sábado, 11 de março de 2017

O Poder do Professor


A educação é alvo constante de pesquisas que objetivam mensurar a qualidade do ensino nas escolas públicas e privadas. Tais pesquisas analisam detalhadamente vários aspectos do cenário educacional e um dos quesitos avaliados é a influência do professor sobre o aluno. Dentro da sala de aula, o educador protagoniza o ambiente de ensino-aprendizagem no qual o estudante será inserido e envolvido nessa relação de intensas emoções que serão decisivas, mas não definitivas, para o sucesso ou fracasso escolar do indivíduo. 

Longe de ser o único, a influência exercida pelo educador sobre o aluno pode ser um problema, mas também pode ser uma solução. Rubens Alves já dizia que há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas. Parafraseando-o, quero destacar que há professores que educam seus aprendizes como se esses fossem uma extensão de suas próprias convicções tornando-os dependentes e fiéis à “gaiola do dono”. Já outros, pautam sua conduta em encorajar seus “pássaros” a alçarem voos cada vez mais autônomos e confiantes, pois sabem que estarão respaldados por seus mentores.

Infelizmente, não foram poucas as vezes em que me deparei com educadores que não apenas engaiolaram seus alunos, mas cortaram suas asas impedindo-os de sonhar e impondo uma dose exagerada de realidade fazendo com que eles deixassem de acreditar em si mesmos. 

Assim como Vinicius de Moraes desculpou-se de antemão ao proferir a seguinte opinião: “as muito feias que me perdoem, mas beleza é fundamental”, eu o farei com meus colegas de profissão. Que os professores medianos que cumprem seu papel como se fosse um fardo pesadíssimo e interminável me desculpem, mas ser um professor brilhante e encantador é fundamental. E ser encantador é proporcionar ao aluno um estado de quem se deslumbra com algo que vê, ouve ou sente. O educador tem que ser apaixonado pela arte de ensinar e mestre na arte de seduzir para esse espetacular mundo do aprendizado.

Diante dessa situação, torna-se imprescindível que o professor esteja ciente desse seu poder e que utilize-o de maneira sábia e ética, haja vista que uma de suas missões é desenvolver a consciência crítica do estudante, futuro cidadão do mundo. 

É fato que o professor tem suas convicções e precisa apresentar coerência entre aquilo que ensina e aquilo que pensa, mas terá que fazê-lo de maneira isenta e imparcial explicitando maturidade e equilíbrio para não influenciar seu aprendiz como se fosse detentor de verdades absolutas. O ideal é que ele apresente o seu ponto de vista e proporcione aos alunos o acesso a todos os lados de um assunto priorizando espaço para o contraditório e reservando-se o papel de mediador dessa construção da consciência cidadã. O educador deve ajudar seus pupilos a tornarem-se cidadãos propondo ações de caráter reflexivo e não proselitista.

O professor brilhante e encantador educa seus alunos para o mundo. Orienta-os em relação aos diversos caminhos, mas respeita a escolha particular de cada um. Coloca-se na posição de coadjuvante para que seus alunos protagonizem suas próprias histórias de vida. E por tudo isso, esse professor torna-se inesquecível. 

POR CHRISTIANE PEREIRA




















-Formada em Artes Plásticas, Pedagogia e Magistério com especialização em Educação Infantil;
-Arte Educadora e Professora de Educação Infantil e Ensino Fundamental; e
-Atuou como Orientadora Pedagógica e Educacional.
Twitter: @Chris_PPereira


Nota do Editor:
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sexta-feira, 10 de março de 2017

Mudanças


Há pouco tempo atrás escrevi um texto sobre mudanças no quadro político brasileiro, isso foi dias após às últimas eleições. Fiz uma análise geral das eleições, a pedido, e de lá para cá, tenho me furtado, de escrever ou comentar sobre política. Não porque não goste, mas, pela simples razão de que tem sido muito difícil e deveras frustrante abordar o tema.

O presidente Michel Temer, eu percebo tem se esforçado para tirar o Brasil da crise em que está desde quando assumiu o governo, pelo menos na área econômica vemos isso. Mas, na área política admitimos tem seus problemas principalmente com a nomeação de alguns de seus Ministros, supostamente envolvidos em escândalos, de recebimento de propinas, tráfico de influência, justo ele quando da posse prometeu formar um staff de notáveis. 

