da sua imaginação e fantasia.

Rudolf Steiner afirma que: "A pedagogia não pode ser uma ciência – deve ser uma arte". Educação é arte. Que possamos nos sentir inspirados para fazer uma nova escola, fundamentada no respeito à totalidade do ser humano, na confiança do desenvolvimento e aprimoramento das potencialidades humanas.

Esta nova escola começa dentro de cada educador, na sala de aula, olhando nos olhos dos alunos e promovendo encontros verdadeiros.

Como síntese desta reflexão, fica aqui a poesia do Profº Ruy Cezar do Espírito Santo:

A Grande Transformação

Buscar a fonte da inspiração artística

É dirigir-se ao mais dentro do Homem

À Fonte única que de forma original

Derrama o fruto da sua percepção

Encontrar essa Fonte

É desvelar a possibilidade do Amor

É trazer o Homem novamente aos dez anos,

De onde se afastou pelo que chamamos de "educação"...

O Amor dissipou-se no instante em que o "jovem de 10 anos"

Sentiu-se perdido nos labirintos escolares,

Onde cabeças sem coração são "formadas"

Sem a presença da Arte...

Assim, resgatar a Arte

É redescobri a Fonte interior de Alegria e Amor...

É voltar aos dez anos, desta vez

Ciente do sentido e da significação da existência.

*ANA LUCIA MACHADO















Pós-graduada em Deficiência Intelectual pelo Instituto APAE de São Paulo/Unifenas.

Especialização em Transdisciplinariedade em Educação, Saúde, Liderança e Cultura de Paz pela UNIPAZ, e em Pedagogia Waldorf pelo Centro de Formação de professores Waldorf de São Paulo.

Graduada em Relações Públicas pela Faculdade Cásper Líbero.

 -Autora dos livros Clarear – a pedagogia Waldorf em debate, “A Turma da Floresta uma brincadeira puxa outra e ‘Livro do Educador brincando com a natureza’; 

-Fundadora da plataforma digital educandotudo muda.com.br, coordenadora do projeto natureza em família – Playoutside: Alegria de Brincar na Natureza. Membro da Aliança pela Infância, e da Rede Nacional Primeira Infância. 

Site: www.educandotudomuda.com.br  

Contato: analucianaturalarte@yahoo.com.br

Email: analucianaturalarte@yahoo.com.br

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Nota do Editor:


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sexta-feira, 5 de maio de 2023

Quem são os trabalhadores invisíveis?




Autora: Maria Rafaela de Castro(*)

Trata-se de um contingente de trabalhadores que estão em situação de marginalização social. São trabalhadores que desempenham funções pouco valorizadas ou até lembradas na sociedade que, por um aspecto, muitas vezes, histórico/cultural, é considerada com de quase ou nenhuma dificuldade para sua execução, não merecendo, portanto, grandes preocupações jurídicas.

São os garis coletores, os responsáveis pela limpeza em shopping centers, nos Tribunais em todo o país, no TST, o caixa do supermercado, o rapaz que embala as compras feitas, aquele outro senhor do estacionamento, a copeira que serve o cafezinho durante as audiências etc.

São aqueles que, em regra, possuem um ofício assalariado no mínimo constitucional ou pouco acima disso, somando-se os benefícios de eventuais negociações coletivas. Nesse azo, tem-se, ainda, o problema da invisibilidade do mercado informal. Nos dois casos existe sim a vivência da realidade brasileira com a precarização das relações de trabalho.

São aqueles que trabalham e desconhecemos totalmente, não só por uma vida cronometrada e repleta de compromissos, mas, principalmente, porque “não é interessante”. Essa condição não surge em razão de realização de atividades ilícitas mas simplesmente funções que são pouco valorizadas no meio social.

