sábado, 5 de dezembro de 2020

Sociologia, Educação e Pandemia


 

Autor: Rodrigo Augusto Prando(*)


O ano de 2020 foi assaz impactante. Fomos, todos, em maior ou menor grau, atingidos pela pandemia. A normalidade de nossa vida cotidiana foi suspensa e estamos em compasso de espera de uma vacina. Sociologicamente, a crise sanitária advinda do coronavírus conjugou-se às crises econômica, política, de liderança e educacional. A situação de crianças e jovens, portanto, alunos e de professores merece especial atenção. 

A educação é, no campo da Sociologia, tema fundamental, visto que a escola é instituição socializadora e, por isso, capaz de moldar formas de sentir, pensar e agir, que levamos por toda a vida. A pandemia, em meados de março, logo após o carnaval, nos levou à necessidade de afastamento social, obviamente, para evitar a contaminação de um vírus cuja dinâmica era, ainda, desconhecida e que levava, especialmente na Europa, a milhares de óbitos. As escolas – públicas e particulares -, instituições do ensino superior, entre outras, tiveram suas atividades pedagógicas presenciais interrompidas. 

Literalmente, de uma hora para outra, estudantes e professores, bem como diversos profissionais da educação, tiveram que se adaptar às aulas remotas, não presenciais, conjugando aulas síncronas e assíncronas. 

Particularmente, os professores defrontaram-se com ferramentas tecnológicas que não conheciam, alguns, até, sequer tinham familiaridade com computadores, vídeos, áudios, enfim, uma ampla gama de tecnologias, sensações e incertezas postas na ordem do dia. Professores, em grande parte, formados para as aulas presenciais e que, pedagogicamente, levaram em conta a importância da relação pessoal com seus alunos, foram obrigados e alterar, substancialmente, suas estratégias de ensino. 

Educar, formalmente, nas escolas e universidades, reclama planejamento, seguir um plano de ensino, com objetivos claramente definidos, com ações avaliativas, enfim, educar é uma ação social racional e que demanda tempo para o planejamento e execução. 

Por isso, a pandemia promoveu uma ruptura em nossas práticas educacionais. 

Aqui, em casa, fomos, minha esposa e eu, professores universitários e temos um filho de seis anos, com a alfabetização e as primeiras leituras sendo realizadas ao longo deste ano. 

Confesso, caro leitor e cara leitora, que em dias de aulas síncronas, ao vivo, de minha esposa, do meu filho e minhas a situação foi, no mínimo, terrível. Claro que, em nosso caso, temos computadores e internet estável e com boa velocidade para nossas tarefas escolares e acadêmicas. 

Entretanto, milhares de professores e estudantes não tem as mesmas condições. A estrutural e histórica desigualdade de renda e de oportunidades que nossa sociedade apresenta se agudizou neste cenário pandêmico. Pobres, moradores da periferia e negros foram mais contaminados, morreram mais e, infelizmente, estarão no grupo dos mais prejudicados no aspecto educacional pós-pandemia. Para quantificar essa realidade, em matéria do jornal O Estado de S. Paulo, em 2510/20, temos que: "pelas métricas dos pesquisadores, os alunos mais pobres são 633% mais afetados pela falta de oferta de atividades escolares que os mais ricos". 

A educação no cenário pós-pandemia terá que ser tratada com especial atenção pelas instituições governamentais, pelas famílias e por toda a sociedade brasileira. O ano foi de enorme dificuldades, mas pode ser de grandes aprendizados. A educação, mais do que nunca, deve e pode fazer a diferença, desde que seja prioridade individual e coletiva.

(*) RODRIGO AUGUSTO PRANDO













-Graduação em Ciências Sociais pela Unesp - Araraquara (1999);
-Mestrado em Sociologia pela Unesp - Araraquara (2003);
-Doutorado em Sociologia pela Unesp-Araraquara (2009);
-Atualmente, é Professor Assistente Doutor da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas;

-Desenvolve pesquisas e orienta nas áreas de empreendedorismo, empreendedorismo social, gestão em Organizações do Terceiro Setor, Responsabilidade Social Empresarial, história e cultura brasileira, Pensamento Social Brasileiro e Intelectuais e poder político e cenários políticos brasileiros.

