sábado, 8 de setembro de 2018

Um País também se Destrói com Homens e Livros






Não há como um educador abster-se de acompanhar os resultados das avaliações externas educacionais, objetivando buscar entender o que ocorre no contexto educacional no Brasil, em seu estado, seu município, em sua escola, em sua sala de aula e na disciplina sob sua responsabilidade. 

Interessante que, em tempos de pré-eleição, todos dão palpites e têm soluções mirabolantes para sanar a defasagem de aprendizagem no país. Como se mudanças em educação e resultados fossem fruto de toques de varinha de condão. E mais, para emitirmos quaisquer opiniões sobre os resultados, há que se conhecer, a priori, naturezas, métodos, contextos das avaliações e o mais importante: de que mentes emanam o que desejam avaliar? 

O Saeb, divulgado no final de agosto, 2018, expressa dados alarmantes da tragédia educacional brasileira. Simplificando, quanto mais os alunos avançam em escolaridade, mais dificuldades apresentam e em maior número. Ou seja, desaprendem, se é que isto seja possível: desaprender. 

Algumas conclusões chamam a atenção: 

-Sete de cada dez alunos do 3º ano do Ensino Médio têm nível insuficiente em Português e Matemática;

-Entre os estudantes desta etapa de ensino, menos de 4% têm conhecimento adequado nestas disciplinas;

- A última etapa da Educação Básica, segundo o atual Ministro da Educação, Rossieli Soares da Silva, está falido e não agrega conhecimento e

-Sete milhões de estudantes brasileiros estão com defasagem idade/série de dois anos, conforme alerta o Unicef.

O Saeb é o sistema de avaliação aplicado pelo Governo Federal, de dois em dois anos, objetivando a medir – grifo medir porque não se trata de avaliação, mas verificação, pontuando um dado momento histórico dos alunos avaliados, sem a observação necessária de uma avaliação em processo - a aprendizagem dos alunos ao fim de cada etapa de ensino, ou seja, ao 5º e 9º anos do Ensino Fundamental e ao 3º ano do Ensino Médio. 

Há que se salientar que avaliação processa-se no cotidiano escolar, pressupondo variáveis interferentes na aquisição de conhecimento. O sistema é composto pelas médias de proficiências em Português e Matemática, extraídas da Prova Brasil. Tanto a Prova Brasil, quanto o Saeb são verificações de larga escala. São testes padronizados e questionários socioeconômicos. Questões que avaliam leitura e resolução de problemas. 

Se são esses os anos escolares objetos da verificação, esses alunos do 5º ano, que participaram em 2017, entraram no sistema em 2013, no primeiro ano das séries iniciais da Educação Básica. Os alunos do 9º ano ingressaram na última etapa do Ensino Fundamental, em 2009. Os alunos do 3º ano do Ensino Médio ingressaram na Educação Básica em 2006. Esses alunos estão no sistema de ensino há 5, 7 e 10 anos.

Pensemos: a considerável mudança política no país que ocorreu em 2003, quando, o então Presidente Fernando Henrique Cardoso passou a faixa presidencial para Luiz Inácio Lula da Silva. 

Os alunos, objetos desse Saeb, estão vivenciando dez anos de políticas públicas educacionais implantadas neste período. Nem tenho a pretensão, aqui, em atribuir a essas políticas o ônus do fracasso. As escolas distribuem-se sob as políticas de responsabilidades federais, estaduais e municipais. Mas cabe ao Ministério da Educação emanar as diretrizes que respeitem a CF, a LDBEN, o ECA e todas legislações que orientam as políticas públicas educacionais no país. Basta analisarmos o organograma do MEC e suas hierarquias de competências. 

Não se podem estreitar as variáveis que interferem no sucesso, ou fracasso escolar, de um país continental como o Brasil, com tantas nuances de desigualdade e pobreza. 

Mas não podemos desprezar esse contexto e deixarmos de recorrer aos índices do período, os responsáveis pela educação e suas políticas educacionais implementadas. Outra questão é buscarmos elencar quem são os teóricos eleitos como relevantes para orientações de posturas de ensino. Ou seja: Que homens e que livros constroem a educação brasileira? Como educadora, cuja umas das últimas atividades é a formação docente, confesso que esta seara é inóspita, pois cansativa carente de fostes de água fresca, ou um pântano, que se apresenta como terreno difícil de se caminhar com segurança. 

Discurso e prática, sabemos nós, quando ouvimos políticos, trazem uma distância enorme. Em 2010, a então presidente apregoava que entregaria ao país 6.000 creches; ao final do primeiro mandato, apenas 7% foram entregues. Na campanha do segundo mandato afirmava entregar, mais humildemente, 100 creches ao mês; não chegavam a 15 em cada mês. Em seu mandato houve um corte de 9,2 bilhões, dos quais 3,4 bilhões, mais de 1/3, eram para construção de novas unidades. Isso para se analisar, apenas, as intensões de investimentos na Educação Infantil, base para o ingresso dos estudantes no sistema de ensino. 

