sábado, 27 de agosto de 2022

Ensino Superior: num semestre, três modelos!


 Autor: Rodrigo Prando(*) 



Nas universidades temos, quase sempre, a discussão de que suas atividades se encontram alicerçadas sobre um tripé: ensino, pesquisa e extensão. A pandemia nos colocou desafios em todas as dimensões da vida universitária, contudo, a mais impactada foi aquela ligada ao ensino. Em grande parte das IES – Instituição de Ensino Superior – a sala de aula, presencial, com alunos e professores ainda é essencial e a sociabilidade, naquele espaço, transcende a mera transmissão de conteúdo.

Num cenário pandêmico, o primeiro choque foi a interrupção das aulas. Ninguém, ninguém mesmo, tinha consciência de como lidar com uma situação extraordinária. De uma hora para outra, professores e alunos estavam em suas casas e angustiados se perguntando em como se daria o prosseguimento do processo educacional. Infelizmente, a grande maioria das crianças, jovens e jovens adultos padeceram – no Brasil, especialmente – com a impossibilidade de continuidade das aulas presenciais e da ausência de recursos tecnológicos que poderiam auxiliar a equacionar ou resolver parte do problema. Não nos enganemos: os prejuízos à educação serão sentidos e mensurados durante um bom tempo e, ainda, aprofundaram problemas estruturais já bem conhecidos em nosso país.

Dos vários desafios vividos no bojo da pandemia a manutenção das aulas foi o principal. Num primeiro momento, as aulas foram gravadas, bem como as atividades acadêmicas (trabalhos, provas etc.) eram enviados para os alunos. Na universidade que trabalho, temos uma plataforma educacional, o Moodle, e ali disponibilizamos aulas e materiais. Depois, com mais prática, apoio pedagógico e tecnologia as aulas passaram a ser assíncronas e síncronas. As aulas assíncronas, ou atividades, eram gravadas ou postadas e os alunos as realizavam num dado tempo determinado pelo professor. Houve, entretanto, as aulas síncronas, nas quais alunos e professores, de suas casas, usavam uma sala de aula virtual. Nesse momento, os professores com suas câmeras abertas, usando seus computadores ou celulares, ministravam o conteúdo e buscavam interagir com seus alunos. Estes, os alunos, majoritariamente, com as câmeras fechadas e interagiam pelo chat escrevendo durante a aula ou, então, usavam o áudio. Quando um aluno ou grupo de alunos de uma turma usava câmera e microfone abertos era, ao menos para mim, uma enorme alegria, já que ministrar aula para uma tela de notebook e vendo sua própria imagem durante meses era, não raro, enfadonho.

Foi no primeiro semestre de 2022 que, na universidade, vivenciamos três modelos distintos: 1) aulas on-line (alunos e professores em suas casas); 2) aulas híbridas (os alunos que quisessem poderiam vir à universidade e, ainda, outros ficariam em casa, pois as salas de aulas foram equipadas com modernas câmeras – a aula era, ao mesmo tempo, presencial e on-line; e, por fim, 3) aulas totalmente presenciais, como sempre foram, alunos e professores na sala de aula. Graças à ciência, à vacinação e à curva de aprendizado dos profissionais de saúde o número de mortos e doentes graves despencaram. Assim, aos poucos, com receios e alegrias, o campus da universidade voltou a ter vida: jovens conversando, rindo, professores se encontrando e se abraçando e tomando aquele café no intervalo das aulas.

Tendo a crer, prezado leitor e prezada leitora, que, nestes meus quase 20 anos de docência, no ensino superior, o primeiro semestre deste ano foi o mais desafiador e impactante de toda minha vida acadêmica. Aprendi muito, confesso. Sofri bastante, confesso também. O saldo, enfim, mostrou-se positivo, ainda que a pandemia tenha nos tirado amigos e parentes queridos.