O interesse do tema surgiu da leitura da obra resultado da tese de doutorado de Fernando Braga da Costa, na USP, em que retrata as condições psicológicas de alguns trabalhos que não possuem visibilidade pública. São, geralmente, trabalhadores que não possuem rostos muito embora desempenhem funções essenciais como a limpeza pública urbana.

Mais a frente, considerou-se o projeto desenvolvido pela escola judicial do TRT da 1a Região que foi apresentado ano de 2019 no TRT 7. Trata- se de um projeto em que magistrados são levados a trabalhar em um dia de suas vidas nessas funções subalternas e compartilhar a experiencia.

Nessas duas inspirações, com aprofundamento de leituras, foi considerável a curiosidade de buscar o conceito e quem são os trabalhadores invisíveis. Ora, são atividades desenvolvidas por quem tem menos escolaridade e com baixa remuneração, demonstrando mais claramente a ideia de desigualdades, injustiças e preconceitos. Existe para eles uma mesma rotina pendular.

Aqui se observa dentro da situação da invisibilidade pública a referência mais baixa na escala do trabalho, ocorrendo, ainda, entre os próprios obreiros a situação de aviltamento dos iguais e a síndrome do pequeno poder de quem está só um passo acima na hierarquia da relação de trabalho. Há a identidade social negativa.

Além disso, atribui-se ao conceito de subalterno os que desempenham trabalhos não qualificados e intrinsecamente subordinados, sem qualquer autonomia, com possibilidade de descarte no mercado de trabalho, conferindo um sentimento de inferioridade, mediante um sentimento de desvalor pelo próprio trabalho realizado. Na hierarquia laboral/institucional, há elementos indicadores de relações conflituosas geradas pelo sentimento de rebaixamento.

Num país, como o Brasil, historicamente marcado por uma separação entre classes sociais como fruto de desigualdades econômicas em que se observam os perfis delineados no mercado de trabalho: aqueles que trabalham para sobreviver, submetendo-se a todas as condições impostas pelo empregador, seja quanto à remuneração e jornada; e, no outro lado, os que podem escolher aonde, como ou com quem querem trabalhar. Some-se a isso o alto índice de analfabetismo no país, além do analfabetismo funcional.

A invisibilidade pública é baseada por motivações psicossociais, antagonismo de classes, racismo estrutural, bem como numa concepção repetitiva de ambiente de trabalho desprovido de dignidade.

Além disso, diante das desigualdades sociais, vê-se o crescimento das relações de verticalidade no ambiente de trabalho, com uma margem maior das diferenças econômicas existentes. Tudo isso num círculo vicioso que gera a sobrecarga do sistema econômico.

Com essa perspectiva, até o atraso ao labor é um privilégio de classe, do qual os invisíveis não dispõem na dicotomia mencionada acima. Esse exemplo já denota a ideia de uma exclusão social e de estigmas nas atividades trabalhistas. Não que o atraso seja supervalorizado ou enaltecido. Mas é um aspecto a ser refletido, principalmente, no âmbito da sociologia das profissões que também abordam as relações de poder.

Além disso, aqui existe um contingente de trabalhadores que são braçais e que representam apenas um número e um crachá sem o autêntico conhecimento ou reconhecimento de que por trás dos uniformes existem pessoas com uma história de vida. Nessa submissão de classe e trabalhista, não há questionamentos culturais ou internos, salvo nas ações judiciais e em pontuais movimentos grevistas, a ideia de subordinação jurídica passa a ser mais evidente.

O preconceito e a falta de empatia impedem a visibilidade de muitos desses trabalhadores como seres humanos. Impedem de receber um mero cumprimento como um bom dia ou boa tarde e, por sua vez, são considerados a base da pirâmide de uma hierarquia funcional. Nesse ponto, é preciso um resgate da dignidade humana do trabalhador no seu aspecto de visibilidade.

Esses trabalhadores desempenham funções que exigem mais força física, alguns se expondo a uma humilhação social e, ainda, sem perspectivas de melhorias de condições, acomodam-se ou se acostumam as condições já impostas no sistema de não ser visto ou cumprimentado.