É mister lermos o discurso e analisarmos o estado em que se encontra a educação no Brasil, ou seja atos concretos, que na prática, não corresponderam às intenções: 

"A ampliação de oportunidades também é proporcionada pelos programas educacionais, desde aqueles relacionados com a qualificação profissional, como o PRONATEC (com mais de 6 milhões de jovens), a ampliação das creches, da rede básica, do ensino em tempo integral, das vagas nos institutos federais, nas Universidades públicas, do PROUNI e do FIES, os 100 mil estudantes do Ciência sem Fronteiras. A iniciativa governamental, aprovada pelo Congresso Nacional, de destinar 75% dos royaltes do petróleo e 50% do Fundo Social do Pré Sal para a educação, transforma petróleo em conhecimento (grifo meu). O governo federal se empenhará ainda mais na proteção e desenvolvimento integral da criança (grifo meu), colaborando com os municípios na ampliação do atendimento em creches, na universalização da educação infantil de 4 e 5 anos até 2016, e na ampliação da educação em tempo integral (grifo meu). Também se empenhará na Formação Plena da Juventude brasileira, visando garantir o acesso ao conhecimento científico, técnico e tecnológico, à cultura e ao esporte. Para isso será necessário um pacto nacional visando a (sic) universalização e a (sic) qualidade do ensino médio até 2016. O governo federal, em colaboração com os estados e o Distrito Federal, contribuirá para promover mudanças no currículo, na rotina e gestão das escolas, visando desenvolver o espírito de investigação, ampliar o acesso à arte e à tecnologia. Além disso, seguirá investindo na formação profissional por meio do PRONATEC, dos Institutos Federais e Escolas de Educação Tecnológicas, do PROUNI, do FIES e das Universidades Públicas Federais. (3)
 Isto posto, cabe salientar que o Saeb, Sistema de Avaliação da Educação Básica, que é aplicado desde 1990, é realizado, periodicamente, pelo Inep, para avaliar a qualidade da educação ofertada no país, oferecendo subsídios para a elaboração, o monitoramento e o aprimoramento de políticas educacionais baseadas em evidências. Em 2005, sofre uma reestruturação e compõe-se de duas avaliações – ANRESC, mais conhecida como Prova Brasil). O que foi feito desde 2006 quanto ao diagnóstico obtido pelas verificações – período de vivência escolar dos alunos? Por que resultados tão pífios? Esta trágica situação não ocorre apenas em nosso país. Os resultados do Pisa (Programme for International Student Assessment – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) é uma iniciativa de verificação de desempenho em nível mundial, ocorre desde os anos 2000, a cada três anos é comparada, aplicada de forma amostral a estudantes matriculados a partir do 7º ano do Ensino Fundamental, na faixa etária dos 15 anos, idade em que se pressupõe o término da escolaridade básica obrigatória na maioria dos países. É coordenado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) cujas coordenações nacionais são responsabilidade de cada país participante.

No Brasil, a coordenação é responsabilidade do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais).

O objetivo do Pisa é produzir indicadores que contribuam para a discussão da qualidade da educação nos países, de modo a subsidiar políticas de melhoria da Educação Básica. A avaliação procura verificar até que ponto as escolas de cada país estão preparando seus jovens para exercer o papel de cidadãos na sociedade contemporânea (essa cidadania, do ponto de vista global, alicerça-se em quais valores e ideologias?). Os dados de 2015, divulgados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), confirmaram uma realidade de conhecimento inequívoca de quem pesquisa avaliação em educação. 

A situação do ensino não apenas no Brasil, mas em toda a América Latina é desanimadora. Somos os últimos na fila da educação no mundo. Estamos, reiteradamente, tendo em vista edições anteriores da avaliação, bem abaixo da média global. O Brasil alcançou médias de 377 em Matemática, enquanto a média dos países da OCDE foi de 497 pontos. Ou seja, nossos alunos precisam de três anos de estudo a mais para aprender a mesma coisa. Os latino-americanos, também apresentam performance baixa, quando comparados ao mundo desenvolvido.

Se buscarmos explicações com o viés ideológico encontramos afirmações como estas: 

"Esses dados demonstram que as políticas pedagógicas que norteiam a educação no Brasil são equivocadas. Nos últimos anos o ensino foi fortemente influenciada (sic) pela reestruturação produtiva, uma vez que as inovações tecnológicas, a nova organização do trabalho e a globalização dos mercados exigiam novos perfis profissionais. Criou-se, assim, uma educação voltada ao mercado de trabalho, entendida pela lógica do capital, visando (sic) contribuir para o projeto político pedagógico da burguesia. (1)"

"Primeiro tem que formar o agente para que a ação (de educar) seja possível. Os professores hoje não são capazes nem de discernir os conteúdos que valem a pena se transmitir e os que não valem. E hoje acham que todos os conteúdos valem a mesma coisa. Não valem. Se os próprios intelectuais insistem em nivelar essas coisas, então o conceito de educação acabou. Quem vai educar o povo é a própria elite, então temos que educá-la primeiro. Quem você tem que formar primeiro, o médico ou o doente? Adianta dar um curso de medicina para o doente? É o que está acontecendo no Brasil. Privilegiar primeiro a educação popular e depois a da elite é totalmente absurdo porque, quem vai educar o povo? É a própria elite. Não dá para fazer as duas coisas ao mesmo tempo, estes jovens já estão tendo a pior educação possível. (2)"
Além das ideologias, outras variáveis permeiam as análises, reflexões e decisões de quem vivencia o contexto educacional. E a maior angústia reside no coração de pais conscientes e comprometidos com o avanço escolar da criança e adolescente. Mas há os desfavorecidos e abandonados, que se ainda estão no sistema escolar, são passíveis de serem educados, ou melhor, preparados para serem cidadãos numa sociedade contemporânea, como objetiva o PISA.