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Minha opinião sobre o Foro Especial


 Autora: Sarita Goulart(*)

Estamos chegando ao final do ano e mais um recesso legislativo sem que o Congresso Federal tenha pautado a discussão sobre o Foro por prerrogativa de função ou Foro Privilegiado também denominado Foro Especial .

  Não quero aqui abordar as questões legais deste Foro porque não se discute a sua legalidade, pois,  o Instituto cuja previsão legal encontra-se fundamentada na Constituição Federal e na  pesquisa sobre os seus conceitos, origem, história e natureza é de fácil percepção e entendimento. Assim convido a todos os leitores a fazê-la pela internet e aí  verão que será bem interessante , pois, o Foro Especial não é tão novo quanto parece .

Eu mesma fiquei surpresa ao saber na minha pesquisa que a sua previsão já existia na Constituição Brasileira de 1891.É, portanto,  bem velhinho o senhor Foro Especial e legal e positivado vez que o Foro por Prerrogativa de função está em nossa ordenação jurídica e inobstante queiramos ou entendamos ser ele uma coisa boa ou ruim ele é um Instituto Jurídico importantíssimo para garantir e proteger as autoridades públicas enquanto que no exercício dos seus cargos públicos.

Quando titulei este texto foi pensando justamente e prioritariamente em dar a minha opinião a respeito do Foro Privilegiado. Eu sempre quis fazer isso: dizer ou escrever o que eu penso sobre esse Foro Especial. Todos que me dão a honra de ler as minhas breves linhas sabem que os meus escritos são sempre sobre politica, algumas crônicas e direito constitucional minha matéria preferida.

Nunca tive coragem de tocar no assunto Foro Privilegiado porque parece mui fácil mas não é tem nuances difíceis detalhes que nos escapam que fujam , escapam, escorregam e pensamos onde foi que os perdemos porque lemos tanto determinada coisa pensando tê-la dominada no entendimento e no pensamento quando vimos estamos voltando ao início, estranho não é?

Não fugindo da raia vamos parar de divagar e voltar ao foco do nosso assunto que é o Foro Especial – Instituto jurídico de natureza protetiva e excludente e antidemocrático numa primeira análise que se velha a fazer desse modelo.

 O Foro Especial no meu conceito talvez não seja muito simpático para algumas pessoas ou muitas delas e na qual eu me incluo creio que talvez seja pela sua nominação o nome muito pomposo ESPECIAL , PRIVILEGIADO, PRERROGATIVAS que  já dá a ideia de dividir as pessoas comuns de uma casta de pessoas que por ocuparem certos cargos públicos se cometerem crimes vão  julgados pelo Tribunal face o cargo que elas ocupam, ao passo que o cidadão comum vai responder ao juiz singular comum. Com isso essa pessoa var  dando a ideia de ser superior ou melhor que a outra e aí  ferindo o princípio da igualdade garantida pela Lei o que é princípio democrático.

 Por tais distorções que entendo precisar deixar bem claro e corrente que o espírito do legislador ao pensar no Foro por Prerrogativa de Função certamente não foi o da divisão o intuito e nem muito menos privilegiar uma pessoa em detrimento de outra. O espírito da Lei era muito pelo contrário garantir que o agente público no exercício do cargo fosse protegido nos seus atos, nas suas falas, enquanto que no exercício das suas funções. Vale dizer que a proteção e a garantia não é para a pessoa que exerce o cargo e sim para o cargo porque é a autoridade que está investida no cargo é que possui o Foro Privilegiado ou seja vai ter direito a ele enquanto estiver investido na função por óbvio .Portanto, estando fora do cargo essa imunidade não acompanha a pessoa.

 O Foro Especial para Presidente da República, seu Vice, Senadores, Deputados Federais, Senadores, Presidente da Câmara e do Senado Federal, Presidente dos Tribunais Estaduais, Federais  Presidente do STF e STJ aqui só os principais porque a lista é grande, calcula-se que mais de 54 mil autoridades públicas no país estejam ao abrigo do Foro Especial por Prerrogativas de Função segundo dados do Congresso em Foco. 

Portanto, qualquer delito que venha a ser praticado por qualquer integrante de qualquer um desses órgãos públicos não passará por um juiz singular  sim irá por ação penal competente para o Tribunal conforme for o cargo que ocupe, ou seja, se o Presidente ou seu Vice será o STF , se um Governador de Estado será STJ e por ai vai.

