sábado, 31 de maio de 2025

O Acesso à Educação no Brasil e o Analfabetismo Funcional


 Autora: Maria Thereza Pompa Antunes (*)

Neste artigo venho questionar para onde estamos caminhando, visto que hoje passamos do status de um país com grande número de analfabetos para uma estagnação no índice de analfabetismo funcional.

A motivação para esse texto reside na matéria recém-publicada no jornal a Folha de São Paulo, por Isabela Palhares, em 06 de maio pp. Intitulada: 29% DOS BRASILEIROS DE 15 A 64 ANOS NÃO ENTENDEM TEXTO E CONTA SIMPLES.

Muito embora haja essa motivação, na verdade, essa matéria veio a calhar para elucidar muita coisa, evidenciando algumas das consequências previsíveis, resultantes de uma política de acesso deliberado (porém solto) ao ensino superior, com foco quase que exclusivo na quantidade e pouca preocupação com a qualidade, contexto esse cujos reflexos venho criticamente acompanhando nos últimos anos.

Portanto, para mim, o conteúdo do texto supracitado não foi uma surpresa, e me traz esperança; esperança de que possamos reverter, de alguma forma, esse quadro assustador, cujos impactos estão visíveis na nossa experiencia cotidiana, sendo que não posso afirmar que sejam eles perceptíveis para todos; para mim, na minha prática docente, certamente têm sido.

Um breve retrospecto, sob a ótica do ensino superior:

Nas últimas décadas do século passado, a preocupação com os altos índices de analfabetismo no Brasil foi um tema recorrente, cujas ações e políticas púbicas adotadas resultaram em significativo declínio em 2022, com a redução do analfabetismo para 7% da população, antes representada por 25,5%, nos anos 1980 (Dados do IBGE).

Nesse interim, por volta dos anos 2000, verificou-se um crescimento expressivo dos cursos em nível superior por instituições particulares (de 3.150 cursos, em 1994, para 12.360 cursos em 2004 – segundo Jornal da Câmara dos Deputados). A justificativa, à época, era bastante positiva, visto que a iniciativa privada estava atendendo a uma demanda que as instituições públicas não estavam conseguindo absorver.

Ocorre que no início de 2007, acompanhei perplexa, a notícia sobre o primeiro grupo educacional a abrir o seu capital ao mercado (Bolsa de Valores), propiciando o espaço para o que hoje se denomina, não sem um matiz pejorativo, Educação S.A (denominação essa com a qual concordo em muito, visto que retrata de forma contundente o caráter mercantil que, em muitos casos, passou a prevalecer na educação).

No contexto das Educação S.A., têm-se estudantes que ingressam sem qualquer tipo de processo seletivo estruturado, que serve apenas para estabelecer o percentual de desconto que o “cliente” receberá - Política de Marketing (isso se dá em função de uma engenharia financeira que parte do valor “cheio” da mensalidade); em que se tem professores, na sua grande maioria capacitados, digo que em sua grande maioria doutores em suas áreas de conhecimento, mas que mal conseguem abordar o conteúdo mínimo de suas disciplinas, simplesmente por falta da base que os ensinos fundamental e médio deveriam ter propiciado aos estudantes, aliada à falta de postura e da consciência sobre o que significa estar em uma faculdade/universidade, além das políticas de incentivo à permanência de alunos não capacitados, por parte das instituições que precisam manter o seu fluxo de caixa.

Mas o que se esperar? Esses alunos que estão lá foram selecionados, se afirma. Pois bem, já disse de qual forma.

A Educação S.A., bem como qualquer outra organização empresarial, visa o lucro (lucro com qualidade de seus produtos a guisa de perderem mercado), óbvio, visto que é o que lhes propicia a própria continuidade das operações. Porém, eu estou falando sobre instituições de ensino; estarão elas preocupadas com a qualidade do "produto" (pessoas) que estão capacitando? Nesse contexto, devo inserir a banalização do EAD, uma fonte garantida de caixa.

Consequências? Analfabetismo Funcional, cujos resultados estão muito bem explicitados na matéria de Isabela Palhares.

Nesse contexto, devo fazer jus a algumas universidades privadas, sendo elas confessionais ou não, que mantêm o foco na educação com qualidade no tripé ensino, pesquisa e extensão, propiciando aos seus estudantes a experiência única de vivenciar a vida universitária. Da mesma forma, as universidades públicas, que mesmo sem a totalidade dos recursos necessários, primam pela excelência.

Vejo com bons olhos algumas medidas (poucas, mas já é um começo) que estão sendo tomadas para mitigar esse problema, como as restrições ao EAD e o anúncio, recentemente, pelo Ministério da Educação, quanto ao aumento do rigor nas avaliações dos estudantes no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE).

De fato, o melhor dos mundos é ter uma população que pode vivenciar a experiência de uma universidade com ensino de qualidade, mas a esse preço? Bom, bonito e barato, não existe. Essa é uma expressão que se utiliza muito na área de marketing, cuja experiência, nesse caso, vem sendo comprovada na prática.

Por fim, devo destacar que o motivo aqui apontado, e que nos leva à essa situação atual, elucidei apenas considerando as Educacionais S.A., mas ciente que outras variáveis interferem no comportamento e na capacidade cognitiva dessa geração que hoje está entrando no mercado de trabalho, com uma formação profissional de qualidade técnica bastante questionável. Um exemplo é o uso da Inteligência Artificial, tema já abordado aqui neste Blog.

Referências:

PALHARES, Isabela. 29% dos brasileiros de 15 a 64 anos não entendem texto e conta simples. Folha de São Paulo, 6 de maio de 2025, Caderno Cotidiano, A35.

*MARIA THEREZA POMPA ANTUNES 



 

 

 

 

 

 


-Graduação em Administração pela PUC/RJ (1984), com Especialização em Finanças pelo IAG/PUC/RJ (1985), e em Ciências Contábeis pela FEA/USP (2002);

-Mestrado em Ciências Contábeis pela FEA/USP (1999);

- Doutorado  em Ciências Contábeis pela FEA/USP(2004);

Atualmente é professora de finanças do Curso Graduação em Administração na Escola Paulista de Política, Economia e Gestão (EPPEN) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e

Tem 26 anos de experiência na área da educação, atuando como docente, pequisadora e gestora.