Vejamos: "Doutora, meu filho vai na escola todo dia, faiz as tarefa, os livro tão compretos, é bonzinho na sala, mais e ele num consegue aprende nada!" - fala de uma mãe, em um atendimento na Diretoria de Ensino, reclamando da reprovação do filho. 

Famílias de baixa renda, geralmente, não conseguem ler, escrever, ou fazer as quatro operações matemáticas. O que atrapalha o desenvolvimento cognitivo do aluno? A dificuldade em aprendizagem, muitas vezes, vai além dos problemas da criança. O fracasso escolar é o fracasso do próprio sistema de ensino. Quais as causas da dificuldade de aprendizado escolar? Há que se detectar causas para tomada de decisões para se estabelecerem prioridades de mudanças nas políticas educacionais. Um país com carências em saneamento básico, baixa renda per capta, desemprego, drogas, desestruturação da célula social, violência e insegurança numa sopa indigesta de desalentos contribui para uma educação, sem sombra de dúvidas, que fracassa. Aprender requer ações sistêmicas, qual o funcionamento de um organismo.

Isto expresso, retornamos aos homens responsáveis pelas Políticas Públicas em educação e o que estes devem preconizar e priorizar nos órgãos centrais para as devidas intervenções em educação. 

É fato que, de cada quatro alunos que concluem o Ensino Fundamental, três saem deste nível de ensino sem saber ler, escrever e fazer as quatro simples operações matemáticas.

Há os que nem entram, isto pois, nem saem. Neste sentido, que livros leem os habitantes dos gabinetes em todas as esferas de gestão que cuidam da educação no país? Que formação têm? Que experiências têm em educação? O que conhecem do chão da escola? 

Não me constranjo em afirmar que um dos problemas do país é de gestão nas Políticas Públicas em Educação. Qual a formação de todos responsáveis pelos órgãos centrais dos quais emanam diretrizes curriculares e decisões de destino e aplicação de verbas? Que formação tiveram os Ministros de Educação de 2003 até o presente ano? E de anos anteriores, pois muitos profissionais em educação, hoje, tiveram sua formação em um sistema deficitário, salvo exceções que, por auto formação, buscaram aprimoramento.   E em escala hierárquica, decrescente, questiono: E os Secretários de Educação de Estados e municípios? Advogados? Engenheiros? Médicos? Economistas? Políticos de carreira? Amigos do rei? Estamos perdendo gerações! 

O Ensino Fundamental abarca um período de vida da criança, cujo desenvolvimento biológico permite todas as possibilidades de aprendizagem. Negligenciadas as necessárias intervenções educacionais, nesta fase, tudo que esta criança receber, a posteriori, estará prejudicado, pois perdeu as condições cerebrais favoráveis. Uma criança que não tem acesso aos livros de Monteiro Lobato em idade adequada, não terá a fruição plena nesta leitura, quando for feita na idade adulta. Estamos perdendo o melhor momento do desenvolvimento da criança, que é dos 4 aos 14 anos. 

Verdade pois, se aprendizagem não ocorre na idade adequada, estamos limitando a inteligência dos brasileirinhos. Ao deixarmos as possíveis conexões neuronais em letargia, abandonando essas conexões a estímulos de atividades necessárias e adequadas para as atividades intelectuais, estaremos gerando adultos, incapazes de raciocinar. Howard Gardner em sua teoria das Inteligências Múltiplas (IM) (GARDNER, 2000), psicólogo americano, da Universidade de Harvard, afirma, analogicamente, que nosso cérebro estrutura-se com janelas, que abertas, em determinados momentos do desenvolvimento, devem ser aproveitadas pelos educadores, professores ou pais, para se implementar a aprendizagem que se fará eficaz..

Minha experiência no contexto escolar, como professora de Educação Básica em Língua Portuguesa, Língua Estrangeira Moderna – Inglês, formação de Professores em Educação Continuada, Planejamento, Supervisão e professora do Ensino Superior, tanto no Bacharelado, quanto na Licenciatura, permite-me afirmar que a sonhada autonomia da escola preconizada pela LDBEN 9394/98, não ocorre. As palavras-chave que podemos depreender da lei são autonomia e cooperação, entre outras. O que demonstra que um aluno é autônomo? Quando nele é desenvolvida a capacidade de busca independente de conhecimento? Pode parecer complexo, mas é simples identificar. Quando tem acesso a informações, as quais, hoje, estão a um clique de alguns aprendizes. E não basta o acesso à informação, faz-se necessária a capacidade de se contextualizar essa informação, transformando-as em conhecimento. E este é o papel do professor, com formação adequada, e da escola. Ou seja, a autonomia intelectual que a escola deveria garantir ao aluno não existe. 

Pelos resultados do Saeb, divulgados, neste agosto de 2018, observa-se que os alunos concluem Ensino Fundamental e Médio sem condições de fazer a leitura de um texto simples, nem compreendem as quatro operações fundamentais, repito, de forma que elas possam ser utilizadas na vida cotidiana. Portanto, não estamos formando cidadãos autônomos, competência exigida pela sociedade contemporânea. Autônomos no que tange à busca de conhecimento.