*RODRIGO AUGUSTO PRANDO
















-Graduação em Ciências Sociais pela Unesp - Araraquara (1999);
-Mestrado em Sociologia pela Unesp - Araraquara (2003);
-Doutorado em Sociologia pela Unesp-Araraquara (2009);
-Atualmente, é Professor Assistente Doutor da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas;

-Desenvolve pesquisas e orienta nas áreas de empreendedorismo, empreendedorismo social, gestão em Organizações do Terceiro Setor, Responsabilidade Social Empresarial, história e cultura brasileira, Pensamento Social Brasileiro e Intelectuais e poder político e cenários políticos brasileiros.

Nota do Editor:

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sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Direita x Esquerda : A banalização das terminologias


 Autora: Maiara Teixeira (*)

Nos últimos oito anos o que mais se tem ouvido durante discussões políticas são as palavras direita e esquerda, infantilmente. As terminologias foram rebatizadas pela população brasileira que no cenário político atual foi dividido em duas extremidades: direita e esquerda, ou seja, quem se identifica como esquerda é do mal e comunista e quem se identifica como direitista é do bem e capitalista ou vice e versa. De qualquer forma, segundo entendo, esse  é um pensamento infantil e obtuso.

O fato é que além de infantilizarem as palavras e darem também um tom apocalíptico a elas, usá-las para definir um posicionamento político da atualidade pode ser águas divisoras entre um tiro na cara ou um abraço afetuoso, o que me leva a querer explicar suas origens e esclarecer que não é correto usa-las como xingamento.

Vamos às origens.

No ano de 1788, um ano antes da Revolução Francesa, o Rei Luís XVI (1754-93) instituiu os Estados Gerais, a fim de discutir a situação econômica do país. Para as deliberações estavam presentes os chamados Deputados, representantes das NOBREZA, CLÉRO E POVO. O que era para ser apenas discussões para resolver o problema econômico da França, acabou por se tornar uma Assembleia Geral Constituinte, e durante esses debates foi levantado uma questão importantíssima, ATÉ ONDE IRIA O PODER DE VETO DO REI? Naquele momento a monarquia era absoluta e somava-se 10 séculos sem qualquer interferência ou intervenção.

No momento em que a questão foi posta em pauta, parte dos deputados que ali estavam levantaram-se e se POSICIONARAM à esquerda dá assembleia e a outra parte à DIREITA. Percebam que a até o momento direita e esquerda era apenas uma questão  posicional.

Os deputados que se posicionaram ao lado DIREITO da assembleia defendiam o poder absoluto do Rei e que as transformações fossem lentas, não havendo ruptura com a ordem tradicional à fim de manter o máximo possível a forma conservadora que já existia. Já os deputados localizados do lado ESQUERDO, em sua maioria jacobinos, defendiam a limitação do poder da monarquia e ainda existia a ideia dos radicais de destituir a monarquia para a criação de uma República francesa.

Foi a partir desse momento que surgiu essa distinção de ideais políticos. Foi um simples acidente de localização de quem gostaria da manutenção do status quo (das coisas como elas correm) e aqueles que querem transformações, sejam elas radicais ou não. Tudo vai depender da comparação, "se o meu amigo tem uma ideia igual a minha, porém mais acalorada, ele pode ser considerado um radical, se tem uma ideia diferente, pode ser um direitista ou esquerdista, dependendo do caso, até uma pessoa considerada de centro."

Dito isso, quando nos deparamos com pensamentos que idealizam o futuro, quase sempre estará ligado a uma ideia revolucionária de esquerda e quem idealiza o passado está ligado a uma ideia reacionária de direita.

O fato é que enquanto no século XVIII nascia duas terminologias perfeitas para aquele momento revolucionário, em outro houve a banalização idiotizada dos termos. Especificamente falando no Brasil do século XXI, tudo se resume ao bem e ao mal, se me identifico como "de esquerda" não se é levado em conta que apenas me identifico com ideais democráticos e modificações que favoreçam o coletivo, rompendo com as ideias arcaicas e empoeiradas do passado, como uma monarquia ou ditadura.

Claro, que aos que se identificam como direitistas é devido também o respeito ao pensamento conservador e estagnado.