A bem da verdade, são trabalhadores que possuem uma atividade árdua, física, braçal, além de uma certa invisibilidade social. Simplesmente, são ignorados enquanto trabalham como se não estivessem ali. É aquele gari que ninguém observa, por exemplo, enquanto ele esvazia os depósitos nas ruas e avenidas. O trabalho braçal é difícil!

É como se esses trabalhadores invisíveis estivem presos numa realidade dicotômica de papeis: quem serve e é servido. Nessa relação segregacionista, observa-se uma legião de obreiros que não possuem rostos e nem nomes, acostumando-se com esse panorama, nem se rebelar quanto à sua condição de servir continuamente. Há aqui importante aspecto que se forma nos ambientes de trabalho com a perda da conexão com a realidade.

Ah, mas como tantos problemas sociais e econômicos pós pandemia, por que a preocupação com a situação de invisibilidade? Simplesmente porque num mundo acostumado à automatização e às estatísticas, torna-se fundamental o resgate do elemento humano, principalmente, na esfera do trabalho, fonte de seu sustento e sobrevivência.

Essa ideia de trabalho subalterno com a própria expressão também é digna de algumas notas. Primeiramente, quando se utiliza a expressão "subalterno" tem-se uma percepção de alguém inferiorizado, realizando atividades menos dignas ou despidas de intelectualidade.

O legislador constituinte não fez uso aqui da expressão "subalterno" mas sim trabalho manual, como forma de manter na mesma linha de valorização todos os trabalhos desenvolvidos na sociedade.

Quando consideramos um trabalho como inferior, subalterno, além da pecha preconceituosa, ainda, observa sim uma conotação de humilhação social. Até porque essa percepção subalterna seria fomentador de desigualdades sociais e econômicas. Existe claramente a ideia de propriedade do empregador em relação à mão de obra humana que pode ser traduzido em frase comum no ambiente laboral: "você trabalha para mim".

É uma espécie de cegueira social que não pode ser acompanhada de uma cegueira jurídica que se reflete em má remuneração, péssimas condições de trabalho e despojo da condição de trabalho digno. Traz-se à tona os extratos sociais diferenciados.

O peso dos "uniformizados" tem seu preço na sociedade, sendo imprescindível um olhar para o outro, o desenvolvimento de empatia que pode surgir sim do próprio Poder Judiciário e da coletividade. Os "uniformes" tornam as pessoas invisíveis porque não as valorizamos. Nessa assertiva, surgem os seguintes questionamentos, dentre outros.

Percebe-se, principalmente, que a invisibilidade pública vai além do que se reflete nas relações interpessoais, mas também no ambiente de trabalho e nas relações que surgem nesse ambiente. Disso surge a necessidade de conhecer a realidade e como tratá-las judicialmente para fins de evitar maiores prejuízos ao patrimônio moral dos trabalhadores.

Você já ignorou esse trabalhador? Pense bem...

quinta-feira, 4 de maio de 2023

Divórcio impositivo no Brasil

Autora: Lauenda dos Passos (*)

O divórcio impositivo é um tema que tem gerado muitas discussões no âmbito jurídico e social. De um lado, há aqueles que defendem que o divórcio deve ser sempre uma decisão consensual, fruto de um diálogo e negociação entre os cônjuges. De outro, há quem argumente que o divórcio impositivo é uma forma de proteger a dignidade e a saúde mental daquele que deseja se separar.

E o que é o divórcio impositivo?

O divórcio impositivo é a possibilidade de apenas uma das partes consentir com a dissolução do matrimônio, sem a necessidade de autorização do outro cônjuge. Dessa forma, o divórcio é concedido mesmo que o outro cônjuge não concorde com a separação, isso é especialmente importante em situações em que a outra parte está inacessível ou se recusa a assinar o divórcio, o que pode impedir a dissolução do matrimônio e causar prejuízos à parte interessada.