Mas, o que realmente importa de tudo isso é que se apure os fatos, se puna corruptos e corruptores, que os processos levados a cabo pela justiça tenham prosseguimento e que, o povo, cada vez mais tome conhecimento, saiba quem são os sujeitos de todo esse processo de corrupção que, infelizmente vai se avolumando e não podemos de forma alguma deixar que isto contamine ou nos contamine de forma a nos deixar sem reação. E de que forma podemos reagir?

Penso eu, usando de todos os meios possíveis que a democracia nos proporciona a livre expressão que ainda temos: a palavra escrita, dita, a palavra, utilizada via redes sociais, em manifestações pacíficas, organizadas, dizendo que queremos um país livre de corruptores e corruptos. Os ladrões do dinheiro público depois de processados e julgados, na cadeia, isso esperamos, isso queremos. E de preferência que devolvam à educação, saúde, enfim, aos cofres públicos, tudo que roubaram. Deus abençoe a todos. Deus abençoe a nossa pátria.

POR SARITA DE LOURDES FERREIRA GOULART














- Formada em Direito pela UNISINOS-São Leopoldo-RS - Turma de Janeiro/1988;
- Pós graduada no Curso de Especialização em Direito Político pela UNISINOS em 1990;
- Natural de Canoas - RS.
- Advoga no Escritório de sua casa em Canoas-RS
- Email: saritagoulart@gmail.com
- Celular: 51 9 9490-0440

Nota do Editor:

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quinta-feira, 9 de março de 2017

A dispensa por justa causa por uso excessivo de celular no ambiente de trabalho



Artigo originariamente publicado no Jus.com. br em 23.02.2017

BACK, Caroline Back Ristow. A dispensa por justa causa por uso excessivo de celular no ambiente de trabalhoRevista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22n. 498523 fev. 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/55937>. Acesso em: 26 fev. 2017




A modernidade nos trouxe o telefone móvel e a facilidade de comunicação. No entanto, a facilidade de ter nas mãos o acesso à agenda telefônica de amigos e a uma infinita quantidade de aplicativos vem provocando conflitos nas relações entre empregados e empregadores.

Por conta disso não se pode perder de vista a destinação do uso do celular. É para o trabalho? A empresa permite o uso do celular durante o horário de expediente? O seu uso pode atrapalhar a produtividade?

No Brasil, atualmente, não existem leis que regulem o uso de celular no ambiente de trabalho. Contudo, cabe ao empregador a direção dos serviços, conforme autoriza o art. 2° da CLT. Com base na lacuna legislativa, muitas empresas, resguardando seus direitos, vem criando regras expressas proibindo ou restringindo o uso do celular durante o horário de trabalho, em especial nas funções e atividades incompatíveis com a mobilidade do telefone celular.

Por sua vez, a desatenção do empregado à orientação do empregador pode ter como consequência a aplicação de penalidades disciplinares, podendo ocasionar, inclusive, uma demissão por justa causa. Como já elencado, o poder de direção é do empregador. E estes podem ser divididos em poder de organização, poder de controle e poder disciplinar. O poder de organização garante ao empregador o direito de organizar o seu empreendimento da maneira que lhe convém, dando-lhe o direito de regulamentar o trabalho dos empregados por meio do regulamento de empresa. Não é necessário ser escrito, todavia, deve ser público e de amplo conhecimento de todos os empregados, motivo pelo qual a forma escrita é a mais indicada.

O requisito básico para a validade do regulamento de empresa é a sua publicidade. Para tanto, o empregador deverá afixá-lo em local visível no estabelecimento, de modo que os empregados dele tomem conhecimento (MARTINS, 2016, p. 108).

Já o poder de controle garante ao empregador o direito de fiscalizar e controlar as atividades de seus empregados. E por fim, o poder disciplinar, consistente em garantir ao empregador o poder de determinar ordens na empresa, que, se não cumpridas, podem gerar penalidade aos seus empregados. Neste contexto, entre as penalidades, estão a advertência e a suspensão do empregado. Ambas punições podem levar o empregado a uma despedida por justa causa.