Viram como é um pouco complexo esse assunto aqui pelo Brasil? Pelo mundo não é tanto lá em Portugal, Espanha e eles fluem melhor com os processos mas o Brasil tudo se agiganta toma formas estranhas .

Para concluir o fato é que o tal Foro Privilegiado está mofando lá no SF projeto já aprovado do Senador Álvaro Dias na CCJ limitando a abrangência do Foro dando FIM do foro aos deputados e Senadores e demais e deixando com Foro Especial só os Representantes do Executivo Federal , Presidente do STF e do STJ e representantes das Forças Armadas e nada de ir para a pauta. Porque será que não tem pressa?

Deus os abençoe!

FELIZ NATAL!


*SARITA DE LURDES FERREIRA GOULART













- Formada em Direito pela UNISINOS-São Leopoldo-RS - Turma de Janeiro/1988;
- Pós graduada no Curso de Especialização em Direito Político pela UNISINOS em 1990; e
- Natural de Canoas - RS  aonde advoga.
-Email: saritagoulart@gmail.com
-Twittter: @saritagoulart
- Celular: 51 9 9490-0440

Nota do Editor:

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quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

É possível pedir o cancelamento do meu contrato?


 Autora: Luciane Roma(*)

O contrato assinado vinculam as partes envolvidas. Contudo, se as cláusulas descritas no contrato forem ABUSIVAS ou ILÍCITAS, o contrato poderá ser objeto de discussão judicial e suas cláusulas declaradas nulas.

No cotidiano é comum as pessoas contratarem, seja pela prestação de serviço, seja pela entrega de um produto, onde existe várias previsões contratuais, sem contudo, as cláusula serem questionadas.

Para entabular o contrato, melhor é seguir as orientações de um advogado de confiança, isso porque um contrato bem entabulado pode evitar problemas futuros, como no caso da venda de um veículo usado em que o contrato condiciona a transferência do bem ao término do pagamento das parcelas, porém, pode ocorrer um acidente envolvendo vítima por lesão corporal, nessa situação, se o contrato firmado entre as partes estiver preenchidos todos os requisitos, poderá ser apresentado numa futura ação judicial, evitando que o vendedor do veículo sofra inúmeros prejuízos.

Insta acrescentar ainda que os contratos chamados "contratos de adesão" em que o consumidor não tem oportunidade de "discutir" às cláusulas contratuais no momento da assinatura, tais tipos de contratos é amplamente amparado pela legislação e podem ter suas CLÁUSULAS declaradas NULAS por serem ABUSIVAS ou ILÍCITAS. O contrato de adesão está previsto no artigo 54 do CDC. Em simples leitura do artigo 54 do CDC depreende-se que se o contrato conter todas as situações descritas no referido artigo e o consumidor aderiu ao contrato sendo conhecedor das cláusulas, em tese não poderia mais questionar o contrato firmado.

Infelizmente é um pensamento equivocado em relação ao contrato, visto que, apesar de o consumidor ter aderido a um contrato, estando eivado de CLÁUSULAS ABUSIVAS, estas cláusulas podem ser declaradas nulas, conforme previsão legal descrita no artigo 51 do CDC, que assim dispõe:

"Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: 

I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; 

II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código; 

III - transfiram responsabilidades a terceiros; 

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; 

(...) 

VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor; 

VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem; 

VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor; 

IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor; 

X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral; 

XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor; 

XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor; 

XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração; 

XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais; 

XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor; 

XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias."

Desta forma, mesmo que a parte tenha aderido ao contrato de adesão, as cláusulas descritas no contrato não podem ser ABUSIVAS nem ILÍCITAS, sob pena de ser declaradas NULAS. 

Diante disso, qualquer consumidor que observar que houve alguma cláusula abusiva em seu contrato, poderá pleitear a ação competente para declarar a NULIDADE DA CLÁUSULA, podendo invalidar as cláusulas consideradas abusivas e permanecendo o contrato. Contudo ocorrendo ônus excessivo a qualquer das partes o contrato poderá ser invalidado no todo (art.51 §2º do CDC).

Assim sendo, o CDC busca proteger e amparar o consumidor que é parte hipossuficiente no contrato de adesão, estabelecendo equilíbrio entre as partes no contrato, impedindo que ocorra práticas abusivas que causem ônus excessivo a uma das partes no contrato, sendo necessária uma análise jurídica prévia para assim buscar no Judiciário o amparo devido ao consumidor, sendo de extrema importância a intervenção de um advogado capaz de identificar e por meio de provas convencer o juízo da aplicação de tais institutos.