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6278852648499064

Contatos:

teantunes@uol.com.br

WhatsApp: (11)-98338-4343

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Nota do Editor:

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Os Aplicativos e os seus Implicativos


 Autor: Luiz Eduardo Corrêa Lima (*)

"Muitas vezes os aplicativos são apenas indicativos de soluções, ou seja, quando muito, são apenas sedativos, porque acabam não são nada conclusivos em várias situações e assim, ficam deixando muito a desejar na tarefa que se propõem resolver e geram costumes indevidos e ineficazes, além de grandes frustações em seus respectivos usuários".
(Luiz Eduardo Corrêa Lima - 2025)

Antes de qualquer coisa, quero deixar claro que não tenho nada contra aplicativos, ao contrário reconheço a necessidade e a utilidade desses programas de informática na resolução de inúmeros problemas, entretanto, há tanto aplicativo por aí, que nós estamos começando a "colocar o carro na frente dos bois" e esquecendo que saber ainda é mais importante do que apenas fazer.

Hoje em dia há aplicativos para quase tudo e os aplicativos resolvem os problemas sem se preocupar com os implicativos que possam ocorrer a partir da resolução do problema em si. Ou seja, os aplicativos são específicos nas suas ações e muitas vezes há necessidade de outro aplicativo para corrigir a ação do primeiro. Outras vezes, o aplicativo apenas ameniza uma situação, porém não é capaz de resolver toda a questão, atuando apenas como um facilitador ou um paliativo para determinada situação. Obviamente, como qualquer coisa sempre é melhor do que nada, este aplicativo, ainda que não totalmente eficaz, acaba sendo preferido em relação a questão proposta.

Deste modo, a geração cotidiana de aplicativos não tão aplicáveis assim, tem seguido em frente na vida moderna. Porque sempre existe um aplicativo para melhorar o outro, mas nem sempre para resolver eficazmente o problema proposto. Como eu já disse acima, penso que muitos aplicativos são placebos ou, no máximo, sedativos para problemas maiores, ou seja, não passam de paliativos. Entretanto, eles acabam sendo usados e tornam-se conclusivos de alguma coisa que alguém quer vender e que sempre tem alguém na comunidade a fim de comprar. Aplicativos são planos "A" para o comércio, mas nem sempre são soluções efetivas. Infelizmente, essa também é uma grande verdade.

Em tempos de Inteligência Artificial, os aplicativos passaram a ser meras contingência necessárias aos interesses da área de Informática e, obviamente, como o nome diz, são aplicáveis ativamente para tudo e para todos. Aliás, eu quero aqui fazer um desafio: será que há 15 anos o cidadão comum já tinha ouvido ou utilizado o vocábulo "aplicativo" com o mesmo sentido e a mesma frequência que se tem hoje? Além daqueles indivíduos que atuam cotidianamente na área de Informática, certamente, não.

Entretanto, hoje, tanto a palavra, como o produto "aplicativo" é uma das coisas mais repetidas das e usadas pela sociedade, como um todo. Embora, pouca gente, saiba realmente o que seja um aplicativo, todos conhecem a palavra e sabem como usar algum tipo de aplicativo, mesmo sem saber exatamente o que esse “negócio chamado aplicativo” seja de fato. É isso mesmo, a Informática é meio mágica para a grande maioria das pessoas, porque elas usam mais não entendem.

Isto é, o cidadão comum não entende, mas sabe onde e como aplicar o aplicativo e isso parece bastar. O Aplicativo é aplicável e não precisa ser entendido. O Aplicativo é assim uma espécie de Programa de Informática que alguém planejou, desenvolveu, vendeu e que outras pessoas compram e aplicam, porque "sabem que vai dar certo". Não sei, mas isso parece ser uma mágica, um milagre da tecnologia e obviamente, nem sempre dá certo. Contudo, o usuário só descobre as falhas, depois de adquiri-lo.

Aliás, na verdade, é mágica mesmo, ou melhor, é um truque e como todo truque pode, ocasionalmente, falhar. Entretanto, a falha, ainda que possa acontecer e muitas vezes acontece realmente, nunca está prevista no pacote de venda e compra do produto aplicativo. Então, meus amigos, é exatamente sobre isso que eu quero conversar um pouco neste artigo. Como ficam os usuários (compradores da ideia) quando os aplicativos falham ou simplesmente não funcionam como previsto? Ah! Eu sei, sempre existe o "famoso" desligue e ligue outra vez, que agora vai funcionar e às vezes funciona mesmo. Mas, ainda assim, na maioria das vezes continua falhando e aí, como resolver?

Existem várias palavras que podem descrever o sentimento de incapacidade dos usuários, quando eles passam por uma situação desse tipo. Eles ficam atônitos, desesperados, aterrorizados, aborrecidos, assustados e outras coisas. Porém, a melhor expressão que define esse trágico momento é a seguinte: "o usuário está numa sinuca de bico" e só a sorte poderá tirá-lo desta enrascada, haja vista que ele não faz nem ideia da possível solução, se é que existe uma solução para o caso.

E mais, geralmente a questão só poderá ser resolvida por quem desenvolveu o aplicativo e, na maioria das vezes não é possível encontrar quem seja essa pessoa (física ou jurídica) na hora e no local necessário. Pois então, meus amigos, a situação é realmente muito difícil. Entretanto, o pior ainda, é que nesses casos, quase nunca há solução, porque o aplicativo que corrige aquele aplicativo que deu problema, na maioria das vezes, ainda não foi inventado.