Por fim, seria de enorme relevância que as pessoas compreendessem corretamente as terminologias aqui citadas e que o fato de alguém se identificar como esquerdista ou direitista, não fosse tomado como uma ofensa pessoal e motivo para sacar uma arma e ceifar a vida de alguém. Eu posso discutir, caçoar ou discordar do posicionamento, mas jamais ultrapassar esse limite.

*MAIARA TINTILIANO TEIXEIRA

 


 - Advogada graduada em Direito pela Universidade Paulista - UNIP - 2020;

- De esquerda, feminista e apaixonada pelas discussões políticas






Nota do Editor:

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quinta-feira, 25 de agosto de 2022

As dificuldades que a lei impõe ao credor de alimentos


 |Autor: Vinicius Melo(*)


Embora a pensão alimentícia seja para garantir a própria sobrevivência de quem a recebe, notadamente crianças e adolescentes – vulneráveis -, a própria legislação vigente acaba, por muitas vezes, fazendo com que o recebimento se torne um verdadeiro martírio.

Em uma ação de cumprimento de sentença ou execução de alimentos, a lei define que o devedor será intimado para efetuar o pagamento em 3 dias ou justificar a sua impossibilidade de o fazer (art. 528 do Código de Processo Civil - CPC).

Quando intimado o devedor, o prazo começará a contar a partir da juntada do mandado cumprido pelo oficial de justiça aos autos (art. 231, II, CPC). Tal situação foi acelerada, durante a pandemia, pelo uso de ferramentas como o WhatsApp para citações/intimações, que acabou sendo até mesmo objeto de regulamentação pela Lei nº 14.195/2021 e pelo Conselho Nacional de Justiça para evitar nulidades.

Ocorre que, não raras vezes, tal juntada do mandado é demorada, sendo necessário que o advogado da parte interessada cobre agilidade para que o prazo comece logo a fluir. Ainda, tal prazo só será contado em dias úteis, o que significa que se o mandado for juntado na sexta-feira, o prazo só começará a contar na segunda-feira. Assim, ganha alguns dias a mais o devedor de alimentos, enquanto o credor, parte que mais necessita, fica à mercê.

Só que a situação começa a ficar ainda mais difícil a partir deste momento. Caso o devedor não pague e apresente algum tipo de justificativa, o juízo da causa dificilmente rejeitará tal alegação sem antes intimar o credor a se manifestar. Assim, nova contagem de prazo ocorrerá, entre os dias para que o despacho seja realizado, a intimação seja expedida e a parte exequente (credora) tenha que rebater todas as alegações de quem deve os alimentos, em uma tarefa muitas vezes hercúlea. Facilmente esse trâmite leva 20 dias.

A partir do momento em que o exequente refuta os argumentos, o julgador encaminha o processo para que o Ministério Público se manifeste. E aqui o grande problema: a lei prevê que o Ministério Público terá sempre 30 dias para se manifestar. Melhor dizendo, conforme a lei processual, serão 30 dias úteis. Que, na verdade, serão mais de 30 dias úteis, pois ainda há o prazo para leitura da intimação via sistema. O prazo pode chegar a quase 50 dias. Cabe à parte que necessita dos alimentos torcer pela agilidade da manifestação ministerial. Enquanto isso, no mínimo mais uma (e quase duas) parcelas se vencerão, somente no aguardo da posição do Ministério Público, que atua para salvaguardar os interesses de incapazes. Neste ponto, por própria previsão legislativa, a atuação do Ministério Público mais pode atrapalhar do que ajudar, considerando o prazo excessivo.

Após a manifestação Ministerial, com o processo voltando a ficar concluso ao juiz para decidir, é frequente que o devedor efetue o pagamento das prestações vencidas, sempre perto do prazo para que mais uma parcela se vença. Assim, o juiz, ao invés de aplicar uma das medidas coercitivas ou expropriatórias previstas na lei, como prisão civil ou penhora de bens, volta a intimar o credor para informar sobre a quitação do saldo.

Ocorre que, como dito, o pagamento foi efetuado próximo ao vencimento de uma nova prestação. Desta maneira, com novo vencimento, o credor informa ao juiz deste débito recente e todo o ciclo volta a se repetir, tornando o processo inacabável se o julgador não tiver a devida percepção da conduta procrastinatória do devedor e determinando, desde já, as medidas necessárias à efetivação de um direito que não pode aguardar prazos processuais tão alongados, muito menos os prazos de leitura dos sistemas judiciais, como o PJe.