Qual o papel da escola? Por que fracassamos? Até aqui, esta reflexão levou-nos a pontuar as políticas públicas em educação, o sistema, a formação docente, as ideologias que norteiam as opções de formação e currículos, as tendências pedagógicas e teorias do conhecimento. 

A escola, com todas suas limitações, estruturais e de recursos materiais e humanos, é a mediadora sistematizada da narrativa social e seus signos, construídos pela história cultural. Isto posto, se nossos alunos não estão aprendendo essa narrativa, traduzida pela escola, ou seja, a contextualização das informações que circulam, algo está muito errado, pois o aluno não aprende na escola. Pelos dados, parece que desaprende! 

Reflitamos que a escola vivencia uma narrativa, uma escrita simbólica que pressupõe mediação. A narrativa e a escrita da vida são mediadas pelos processos de ensino. A escola contempla uma outra linguagem que deve ser aprendida. Fazendo uma analogia com a história da escrita e suas etapas quanto aos signos: pictográfica, iconográfica e ideográfica, nesta última, ficou evidente a necessidade das mediações para leitura. Não saber interpretar os esquemas de representação construídos ao longo da história, desvinculam aluno e escola da vida, da cidadania. Como trabalhar valores, caráter, bom senso com alunos que vão para escola advindos de contextos tão adversos? Contextos vazios de bons exemplos, carentes de limites de convivência adequada, bombardeados de ideologias passíveis de contentação e reflexão? Vemos uma escola que absorve, irrefletidamente, o pensamento convergente. As universidades, quase todas, e seus cursos de pós graduação perderam objetivos relevantes: o debate, a produção de conhecimento original na busca de soluções para os problemas que se apresentam na sociedade contemporânea.

Que livros leem nossos educadores? Que ideologias vivenciaram em seu processo de formação? É estrada de mão única, sem contrapontos? São reprodutores, ou produtores de conhecimentos? Que vivências de situações de pesquisa tiveram que os capacitou para depreender objetivos, conteúdos, métodos e avaliação afeitos ao seu contexto de atuação em educacional?

Em um trabalho com alunos do curso de Letras, na disciplina de Prática de Ensino, vasculhamos quais seriam os principais teóricos que balizavam a atuação docente na contemporaneidade. O trabalho surgiu, após reflexão do tão citado Relatório Delors (1995): "desenvolvimento total da pessoa — espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade pessoal, espiritualidade" (DELORS, 1998, p. 99). Na universidade, contam-se nos dedos os professores que fazem considerações críticas sobre um relatório de estatura mundial, o porquê de sua existência e qual razão embasa diretrizes filosóficas nas posturas educacionais. É colocado acriticamente e tido como norte. Nem passa pela mente da maioria dos formadores que decisões mundiais relações de poder. Assim, difundidos no Brasil, principalmente pelas universidades, estudos de alguns pesquisadores sobre determinados aspectos que estariam diretamente relacionados a essas novas qualidades a serem exploradas pela instituição escolar. 

Autores estão nas referências, mas não se sabe como são abordados nos cursos de formação de professores, de forma crítica, ou acrítica, afeitos ao nosso contexto de educação, ou não. Assim, surgiram Fernando Hernández, Antonio Nóvoa, Saviani (teoria crítica da educação), Perrenoud, Toro, Edgard Morin, Howard Gardner, já citado, César Coll, Paulo Freire (Pedagogia da Libertação) e outros. A medida que estudávamos as ideias alertava os alunos para o atual contexto da educação brasileira e se as condições de nossas escolas, tendo em vista as performances dos professores e que eles conviviam no estágio supervisionado, correspondiam ao que preconizavam os pensadores. 

Um aluno, apenas um, numa sala de 28 alunos, expressou: Professora, todos esses pensam iguais, a despeito de pequenas diferenças. Por quê? E a escola é o retrato oposto do que dizem. Sorri, fiquei feliz e tive a certeza de que ele seria um excelente professor. Hoje faz mestrado na UFMG. E a última mensagem dele é que ainda ocorre o pensamento convergente, com algumas raras exceções.

A busca crítica da narrativa existente, nos pensadores, nos materiais didáticos, nas diretrizes e bases curriculares, nos parâmetros e propostas de quaisquer sistemas, devem ser objetos constantes de reflexões críticas para um alicerce para a formação de um professor transgressor, mas responsável, pois seu alvo de trabalho são pessoas e por si, complexas e passíveis de influências.

Em suma, o fracasso da aprendizagem, expresso nos dados do Saeb, é um sintoma de uma escola muito doente. Ainda, a educação, como se encontra, é sintoma de um país muito doente, certamente, infectado por homens e livros. 

Referências:

BEHRENS, Marilda Aparecida. O paradigma emergente e a prática pedagógica. Petrópolis: Vozes, 2005;

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei número 9394, 20 de dezembro de 1996;

CATANI, Afrânio. M.; OLIVEIRA, João. F.; DOURADO, Luiz. F. Política Educacional, mudanças no mundo do trabalho e reforma curricular dos cursos de graduação no Brasil. Educação & Sociedade, ano XXII, no 75, Agosto/2001. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/es/v22n75/22n75a06.pdf> acesso em 8-7-201;

DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. São Paulo: Cortez, 1998;

FOGAÇA, Azuete. Educação e qualificação profissional nos anos 90: o discurso e o fato. In: OLIVEIRA, Dalila Andrade; DUARTE, Maria R. T. (Org.). Política e trabalho na escola: administração dos sistemas públicos de educação básica. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p.55-68;

GARDNER, Howard. Inteligências múltiplas, a teoria na prática. Porto Alegre: 2000;

SAVIANI, Demerval. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre a educação e política. São Paulo: Cortez, 1987;


(1) https://www.bbc.com/portuguese/brasil-39534882 - Acesso em 10-07-2018;

  

 POR STELA MARIS LEITE CARRINHO DE ARAÚJO














- Mestre em Educação- UNISAL SP;
-Licenciada em Português e Inglês -UNISAL Lorena; 
-Pedagoga; e

Supervisora de Ensino - SEESP.