Gostou do artigo?! Compartilhe agora para que mais pessoas conheçam sobre seus direitos!

*LUCIANE MARIA MARCOS ROMA











-Formada em Direito pela ULBRA (2005)
;- Pós Graduada “Lato Sensu” em Ciências Criminais pela UNAMA (2008);
- Pós Graduanda em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade Legale (2020);
- Associada a ADFAS – Associação de Direito de Família e Sucessões
- Área de atuação: Direito de Família e Consumidor na cidade de Cascavel/PR
Facebook: Luciane Roma
E-mail: lm.marcos@bol.com.br


Nota do Editor:

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terça-feira, 1 de dezembro de 2020

A Política Pública de Atendimento ao Portador de Sofrimento Mental


 Autor: Bruno Galhardo(*)

Apenas no século XXI, como fruto da luta antimanicomial fora editada a Lei nº 10.216/2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.

Os dispositivos da Lei nº 10.216/2001, conhecida como "Lei Antimanicomial", são aplicáveis aos casos de internação voluntária ou involuntária, bem como aos casos de internação compulsória – como as internações determinadas pelo Poder Judiciário como medida de segurança (artigo 6º, inciso III).

A mencionada lei prevê de forma expressa que os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, de que ela trata, são assegurados sem qualquer forma de discriminação (artigo 1º). Portanto, os indivíduos sujeitos à medida de segurança não podem ser excluídos do âmbito de aplicação desta lei.

No parágrafo único do artigo seguinte (artigo 2º), a lei reconhece direitos específicos à pessoa portadora de transtorno mental, como, ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades, ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade, ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração, ter garantia de sigilo das informações prestadas, ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária, ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis, receber o maior número de informações possíveis a respeito de sua doença e de seu tratamento e, também, ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis e, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.

Outrossim, chama a atenção que esta lei, que redirecionou o modelo de assistência à saúde mental, garantiu ao portador de doença mental que a internação apenas será indicada, inclusive na modalidade compulsória (medida de segurança, por exemplo), quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes (artigo 4º).

O legislador foi ainda mais longe e estabeleceu que, o tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio (§ 1º do artigo 4º), e a internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os motivos (artigo 6º).

Assim, é evidente que há uma antinomia entre o Código Penal (que determina a aplicação de medida de segurança detentiva aos inimputáveis por doença mental que praticaram crime apenado com reclusão – artigo 97) e a posterior Lei nº 10.216/2001 (que, além de prever inúmeras garantias e direitos ao portador de transtorno mental, determina que a internação apenas será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes – artigo 4º).


(*) BRUNO ZANESCO MARINETTI KNIELING GALHARDO


 

-Graduado em Direito pela Universidade Católica de Santos(2014);

-Pós graduado em Ciências Criminais pelas Universidade Estácio de Sá (2018); e

-Mestrando em Direito da Saúde pela Universidade Santa Cecília.


Nota do Editor:


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O dilema do uso das vagas de garagem em condomínio


 Autora: Stella Cerny(*)

Com o crescimento das cidades e com a problemática dos transportes urbanos, a solução encontrada por muitos foi a aquisição de carros e de motocicletas, neste último caso para diminuir o tempo gasto no trânsito. Porém, com isso surgiram alguns problemas dentro da vida cotidiana nos condomínios. Atualmente a vaga de garagem é mais importante que o próprio imóvel adquirido. 

O Regimento Interno do condomínio rege as relações entre os moradores, ou seja, delimita as normas da boa convivência. Em contrapartida a Convenção de Condomínio regula relações administrativas do condomínio. 

As questões de vagas de garagem podem ser subdivididas em alguns tópicos, por exemplo: 

a)Vagas de uso comum ou coletivo: são aquelas que fazem parte das coisas de uso comum do condomínio, sem matrícula e na especificação de condomínio menciona o uso mediante auxílio ou não de manobrista, portanto, uma vaga indeterminada, sem matrícula independente e sem metragem constante na área privativa do imóvel. Faz parte da área de uso comum do condomínio;

b)Acessório da unidade autônoma: não possui matrícula própria, mas na matrícula da unidade autônoma, a área da vaga de garagem estará descrita com a metragem total da vaga de garagem, fazendo parte da área privativa da unidade autônoma; e 

c)Vinculada a uma unidade autônoma: possui matrícula própria a vaga de garagem, tem saída para a via pública, independente ou por uso de passagem comum, é demarcada, numerada e tem descrição na especificação de condomínio. 
Portanto, temos três situações distintas que podem ampliar ou limitar o direito de cada proprietário. 