Em suma, alguém está vendendo aplicativos aos usuários e, ao mesmo tempo, também está brincando com a sorte deles. Quer dizer, o usuário de aplicativo é um apostador de loteria que, graças a Deus, acerta (ganha) mais do que erra (perde). Contudo, quando o apostador perde, ele está correndo sério risco de perder absolutamente tudo. Pois então, é preciso desenvolver um aplicativo contra os panes dos aplicativos, para garantir a segurança e a felicidade dos usuários.

Como esse aplicativo quase sempre não existe, há necessidade de partir para o plano "B" convencional, isto é, sem uso de aplicativos. Mas, nesse momento surge outro problema, muito maior do que o inicial. O problema é que a maioria das pessoas (usuários de aplicativos), se quer, sabem da existência de um plano "B". As pessoas não estão preparadas para resolver problemas, elas apenas usam aplicativos. Desta maneira, quando os aplicativos ou as soluções eletrônicas falham, tudo que estava caminhando bem, simplesmente acaba e o caos se instala.

Vou dar um exemplo real que presenciei no período da Pandemia. Uma senhora teve que ir ao laboratório porque o médico solicitou uma série de exames sanguíneos. Bom, até aí tudo bem, porque fazer exames é algo corriqueiro que acontece com qualquer pessoa. A Senhora foi levada a um grande e conhecido laboratório e achou estranho que já era relativamente tarde e a recepção do laboratório ainda estivesse lotada e que o trabalho não tivesse começado. Ainda mais, que estávamos em plena Pandemia.

A hora foi passando e num espaço que cabia relativamente bem, cerca de 30, já havia umas 50 pessoas e chegando sempre mais. Quando já tinha muita gente do lado de fora, alguém resolveu perguntar a uma das atendentes o que estava acontecendo e a coitada da funcionária respondeu: "deve ser algo muito simples, o aplicativo que faz toda a organização dos exames e que elabora as planilhas para identificação e orientação dos pacientes e consequentemente apresenta os resultados depois dos exames não está funcionando e estão procurando o responsável ou alguém para resolver o problema". Já era mais de 10 horas e tinha gente ali desde as 7 horas da manhã, sem comer nada, desde a noite anterior, porque essa é uma exigência dos exames de sangue (12 horas de jejum).

Nesse momento, há um empurra-empurra na porta e entra um Senhor, bastante idoso e debilitado, que tinha urgência para alguns exames e a coisa complicou bastante porque o filho do Senhor se alterou, em função daquele absurdo que estava acontecendo. Nessas alturas, muitos já haviam desistido e ido embora, mas ainda havia cerca de 80 pessoas no local, esperando para serem atendidas e as meninas do atendimento não sabiam como proceder, exatamente porque nunca fizeram as fichas manualmente, haja vista que o Aplicativo fazia tudo e depois elas só imprimiam.

Eu também resolvi desistir e não sei como a história terminou, mas o fato é que sem o aplicativo ninguém resolveu o problema que era "muito simples". Era realmente muito simples, bastava apenas seguir um plano "B", onde as atendentes fariam as fichas manualmente e encaminhariam as pessoas para as salas de exames, mas, aparentemente, ninguém sabia como fazer isso. As Técnicas de enfermagem que coletam o sangue ficaram paradas porque não podiam fazer os exames sem ter as fichas e as assinaturas dos pacientes e o trabalho não andou no laboratório.

Ninguém sabia como proceder. Não houve orientação e nem coordenação e o caos se instalou. É triste, mas esta é a verdade do vício e da dependência total dos aplicativos. Se não tem o aplicativo, não é possível resolver o problema. Caramba! Então, como é que as coisas funcionavam antes dos aplicativos? Essas "metodologias antigas" necessitam continuar sendo ensinadas nas escolas, independentemente da existência dos aplicativos, para que não corramos o risco de criar problemas maiores, quando esses aplicativos não funcionarem.

Penso que está na hora das pessoas serem menos dependentes dos aplicativos e mais capazes de, pelo menos, tentar resolver problemas de outra maneira que não sejam os aplicativos. Antes eles não existiam, mas o mundo seguia normalmente e as coisas aconteciam porque todos estavam preparados, mas agora o aplicativo parece ser a única solução e isso é muito perigoso. Está parecendo que as pessoas estão realmente acreditando nos "milagres dos aplicativos" e esquecendo que "milagres não existem" e se até existirem, eles são prerrogativas divinas e não são programáveis como os aplicativos.

Talvez a Inteligência Artificial também venha resolver essa questão, mas, por enquanto, ainda continuaremos perdidos, como cegos em tiroteio, haja vista que todo mundo usa e abusa dos aplicativos, mas quase ninguém entende das mágicas que fazem eles funcionarem. Está na hora de começarmos a compreender que as máquinas e os aplicativos são ferramentas e como tal, às vezes não funcionam direito e nós, os humanos, é quem temos que produzir soluções para os problemas

Os aplicativos são boas ferramentas, mas não são perfeitos e somos nós que temos que desenvolver os mecanismos de respostas, quando surgem os problemas. Para isso, precisamos ter gente capaz na realização das atividades com ou sem máquinas e aplicativos. Não basta apenas ficarmos apertando botões ou teclas e esperando que a mágica aconteça, precisamos ter sempre um plano "B" que seja capaz de ser operado, mas, sobretudo, precisamos ter gente que sabe o que está fazendo e reconhece a importância e a responsabilidade daquilo que faz. Quando o milagre não acontecer, tem que existir alguém que resolva operacionalmente o problema, sem que tenha de ocorrer um novo milagre.

Eu sei que não parece, mas isso também é uma questão de Educação. É preciso ter claro na mente de nossos aprendizes e principalmente na mente de nossos professores, que fazer sem entender é macaquear e muitos de nós (inclusive eu), quando utilizamos um aplicativo qualquer somos meros consumidores, pois não temos a devida dimensão do que seja o produto comprado e, o que é pior ainda, é que somos geralmente ilustres "macacos de imitação", que apenas repetimos aquela "coisa". É preciso cuidar para que não ocorram surpresas inesperadas no uso dos Aplicativos.