A justa causa, por sua vez, é uma circunstância peculiar no pacto laboral. Ela consiste na prática de ato doloso ou culposamente grave por uma das partes e pode ser o motivo determinante da resolução do contrato (Barros, 2016, p. 579).

Sérgio Pinto Martins (2016, p. 160) defende que a justa causa é o ato incorreto do empregado, tipificado na lei, que dá ensejo à ruptura do vínculo empregatício. Ainda, o mesmo autor revela que os elementos da justa causa podem ser descritos como objetivos e subjetivos. O elemento subjetivo caracteriza-se pela culpa ou dolo do empregado em realizar o ato ensejador da justa causa. Já o elemento objetivo tem uma série de requisitos. Entre eles, tipificação em lei, gravidade do ato praticado, nexo de causalidade, proporcionalidade entre o ato faltoso e a punição.

O art. 482 da CLT elenca as hipóteses que constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador, cujo rol é taxativo e não meramente exemplificativo. Outrossim, além dessas faltas consideradas genéricas, existem outras hipóteses de despedida por justa causa, consideradas específicas, como a aplicável aos domésticos (art. 27 da Lei Complementar n° 150/2015), ferroviários (art. 240 da CLT), motorista empregado (art. 235-B da CLT) e também pela não observância pelo empregado das normas de segurança e medicina do trabalho pelo não uso de equipamentos de proteção individual fornecidos pela empresa (parágrafo único do art. 158 da CLT).

A natureza jurídica da justa causa ainda é um tema não sedimentado. Alguns autores admitem o poder disciplinar do empregador e consideram a despedida por justa causa uma pena disciplinar, e a mais severa. Os que negam a existência desse poder não a consideram pena, mas sim uma forma autorizada de rescisão contratual (Barros, 2016, p. 593).

A falta caracterizadora da despedida por justa causa pelo uso excessivo do celular no ambiente de trabalho, enquadra-se nas alíneas “e” ou “h”, do art. 482 da CLT, descrita como desídia no desempenho das respectivas funções ou o ato de indisciplina ou de insubordinação.

A desídia (art. 482, “e”, da CLT) é caracterizada quando o empregado labora com negligência, preguiça, má vontade, displicência, desleixo, indolência, omissão, desatenção, indiferença, desinteresse, relaxamento (MARTINS, 2016, p. 163). Já Alice Monteiro de Barros (2016, p. 587) preceitua que a desídia se manifesta pela deficiência qualitativa do trabalho e pela redução de rendimento.

Para configurar a desídia, em regra, é necessário que o empregado seja reincidente na conduta negligente, ou seja, exige-se um comportamento habitual improdutivo e relapso (CORREIA, 2016, p. 530).


Os atos de indisciplina ou de insubordinação (art. 482, “h”, da CLT) implicam violação ao dever de obediência. Na ocorrência de ato de indisciplina, o empregado descumpre ordens gerais de serviço, entre elas o descumprimento das normas contidas no regulamento da empresa. E no ato de insubordinação, o empregado descumpre ordens pessoais de serviço, entre elas, ordens do chefe ou encarregado.

Em ambos os casos, a ordem deverá ser lícita e emanada do empregador ou de seus prepostos, pois o empregado não está obrigado a acatar ordens ilícitas, ao contrário, deverá denunciá-las ao empregador ou à autoridade competente, dadas as consequências que poderão resultar de sua omissão ou de uma acusação injusta (Barros, 2016, p. 590).

Com efeito, ocorrendo a dispensa por justa causa, o empregado terá direito apenas ao saldo de salários e férias vencidas, se houver. O empregado perde o direito das férias proporcionais, décimo terceiro salário, aviso prévio, levantamento do FGTS e a indenização de 40%, seguro-desemprego.


Em recente decisão, o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, manteve a justa causa aplicada a um serralheiro, que, mesmo advertido várias vezes, não cumpriu a regra de segurança da empresa que vedava o uso do telefone celular durante o horário de expediente. Entre as tarefas desempenhadas pelo empregado, estavam a manipulação de máquinas de corte, de polimento e soldas, além de produtos químicos com algum grau de toxicidade. Por conta do risco, e como forma de não haver distrações, era norma da empresa que não se utilizasse o celular durante o expediente.