Vale destacar que, apesar do divórcio impositivo ser uma alternativa para as partes que buscam a dissolução do matrimônio, deve ser utilizado com cautela e apenas em situações extremas. A medida não deve ser vista como uma forma fácil de se obter o divórcio, mas sim como uma ferramenta para proteger o direito das pessoas de se separarem quando a outra parte se recusa a cooperar.

Embora não haja uma regulamentação específica sobre o divórcio impositivo na legislação brasileira, alguns dispositivos legais podem ser utilizados para fundamentar a possibilidade de ingressar com uma ação judicial pedindo a dissolução do casamento de forma unilateral.

O artigo 1.580 do Código Civil, por exemplo, permite que o divórcio seja concedido de forma direta, sem que os cônjuges tenham que passar pelo processo de separação judicial prévia. Já o artigo 226, parágrafo 6º, da Constituição Federal, não especifica que a separação judicial deva ser consensual, o que abre espaço para a interpretação de que o divórcio impositivo também é possível.

Além dos argumentos jurídicos, existem outras razões que podem ser utilizadas para defender o divórcio impositivo:

1ª - A proteção da saúde mental dos envolvidos;

2ª - A garantia da igualdade entre os cônjuges.

No entanto, é importante ressaltar que o divórcio impositivo deve ser utilizado como última alternativa, após esgotadas todas as possibilidades de diálogo e negociação entre as partes, ou seja, é fundamental destacar que o divórcio impositivo não é a solução para todos os casos de separação conjugal, além de não ser uma realidade do direito brasileiro até o momento.

Cada situação é única e requer uma análise cuidadosa e individualizada. É fundamental contar com o apoio de profissionais capacitados, como advogados, psicólogos e assistentes sociais, para lidar com todas as questões envolvidas em um processo de divórcio.

* *LAUENDA NATIANE MOREIRA DOS  PASSOS


De acordo com suas palavras: 
"Lauenda Natiane Moreira dos Passos é uma advogada brasileira com sólida formação jurídica. Formada em Direito e possui pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil, com especialização em Direito de Família e sucessões.

Atualmente, cursando pós-graduação em Direito Imobiliário, buscando aprofundar seus conhecimentos em uma área importante do Direito.

Além de sua formação jurídica, também tem se dedicado ao estudo das constelações familiares, uma abordagem terapêutica que busca entender as dinâmicas familiares e suas influências na vida dos indivíduos. Essa formação complementar tem permitido desenvolver uma visão mais abrangente e humanizada do Direito de Família, buscando sempre a melhor solução para seus clientes.

Nota do Editor:

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quarta-feira, 3 de maio de 2023

Empréstimo consignado não solicitado


 Autora: Luciane Roma(*)

Cada hora aparece um golpe diferente!

Você já ouviu falar do "golpe do empréstimo não solicitado"?

Os golpistas utilizam técnicas cada vez mais reais para induzir o aposentado/pensionista em erro.

Normalmente o primeiro contato é feito com o atendente que se identifica como funcionário do INSS e passa a informação ao aposentado de que ele teria direito ao ressarcimento de valores cobrados de forma abusiva relativas a empréstimo anterior.

Essa é uma forma de atrair pessoas e gerar interesse em restituir valores "indevidos", até porque a ligação, em tese, é de um "funcionário do INSS" que inclusive tem as informações do benefício do aposentado, o que não gera dúvidas sobre a informação.

Após receber a ligação e informar sobre os benefícios e possíveis direitos de ressarcimento de valores, a pessoa envia mensagem pelo Whatsapp, inclusive com uma foto de identificação do INSS, e assim começam as tratativas, o suposto funcionário alega que para validar os dados a pessoa precisa clicar no link e seguir o passo a passo e assim, o aposentado sem malicia, entra no link, sem imaginar que isso poderá comprometê-lo.