A Escola e a Educação são responsáveis diretos por fazer essa curadoria e assim evitar problemas atuais e futuros oriundos com o uso cotidiano de aplicativos que dispensam qualquer ação cognitiva, além de simplesmente decorar uma sequência de cliques numa tecla. As pessoas estão viciadas nos aplicativos, mas eles não resolvem tudo e muitas vezes não resolvem nem as questões básicas que necessitam de entendimento e algum raciocínio. Os Aplicativos são ferramentas úteis, mas são incapazes de fazer os milagres do entendimento e do aprendizado. A escola deve se preocupar mais em formar cabeças pensantes e não papagaios falantes e ou macacos repetidores.

Sempre é bom lembrar que somos humanos e que tudo o que existe de tecnologia, inclusive os aplicativos, são coisas produzidas por humanos. Cabe ressaltar também, que os Aplicativos e a própria Inteligência Artificial dependem exclusivamente da capacidade e da Inteligência Natural humana para se desenvolverem e para tentar criar soluções melhores para os velhos e novos problemas que afligem a humanidade.

Meus amigos, não existe mágica na natureza. O que existe é ensinamento e estudo, aprendizado e compreensão e só depois deve vir o trabalho efetivo e aplicação consciente. Não é possível inverter essa ordem de eventos. Com o uso de Aplicativos não pode ser diferente. Pensem nisso!

*LUIZ EDUARDO CORRÊA LIMA














Biólogo (Zoólogo);
Professor;
Pesquisador;
 Escritor;
Revisor; e 
Ambientalista

Nota do Editor:

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sexta-feira, 30 de maio de 2025

Os tempos difíceis das gerações com filhos que não são filhos


 Autora: Ana Paula Stucchi(*)

" Tempos difíceis criam homens fortes. Homens fortes criam tempos fáceis e tempos fáceis geram homens fracos, mas homens fracos criam tempos difíceis e tempos difíceis geram homens fortes" (Provérbio Oriental). 


Esse provérbio retrata bem o tempo em que estamos. Até a década de 70, as famílias possuíam "valores rígidos"” (depende do ponto de vista) e isso gerou muitos traumas. Então, toda aquela rigidez, foi retirada e a geração seguinte cresce "com toda a liberdade". Resultado? Muitos nem quiseram ter filhos, outros iniciaram a geração de "pais de pet"” (que pelo menos ainda era um ser vivo). Daí com as datas comemorativas, inicia-se o movimento de "pais pet", "pais de planta"...

Mas o que é ruim pode piorar? Claro que sim! Agora os netos e bisnetos dos pais liberais geraram a geração dos "pais reborn". Ou seja, se olharmos os pseudo traumas que se originaram na "geração forte" no sentido de não ensinar limites, responsabilidades, deveres... vemos um tempo onde tudo é dodói, tudo é #mimimi, tudo fere... então ao invés de seguir o ciclo natural, preferem "filhos" que não falam, não reclamam, não os desafiam... mas não geram herança, futuro.

Não é necessariamente a falta do ardume do merthiolate, das chineladas, mas a vida não mudou! Continua cheia de desafios, problemas para se resolver e o fato de não ter filhos, ou filhos pet, planta, reborn, não muda em nada!

Até entendo a frase da Luana Piovani que disse "deixa esse povo criar reborn que vai ser melhor", vejo no sentido de que a próxima geração, que podemos esperar? Melhor que esses nem reproduzam! É sobre isso que ela quis dizer.

Vemos que essa geração se perdeu, não geram, não produzem algo perene, querem viver só o presente sem se importar com o futuro, afinal, não sabem de onde vêm nem pra onde vão... perigando vir outra pior ainda... Querem dinheiro mas não querem trabalhar. E se trabalham, é apenas pelo dinheiro que vai proporcionar prazer imediato. Só saberemos as consequências daqui a algumas décadas. Mas quem olha para 50 anos atrás e para hoje, percebe-se que o caos está instalado. Antes os filhos cuidavam dos pais na velhice, hoje os pais que continuam sendo arrimos de família, por conta da aposentadoria recebida todo mês, enquanto que filhos e netos vivem pulando de emprego em emprego porque não se adaptam a regras, responsabilidades, deveres... e com pais permissivos isso vai se perpetuando.

Vejo pesquisas de mercado que demonstram que hoje sobra vaga de emprego porque os jovens acham muito trabalho pra pouco dinheiro. Acho que acham que a vida começa com um trabalho fácil que ganhe no mínimo 10k/mês... vivem no “mundo da lua”. Daí pensei: por um lado, é bom porque força aumentar salário mínimo. Mas por outro... se não trabalham, vivem de quê? Daí que me lembrei da questão dos pais permissivos e bonzinhos que os sustentam...

Há de se lembrar que a geração #mimimi prega sobre os traumas gerados no ambiente familiar. Mas o que não te contam é que o mesmo ambiente a solução para muitos desafios pode ser encontrada ao analisar e trabalhar os problemas familiares!

E o que salva? Alguns grupos "conservadores", caretas, criam seus filhos com limites, responsabilidades, deveres... esses sempre foram, e sempre serão a mola propulsora da nossa sociedade. Que essa onda de conservadorismo em nosso país ajude a melhorar o nosso futuro.

*ANA PAULA STUCCHI










De acordo com suas palavras ela é:

"Observadora das pessoas e das coisas;
Tentando a cada dia ser uma pessoa melhor;
Economista de formação;
Economista de Empresas - FIPE-USP;
Gestora de Finanças Públicas - FDC; e
Aspirante a escritora, cronista e poeta."

Nota do Editor:

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Nossas percepções

Autor: Sergio Luiz Pereira Leite (*)

A cada dia que passa a sensação de desamparo nos é mais perceptível.

Vivemos tempos bicudos, em que a marginalidade campeia à solta, é protegida por ONGs que se auto denominam defensoras de direitos humanos de pessoas vítimas da sociedade capitalista e da desigualdade que atinge expressiva parte dos brasileiros. Mas também tivemos nossa capacidade de discernir obscurecida por uma falsa classe política, que deveria nos representar, mas que apenas mantem em alta os seus próprios interesses, nem sempre republicanos e nem sempre confessos.

