Sou, sem dúvida alguma, um dos exemplares da espécie que
não sabe sequer fritar um ovo.  Não sei
cozinhar.   Meu fogão é uma peça intacta,  tão
virgem quanto estava na loja;  tão decorativa quanto a orquídea da sala de
visitas. O oposto do micro-ondas que sempre girou
mais que todos os pilotos de Fórmula 1, em
todos os circuitos mundiais. O
oposto do celular – meu inseparável amigo e companheiro;   mudo e fiel como um satélite ao seu planeta.
Perto da hora do almoço,
começo um ritual primitivo que consiste em dançar ao redor dos mais variados
aplicativos e seus ícones, caçando
cupons de desconto e promoções.
De segunda a sábado, para  o almoço, vou de
marmitas a pratos feitos de R$ 20.  É sempre o mesmo bife,  ou
frango, com arroz,
feijão
e batatas fritas mais murchas que a bola do meu Corinthians.
No jantar,  o encanto multicolorido dos fast-foods
me atrai com seus burgers, suas esfihas abertas, seus quibes crocantes, e seus sushis de R$ 2.
Sou,  definitivamente um cidadão delivery.  Feliz, mas
com uma cintura onde já é possível circum-navegar em direção ao "porto umbigo".
 Feliz,  nesse fundamental e vital isolamento pandêmico.
Mas,  essa vida delivery só é
possível graças a uns  bravos heróis que
não arredam os pés (e as
motos e bikes) das ruas:  – os
entregadores.
Não sei se todos já deram o devido valor à categoria. 
Pense apenas que a mesma covid
que pode nos pegar,  também assombra os
entregadores.  Nosso direito ao isolamento social não pode
sobrepor-se ao direito de quem trabalha com entrega,  Portanto,  façamos o mínimo: sejamos educados.
O mundo está cheio de gente chata e sem a mínima noção de
humanismo. 
Gente
que não se dá o trabalho de descer na portaria do prédio com a presteza
necessária para não deixar o entregador esperando.
 Gente que não sabe a pronúncia correta para a
palavra “obrigado”;  ou possui alguma doença rara que a simples
menção a um agradecimento pode provocar arritmia cardíaca ou impotência sexual. 
Entregadores de delivery merecem caixinhas,  estátuas
e nomes de praça.  No futuro,  talvez,  se
organizem melhor como classe.  E organizados,
 podem por os pés na política.  Um
dia, quem sabe,
 teremos um deputado, um senador,
um
ministro ex motoqueiro.  Ou, ate´mesmo
um presidente orgulhoso do seu passado como entregador de delivery.  
Minha vida de cidadão delivery não seria a mesma sem eles. Graças a eles me dou ao luxo até de tomar
um cafezinho quentinho e saboroso. 
É quando,  então,  me ponho
a pensar que vai ser lindo quando, do meu
aplicativo,  eu pedir um delivery de vacina.  Sim, com todas as opções possíveis e
imaginárias. 
Com
um menu abrangente e desafiador, posso
pedir a vacina chinesa, ou a russa, ou a inglesa, até mesmo a jamaicana,  quixá
a brasileira, e outras.
Por enquanto, continuo
com minhas com meus bifes, meus
quibes, minhas esfihas,  e com
minhas batatas murchas.  
Mas
não preciso de delivery para sonhar.
(*) LUIS LAGO

Muito bom texto.Divertido, sensível,leitura prazerosa. Parabéns!
ResponderExcluirsem eles, o mundo passaria fome.....
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