Após esse primeiro contato, o funcionário alega que o aposentado teria um valor médio de ressarcimento de R$ 800,00 e depois alega que acessou o sistema e esse valor está em R$ 1.500,00 e isso faz com que o aposentado se interesse ainda mais em receber os valores. Nisso, o aposentado envia foto de documento para "confirmar" que é ele mesmo mas não imagina que o envio da foto supostamente confirmaria a contratação de empréstimo.

Geralmente no dia seguinte, outra pessoa que provavelmente faz parte da equipe do golpe, entra em contato, para confirmar a contratação de um empréstimo - para surpresa do aposentado - ele alega que não solicitou nenhum empréstimo, porém nessa fase, o empréstimo já foi "contratado" e BANCO já disponibilizou o empréstimo.

Diante disso, o aposentado alega que não solicitou o empréstimo e o atendente orientará o cancelamento deverá ser realizado, caso contrário, a aposentaria poderá ser BLOQUEADA.

Nesse momento, o aposentado já entra em desespero e pergunta como poderia cancelar o empréstimo. Assim, o atendente envia dados para transferência via PIX, geralmente o valor é desmembrado em 2 parcelas, ou seja, informam 2 chaves PIX, o problema é que essa devolução ocorre para golpistas e a dívida do empréstimo permanecerá vinculada a aposentadoria e as parcelas do empréstimo, começarão a serem descontadas mês a mês com juros exorbitantes.

Mas como resolver esse problema?

Caso você conheça alguma pessoa aposentada, pensionista ou que recebe algum beneficio do INSS, alerte sobre essas possíveis situações, para que NUNCA forneça qualquer dados, fotos, ou acesse qualquer link enviado por Whatsapp.

Mas caso, você conheça alguém que passou por situação semelhante, o ideal seria:

  •  JAMAIS devolver qualquer valor (mas não informar isso aos golpistas de imediato);
  • Fazer prints das mensagens enviadas e áudios (os áudios podem ser enviados para algum dos seus contatos para que o golpista não apague depois e você tenha salvo);
  • Verificar se os valores a título de "empréstimo" não solicitados caíram na conta e tirar um extrato;
  • Registrar um Boletim de Ocorrência e levar o celular para demonstrar a veracidade das informações e pedir para constar os dados das mensagens no B.O, inclusive número do PIX, pois depois que os "golpistas" perceberem que a pessoa não devolverá o dinheiro, eles apagam as mensagens;
  • Registrar a reclamação no PROCON de sua cidade;
  • E por último procurar um advogado para ajuizar uma Ação Judicial para narrar todas as situações ocorridas, com todas as provas, conforme acima sugerido, e depositar o valor do empréstimo em Juízo, agindo assim o Judiciário perceberá a boa-fé do aposentado e concederá liminar para suspender os valores que com certeza estarão sendo descontados do benefício.
Infelizmente muitas situações semelhantes estão ocorrendo em nosso país. Portanto, converse, oriente a pessoa idosa que pela Lei é considerada HIPERVULNERÁVEL, para que não atenda ligações, nem responda mensagens de pessoas que se identifique como funcionários do INSS e/ou Instituições financeiras, isso porque o INSS não realiza ligações nem envia mensagens e ainda as instituições financeiras precisam cumprir metas de empréstimos consignados e farão de tudo para induzirem os aposentados em dívidas infindáveis.

Caso a pessoa idosa precise de um empréstimo, a orientação é que procure uma agencia bancária FÍSICA, e vá com uma pessoa mais instruída para só então contratar um empréstimo.

Salienta-se que existem vários processos nesse sentido, caso necessite, procure um advogado de sua confiança.

Fique atento e oriente a pessoa idosa que você conhece, isso pode evitar futuros golpes.

Gostou do artigo?! Compartilhe agora para que mais pessoas conheçam sobre seus direitos!