Este quadro foi indicado apenas para reflexão. Será que as normas gerais do Código de Processo Civil, especificamente sobre a necessidade de sempre oportunizar às partes que falem sobre os temas abordados e os longos prazos do Ministério Público realmente defendem os interesses de um credor? Pior, de um credor de alimentos?

Ao que parece, não se mostram razoáveis tais prazos. Talvez seja necessário que uma lei específica sobre alimentos, renovada, seja pensada para evitar que essa situação continue causando tamanhos prejuízos ao credor e também para o(a) genitor(a) que o mantém mesmo sem apoio da outra parte e que sofre com os endividamentos constantes para sustento de alguém que não gerou sozinho.

VINICIUS MELO




-Advogado de Direito de Família;

-Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família; e

-Membro da Comissão de Direito de Família da OAB de Jaboatão dos Guararapes - PE.


Nota do Editor:

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quarta-feira, 24 de agosto de 2022

O mero aborrecimento


 Autor: Juliano Lavina (*)

 

O mero aborrecimento é uma teoria que defende que nos casos de mero incômodo não existe dano moral - em apertada síntese é isso que interessa. Contudo, mero aborrecimento para quem? O leitor logo se identifica com o tema porque em um dado momento da sua vida, já passou por uma situação que no final o Judiciário considerou mero aborrecimento. Tomo como exemplo o não cumprimento dos contratos, que na sua grande maioria são considerados meros incômodos para o Judiciário, e tão absurda quanto esta tese é a sua utilização para afastar o dano imaterial, datissima vênia. Particularmente esse é o maior tapa na cara e inversão de valores que o Judiciário pode dar no pobre cidadão, e olha que isso não vem de agora. Conforme defendo na minha teoria, nominada como safety flare ou da sinalização direcionada – https://oblogdowerneck.blogspot.com/2020/06/teoria-do-safety-flare-e-correlacao-com.html, o mero aborrecimento e a indústria do dano moral são teorias fomentadas pelos fornecedores a fim de afastar os "danos" causados pela legislação consumerista. A expressão "danos" foi utilizada propositadamente, porque este é o pensamento dos fornecedores com relação as leis que visam proteger o consumidor. Já pela ótica consumerista é uma tremenda “sacanagem”, porque o consumidor é obrigado a cumprir o contrato e o fornecedor não, o seu descumprimento é considerado mero aborrecimento ou indústria do dano moral. Para o Judiciário o objetivo é evitar o assoreamento do órgão com ações em massa.

Infelizmente essa é a política que o Judiciário vem sustentando, como outras teorias absurdas que vemos por aí no afã de não cumprir a lei/contrato, já que alterar a legislação demandaria tempo e movimentação política. Não é de hoje que eu defendo que os contratos e as leis precisam ser cumpridos, e os prejuízos oriundos desse não cumprimento devem ser ressarcidos pelos mecanismos jurídicos adequados, entre eles o dano moral, porque a meu ver descumprir a lei ou o contrato sempre gera um prejuízo para alguém, e obviamente que é sempre para o lado mais fraco. A alegação de que não cumprir o contrato se trata de um mero aborrecimento é uma tese irresponsável, vergonhosa, que não leva em consideração a decadência que essa argumentação causa no ordenamento. Enquanto o magistrado espera ser provocado por algum mau que o fornecedor vem causando, inclusive em relações cíveis, a parte prejudicada é obrigada a parar sua atividade diária para resolver o problema causado e criado pelo fornecedor. Independentemente do ruído jurídico, sempre há prejuízo porque conforme declara a teoria do desvio produtivo do consumidor, sempre que somos obrigados a parar nossas atividades regulares para resolver um problema criado por terceiros, devemos ser indenizados.

A perda de tempo hoje em dia custa mais caro do que os ganhos obtidos a título de dano moral, e esse tempo não tem preço no mercado. Enquanto os fornecedores administram seus milhões o pobre consumidor é obrigado a se deslocar como louco em busca da solução, para ao final o juiz alegar que embora o consumidor tenha razão, trata-se de mero aborrecimento. Mero aborrecimento para quem?