Mas também o Estado se apropriou na Nação, criando um monstro administrativo em todas as esferas e segmentos e, literalmente, sequestrando o interesse público para alavancar os seus próprios. Quando digo isso, alguns poderão ficar assustados, mas não consigo compreender que os políticos e os juízes, em todas as esferas, estabeleçam os seus próprios subsídios, trazendo à sua remuneração uma infindável série de penduricalhos, que extrapolam o chamado teto constitucional. É uma piada e de muito mal gosto.

Temos hoje uma justiça lenta, cara e ineficiente. Os demais poderes em nada diferem do judiciário, quer na forma, quer no conteúdo, prevalecendo sempre os interesses paroquiais, ao invés do público. A saúde, a segurança e a educação, que deveriam conter uma politica de Estado, foram relegadas, senão esquecidas, ao passo que todos os detentores de poder, ao menor incômodo, não procuram o SUS, mas sim as referencias hospitalares do País, onde o contribuinte arca com os seus custos, alimentando a sanha tributária que campeia entre nós, os tributados.

Há muitos anos que mudei da capital paulista para uma cidade menor no  interior do Estado  de São Paulo. E essa mudança se fez, ao meu sentir, por várias razões, podendo destacar, dentre alguns, problemas de trânsito, de segurança, de custo de vida, de tranquilidade.

Daquela data para os dias atuais, a situação transformou-se em verdadeiro descalabro, ainda que o poder público providenciasse melhorias de infraestrutura e outras medidas, sempre, ao meu ver, paliativas. No caso do trânsito, os congestionamentos não diminuem, apenas se alongam ainda mais e a ignorância de alguns motoristas provoca nos demais um desgaste psicológico que parece inevitável, a não ser que se adote uma educação de trânsito mais profunda, urgente e radical, com posturas mais rigorosas e fiscalização mais atuante.

O mesmo acontece quando pensamos em segurança pública, que inexistente nas ruas pelas quais transitamos, sujeitos a todo tipo de violência, temerosos de obedecer à determinação dos semáforos de parar,  para aguardar a ordem de seguir o fluxo de veículos, quando somos abordados por todo tipo de indivíduos, alguns apenas interessados em vender alguma coisa que colocam à mostra, outros com intenção nefasta e criminosa, nos coagindo em um assalto, para nos levar algum bem material, quando não nos causando algum dano físico, não se inibindo, se necessário sentirem, em sequestrar a nossa própria vida.

Isso me faz sentir saudades de tempos pretéritos, em que o cidadão de bem era preservado e protegido pelo Estado. Os agentes policiais, eram o baluarte que, com sua presença, nos proporcionava segurança. É verdade que a população, assim como as cidades brasileiras cresceram demasiadamente, sem que a educação em  todos os níveis, mesmo familiar, alcançasse seus integrantes indiscriminadamente.

Não basta criar uma estrutura penitenciária pujante, quando  temos a percepção de que o Estado não pretende coibir o crime, privando de liberdade aqueles que afrontam as leis penais. A chamada audiência de custódia, ao invés do juiz perceber e avaliar o caráter e antecedentes do infrator, coloca em xeque a atuação policial. Aliás, a bandidagem alcançou requintes nunca imaginados, com celerados sendo eleitos por seus companheiros.

E a impunidade campeia nessa seara obscura de nossa Justiça, com uma legislação frouxa, ora liberando marginais reincidentes, ora anulando os flagrantes realizados, porque apenas se ouviu a palavra do acusado da infração, questionando se ele foi bem tratado, se houve algum tipo de violência contra ele praticada. É como  enxugar a água do gelo.

Não por acaso, os eleitores residentes das  casas reclusivas (sim, a maioria dos reclusos têm direito a voto) se alvoroçam com a eleição de algum "mano",  que na linguagem carcerária se refere aos colegas determinados pelos chefes das facções que dominam os presídios, para cumprir um mandato eletivo.

O sistema educacional  público é uma quimera em que, mesmo com o esforço de professores idealistas, forma uma quantidade absurda de analfabetos funcionais, interessados em músicas e danças duvidosas  e obrigando às famílias, com alguma posse, a matricular seus filhos em instituições de ensino particular, mas que têm um custo acessível a muito poucos.

E poderia me estender aqui em dissertações mais profundas sobre educação, saúde, justiça, segurança e política. Mas é como bradar no deserto, pois o povo, o real detentor do poder e que o exerce através de seus representantes, também se interessa mais pelas vantagens pecuniárias que eventualmente venha a auferir com a outorga de seu voto, do que com a lisura e honestidade daqueles que elegem.   

Afinal, o eleitor não colocou na direção de nossa Nação um notório corrupto e sua claque, com provas sobradas de suas participações delitivas? Nossos congressistas não elegem para os presidir pessoas com extensas fichas cíveis ou criminais, alguns até com a família inteira envolvida. Esperar o que dessas aberrações?

*SERGIO LUIZ PEREIRA LEITE




-Advogado graduado pela Faculdades de Ciências Jurídicas e Administrativas de Itapetininga (03/76) e

-Militante há mais de 45 anos nas áreas cível e criminal na Comarca de Tietê, Estado de São Paulo.

Nota do Editor:

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quinta-feira, 29 de maio de 2025

Traição dá direito a indenização?


 Autora: Sara Brígida Farias Ferreira (*)

A infidelidade, por si só, não garante indenização por danos morais. No entanto, quando a traição ultrapassa o âmbito íntimo do casal e causa exposição pública, constrangimento ou risco à saúde física ou emocional, o cônjuge traído pode, sim, ser indenizado.

Foi o que aconteceu em um caso julgado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Um homem foi condenado a pagar R$ 6 mil à ex-esposa após conversas íntimas com outra mulher serem divulgadas em redes sociais, com marcações que expuseram a vítima ao seu círculo social. A Justiça entendeu que a honra e a dignidade da mulher foram violadas, justificando a indenização.