Quando se trata do uso do celular no trabalho, é preciso cuidado e bom senso. Independente se há ou não regra específica na empresa proibindo ou restringindo o uso do celular no ambiente de trabalho, o empregado deve primar pelo seu bom desempenho profissional pela boa produtividade, evitando o uso exagerado do celular. Por sua vez, o empregador deverá ponderar até que ponto a utilização do celular por parte do empregado será excessiva a ponto de influenciar em seu desempenho profissional, de modo a não interpretar o uso do celular como uma falta grave.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 10. ed. Atualizada por Jessé Cláudio Franco de Alencar. São Paulo: LTr. 2016;

CORREIA, Henrique. Direito do Trabalho. 7. Ed. Bahia: Juspodivm, 2016; e

MARTINS, Sérgio Pinto. Manual de Direito do Trabalho. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

POR CAROLINE BACK RISTOW



















-Advogada militante em Santa Catarina, com atuação na área trabalhista e previdenciária; -Pós-Graduada em Direito do Trabalho pela AMATRA da 12ª Região. Pós-Graduada em Direito de Família e Sucessões pela Anhanguera Educacional/LFG;
-Pós-Graduanda em Direito Previdenciário pela UNISUL. Ex-Professora da Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL e
- Membro da Comissão de Direito do Trabalho da OAB/SC (Triênio 2016/2018).

Nota do Editor:

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quarta-feira, 8 de março de 2017

A falta de pagamento enseja a interrupção da prestação do serviço público?





Introdução

Esse princípio possui algumas particulares, como direitos, garantias e consequências para os administradores e administrados, vejamos:

* Restringe a aplicação da execução do contrato não cumprido;

* Condiciona o direito de greve no setor público;e

* Legítima a intervenção da administração para utilizar equipamentos e instalações das empresas com o intuito de não ocorrer qualquer paralisação na prestação do serviço público.

O inadimplemento do usuário e interrupção do serviço

O assunto envolve dois diplomas legais:

* A Lei de n° 8.078/90, em seu artigo 22, prevê que os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos e

* Já a Lei de n° 8.987/95, em seu artigo 6°, parágrafo 3°, inciso II determina que não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.

Vou citar 2 posicionamentos doutrinários sobre a questão, vejamos cada uma delas e seus fundamentos:

1) Os que admitem a interrupção, fundamentam da seguinte forma:

* Existência de dispositivo legal legitimando essa prática;

* Aplicação do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado;

* Violação do princípio da isonomia; e

* Gratuidade não se presume (decorre de lei ou de contrato).

Em favor dessa corrente, Zelmo Denari argumenta que:
"Pacifica-se, na doutrina, o entendimento de que a gratuidade não se presume e que as concessionárias de serviço público não podem ser compelidas a prestar serviço ininterrupto se o usuário deixa de satisfazer suas obrigações relativas ao pagamento.(...) Do contrário, seria admitir, de um lado, o enriquecimento sem causa do usuário e, de outro, o desvio de recursos públicos por mera inatividade da concessionária, sem prejuízo da ofenda ao princípio da isonomia entre os destinatários do serviço público. [1] GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 2005, p. 215-216";
2) Já os que não admitem a interrupção, entendem que:

* Viola o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana;

* Afronta ao princípio da continuidade do serviço público; 

* Extrapola os limites legais de cobrança, nos termos do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor; e 

* Viola o preceito de que a responsabilidade por dívidas deverá incidir sobre o patrimônio do devedor, e não sobre a sua pessoa ou sobre sua família.

Dos que defendem essa corrente está Luiz Antônio Rizzatto Nunes que entende:
"A Carta Constituição proíbe que terminantemente isso ocorra: a) o meio ambiente no qual vive o cidadão - sua residência, seu local de trabalho, sua cidade etc – deve ser equilibrado e sadio. (...) c) se para a manutenção desse meio ambiente e da Saúde e Vida Sadia do indivíduo têm de ser fornecido serviços públicos essenciais, eles só podem ser ininterruptos. [2] NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor, p. 109 e 113"
Conclusão

No presente artigo foi demostrado duas correntes sobre o princípio da continuidade do serviço público e sua aplicação, existem diversos posicionamentos sobre o tema, porém os dois principais foram apresentados.