*LUCIANE MARIA MARCOS ROMA  

























- Formada em Direito pela ULBRA (2005);
- Pós Graduada “Lato Sensu” em Ciências Criminais pela UNAMA (2008);
- Pós Graduada em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade Legale (2020);
- Associada a ADFAS – Associação de Direito de Família e Sucessões;
- Área de atuação: Direito de Família e Consumidor na cidade de Cascavel/PR;
-Integrante da Comissão do Direito de Família da OAB/Cascavel
  Facebook: Luciane Roma
   Instagram: romaepiloniadvocacia

Nota do Editor:

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terça-feira, 2 de maio de 2023

Novamente ela, a Liberdade de Expressão em risco


Autor: Marcelo Palagano (*)


Ainda mais atual do que outrora, o presente artigo apresentará reflexões a respeito do que é que se está fazendo com o princípio da liberdade de expressão.

Pode parecer algo repetitivo por parte deste articulista, mas fato é que certos assuntos não podem sair do horizonte de nossos olhares, sob pena de amanhã ou depois estamos vivendo a distopia muito bem descrita na Obra 1984 de George Orwell.

Afinal, o preço da liberdade é a eterna vigilância.

Feitas estas considerações é bom sempre lembrar que o Brasil, por incrível que pareça, é um Estado Democrático de Direito e foi estabelecido assim mediante a promulgação da Constituição Federal de 1988. Nela está previsto Direitos e Garantias Fundamentais. E isso não é nenhuma brincadeira ou Fake News, basta abrir a CF que logo no preâmbulo se encontra essas informações.

A Constituição Federal é fruto de um período onde não se preservava as garantias fundamentais.

Muito criticada, a constituinte de 1988 levou algum tempo para terminar de escrever a "Constituição Cidadã", nas palavras de Ulysses Guimarães. E isso porque se entendia, naquele tempo, que era o fim dos "anos de chumbo".

Talvez muitos hoje não compreendam, em termos de direitos e garantias fundamentais, o que foi o período que ficou conhecido como "regime militar" ou "ditadura militar". Então explicarei sucintamente o que foi, em termos de diretos e garantias fundamentais, aquele período que inspirou a atual Constituição Federal de 1988. Afinal, relembrar é viver!

No período destacado acima, vigorou no Brasil a Constituição Federal de 1967. Elaborada pelo regime militar ela reunia as medidas ditatoriais dos Atos Institucionais incorporando-os à normas constitucionais (EC nº. 1/69), não havia eleição direta para Presidente da República, o Habeas Corpus foi suspenso, entre outras violações. Entre os Atos Institucionais adotados, o de número 5 é o que verdadeiramente causou arrepio à cidadania e aos direitos humanos, pois foi através dele que se restringiram severamente os direitos e garantias fundamentais, inclusive adotando a censura prévia.

Infelizmente o Brasil tem muitas páginas de sua história manchada por autoritarismos, tiranias e até suicídio de presidente. Mas há também boas páginas escritas como, por exemplo, é o caso do movimento democrático que se formou logo após o fim da 2ª Guerra Mundial para destituir a ditadura do Estado Novo promovida por Getúlio Vargas e que deu origem a Constituição Federal de 1946, que estabelecia uma democracia para o Brasil e protegia os direitos e garantias fundamentais.

Não faz parte da doutrina democrática o silêncio. A democracia está sedimentada no pilar da liberdade em todos os seus sentidos. Não faz sentido perseguir e calar os opositores considerando o pluralismo político que hoje está vigente. Quem assim age é porque não está acostumado com os ideais democráticos e, sinceramente, age como um tirano, uma autoridade autoritária, um verdadeiro ditador.

Parece poético se não fosse dramático. Mas, essa mesma "democracia" que a pouco explanei foi usada como subterfujo para calar pessoas, persegui-las e até prende-las. Isso não é estranho? Não é estranho que em meio ao pleito eleitoral, ou festa da democracia (chame o do que quiser) a censura prévia retorna para as páginas de nossa história e perdurou por certo período e tudo sob a justificativa de preservar a liberdade?! Não é absurdo isso?