Se há demarcação e individualização a questão encontra-se superada e o uso será respeitado dentro das medidas de metragem fixadas nas matrículas, bem como o Regimento Interno. 

A questão de maior dificuldade, e quiçá de enfrentamento, ficará sempre para as frações ideais de uso comum – vagas de uso comum ou coletivo - visto que os proprietários tem dificuldade em entender e respeitar que se não existe local individualizado, todos têm os mesmos direitos quanto ao uso, e que o uso de um não poderá se sobrepor ao uso dos demais. 

O parágrafo único do artigo 1314 do CC dispõe que: "Nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da parte comum, nem dar posse, uso ou gozo dela a estranhos , sem o consenso dos outros." 

O artigo 1335 do mesmo diploma legal arrola os direitos dos condôminos, sendo que o inciso II dispõe que: "usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores".

Portanto, as áreas comuns estão submetidas ao uso de todas as unidades autônomas do condomínio, não podendo ser desvirtuado o uso ou alterada a finalidade, a não ser que ocorra uma alteração de Convenção de Condomínio, com o quórum previsto de 2/3 dos condôminos. 

Devemos observar o que está previsto na Convenção de Condomínio especificamente sobre a questão das áreas comuns; mas se houver alteração de área comum ou criação de espaços em áreas comuns, como por exemplo, a criação de vagas para estacionamento de motos, deverá ser observada a regra do artigo 1351 do CC (exigência de quorum para aprovação de 2/3 ou unanimidade dos moradores, respectivamente). 

Logo, ao comprar um imóvel é importante prestar atenção quanto às vagas de garagem, para que se evite problemas desnecessários aos demais condôminos; observar se a vaga de garagem faz parte ou não da área comum; como estão descritas, se têm ou não matrícula individualizada, entre outros, bem como o que dispõe o Regimento Interno e Convenção de Condomínio. 

As regras de boa convivência deveriam nortear nossa sociedade e as relações de condomínio, porém, o que vivenciamos é o oposto, cabe a cada unidade autônoma respeitar e zelar pelo bem comum nos limites delineados sem se sobrepor aos interesses dos demais. 

(*) STELLA SYDOW CERNY











-Advogada graduada pela FMU(1997);

-Especialização em Direito Imobiliário;
-Pós-graduanda em Direito Previdenciário; e
Atuando na Cerny Advocacia nas áreas de planos de saúde, cível, consumidor e previdenciário.

Nota do Editor:

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segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Cidadão delivery


 Autor: Luis Lago(*)

Sou, sem dúvida alguma, um dos exemplares da espécie que não sabe sequer fritar um ovo.  Não sei cozinhar.   Meu fogão é uma peça intacta,  tão virgem quanto estava na loja;  tão decorativa quanto a orquídea da sala de visitas. O oposto do micro-ondas que sempre girou mais que todos os pilotos de Fórmula 1, em todos os circuitos mundiais. O oposto do celular – meu inseparável amigo e companheiro;   mudo e fiel como um satélite ao seu planeta.

Perto da hora do almoço, começo um ritual primitivo que consiste em dançar ao redor dos mais variados aplicativos e seus ícones, caçando cupons de desconto e promoções.

De segunda a sábado, para  o almoço, vou de marmitas a pratos feitos de R$ 20.  É sempre o mesmo bife,  ou frango, com arroz, feijão e batatas fritas mais murchas que a bola do meu Corinthians.

No jantar,  o encanto multicolorido dos fast-foods me atrai com seus burgers, suas esfihas abertas, seus quibes crocantes, e seus sushis de R$ 2.

Sou,  definitivamente um cidadão delivery.  Feliz, mas com uma cintura onde já é possível circum-navegar em direção ao "porto umbigo".  Feliz,  nesse fundamental e vital isolamento pandêmico.

Mas,  essa vida delivery só é possível graças a uns  bravos heróis que não arredam os pés (e as motos e bikes) das ruas:  – os entregadores.