O atual posicionamento no Poder Judiciário é pela admissão da interrupção do serviço público em face da inadimplência do cidadão, vejamos o entendimento consolidado pela Primeira Seção do STJ no julgamento do Recurso Especial 363.943:
ADMINISTRATIVO - ENERGIA ELÉTRICA - CORTE – FALTA DE PAGAMENTO - É lícito à concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica, se, após aviso prévio, o consumidor de energia elétrica permanecer inadimplente no pagamento da respectiva conta (L. 8.987/95, Art. 6º, § 3º, II).
Apesar o STJ entender que é possível interromper o fornecimento de serviço público essencial, entendo que deve existir um meio termo, até porque no Resp 873.174/RS entendeu em um dos pontos do respectivo Acórdão que: 
"Destarte, mister analisar que as empresas concessionárias ressalvam evidentemente um percentual de inadimplemento na sua avaliação de perdas, e os fator notórios não dependem de prova (notória nom egent probationem), por isso que a empresa recebe mais do que experimenta inadimplementos.’"
Diante disso, a alegação de que o inadimplemento do usuário prejudica a boa prestação do serviço público perante o restante dos usuários não deve ser banalizada. Entendo que a concessionária deve demonstrar o desequilíbrio econômico-financeiro perante o Poder Concedente, para que se possa ser realizado a interrupção do serviço público aos usuários.

POR IAN GANCIAR VARELLA











-Advogado Sócio do Escritório Almeida, Gonçalves, Silvestrini, Varella & Campos Advogados (https://www.facebook.com/adv.agsvc/) 
E-mail contato@agsvc.adv.br

Nota do Editor:


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terça-feira, 7 de março de 2017

Licitações nas Estatais: Lei nova, problema antigo



Por muito tempo permaneceram entendimentos convergentes doutrinários e jurisprudenciais acerca da aplicabilidade ou não da Lei de Licitações as contratações públicas pelas estatais, como por exemplo, a Sociedade de Economia Mista: Petrobrás.

O tema acerca da constitucionalidade ou não do Decreto 2745/98, que possibilitou que a Petrobrás tivesse uma “lei interna” para regular os seus contratos de licitação e não os submetessem à Lei 8.666/1993 sempre gerou muita controvérsia, haja vista o artigo 173, III da Constituição Federal de 1988 prevê que a exploração direta da atividade econômica pelo Estado deva decorrer de licitação conforme princípios da Administração Pública. 

Assim, a Petrobrás, como Sociedade de Economia Mista que é, está enquadrada como ente da Administração Pública Indireta, e, portanto, o Tribunal de Contas, órgão responsável por fiscalizar os contratos e obras realizadas pelo Estado, não aprovava suas contas, pois a Petrobrás se embasava no Decreto 2745/98 para justificar suas dispesas. Já o Tribunal de Contas as controlava com fundamento na Lei 8666/93, por entender que o artigo 67, da Lei 9478 /97 não era a lei a qual se aduz o Art. 173, III da CRFB, tendo em vista àquela remeter a matéria para decreto, tornando-o autônomo.

Desse imbróglio não se faz mais necessário indagar sobre a constitucionalidade do referido Decreto como de outrora se fez, em razão da insegurança jurídica gerada. Com a Lei 13.303 /2016 criou-se a tão esperada Lei das Estatais reservada não só para a Petrobrás, mas como todas as Sociedades de Economia Mista, Empresas Públicas e suas subsidiárias que queiram contratar .

Assim, restou superado o argumento sobre a constitucionalidade ou não do referido Decreto pela própria perda do objeto, eis que o Decreto 2745/98 foi revogado pela referida Lei 13.303/2016. No entanto, naturalmente, novas questões vêm surgindo quando da análise desta normativa. Contudo, uma vem chamando a atenção, pois vem sendo questionada a sua constitucionalidade no sentido em que o artigo 173, III da CRFB/88 dispõe sobre a exploração direta da atividade econômica, não incluindo, portanto, serviços, estes abarcados na nova referida lei.

Por conseguinte, há que se aguardar a análise da ADI 5624 pelo Supremo Tribunal Federal no que atine a constitucionalidade ou não do dispositivo para que se possa almejar maior segurança jurídica nas relações com a Administração Pública e suas contratações.