Nota do Editor:
Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Deu no que Deu


Então chegamos ao fim dessa historia mal costurada da nossa democracia. Não quero falar aqui com desdém, tripudiando sobre a vida do homem que, de retirante, operário, se tornou por duas vezes presidente do Brasil. 

Lula tentou - junto aos seus pares - de toda maneira se libertar da detenção hoteleira que se encontra, lá na Superintendência da Policia Federal. 

Nada tentado foi eficiente para desfazer as decisões da justiça, das duas instancias em que foi julgado. 

Esse senhor queria vir candidato, contra tudo e todos.

Ele ainda não desistiu de nada. Essa conversa fiada de que quer ajudar o seu povo, os seus pobres, não convence quem ainda consegue pensar por si só.

O discurso desafinado e a tentativa de "doar" Fernando Haddad como o seu clone inacabado não vai dar certo, mas ainda assim vão tentar, ou melhor ele vai insistir em tentar.

Na verdade, Lula é quem manda no "partido dos trabalhadores", como um chefe de facção criminosa – não tão comum – controla tudo, e todos de dentro da caserna.

O ego dele é tão grande que assim como ele (Lula) foi a ascensão do PT, também será a queda e quiçá distinção da própria facção politica. 

Com esse epílogo marcaremos o fim da era esquerdista dessa nação. 

A hora da mudança chegou. São muitos candidatos, poucas propostas claras e objetivas, mas devemos estar atentos, pois não é apenas a escolha do chefe maior do executivo (presidente) que está em questão, mas os governadores, senadores e deputados. Devemos votar com coerência, pois de nada adianta eleger um presidente sem representatividade na câmara ou no senado, um presidente partidariamente contrario a ideologia do governador que você escolheu. 

Precisamos de uma direita forte, bem resolvida. Será um recomeço difícil, tudo terá de ser feito de forma mais lenta, pois vamos atrair olhares, total atenção da esquerda-socio-comunista. 

Vamos partir da premissa de uma direita conservadora, que transpire coerência que em consonância guie o Brasil rumo a um futuro melhor.

Um futuro com saúde, educação, educação, educação, educação e segurança.

Que possamos juntos, construir um país descente e deixar como herança, um verdadeiro legado que honre a nossa existente geração. 

Eu acredito na minha pátria, creio no meu povo, creio que juntos podemos muito, podemos tudo. 

O Brasil cansou do pior e exige de nós o melhor. 

Bons votos, boa eleição. 

POR MARCO SANTOS














-Técnico em eletrônica; 
-Formado em Tecnologia da informação e 
-Microempresário no ramo de venda e prestação de serviços.

Nota do Editor:

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quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Em Tempos de Boneca Momo: Qual o Papel da Família e da Sociedade?



Recentemente, uma nova situação de cometimento de condutas delituosas praticadas mediante emprego de recursos tecnológicos vem preocupando as autoridades públicas e assustando a família: o jogo da boneca Momo, o qual vem incentivando crianças e adolescentes a cometerem atos de violência, se mutilarem e até mesmo cometerem o suicídio.

O jogo funciona da seguinte forma: um criminoso, se passando pela Boneca Momo entra em contato com crianças ou adolescentes pelo WhatsApp, e, através de abusos morais, físicos ou psicológicos, faz exigências e desafios a pessoa com quem está conversando, além de enviar conteúdo de ódio e violência explícita.

Em regra, as crianças ou adolescentes que são alvo fáceis desses ataques, são aquelas em que há uma falta de estrutura familiar, a qual não repassou à sua prole valores éticos e morais e do próprio Estado (principal responsável), que não forneceu condições adequadas para a estruturação da família a fim de resguardar o adequado desenvolvimento das futuras gerações.


A bem da verdade, tudo começou com a ascensão da mulher ao mercado de trabalho juntamente com o homem – e os dois sendo cada vez mais consumidos pelo excesso de serviço e o apego exacerbado ao consumo – que fez com que os pais passassem mais tempo fora de casa e tivessem menos tempo e paciência para conversar e orientar seus filhos, abrindo espaço para que estes buscassem atenção nos aparatos tecnológicos e conteúdos inapropriados que as redes sociais e a mídia oferecem.

Desta forma, os pais vão acreditando que como sua prioridade é o trabalho e o sustento da casa, o dever de educar os filhos deve ficar relegado às escolas. 

Por sua vez, as escolas, que via de regra não tem estrutura financeira e pedagógica, nem apoio escorreito governamental, cansadas de explicar a sociedade que seu papel é outro, tem assumido uma postura de “tentar fazer o que pode”, aliada a um cansaço de tentar impor limites a uma criança ou adolescente desenfreada, que já deveria chegar com os limites mínimos que outrora, em outros tempos, costumavam chegar.