Outrora afirmei que a atual conjuntura política do Brasil estava colocando em xeque a ordem que estabelece e preserva as garantias fundamentais. E dizia que tentavam a todo o momento liquidar os princípios bailares da democracia, como é o caso da Liberdade de Expressão.

Ora, o que vimos (pelo menos eu vi) nos últimos anos foi a censura de jornais, jornalistas, políticos, autoridades com foro privilegiado e pessoas.

Agora, nesta semana foi votado o regime de urgência para a discussão a respeito do Projeto de Lei 2630 que buscará “garantir mais liberdade, responsabilidade e transparência na "Internet".

Deste jeito não precisa ser um PhD para notar que o Brasil não vem respirando o ar da democracia desejada e que foi conquistada após muitos serem calados ou mesmo mortos.

O PL 2630, ou como ficou carinhosamente conhecida como Lei das Fake News começou a tirar o sono de grandes empresas de redes sociais, plataformas de internet ou, como se convencionou chamar, as "Big Techs" do mundo moderno.

A própria Google comunicou estar preocupada com a respectiva Lei. O texto é assinado por Marcelo Lacerda, diretor de Relações Governamentais e Políticas Públicas do Google Brasil. É dito, entre outras coisas, que o país pode entrar em uma zona de “consequências indesejadas” (fonte: Terra Brasil).

Se o PL tira o sono de grandes empresas como a Google, imagina o que faz para todo cidadão consciente dos seus direitos ou, ainda, o que faria para o coração de Ulysses Guimarães?

* MARCELO DUARTE PALAGANO








-Advogado, graduado em Direito pela Universidade de São Caetano do Sul (2015);

 -Pós Graduado em Processo Civil pela Academia Jurídica em 2020; e 

-Atua nas áreas do direito Civil, de Família, Sucessões, Consumidor e do Trabalho.

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

A uberização é uma relação de emprego?


 Autora: Maria Rafaela de Castro(*)

Trata-se de uma discussão que o mundo inteiro está desenvolvendo. Portugal, por exemplo, no ano passado, regulamentou a matéria no art. 12 – A do seu Código de Trabalho. O Brasil ainda está tateando no escuro.

Na uberização, encontram-se profissionais que prestam serviços sem qualquer contraprestação da legislação protetiva do trabalho, ficando à margem da proteção social e até de cobertura previdenciária. Nessa perspectiva, com os trabalhos prestados através das plataformas digitais e os contornos da 4ª Revolução Industrial, verifico a necessidade de um aprofundamento dessa problemática em nível social e econômico.

Quando mencionamos uberização, estamos tratando aqui não só da Uber, mas de todos aqueles que trabalham nas plataformas digitais, incluindo, os que entregam nossas refeições pelo Ifood, por exemplo.

O presente tema é atual, tendo em vista que os direitos humanos tendem a evoluir em sua interpretação e aplicação mediante as novas formas de trabalho que nascerão na sociedade capitalista contemporânea. É uma nova mentalidade do operariado na esfera mundial.

É imperioso o questionamento se essas novas formas de trabalho são frutos de modernização ou precarização das relações, como uma devastação integral das forças sociais do trabalho a até uma erosão dos direitos fundamentais que foram arduamente construídos no decorrer dos séculos. E, principalmente, se são relações de emprego disfarçadas.

No Brasil, por exemplo, há discussões se até mesmo essas novas relações possuem alterações apenas no formato, mas que seriam, essencialmente, vínculos de emprego tradicional, com diversas decisões judiciais conflitantes na seara trabalhista.

De fato, a uberização traz à tona a explosão de um novo proletariado de serviços. No mesmo passo, o ambiente de trabalho se mostra em declínio, com situações degradantes em que se revelam situações precárias e um retorno às piores condições da humanidade, tais como salários baixos, jornadas além de 12 horas diárias, sem direito às férias, aumento de número de acidentados do trabalho etc.