Esse tipo de decisão segue o entendimento do STJ de que não é a traição em si que gera o dever de indenizar, mas a forma como ela se manifesta. Quando há humilhação pública, palavras de baixo calão, risco de ISTs ou situações que agravem o sofrimento do cônjuge traído, o dano moral pode ser reconhecido.

Além disso, é importante destacar que, com a Emenda Constitucional 66/2010, o divórcio se tornou um direito unilateral, o que esvaziou os efeitos jurídicos da infidelidade no Direito de Família. Ainda assim, o Judiciário continua atento às violações de direitos de personalidade, como intimidade, imagem e integridade psíquica.

Portanto, se você foi traído e essa situação se transformou em uma exposição pública ofensiva ou trouxe abalo emocional significativo, pode haver espaço para reparação judicial. Cada caso, contudo, depende da análise das circunstâncias concretas.
 
*SARA BRÍGIDA FARIAS FERREIRA













-Advogada, bacharela em Direito, com habilitação em Relações Sociais, pela Universidade Federal do Paraná - UFPR (2015);

-Especialista em Direito de Família pela Universidade Cândido Mendes (2016);

- Mestre em:
  -Planejamento e Desenvolvimento Regional e Urbano na Amazônia (PPGPAM) (2021)  e 
   -Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para a Inovação, ambos pela Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará - UNIFESSPA (2024).
 
Atualmente é professora efetiva da Universidade Estadual do Tocantins - campus Paraíso, da área de Direito Constitucional.

Nota do Editor:

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quarta-feira, 28 de maio de 2025

A Cirurgia Robótica e a Negativa de Cobertura pelos Planos de Saúde

Autor: Magnus Rodrigo Cardoso Rossi(*)



Introdução

A medicina contemporânea tem evoluído de forma exponencial, e um dos marcos mais significativos desse avanço é a introdução da cirurgia robótica. Este procedimento caracteriza-se pelo uso de sistemas computadorizados que conferem ao cirurgião maior precisão, estabilidade e controle, com benefícios concretos ao paciente, como redução do risco de complicações, menor tempo de internação e recuperação mais rápida.

Apesar disso, é crescente o número de casos em que operadoras de planos de saúde recusam a cobertura desse tipo de cirurgia, mesmo quando há prescrição médica formal e estrutura hospitalar disponível para sua realização.

Esta recusa, fundamentada, na maioria das vezes, na alegação de ausência de previsão específica para a modalidade robótica no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, suscita importantes discussões jurídicas que merecem ser aprofundadas, sobretudo no que tange à proteção do direito à saúde e à dignidade da pessoa humana.

Dos argumentos das negativas

As operadoras costumam justificar a negativa na inexistência de previsão expressa da cirurgia robótica no Rol da ANS ou na ideia de que se trata de um método ainda considerado experimental ou de custo elevado, não amparado contratualmente.

Contudo, tal posicionamento não se sustenta juridicamente. É imprescindível compreender que, em grande parte dos casos, o ato cirúrgico principal — como uma prostatectomia, histerectomia ou miomectomia — está, sim, previsto no rol, sendo a discussão apenas quanto à técnica empregada.

Ora, cabe exclusivamente ao médico assistente, com respaldo técnico-científico, decidir qual a melhor via de abordagem cirúrgica, não sendo lícito à operadora impor ao paciente a utilização de técnicas menos eficazes ou mais arriscadas, sob a justificativa de que a via robótica não está expressamente prevista.

A técnica não pode se sobrepor à vida

A recusa à cobertura, sob o argumento de que o procedimento é realizado por via robótica, configura abusividade, violando a boa-fé contratual e colocando o consumidor em desvantagem excessiva (art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor).

A negativa afronta, ainda, o direito fundamental à saúde, previsto nos artigos 6º e 196 da Constituição Federal, bem como o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF).

Assim, o que deve ser avaliado não é se o equipamento utilizado possui previsão no rol da ANS, mas sim se o ato cirúrgico está contemplado e se existe indicação médica fundamentada que justifique a adoção da técnica mais moderna e segura para aquele paciente.

O Papel do advogado na demanda

Em casos como esse, a atuação do advogado especializado em Direito à Saúde é imprescindível. É este profissional que fará a adequada análise documental, incluindo a prescrição médica, a negativa formal do plano e demais elementos clínicos, e escolherá a estratégia processual mais eficaz para tutelar o direito do paciente.

O ajuizamento de ação com pedido de tutela provisória de urgência é, via de regra, a medida cabível, com vistas à obtenção de ordem judicial que determine à operadora o imediato custeio da cirurgia, evitando-se danos irreparáveis ou de difícil reparação à saúde do beneficiário.

Da escolha estratégica

A definição da via judicial adequada exige análise técnica apurada. Embora os Juizados Especiais Cíveis ofereçam procedimentos mais rápidos e desburocratizados, nem sempre são a escolha mais apropriada, especialmente quando envolvida uma questão de alta complexidade médica, como ocorre com a cirurgia robótica.

Nesses casos, recomenda-se ponderar:

  • O valor da causa, respeitando os limites legais para tramitação no Juizado;
  •  A necessidade de produção de prova pericial;
  •  A urgência da medida; e
  • A previsibilidade de recursos e eventual resistência da operadora.
O advogado deve buscar o caminho mais técnico e eficiente, ciente de que, embora possa ter um "plano B" em caso de indeferimento em pedido de liminar urgência, sua atuação deve ser precisa e estratégica, pois muitas vezes o que está em jogo é a própria vida do cliente.

Considerações finais

A negativa de cobertura para a cirurgia robótica, quando injustificada e em desacordo com a prescrição médica, não pode ser tolerada. O Poder Judiciário, sensível a essa realidade, tem assegurado aos pacientes o direito à realização do procedimento, com fundamento na proteção à vida, à saúde e à dignidade da pessoa humana.