Com isso, a escola deixa de se concentrar no seu papel primordial: ensinar, transmitindo normas e valores que norteiam e preparam o indivíduo para viver em coletividade:

"O papel da escola é justamente esse: fazer compreensível o significado dos conceitos das normas e valores, se esforçar para torna-los visíveis, assimilar os valores no seu comportamento ao conscientizá-los na sua relação com os outros alunos afirmando sua autonomia, estabelecer limites ao exercícios da liberdade, contribuir para uma convivência democrática[1]."

Neste contexto, a maioria das crianças e adolescentes de hoje tem baixo índice de maturidade emocional e elevado índice de carência afetiva.

Assim, evidente a facilidade de serem alvo de ataques de ataques cibernéticos e desafios como Baleia Azul e o novíssimo Boneca Momo.

Isto porque, "os meios de comunicação, especialmente a TV (e redes sociais), são modelos com os quais crianças e jovens se identificam e, quanto maior é o isolamento da criança e do jovem, maior é o poder de influência que a mídia exerce sobre ele" (CAMPOS, M. C. S. S. Educação: agentes formais e informais. S. P.: EPU, 1985.).


Atualmente, temos uma mídia oferecendo as mais variadas opções de entretenimento, a maioria delas com imposição de consumo desenfreado, com uma cultura aflorada de criminalidade, incentivando a "adultização" das crianças, enfim, oferecendo escancaradamente conteúdos impróprios para crianças e adolescentes:


"Assim, as grandes empresas que produzem toda essa parafernália que tanto atrai as crianças e também os adolescentes tomaram em suas mãos, sem resistência adulta, a tarefa de educar os jovens. Protegidas pela falsa sensação de o que elas produzem e fazem é inocente e trivial, estas corporações tiveram o poder de transformar já várias gerações de crianças em adultos agressivos (ou submissos), insatisfeitos, compulsivos, consumistas, incapazes de lidar bem com sua sexualidade e com suas emoções[2]."

E se os pais não tomarem conhecimento dos programas que os filhos assistem e analisar seus valores e ideais e tentar formar a partir daí um cidadão crítico capaz de averiguar se tal programa traz algo de valor para a sua vida, terão crianças e adolescentes cada vez mais "bestializados" e facilmente influenciáveis.

Da mesma forma ocorre com as redes sociais e os contatos que as crianças e adolescentes estabelecem através destes. Se não houver um filtro de com quem eles estão conversando e quais conteúdos estão recebendo dos colegas, amigos e estranhos, serão maleficamente influenciados. 

E a dúvida que paira é: como resgatar toda essa inversão de papéis na sociedade? Como resgatarmos nossas crianças e adolescentes de serem alvos fáceis dos cybercrimes?

Para que as crianças e adolescentes sejam atendidos de modo integral, na forma como o ECA prevê, as diferentes áreas do governo devem estar em atuação, buscando, a bem da verdade, uma intersetorialidade. 

Faz-se necessário o entrosamento e participação de vários segmentos da sociedade em regime de cooperação e vontade de evolução e mudança.
"Para o temário proposto, uma vez que não se busca esgotar o assunto, acredita-se que o foco primordial seria no Eixo de Promoção do Sistema de Garantias dos Direitos de Crianças e Adolescentes, através do qual "o governo, cria os canais e as políticas para que os direitos sejam salvaguardados (escolas, creches, medidas socioeducativas, políticas de geração de renda, etc)"[3].
Isto porque, acredita-se que a prevenção primária, seria aprimorar o atendimento realizado pelas unidades públicas de oferta de serviço especializado e continuado à família e indivíduos (CRAS, CREAS e Conselho Tutelar), a fim de que consigam fazer a família entender seu importante papel na criação dos filhos, "restabelecendo" a postura de orientadora e auxiliadora de sua prole. Ainda, com o fim de promover a reintegração e reabilitação física, psicológica, social e ocupacional dos genitores que necessitem dessas medidas. 

Tal medida faz-se necessária, porque a família é o primeiro agente socializador das crianças e futuros adolescentes, em outras palavras, é a raiz de onde sairá ou a árvore frutificada ou a erva daninha.

Outra medida, seria a movimentação de professores, educadores sociais, atuantes do ramo do Direito, psicólogos e assistentes sociais, a fim de que se utilizem dos meios midiáticos para orientação das famílias na adequada condução de sua prole, mobilizando, também, a opinião pública. 

Ainda, deve haver uma readequação da legislação, com a inclusão da responsabilidade das empresas disponibilizadoras de serviços de acesso à internet e as redes sociais como WathsApp, facebook e a reestruturação, reciclagem e entrosamento entre estruturas de combate a crimes complexos (cybercrimes).

Desta forma, com a retomada pelo Estado de seu importante papel, causando, por consequência, a "redemocratização" do papel da família no controle sócio – cultural e ético – religioso dos filhos, a falácia midiática cairia por terra, e assim, a cultura da criminalidade perderia sua força, sendo "desdemocratizada". 