Não sei se todos já deram o devido valor à categoria.  Pense apenas que a mesma covid que pode nos pegar,  também assombra os entregadores.  Nosso direito ao isolamento social não pode sobrepor-se ao direito de quem trabalha com entrega,  Portanto,  façamos o mínimo: sejamos educados.

O mundo está cheio de gente chata e sem a mínima noção de humanismo.  Gente que não se dá o trabalho de descer na portaria do prédio com a presteza necessária para não deixar o entregador esperando.  Gente que não sabe a pronúncia correta para a palavra obrigado”;  ou possui alguma doença rara que a simples menção a um agradecimento pode provocar arritmia cardíaca ou impotência sexual.

Entregadores de delivery merecem caixinhas,  estátuas e nomes de praça.  No futuro,  talvez,  se organizem melhor como classe.  E organizados,  podem por os pés na política.  Um dia, quem sabe,  teremos um deputado, um senador, um ministro ex motoqueiro.  Ou, ate´mesmo um presidente orgulhoso do seu passado como entregador de delivery. 

Minha vida de cidadão delivery não seria a mesma sem eles. Graças a eles me dou ao luxo até de tomar um cafezinho quentinho e saboroso.

É quando,  então,  me ponho a pensar que vai ser lindo quando, do meu aplicativo,  eu pedir um delivery de vacina.  Sim, com todas as opções possíveis e imaginárias.  Com um menu abrangente e desafiador, posso pedir a vacina chinesa, ou a russa, ou a inglesa, até mesmo a jamaicana,  quixá a brasileira, e outras.

Por enquanto, continuo com minhas com meus bifes, meus quibes, minhas esfihas,  e com minhas batatas murchas. 

Mas não preciso de delivery para sonhar.


(*) LUIS LAGO










- Jornalista e  Fotógrafo (Não necessariamente nessa ordem); e
-Autor dos livros "O Beco" (poesias) Editora e Livraria Teixeira e "São tênues as névoas da vida" Âmbito Editores (ficção desenvolvida no estilo literário denominado "Realismo mágico")

Nota do Editor:

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domingo, 29 de novembro de 2020

Corpos fabricados que corrompem a potência de criação


 Autora: Fabiana Benetti(*)


Introdução 

Como podemos transmitir a cultura de formas menos narcísicas? Forma essa, que perde a substância dos acontecimentos na vida e da continuidade temporal, onde a modalidade afetiva se apresenta mais nas satisfações imediatas que cede espaço à imagem e ao som. Onde a palavra perde relevância como apoio do pensamento, da subjetividade, da intersubjetividade e do vínculo. Esta forma faz surgir sujeitos mais indiferentes à potência que abarca o movimento da elaboração e criação de símbolos e, consequentemente, realidades, como também sujeitos mais ligados à estética e poder, que fomentam a competitividade e o apagamento das diferenças singulares dos indivíduos. Sujeitos estes que não suportam as frustrações que os processos de vínculos fazem nascer. 

Como podemos ampliar modos de relações e existências mais potentes na qual estamos vivendo atualmente em plena pandemia, que também nos traz a possibilidade de nos reorganizarmos frente ao caos do corpo e desses valores que também os produzem? 

Espinosa [(1632-1677)ed.2013,p.236] no seu livro Ética, nos elucida: "Assim, esforçamo-nos, nesta vida sobretudo, para que o corpo de nossa infância se transforme, tanto quanto o permite a sua natureza e tanto quanto lhe seja conveniente, em um outro corpo, que seja capaz de muitas coisas e que esteja referido a uma mente que tenha extrema consciência de si mesma, de Deus e das coisas." Na obra desse autor, ele afirma que o corpo é a potência do corpo, que é o esforço do corpo para se compor com outros corpos, para fazer querer e agir. Deus, nesse contexto, se apresenta como potência de perseverar a natureza que se esforça para criar e existir. 

A partir da perspectiva que a vida é sentida pelo corpo, muitas vezes esta percepção se perde nas distorções trazidas pelas crenças narcísicas que desenham as relações humanas nas quais acabam perdendo a força do criar novos agenciamentos para diferentes composições. Cumprem assim uma impressão que reproduz conjugações automáticas, formatadas e familiares, hierárquicas, poderosas e despotencializadas. Elas acabam por obnubilar as coexistências possíveis e criativas entre as diferenças, outras linguagens, com outras formas de captura pelo conteúdo simbólico e que formam e informam realidades diversas, criando modos singulares de expressão, que abrem novas realidades, composições, relações, encontros e criações. 