POR TAÍSA PEREIRA CARNEIRO














- Advogada atuante nas áreas dos Direitos Administrativo e Constitucional


Nota do Editor:
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segunda-feira, 6 de março de 2017

O crime contra a ordem econômica e a mera infração administrativa



Ainda que hajam vários tipos penais que tutelam a ordem econômica, para o presente artigo atenho-me ao, vulgarmente chamado, crime de adulteração de combustíveis, por representar um exemplo perfeito da problemática que envolve a diferenciação entre infração penal e infração administrativa.

A descrição legal do comportamento proibido previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei 8176/91, apresenta-se com o elemento objetivo (“adquirir, distribuir e revender derivados do petróleo”) e elemento normativo (“em desacordo com as normas”). Vejamos a redação completa:

Art. 1º - Constitui crime contra a ordem econômica:

I - adquirir, distribuir e revender derivados de petróleo, gás natural e suas frações recuperáveis, álcool etílico hidratado carburante e demais combustíveis líquidos carburantes, em desacordo com as normas estabelecidas na forma da lei;

Por uma leitura desavisada poder-se-ia imaginar que toda “aquisição”, “revenda” e “aquisição” em desacordo com as “normas estabelecidas na forma da lei” constitui infração penal.

Ocorre que, desde os tempos acadêmicos ensina-se o princípio “nullum crimen sine injuria”, que exterioriza a necessidade de constatar-se a existência de lesão ou ameaça de lesão a um bem jurídico penalmente tutelado.

Portanto, nem toda violação de norma administrativa pode acarretar uma infração penal, devendo a norma extrapenal violada trazer alguma lesão penalmente relevante para configurar-se o tipo invocado pela Lei 8176/91, art. 1º, inciso I. 

Segundo JUAREZ TAVARES: “São inconstitucionais as disposições que proíbam por proibir, que sancionem penalmente as infrações as normas meramente regulamentares, ou que façam da norma penal apenas o reforço para a obediência, sem qualquer referência ao bem jurídico”.

A propósito, a Lei 8176/91 “define crimes contra a ordem econômica e cria o Sistema de Estoques de Combustíveis”.
__________________
¹Critérios de seleção de crimes e cominação de penas. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, n.0, p. 76, 1992


No âmbito administrativo, a Lei Federal 9.847/99 “dispõe sobre a fiscalização das atividades relativas ao abastecimento nacional de combustíveis, de que trata a Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, estabelece sanções administrativas e dá outras providências.

Com efeito, apenas condutas que revestem-se de lesão suficiente para lesionar a ordem econômica é que são capazes de se constituir infrações penais.

Assim também nos ensina Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, em sua teoria da tipicidade conglobante:

"Havíamos estabelecido ser o tipo legal a manifestação de uma norma que é gerada para tutelar a relação de um sujeito com um ente, chamado ‘bem jurídico’. A norma proibitiva que dá lugar ao tipo (e que permanece anteposta a ele ‘não matarás’, ‘não furtarás’ etc.) não está isolada, mas permanece junto com outras normas também proibitivas, formando uma ordem normativa, onde não se concebe que uma norma proíba o que outra ordena ou aquela que outra fomenta. Se isso fosse admitido, não se poderia falar de ‘ordem normativa’, e sim de um amontoado caprichoso de normas arbitrariamente reunidas".

"Pois bem: pode parecer que o fenômeno da fórmula legal aparente abarcar hipóteses que não são alcançadas pela norma proibitiva, considerada isoladamente, mas que, de modo algum, podem incluir-se na sua proibição, quando considerada conglobadamente, isto é, fazendo parte de um universo ordenado de normas. Daí que a tipicidade penal não se reduz à tipicidade legal (isto é, á adequação à norma legal), e sim que deva evidenciar uma verdadeira proibição com relevância penal, para o que é necessário, que esteja proibida à luz da consideração conglobada da norma. Isto significa que a tipicidade penal implica a tipicidade legal corrigida pela tipicidade conglobante, que pode reduzir o âmbito da proibição aparente, que surge da consideração isolada da tipicidade legal".