Enfim, cabe a cada agente socializador a retomada de seu papel, com a consequente quebra de paradigmas e efetiva prioridade, por parte do Estado, ao fortalecimento das políticas públicas de atendimento à família, tudo, como forma de reverter a trajetória do caminho escolhido pelas crianças e adolescentes do nosso País, seja em escolhendo ser mais uma vítima dessa nova modalidade de crime ou outros crimes tecnológicos ou sendo o futuro criminoso que estará por trás dos aparatos tecnológicos.
                     
   
REFERÊNCIAS:
Assis, S.G., Pesce R.P., &Avanci, J.Q. Resiliência:Enfatizando a proteção dos Adolescentes. Porto Alegre: Artemed, 2006;

BAPTISTA, Carlos Alberto. Crescimento da criminalidade e aatuaçãoestatal. Curitiba: Juruá, 2007;

BAUMAN.Zygmunt.Confiança e medonacidade;tradução Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009;

CALS, Carlos Roberto; GIRÃO, Ivna; MOREIRA; Márcio Alan.Direitos de Crianças eAdolescentes: Guia de Atendimento. Fortaleza, 2007;

CENTRO DE REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO INTEGRAL. Sistema de Garantia de Direitos.Disponível em: <http://educacaointegral.org.br/glossario/sistema-de-garantia-de-direitos/>. Acesso em 16 nov. 2015.

COMEL, D.D.Do Poder Familiar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003;

COSTA, L.C.; MANDALOZZO, S.S.N. Política Social: o atendimento de crianças e adolescents no Brasil. In: LAVORATTI, C. Programa de capacitaçãopermanentena area de infância e adolescência: o germinar de umaexperiênciacoletiva. Ponta Grossa, Editora UEPG, 2007;

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 [1] SERRANO, Geni. O papel da escola na formação do cidadão. In: https://meuartigo.brasilescola.uol.com.br/educacao/o-papel-escola-na-formacao-cidadao.htm. Acesso em 03 set. 2018. 

[2] VENTURELLA, Valéria Moura. A influência da mídia na formação da criança hoje. In: <https://pt.scribd.com/doc/27051296/A-Influencia-da-Midia-na-Formacao-da-Crianca-Hoje>. Acesso em 03 set. 2018; e

[3]Centro de Referências em Educação Integral. Sistema de Garantia de Direitos. Disponível em: <http://educacaointegral.org.br/glossario/sistema-de-garantia-de-direitos/>. Acesso em 16 nov. 2013
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POR DANIELA COSTA QUEIRÓZ MEDEIROS











-Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa;
-Especialista em Direito e Processo Contemporâneo pela Faculdade de Telêmaco Borba;
-Especializanda em Direito Público pela Faculdade Damásio.
-Endereço : Avenida Cinco de Março, 254. CEP: 84240-000. Piraí do Sul, Paraná/ 
-Telefones para contato:(42) 9 9917.2697
-e-mail:danielacostaqueiroz@hotmail.com

Nota do Editor:
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quarta-feira, 5 de setembro de 2018

A Atenuação da Aplicação do CDC no Transporte Aéreo Internacional de Passageiros





1. Introdução 

O transporte aéreo de passageiros é uma prestação de serviços que, não obstante estar também regulado no Código Civil, geralmente configura uma relação consumerista. Isto porque aquele que presta serviços de transporte enquadra-se na condição jurídica de fornecedor, conforme disposto no art. 3º, do Código de Defesa do Consumidor -CDC, e os passageiros amoldam-se à figura de consumidor, prevista no art. 2º, CDC. 

Tal serviço, todavia, apresenta algumas particularidades com relação à legislação que o rege, pois apesar de ser regido pelo CDC, pode ter a aplicação dele abrandada em alguns pontos. 

Para o transporte aéreo internacional, é também aplicável Convenções Internacionais, que foram assinadas pelo Brasil e internalizadas ao ordenamento brasileiro. 

Ocorre que há contradições pontuais entre o Código de Defesa do Consumidor e as convenções internacionais de que o Brasil é signatário, que serão expostas mais à frente. 

Em uma decisão recente, o Supremo adentrou nesta discussão e fixou, através do RE 636.331 RJ, com relação ao Tema 210, a seguinte tese: 

"Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor". 
2. Legislação 

Com relação à regulamentação específica para transporte aéreo, há para o transporte aéreo nacional, ou seja, com empresas nacionais e destinos nacionais, o Código Civil, o Código Brasileiro de Aeronáutica, além das regulamentações feitas pela ANAC. 

Quanto ao transporte aéreo internacional há a regulamentação de convenções internacionais, como a Convenção de Varsóvia, recebida ao ordenamento brasileiro pelo Decreto nº 20.704 de 1931, modificado sucessivamente pelo Protocolo de Haia, introduzido no direito brasileiro pelo Decreto 56.463, de 1965, pelo Protocolo Adicional 4, assinado em Montreal, introduzido no direito brasileiro pelo Decreto 2.861, de 1998, e, finalmente, pela Convenção para Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional, celebrada em Montreal, também chamada de Convenção de Montreal, recebida pelo Decreto nº 5.910 de 2006. 

Ao transporte aéreo de pessoas, por se configurar relação de consumo, como já mencionado, aplica-se também o Código de Defesa do Consumidor. 

3. Controvérsia 

A controvérsia se estabelece em razão da possibilidade ou não de atenuação da aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de transporte aéreo internacional, ou seja, a questão jurídica é a definição de qual diploma legal deve prevalecer, nos casos de contradição entre o Código de Defesa do Consumidor e as Convenções internacionais que regulam o transporte aéreo internacional de passageiros. 