As intensas transformações experimentadas no mundo desde o último século, notadamente, as relacionadas aos modelos de produção e aos modelos de acumulação de capital, bem como as ideias do Vale do Silício com as teorias da economia compartilhada geraram reflexos profundos sobre os direitos sociais dos trabalhadores, sob o argumento de que são excessivos, desnecessários e ofensivos à economia.

Merece, ainda, a reflexão mais detida de como compatibilizar trabalhos exercidos na 4a Revolução Industrial e os direitos sociais conquistados no decorrer da História. Isso porque já fazem parte de nossa realidade e são mecanismos de trabalho que movimentam mão de obra em, praticamente, todos os continentes.

Com isso, a abordagem séria e detalhada do tema é medida até de utilidade pública para fins de auxiliar os próprios países em suas políticas previdenciárias e de cobertura, no futuro, de assistência social.

O fenômeno da uberização suscita a discussão sobre apologia de que o subemprego pode ser a causa da sobrevivência da economia e do crescimento dos mercados, mantendo o consumo ativo e a economia circulando. Mas a custo de quê? Vale a pena? A uberização por se tornar um mal estar na civilização?

Essas novas formas de trabalho são crescentes em todo o mundo. O modelo de trabalho é vendido como atraente e ideal, pois propaga a possibilidade de se tornar um empreendedor, com flexibilidade de horário e retorno financeiro imediato. Daí surgem os trabalhadores por conta própria, afastando-se da tradicional proteção trabalhista.

Das novas relações, há a discussão de que existe fragilidade e riscos decorrentes dos novos modelos de contrato de trabalho, oriundos de dispositivos tecnológicos, denominados de sharing economy – economia colaborativa ou cultura de compartilhamento.

Este tema se torna mais forte quando se trata dos trabalhadores das plataformas digitais, principalmente, com os serviços prestados à UBER, por exemplo, ou até mesmo aplicativos de entrega de alimentação em domicílios (delivery), tanto em situações de normalidades como de exceção do Estado, tais como declaração de calamidade pública, estado de sítio, estado de defesa etc, as pandemias da COVID – 19 etc na medida em que ficam sem receber contraprestação, pois a natureza desse trabalho é de uma vertente caracterizada pelo trabalho on-demand.

No Brasil, ainda não há consenso sobre o tipo de proteção trabalhista e social. Há divergências claras no que se refere a uma relação de emprego ou a uma mera prestação de serviço. Na Europa, por sua vez, já existe uma evolução, apesar de não ser pacífica, pois se deve observar alguns aspectos peculiares de cada país, preferências políticas e orçamentos distintos.

O Tribunal Superior do Trabalho já apresenta precedentes acerca da relação de emprego com os uberizados. O ideal, no entanto, é que a matéria seja legislada, observando-se que, enquanto isso, os uberizados ainda não sabem o que efetivamente são.

* MARIA RAFAELA DE CASTRO












-Graduação pela Universidade Federal do Ceará(2006;

-Juíza do Trabalho Substituta no Tribunal Regional do Trabalho da 7a Região;

- Doutoranda em Direito pela Universidade do Porto.;

- Mestre em Ciências Jurídico – Privatísticas pela Universidade do Porto, em Portugal, com a dissertação “A greve dos juízes”, em vias de publicação em livro. Pós-Graduada em Processo do Trabalho e Direito do Trabalho pela Estácio de Sá. 

-Formadora da Escola de Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará;

-Professora de Cursos de Pós Graduação na Universidade de Fortaleza - Unifor;

-Professora de cursos preparatórios para concursos públicos;

-Professora do curso Gran Cursos online;

-Professora convidada da Escola Judicial do TRT 7a Região; Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho; e

-Palestrante.

- Instagram @juizamariarafaela

Nota do Editor:

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