"A insignificância da afetação [do bem jurídico] exclui a tipicidade, mas só pode ser estabelecida através da consideração conglobada da norma: toda ordem normativa persegue uma finalidade, tem um sentido, que é a garantia jurídica para possibilitar uma coexistência que evite a guerra civil (a guerra de todos contra todos). A insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa, e, portanto, à norma em particular, e que nos indica que essas hipóteses estão excluídas de seu âmbito de proibição, o que não pode ser estabelecido à luz de sua consideração isolada".
__________________
²Manual de Direito Penal Brasileiro, pp. 549-550 e 562. 


De acordo com a decorrência lógica do princípio da fragmentariedade, o Direito Penal só deve atuar quando a ação dos outros ramos do ordenamento jurídico se mostrar ineficaz e insuficiente para a repressão do comportamento considerado indesejável. Sendo essa atuação suficiente a eventual resposta penal a essa conduta se torna desnecessária e desproporcional.

Nesse sentido e considerando o caráter fragmentário do Direito como um todo, vê-se ocasiões em que mesmo os outros ramos do ordenamento jurídico, que não contém toda a carga sancionatória do Direito Penal, se furtam a atuar, frente ao exíguo dano aos bens jurídicos tutelados. Nestes casos, a atuação estatal, além dos já citados problemas, incorreria em grave ofensa ao princípio da eficiência (Constituição Federal, art. 37, caput) já que o dispêndio de recursos materiais e humanos seria claramente desproporcional ao ganho que se poderia obter. Junte-se a isso o exíguo número de procuradores federais e estaduais, juízes e promotores existentes que devem dar cabo a inumeráveis processos (só no Supremo Tribunal Federal são milhares por ano para cada Ministro) e se verá que o caso não é só de coerência jurídica, mas também de compreender, realisticamente, as necessidades e as limitações da práxis estatal.

Assim, encontramos em nosso ordenamento jurídico normas segundo as quais o Estado se abdica de reprimir certas condutas que em face de seu valor se tornam irrelevantes. 

Com efeito, interpretar o artigo 1º, inciso I da Lei 8176/91 que define crimes contra a ordem econômica no sentido de que toda violação de norma regulamentar acarretaria uma infração penal é ato arbitrário e inconstitucional, pois, conforme JUAREZ TAVAREZ não se observam os princípios de limitação material, concernentes à dignidade da pessoa humana, ao bem jurídico, à necessidade da pena, à intervenção mínima, à proporcionalidade, e às estruturas lógico-objetivas, bem como, os princípios de limitação formal, que se referem à legalidade e à formação dos tipos de acordo com os fatos de reprovação e á punibilidade.

Para considerar-se o fato criminoso, deve haver nocividade na ação, ou seja, o fato deve conter em si lesão ou ameaça de lesão à ordem econômica, que é o bem tutelado.

A propósito, em pensamento que se assemelha ao dos autos ensina Miguel Reale Jr., em artigo intitulado “A Inconstitucionalidade da Lei dos Remédios”:

“O legislador, mormente no âmbito penal, não é nem pode ser onipotente, pois as incriminações que cria e as penas que comina devem guardar relação obrigatória com a defesa dos interesses relevantes. Os fatos incriminados devem, pois, efetivamente ameaçar, colocar em risco ou lesar esses interesses relevantes.
__________________
³Ob. Cit., p. 76.
⁴RT, 763/415.

“Isso porque a ação do legislador penal está sujeita ao princípio constitucional da proporcionalidade, também dito princípio da razoabilidade, e ao princípio da ofensividade. Estes princípios, verdadeiras pautas de conduta, dizem respeito não só à atuação do Executivo na sua atividade administrativa limitadora da liberdade dos administrados, referindo-se, também, à elaboração legislativa como corolário da concretização dos direitos fundamentais. Nesta perspectiva, atuam como mandados de proibição de excessos vinculativos ao legislador e ao intérprete/aplicador da lei.”

E prossegue o mestre, no mesmo artigo (RT cit., pág. 419):

Ora, o princípio da proporcionalidade, decorrente do mandado da proibição de excessos, e o princípio da ofensividade foram claramente afrontados na Lei 9.677, de 02.07.1998, bem como pela Lei 9.695, de 20.08.1988. Regras aí contidas concretizam grave distorção entre os fatos inócuos descritos e a sua criminalização. Isto porque não se exige, no modelo de conduta típica, a ocorrência de resultado consistente em perigo ou lesão ao bem jurídico que se pretende tutelar, vale dizer, à saúde pública.”