Não leva em consideração esse tipo de decisão, que o prejudicado foi obrigado a parar sua atividade para procurar o fornecedor, por telefone, mensagem, e-mail, whatsapp ou pessoalmente. Realizado o contato por um desses canais, é obrigado a esperar a solução que muitas vezes nunca chega, ou quando chega é negativa. Infrutífera a solução, o que já era esperado, o consumidor busca resolução através de outros canais, como o site do consumidor.gov.br; o reclame aqui, entre outros. Existe um prazo mínimo de 15 dias para a entidade fazer contato com o fornecedor e buscar uma resposta, já que o ato não é imposto a cabresto. Mais uma vez infrutífero, o que é a grande maioria, o consumidor ainda tem que se deslocar ao PROCON local, seu último ato desesperador na esfera administrativa, local onde a resposta também é facultativa. Sem sucesso, o prejudicado vai ao encalço do fornecedor através do Judiciário, diante do evidente dano a moral por ter sido vilipendiado na fase administrativa e pelo descumprimento do contrato ou da lei.

Além de pagar por toda essa perda de tempo, movimenta a máquina pública que de arrancada já custa uns R$ 4.000,00 aproximadamente, mais despesas iniciais e honorários contratuais se o advogado for particular. Tudo para que o contrato seja cumprido, lembre-se! Já com essa conta sendo paga, o consumidor ainda é obrigado a produzir provas em audiência, arrolar testemunhas, correr atrás da papelada necessária para o ajuizamento da contenda e se ausentar do trabalho para participar das audiências, é uma festa para o fornecedor. Quer coisa mais ridícula do que essa audiência conciliatória? Com todo respeito nunca vi funcionar, nem nos meus quase 13 anos de Judiciário. Se naquela época não tinha gente preparada, agora muito menos. No ano de 2020 para vocês terem uma ideia me desloquei 600km para ficar 8 minutos na sala de audiência, contando que o fornecedor se atrasou. De tentativa de conciliação efetivamente foram 10 segundos. Verdadeiro panorama de inefetividade!

O advogado é obrigado intimar as testemunhas e se for fora do município é obrigado a pagar deslocamentos, estadias e alimentação. Faz a conta! Se o advogado cobra o deslocamento, pode somar um troco a mais. Não pára por aí e vocês sabem disso: vamos para a audiência de instrução e julgamento, cerca de 3 horas mais ou menos e se as alegações finais forem orais, mais uns 25 minutos. Além disso o prejudicado faltou ao trabalho, que embora não possa ser descontado do seu salário, causou prejuízos para alguém, e esse alguém não tem nada a ver com a causa – o empregador. Finalizado o ato, todos para casa para esperar o resultado final que é entregue em menos de uma página, para declarar o consumidor como culpado por ajuizar a lide, pois não gera dano moral. Pedidos julgados improcedentes, condenação nas custas finais e honorários sucumbenciais e um rosário na mão para tentar convencer o cliente.

Completamente atordoado sem entender o que se passa, recorre, paga o preparo de quase R$ 900,00 e vai com tudo. O acórdão mantém a sentença combatida, nova condenação em honorários sucumbenciais e aí um ponto de interrogação: tá falando sério que o fornecedor se deu bem  e sou obrigado a engolir um contrato não cumprido? Ok Dr, mas me explica, para que serve a lei? É só papel então, por que na prática o Judiciário não cumpre? Tenta responder meu amigo advogado, porque eu desisti. Infelizmente a resposta é amarga, fazendo a conta final dos gastos, por baixo, R$ 7.300,00 de prejuízos. Óbvio que se tratarmos de gratuidade da justiça/JEC o importe se trata apenas do estresse dos deslocamentos, produção de provas e honorários contratuais, mas mesmo assim é uma perda significativa, sem falar que aqui quem paga parte da conta é a sociedade. Entenderam por que não existe mero aborrecimento? Até agora a máquina pública não parou para perceber o que envolve na vida das pessoas até que a problemática chega ao Judiciário. Quando o litígio está neste estágio é porque administrativamente as partes não chegaram a um consenso, então não adianta realizar uma audiência de conciliação com estagiário que sequer leu o processo, não conhece a fundo a matéria objeto da contenda, não tem oratória ou poder de argumentação, sequer poder decisório, o ato será apenas mais um problema na vida do jurisdicionado.