O Código de Defesa do Consumidor estabeleceu ser direito básico do consumidor a "efetiva proteção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos" (art. 6º, VI, CDC), e em seu art. 14 a imposição ao fornecedor do serviço a reparação dos danos causados. Portanto, prevalece no CDC o princípio da reparação integral, no qual a indenização se mede pela extensão do dano. Ocorre que a indenização prevista nas convenções e no Código Aeronáutico Brasileiro é, via de regra, limitada, como o disposto no art. 22 da Convenção de Varsóvia, que preestabelece limite máximo para o valor devido pelo transportador, a título de reparação. Tais limitações não se compatibilizam inteiramente com sistema do Código de Defesa do Consumidor. 

O prazo prescricional previsto na Convenção também é menor do que o previsto no direito brasileiro, então, para os consumidores isso também é uma diminuição de um direito.

Ao se deparar com conflitos de norma, há no direito critérios de solução. Os critérios são da hierarquia entre as normas, da especialidade das normas, e antiguidade das normas. 

Com relação à hierarquia, as normas de direito internacional que não versem sobre direitos fundamentais, uma vez regularmente incorporadas ao direito interno, situam-se no mesmo nível em que se posicionam as leis ordinárias. Então, os diplomas normativos em questão, as Convenções de Varsóvia e Montreal, não gozam de estatura normativa supralegal, uma vez que seu conteúdo não versa sobre a disciplina dos direitos humanos. Portanto, há duas normas de mesma hierarquia: o Código de Defesa do Consumidor, que é uma lei ordinária, e a Convenção de Varsóvia, que é uma norma internacional equiparada a lei ordinária. 

A defesa do consumidor tem uma base constitucional, pois a CF/88, em seu art. 5º, XXXII, dispõe que o “Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”, e, ainda, a defesa do consumidor foi erigida, também, à altura de princípios gerais da atividade econômica (art. 170, V, CF/1988). 

Ocorre que há, também na Constituição Federal, uma previsão para que sejam observados os acordos internacionais quanto ao transporte internacional, regra do art. 178 do texto constitucional, que dispõe: 
"Art. 178. A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade." 
Neste ponto, então, o conflito se mantém. 

Quanto à regra da especialidade, a Convenção de Varsóvia é uma norma especial em relação ao Código do Consumidor, já que trata de uma especial relação de consumo, que é a relação de serviço de transporte internacional. 

Com relação ao critério da antiguidade, apesar de a convenção de Varsóvia ser mais antiga que o Código de Defesa do Consumidor, o Protocolo Adicional nº 4 de Montreal, que atualiza a norma, por ser mais recente que o Código de Defesa do Consumidor detém a prevalência das normas de caráter internacional. Quando uma norma mais recente é aprovada, ela derroga a norma anterior naquilo que lhe é contrária. 

Portanto, a maior dúvida se mantém com relação à hierarquia entre as normas, pois ambas as interpretações podem se basear na constituição. 

Diante das duas diretrizes previstas na Constituição– uma que impõe a proteção ao consumidor e outra que determina a observância dos acordos internacionais – em matéria de transporte aéreo, cabe ao intérprete construir leitura sistemática do texto constitucional a fim de que se possam compatibilizar ambos os mandamentos. 

A decisão do STF que fixou a prevalência das convenções ao CDC para os casos de transporte aéreo de passageiros, se baseou no argumento de que o art. 178, CF, prevê que quanto ao transporte internacional, deve-se observar os acordos firmados pela União. E para a perspectiva de que a defesa do consumidor também está prevista na Constituição, foi debatido que a atenuação da aplicação do CDC neste ponto não viola a defesa do consumidor como um todo, não sendo a defesa do consumidor o único princípio consagrado no texto constitucional. 

Ora, quanto a este último argumento, a prevalência das convenções, de fato, não anula a defesa do consumidor como um todo, pois nos pontos em que o CDC não a contraria, ele continuará a ser aplicado. Porém, não há como negar que ocorre um abrandamento da proteção dos direitos consumeristas. 

Portanto, o ponto negativo da decisão foi que a imposição dessa nova interpretação é, de certo modo, prejudicial aos consumidores, que podem sofrer danos superiores à limitação prevista nas Convenções, danos estes que ficarão sem ser reparados. Além de um menor prazo de prescrição, tendo menos tempo para pleitearem direitos relativos ao transporte aéreo internacional. 

O ponto positivo é que o cumprimento, por parte do Brasil, de um acordo internacional firmado é vantajoso no âmbito da Análise Econômica do Direito. Isso faz com que as empresas internacionais vejam no Brasil segurança jurídica, o que o beneficia economicamente, possibilitando que mais empresas prestem seus serviços aqui a um custo menos alto. Isso é benéfico para o consumidor brasileiro, que possuirá mais opções de empresas, preços e serviços.

POR LAÍSA BRITO DE SOUSA













-Formada em Direito pelo UniCeub;
-Pós-Gaduanda em Advocacia Empresarial, Contratos, Responsabilidade Civil e Família, pelo Instituto de Direito Público - IDP;
-Com experiência nas questões afetas à Vara Cível, de Família e Órfãos e Sucessões; 
-É sócia no Escritório Henrique de Sousa & Advogados.
Contato pelo telefone: (61) 99982-7343

Nota do Editor:

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