O vírus 

Pense-se no trabalho de Felix Guatarri na clínica de La Borde em 1955. Ele buscou formas de terapia política que trouxessem um verdadeiro campo experimental para uma série de propostas psiquiátricas modernas, alternativas e revolucionárias, usadas até hoje. Essa clínica não tratava apenas os indivíduos, mas também os sistemas, as instituições, as configurações de poder que muitas vezes esvaziam nossas potências singulares. Configurações que se revelam de forma bem concreta nesse momento de pandemia, como reflexo e sintoma dessa organização falha e tão viciada no poder. 

Estamos vivendo o não saber de um vírus fabricado pelo modo humano de viver. O mundo se fragiliza pelo não saber o que fazer: aí, o corpo se apresenta com a falta de simbolização frente ao trauma* que traz uma resposta de repressão (Covid) da condição que nos criamos. O corpo que reage de inúmeras formas, dependendo da saúde biopoliticopsicosocial e fratura narcísica. O corpo se torna falível ao vírus. O vírus atua em cada pessoa de acordo com seu modo de subjetivação. Esse vírus parece que impacta de acordo com a condição que o sujeito ja estava vivendo antes do vírus. 

O predomínio de uma relação dual narcísica nas relações contemporâneas é um fato, sendo que o vínculo intersubjetivo, que envolve consciências singulares só se tornará possível na medida em que se passe a uma configuração múltipla e horizontal (não hierárquica), constituída pelo eu, os outros e as infinitas possibilidades de composição disto. Sabemos que a falta de controlarmos o que se apresenta dessas composições, através dessa subjetivação apoiada no patriarcado, Ao pensar que suprimos de forma absoluta o espaço infinito das possíveis e impossíveis conexões, estamos enquadrando a vida humana de modo dual, binário, em ideais preestabelecidas a partir de um saber não sujeito a dúvida, desta forma fomos pegos de surpresa pelo vírus, que nos coloca num estado de dúvida e vulnerabilidade, tratando com o campo da morte, desconstruindo o poder absoluto do que dá acesso à imortalidade. 

Gênero 

Sobre o dispositivo de gênero (feminino- masculino): ele domina as representações em nossas subjetividades. Ele produz uma identidade cultural que traz uma linguagem, uma estética, uma realidade psíquica, sexual, política e social na formatação de modos de expressão e existência – normalmente fundamentada pela transmissão narcísica da família hetero privatizada, sagrada, idealizada. Nesse modo em que se habita, imprime-se uma moldura sobre os modos de desejar possíveis dentro da lei sobre como é ser homem ou mulher e uma família, nessa civilização que se apoia em um sistema de gênero binário- tomado como saudável e original- que inibe o inconsciente que tem a vontade de potência. Segundo Deleuze e Guatarri (O Anti-Édipo Ed.2010, p.373): "O inconsciente diz respeito à física; não é absolutamente por metáfora que o corpo sem orgãos e as suas intensidades são a própria matéria". " Inconsciente das máquinas desejantes- relação necessária entre forças inextrincavelmente ligadas, sendo uma das forças elementares através das quais o inconsciente se produz."(p.374) 

Muitas reproduções maquínicas de modos tecnocapitalistas se apoiam em jogos e corpos binários (masculino e feminino) como modelos estéticos e de linguagem que afirmam a normalidade. Assim se faz uma sociedade precisar da ciência e medicina para curar a patologia, mas o individuo não cabe na padronização de lugares que nós, frutos do colonialismo europeu, machista, branco, hetero, capitalista, criamos e reproduzimos. Nessas molduras sociais se encaixem indivíduos patologizados e colocados como minoria pelo fato de não entrarem nessas opções biopolíticas (práticas disciplinares que visam o corpo de uma população), dadas por essas molduras hierárquicas e cheias de poderes. 