Muitas vezes quando fiz audiências como juiz leigo eu parava o ato instrutório para tentar a conciliação ou fazia logo no começo, mas iniciava a presidir explicando a posição majoritária, o que a doutrina falava a respeito, apontava a fragilidade das provas e o contexto da divergência, para só depois abrir para as partes falarem: até hoje vi poucos juízes fazerem isso. Geralmente eu levava de 2 a 3 horas para fechar um acordo, ponderava todos os riscos da lide e em 80% dos casos eu fechava o pacto. Ah mais isso é inviável, vamos demorar muito: qual o papel da conciliação - tempo ou solução? Percebam o grau de complexidade, eu já era formado, fazia escola da magistratura e era assessor de juiz, minha bagagem jurídica e experiência já me davam autoridade para conduzir uma audiência desse porte, porque esse é o peso a ser dado para uma audiência de conciliação e não o que vemos hoje em dia, pelo menos em respeito as partes e aos advogados.

Que me perdoem os estagiários, heróis, porque são jogados na arena para serem devorados sem preparo qualquer a não ser a sorte. Demonstrei a exaustão que o problema é maior, não basta apenas assinar a sentença com base no fundamento do mero aborrecimento e esquecer o resto. Para que servem as nulidades do art. 51, do Código de Defesa do Consumidor; o direito a informação clara e objetiva; o dever de entregar o contrato no momento da assinatura, se não existe cumprimento da lei ou do contrato? É só letra morta na legislação? Vejamos como funciona o jogo: temos as regras no Código Civil que permitem todo e qualquer tipo de contrato atípico, à luz do princípio da pacta sunt servanda o contrato faz lei entre as partes. Surge o Código de Defesa do Consumidor e relativiza esse princípio. Passaram-se 30 anos e o que vemos é que os contratos continuam sendo relativizados porque os fornecedores não respeitam o Pergaminho Consumerista, mas ainda assim surgem teorias do tipo mero aborrecimento e indústria do dano moral para livrar banqueiros do pagamento do dano.

É a desculpa mais esfarrapada que eu já vi nesses anos de atuação com o direito, e é a teoria mais absurda que já vi em vigor, data venia. A qual interesse essas teorias privilegiam eu gostaria de saber, porque os consumidores e o Estado não é. Cabe ressaltar ainda os problemas psicológicos que essas teorias causam e o rompimento da segurança jurídica, esta última muito defendida por alguns setores do ordenamento. O legislador, coitado, inspira-se em legislações americanas e europeias, adapta para nossos problemas e busca assegurar os direitos do jurisdicionado, mas na prática não surte efeito. Lamentavelmente nossa arte de relativizar o relativizável vem de berço e o legislador, mesmo com esforço, não consegue por em prática o que legislou, pois os fornecedores alteram o resultado do jogo sem precisar emitir ou mudar uma lei sequer. Para piorar, a par de tudo que foi exposto, o Judiciário compra o produto e dissemina por sua corrente corporativa sem dó nem piedade, salvando de forma colateral alguns direitos que ainda não foram corrompidos, como o dever a informação e a atual proteção de dados. Aqui, o titular de dados está sofrendo novamente, porque embora ocorra o vazamento de dados o Judiciário está considerando que não existe dano moral, lamentável novamente. 