Advogados, acadêmicos e beneficiários devem estar atentos a essa realidade, compreendendo que a informação qualificada e a atuação jurídica especializada são instrumentos indispensáveis para garantir direitos e proteger vidas.

A medicina avança, mas é preciso que o Direito avance junto, assegurando que nenhum paciente seja privado de um tratamento potencialmente salvador por decisões pautadas apenas em interesses econômicos.

Assim, mais do que uma questão contratual, trata-se de uma questão de humanidade.

*MAGNUS ROSSI CARDOSO ROSSI
























- Advogado inscrito na OAB/RJ há 25 anos;
- Formado em Direito pela Universidade do Grande Rio - RJ (2000);
- Pós-graduado em Direito do Consumidor e Responsabilidade Civil pela Universidade Cândido Mendes - RJ (2021) ;
- Pós-graduado em Direito Médico e da Saúde pela Faculdade Legale - SP (2022) e
 Pós-graduado em Direitos Humanos pela Faculdade Legale SP (2024)

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

terça-feira, 27 de maio de 2025

O envelhecimento das tecnologias e a responsabilidade jurídica por sistemas automatizados em desuso


 Autora: Karolyne Toscano Vasconcelos(*)

O debate jurídico atual tem se concentrado, quase obsessivamente, nas inovações tecnológicas. Inteligência artificial, blockchain e outras expressões do futuro ocupam o centro das discussões acadêmicas, legislativas e institucionais. No entanto, ao fixar o olhar apenas no que está por vir, o Direito negligencia um aspecto cada vez mais crítico: os sistemas antigos, obsoletos, mas ainda em funcionamento — legados digitais cuja estrutura e lógica se tornaram ininteligíveis ou inseguros, mas que seguem operando decisões públicas e privadas.

Esse fenômeno, que aqui se propõe chamar de obsolescência invisível, representa uma nova e silenciosa fonte de risco jurídico. Trata-se da permanência de tecnologias ultrapassadas, frequentemente opacas, que seguem produzindo efeitos no mundo real sem o devido controle, atualização ou responsabilização. A esse quadro soma-se o desafio do chamado black box legacy: sistemas legados cujo funcionamento é uma "caixa-preta", sem documentação, suporte técnico ou compreensão.

O mito da inovação permanente e a cegueira jurídica para o passado digital

A narrativa dominante do Direito Digital se ancora em uma promessa de regulação do novo. Leis, pareceres, orientações técnicas e debates doutrinários concentram-se na antecipação de riscos futuros, como se a ameaça jurídica estivesse sempre por vir. Essa lógica desconsidera o fato de que muitos sistemas tecnológicos em operação hoje não são novos — são legados. E, mais que isso, são desconhecidos, tanto por seus operadores quanto pelos agentes jurídicos que deles dependem.

Hospitais, tribunais, universidades, instituições financeiras e órgãos públicos ainda utilizam sistemas desenvolvidos décadas atrás, muitas vezes sem acesso ao código-fonte, sem atualizações regulares, e sem qualquer política de governança digital. A obsolescência técnica desses sistemas não é apenas um problema de eficiência, é uma questão de segurança, transparência, confiabilidade e, sobretudo, de responsabilidade jurídica.

A obsolescência invisível como fato jurídico relevante

Ao contrário da obsolescência programada — conceito mais conhecido e voltado ao consumo —, a obsolescência invisível não resulta de uma intenção mercadológica de substituição, mas da inércia diante da degradação tecnológica. Sistemas continuam operando não porque funcionam bem, mas porque não foram substituídos a tempo. Os riscos disso são múltiplos: decisões baseadas em dados imprecisos, falhas de interoperabilidade, perda de rastreabilidade, vulnerabilidades de segurança, entre outros.

O Direito ainda não reconhece esse fenômeno como um fato jurídico autônomo, digno de análise e responsabilização. Mas deveria. Se uma decisão é tomada com base em uma tecnologia obsoleta, cuja lógica de funcionamento não pode ser auditada, compreendida ou questionada, há violação do princípio da motivação, da transparência e, em alguns casos, até mesmo do devido processo legal.

A Lei Geral de Proteção de Dados garante direitos como o acesso, a correção e a eliminação de dados. No entanto, como assegurar o cumprimento desses direitos diante de sistemas legados, muitas vezes sem interoperabilidade com novas ferramentas? Se um cidadão solicita a exclusão de seus dados, mas eles estão espalhados por bases antigas, sistemas redundantes e rotinas automatizadas desatualizadas, como se dá a efetividade da exclusão?

Propõe-se aqui o reconhecimento de uma responsabilidade residual por inércia tecnológica: a obrigação de mapear, arquivar ou descontinuar sistemas legados que ainda impactem dados pessoais, sob pena de violação à autodeterminação informativa.

Proposta de enquadramento jurídico

Sugere-se que o ordenamento brasileiro reconheça, por analogia ao art. 14 do CDC e ao art. 927 do Código Civil, uma obrigação de resultado quanto à atualização e fiscalização de sistemas automatizados, sobretudo quando tais sistemas:

I. envolvem dados sensíveis;
II. geram efeitos jurídicos sobre os titulares;e
III.tenham sido terceirizados sem cláusulas específicas de atualização tecnológica.
A inclusão de cláusulas obrigacionais em contratos de prestação de serviços digitais, prevendo prazos máximos de uso de sistemas e mecanismos de atualização contínua, poderia mitigar riscos regulatórios e reputacionais.

A sociedade da informação não está apenas criando direitos — está sendo, ao mesmo tempo, silenciosamente corroída por tecnologias esquecidas que seguem operando no cotidiano institucional. O Direito não pode mais limitar sua atuação à regulação do que está por vir. É preciso observar os restos digitais do passado que ainda moldam o presente.

O reconhecimento jurídico da obsolescência invisível pode representar uma medida disruptiva, mas é, sobretudo, uma resposta necessária a um novo cenário de riscos: aquele que emerge não da inovação, mas do abandono tecnológico sem controle, sem documentação e sem responsabilidade. Responsabilizar quem se omite diante da degradação silenciosa de sistemas é uma forma de proteger a integridade das decisões e dos direitos na era digital.