Ainda hoje, nossa cultura arrasta o patriarcado como referência que se orienta pelo dispositivo de gênero, que se apoia na crença sobre o quanto a anatomia ainda determina o gênero e a identidade sexual do sujeito, achata a complexidade da singularidade da sexualidade individual de cada ser humano, que vai para além das ficções somáticas Masculino e feminino como definições únicas de modo de ser. Masculino e feminino são termos sem conteúdo empírico, mas sim se apresentam como verdades científicas que se apoiam em um critério de reconhecimento do "objeto de forma visível e material". Assim as metáforas sobre o naturalismo sexual (o que é masculino e feminino) são fabricadas como um sistema, que movimenta os ideais biopolíticos como códigos normativos de reconhecimento visual sobre o pênis (masculino) e a vagina (feminino) da pessoa. Isto resulta numa produção de subjetividade, produtos de indústria governamental, pública, midiática, farmacológica, entre outras. 

Em 1950, aquele modelo passou a ser confrontado com a ascensão política do feminismo e dos discursos sobre homossexualidade. Ela surgiu como resistência ao regime, que considerava como verdadeiro o sexo natural, definitivo, imutável e transcendental. Ainda hoje, porém, o feminismo perde de vista a subjetividade implicada num gênero e na sexualidade como construção simbólica, cultural, formatada dentro de apenas dois modos de expressão. Infelizmente, ainda em cada êxito feminista se seguiu um retrocesso. A cada golpe feminino, um contra golpe social destinado a domar os impulsos centrífugos da liberação do dever-ser-da-mulher não foi desconstruído. 

Especialmente no que diz respeito à diferença social, cultural e política, o feminismo ainda apenas reage à opressão do machismo, com intuito ainda de se afirmar em sua existência. Contudo ele investe em um embasamento de uma sexualidade normativa que visa o gênero, pela violência do poder entre as diferenças, a mulher ainda tem medo de perder a estabilidade de uma categoria que a faz existir: "a de mulher", "a de mãe". Contudo, o feminismo entra como anestésico na vivência sob o patriarcado, apoiando assim uma subjetividade poderosa e bilateral, como um programa operacional capaz de desencadear muitas percepções sensoriais sob a forma de afetos, desejos, ações, crenças e identidades que não consideram um gênero neutro. 

Enquanto reproduzirmos essa cultura de procriar os mesmos padrões, sempre que o gênero se enuncia, deixam de ser criadas novas perspectivas sobre o corpo e a sexualidade. 

Segundo Judith Butler: "o gênero é um sistema de regras, convenções, normas sociais e práticas institucionais que produz performaticamente o sujeito. Sublinhando que o gênero não pode ser mais considerado como uma essência ou uma verdade psicológica, mas como uma pratica discursiva, corporal e performativa por meio da qual o sujeito adquire inteligibilidade social e reconhecimento político." ( Corpos que importam, ed.2019, p.233) 

Quando um corpo humano abandona as práticas estéticas que abarcam uma posição biopoliticopsicosocial para se afirmar em sua potência, desindentificando-se da identidade sexual para uma multiplicidade de desejos, práticas e estéticas, ele experimenta novas sensibilidades e linguagens, novas formas de vidas coletivas e de alianças afetivas. Desta forma, amplia-se a subjetividade para infinitas formas de amar, deixando de lado o alegadamente indiscutível modo político Cis de se viver. Contudo, esse corpo humano pode experimentar uma permuta de prazeres e de descarga sexual, regulada mais pela excitação molecular, cartografando mapas de conexões, circuitos, movimentos, intensidades, velocidades, reflexos, convulsões e tremores que abrem um tempo de acontecimento de produção de afetos. O corpo é a casa de nossa potência que se movimenta para se afirmar e se expressar como passagem e extensão de novos corpos e criações de outros corpos/espaços.

O sexo em expansão de territórios não privatizados investe na produção do inconsciente maquínico, que se manifesta em diversos modos de composição, conjugação e criação nas relações. 

(*)FABIANA BENETTI

-Psicóloga, psicanalista, especialista em psicossomática e esquizoanalista;
-Psicóloga graduada pela Universidade Paulista(1997);
-Aprimoramento em Analises do comportamento aplicado(ABA) United Response ,Londres,2001; 
-Pós Graduada em Cross Cultural Psychology pela Brunel University em  Londres, 2002;
-Atendimento em consultório particular em São Paulo-Tel/what´s 11 985363035.
-Membro do Departamento de Psicossomática do Instituto Sedes Sapientiae;e
-Agenciamento  em Filosofia e Esquizoanálise com Peter Pál Pelbart e Luiz Fuganti.

Nota do Editor:


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