Pensando cá com meus botões lhes digo que o dever de informação caiu com o compliance e a lei geral de proteção de dados, porque agora com esses institutos será ainda mais difícil saber o porquê o crédito foi negado, quais foram as fontes de pesquisa, e etc. Hoje já não conseguimos esses dados mesmo provocando o Judiciário, o segredo é tão inviolável que o banco prefere pagar o dano extrapatrimonial a entregar o sistema, e o Judiciário contribui com essa atividade danosa porque arbitra o valor do dano em importes muitos ínfimos, não dá nem para pagar a movimentação da máquina pública. Enquanto isso a conta não fecha e quem paga é o povo, porque este não pode se enriquecer, mas o rico pode. Como já dizia aquela música do planet hemp, é muito fácil falar de coisas tão belas de frente para o mar, mas de costas para a favela. Infelizmente a leitura desgostosa dessas teorias só nos permite escrever e torcer que nossos pensamentos frutifiquem para que os pensadores de plantão reflitam sobre os danos que estão provocando, não é atoa que o Judiciário experimenta um efeito backlash jamais visto, fruto realmente dessa amarga inversão de valores. É uma pena porque se na América e na Europa não temos notícias de consumidores que ficaram ricos com condenações por danos morais, não existem motivos para aplicação da teoria do mero aborrecimento ou indústria do dano moral, até porque a lei e o contrato servem para serem cumpridos.

Se o ato irá gerar milhões de ações ou pedidos absurdos, é dever do Judiciário julgar e não manipular o jogo para afastar a indenização. Não importa o argumento, faz cumprir a lei e o contrato, isso é segurança jurídica, o resto é recorte! De quem é a culpa pelo excessivo número de processos, de quem busca a efetivação do contrato e da lei, ou de quem os corrompe? O ônus econômico deve ser imposto ao prejudicado ou a quem prejudica? Se o Judiciário seguisse essa regra tenho plena convicção que teríamos menos ações circulando, pelo menos teríamos uma estatística, porque aquela do mero aborrecimento e da indústria do dano moral não está servindo para educar ninguém, até porque a própria lei não conseguiu fazer isso em 30 anos. Pelo contrário, o que conseguiu mesmo foi deixar os ricos cada vez mais ricos.

Espero ter contribuído de alguma maneira para que vocês pensem a respeito e possamos construir um material para mudar esse cenário de caos. Abs.

*JULIANO LAVINA

















-Advogado Criminal especializado no Trib. do Júri;
-Professor de Direito Penal e Processo Penal;
-Membro da Comissão Especial de Estudos de Ciências Psicológicas;
-CEO da Conceito Soluções; 
-Autor da Teoria do Safety Flare ou da Direção Sinalizada; e
-Ex-Assessor do Min. Marco Buzzi

Nota do Editor:

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terça-feira, 23 de agosto de 2022

Aposentadoria Especial do Engenheiro após a Reforma da Previdência


 Autora: Renata Canella (*)

Após a Reforma da Previdência de 2019, muitas indagações surgiram acerca da possibilidade de se pleitear a aposentadoria especial aos engenheiros, como proceder a tal pedido, como será calculado o valor da aposentadoria e sobre o novo entendimento fixado pelas mudanças que sobrevieram a este tipo de benefício previdenciário.

No entanto, pouco se sabe que nos casos em que a atividade insalubre ou perigosa, comprovada pelo engenheiro de diversas formas (PPP, LTCAT, laudos etc), foi exercida até a data da promulgação da Emenda Constitucional nº 103/2019, em 12 de novembro de 2019, que instituiu a reforma legislativa em âmbito previdenciário, ainda poderá ser convertido em tempo comum, ainda que o segurado continue atuando na mesma função após a data de promulgação do texto e não preencha o requisito etário mínimo exigido (pós reforma).

Isso se dá em razão da garantia ao direito adquirido do segurado, que poderá pleitear tanto a concessão do benefício de aposentadoria especial, quanto a conversão singular de períodos de trabalho desempenhados em condições especiais para tempo comum, para fins de aproveitamento em benefício futuro (adiantando a aposentadoria), e ainda, para que o segurado atinja o tempo suficiente para aposentadoria até a data da EC 103/2019 (novembro de 2019).7

A aposentadoria especial, então, pode ser requerida pelo engenheiro sem complicações com base na lei vigente anteriormente ao advento da Emenda Constitucional nº 103/2019, desde que tenha preenchido os requisitos mínimos para a sua concessão, que não prevê, para a modalidade de aposentadoria especial, o cumprimento de idade mínima e, ainda, será concedido com o valor de 100% da média salarial calculada.