KAROLYNE TOSCANO VASCONCELOS


















-Advogada inscrita na OAB/PB sob o nº 30.201;

-Bacharela em Direito pela Unifacisa Centro Universitário (2020);

-Pós-graduada em Direito das Mulheres pela  I9 Educação 
( 03/2025);

-Pós-graduanda em Direito Digital, LGPD e Proteção de Dados  pela I9 Educação;

Nota do Editor:

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A extensão do financiamento imobiliário pela Lei do Marco Legal das Garantias


 Autora: Larissa Gonçalves Rodrigues(*)

Dentre as modalidades de alienação fiduciária, destaca-se como a mais amplamente difundida e adotada no setor imobiliário aquela vinculada ao financiamento para aquisição de bens imóveis. Nesta forma contratual, o devedor fiduciante permanece na posse direta do imóvel objeto do financiamento, enquanto a propriedade resolúvel do bem permanece atribuída ao credor fiduciário — geralmente uma instituição financeira — até a integral quitação do montante financiado.

O conceito de alienação fiduciária de bens imóveis foi recentemente alterado pela Lei n°14.711/23, conhecida como Marco Legal das Garantias, que assim dispôs, ao dar nova redação ao artigo 22 da Lei n°9.514/97:
Art. 22. A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o fiduciante, com o escopo de garantia de obrigação própria ou de terceiro, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.
Além de redefinir os contornos conceituais, o novo diploma legal introduziu inovações ao prever a possibilidade de extensão da alienação fiduciária por meio do recarregamento ou ampliação da garantia real, representada pelo próprio imóvel objeto do contrato.

Cuida-se de inovação relevante no âmbito do Direito Imobiliário, a qual tende a fortalecer ainda mais a utilização da alienação fiduciária de bens imóveis como modalidade de garantia em operações financeiras, fomentando a atividade econômica por meio da ampliação do crédito e da otimização do aproveitamento patrimonial.

Significa dizer que, na hipótese em exame, caso o devedor já tenha adimplido parcela substancial do financiamento imobiliário, ele poderá promover o recarregamento do contrato mediante nova captação de recursos junto à instituição financeira, aproveitando-se, para tanto, dos registros e da garantia real previamente constituída, consubstanciada no próprio imóvel financiado.

Na prática, tal previsão implica que, caso o devedor tenha contratado financiamento no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) e já tenha amortizado R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), exemplificativamente, poderá obter nova operação de crédito no montante correspondente ao capital já quitado, sem a necessidade de constituir garantias adicionais àquelas originalmente pactuadas no contrato.

Trata-se de solução jurídica eficaz para as situações em que o devedor necessita de nova linha de crédito, mas não dispõe de outras garantias em nome próprio, excetuada a expectativa de aquisição da propriedade do imóvel objeto do financiamento.

Todavia, cumpre salientar que a legislação estabelece que a extensão da alienação fiduciária de bem imóvel deve manter a unicidade do credor, ou seja, o recarregamento do contrato de financiamento imobiliário deverá ocorrer perante a mesma instituição financeira.

Outro ponto relevante a ser destacado é que a extensão da alienação fiduciária não poderá ultrapassar o prazo final de pagamento nem o valor garantido previsto no título da garantia original.

A exemplo: se o devedor fiduciante contratou financiamento no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para ser quitado em 360 (trezentos e sessenta) meses e já pagou R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), restando um saldo devedor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), ele poderá recarregar o seu contrato de financiamento com o montante já pago, ou seja, R$ 80.000,00 (oitenta mil reais). Contudo, o prazo para o pagamento do valor obtido com a extensão do contrato será o mesmo do contrato original, não se podendo cogitar de novo prazo para a quitação dos valores, pois isso configuraria novação contratual, uma figura jurídica distinta.

Ao efetivar a extensão da alienação fiduciária ao seu contrato de financiamento, o devedor, ao obter novos recursos, concorda em adicionar ao contrato original o valor correspondente à nova parcela referente ao recarregamento. Assim, o devedor se obriga ao pagamento de ambas as parcelas (original e estendida), porém, dentro daquele prazo estipulado no contrato original, o que, em análise, pode não ser vantajoso para o devedor fiduciante.

Por outro lado, trata-se de uma excelente alternativa de linha de crédito nos casos em que o devedor fiduciante não dispõe de bens em seu nome, possuindo apenas a expectativa de aquisição da propriedade do imóvel, do qual já detém a posse, por meio de financiamento bancário.

Conclui-se, portanto, que o novo instituto da extensão da alienação fiduciária, aplicável ao financiamento habitacional, deve ser analisado com cautela antes de sua efetivação pelo adquirente/fiduciante. Este, primeiramente, deverá consultar um profissional qualificado para realizar a avaliação dos riscos envolvidos no recarregamento do contrato, considerando a projeção do valor da nova parcela, que será somada ao montante da parcela original, observando-se ainda o prazo de pagamento do contrato original.

As novas disposições legais revelam-se potencialmente benéficas para devedores que possuem contrato de financiamento habitacional e buscam acesso a novas linhas de crédito, sem, contudo, comprometer outros bens de seu patrimônio.

O advogado especializado em Direito Imobiliário é o profissional habilitado para orientar o devedor fiduciante quanto aos seus direitos e deveres relacionados à alienação fiduciária de bem imóvel.

*LARISSA GONÇALVES RODRIGUES
























 -Advogada inscrita na OAB/RS n° 107.592;

- Graduada pela Universidade de Caxias do Sul, em 2017;

-Especialista em Direito Imobiliário e Condominial pela Universidade Cruzeiro do Sul, em 2021;

Pós-graduanda em Advocacia Trabalhista e Previdenciária pela Fundação Escola Superior do Ministério Público;

-Presidente da Comissão de Direito Imobiliário - OAB/RS Subseção Caxias do Sul.

Nota do Editor:

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