Atualmente, após a reforma, o benefício previdenciário de Aposentadoria Especial continua sendo possível de ser recebida pelos engenheiros, no entanto de modo menos vantajoso aos que dela vierem a necessitar, se comparado às disposições previstas na legislação anteriormente vigente, de maneira que, muitas vezes, para estes profissionais se torna mais vantajoso o recebimento de outro benefício previdenciário, como aposentadoria por tempo de contribuição ou aposentadoria por idade pelas regras de transição advindas da reforma.

Vale ressaltar que para o benefício de aposentadoria especial faz-se necessário o tempo de contribuição mínimo 25 anos em exercício comprovado de atividades tidas como especiais. Já, o cálculo de conversão do tempo de labor exercido em condições especiais para tempo comum, é realizado pela aplicação do fator de conversão de 1,2, para as mulheres, e de 1,4, para os homens, fato que acarreta em majoração de 20% ou 40% ao tempo de contribuição do segurado que desempenhou suas atividades em condições nocivas a sua saúde e integridade física, como algumas atividades desempenhadas por um profissional de engenharia.

Esses profissionais podem vir a ter grande benefício com a conversão do tempo devidamente comprovado como laborado em condições especiais, de modo a tornar-se possível a concessão de uma aposentadoria antecipada, sem que sofram com os impactos provenientes da Reforma da Previdência, que agora exige idade mínima para se aposentar.

Com a reforma da previdência, as regras definitivas de aposentadoria especial restaram assim definidas: a) para os engenheiros que desempenharem atividades de risco (altura elevada, contato com eletricidade, ruído elevado, contato com poeiras diversas, inclusive de cal, contato com solventes, ácidos, graxas e outros produtos químicos, etc) exige-se a idade de 60 anos e o tempo de 25 anos de atividade especial. O grau de risco será revelado pelos documentos que comprovarem a insalubridade e a periculosidade da atividade do engenheiro, já mencionados a cima, lembrando que muitos dos fatores de riscos são qualitativos e não quantitativos, quando mensurados para a concessão da aposentadoria especial.

De igual maneira, restaram alteradas as regras de cálculo do valor do benefício previdenciário, restando definido que o benefício da aposentadoria especial será paga no valor de 60% da média salarial calculada pela consideração de todas as contribuições vertidas a partir da competência de julho de 1994, sendo acrescidos a esse cálculo o percentual de 2% a cada ano a mais trabalhado.

Vale ressaltar a importância de procurar a ajuda de  um profissional especializado em Direito Previdenciário para que este possa esclarecer eventuais dúvidas e de modo a que se possa  ser promovido um estudo individual completo do caso, possibilitando que seja proporcionada adequada orientação sobre o momento e as condições ideais para se pleitear o tão sonhado benefício previdenciário.

*RENATA BRANDÃO CANELLA










-Advogada previdenciária com atuação no âmbito do Regime Geral de Previdência Social  (RGPS), Regime Próprio (RRPS), Previdência Complementar e Previdência Internacional;
-Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL- 1999);
-Mestre em Processo Civil pela Universidade Estadual de Londrina (UEL-2003);
- Especialista em 
   -Direito Empresarial pela Universidade Estadual de Londrina (UEL-2000), 
   -Direito do Trabalho pela AMATRA;
- Autora de artigos especializados para diversos jornais, revistas e sites jurídicos;
 -Autora e Organizadora do livro “Direito Previdenciário, atualidades e tendências” (2018, Editora Thoth);
-Palestrante;
-Expert em planejamento e cálculos previdenciários com diversos  cursos avançados na área;
-Presidente da Associação Brasileira dos Advogados Previdenciários (ABAP) na atual gestão (2020-2024)
-.Advogada da Associação dos Aposentados do Balneário Camboriú -SC(ASAPREV);
- Advogada atuante em diversos Sindicatos e Associações Portuárias no Vale do Itajaí - SC 
- Sócia e Gestora do Escritório Brandão Canella Advogados Associados.

Nota do Editor:
Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.