E concluindo essa primeira abordagem do tema (RT,673/421):

“Dessa forma, tem absoluta razão Magalhães Noronha quando preleciona que ‘o crime é de perigo concreto... é mister que se prove a nocividade negativa’. E pondera: ‘Uma alteração, aumentando o valor terapêutico ou nutritivo, considerada crime seria estranho’.”

No caso dos autos, denota-se a inconstitucionalidade do artigo 1º, inciso I da Lei 8176/91, notadamente pela locução “em desacordo com as normas estabelecidas na forma da lei”, à medida que torna INDISCRIMINADAMENTE toda infração administrativa em ilícito penal, não obedecendo os princípios de limitação formal e material da constituição do tipo penal, tal como intuído por JUAREZ TAVAREZ, devendo este delito ser encarado como de perigo concreto.

Com efeito, mesmo que o tipo penal (Lei 8176/91, art. 1º, inc. I) não faça menção à nocividade ao bem jurídico tutelado, esta é de ser exigida, sob pena de transformar-se um simples ilícito administrativo em infração penal. 

Preleciona Miguel Reale Jr, no mesmo artigo supra citado (RT, 673/425 e segs):
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⁵Ob. Cit., p. 76. 

“Delineia-se, aí, exemplar caso de neo-absolutismo penal, conforme expressão de Michele Correra. O que o caracteriza é o somatório da inflação legislativa, que alça à categoria de crimes meras desobediências a ordens administrativas, e da redução demasiada do âmbito de liberdade, gerando-se, por conseqüência, imensa insegurança jurídica pela crescente criminalização de infrações administrativas distantes da colocação do bem jurídico em perigo.

Com a exceção do art. IV, todos os incisos do § 1º B descrevem meros ilícitos administrativos, já punidos brandamente na esfera administrativa, mas que ora foram, na esfera penal, elevados à condição de crimes hediondos, sancionados com penas de reclusão de 10 a 15 anos.

“Em suma, a gravidade do fato para a saúde pública, a análise de suas conseqüências, se calamitosas ou não à saúde, devem ser sopesadas na esfera administrativa. São, entretanto, as mesmas conduta e conseqüências despoticamente desprezadas pelo legislador penal, que sanciona, com penas mais graves do que a do homicídio doloso, a venda de remédio, saneante ou cosmético, sem registro, independentemente de ter havido qualquer efeito negativo ou perigo à saúde pública.

“Com efeito, segundo a nova lei, constitui crime hediondo vender medicamento, cosmético ou saneante sem registro no órgão de vigilância sanitária, sendo indiferente saber se o produto comercializado sem registro é inócuo ou nocivo à saúde. Basta que não haja registro para configurar-se o crime punido com reclusão de 10 a 15 anos. Assim, pode o medicamento até mesmo ser benéfico ou o cosmético ser eficaz: nada importa, pois a ausência de registro é elemento suficiente, segundo os incisos do § 1º - B, para se consumar o crime hediondo.

“Tamanha aberração legislativa é verdadeiramente incontornável. Não há interpretação que possa ser feita para conformar a norma aos valores e princípios constitucionais. A interpretação congruente com a Constituição tem limites, pois deve-se neste esforço, para salvar a norma, analisar as possibilidades de ambos os textos, o constitucional e o a ser conservado, de acordo com o telos de ambos. Com relação à norma do inc. I do § 1º - B do art. 273, bem como referentemente aos demais incisos, frustra-se a tentativa de conservação dos dispositivos, porque para tanto seria necessário impedir a realização absoluta dos valores e princípios constitucionais.”

E conclui o notável professor (RT, 763/427):

“A aberrante desproporção entre a gravidade do fato de vender remédio, cosmético ou saneante sem registro e a gravidade da sanção cominada impõe que se reconheça como inafastável a inconstitucionalidade da norma penal do art. 273, § 1º - B, I, do CP, introduzido pela Lei 9.677/98 e do art. 1º da Lei 9.695/98, em virtude de lesão a valores e princípios fundamentais da Constituição.”

Inobstante a isto, é importante consignar que como a Lei 8176/91 “define crimes contra a ordem econômica e cria o Sistema de Estoques de Combustíveis”, contata-se que o bem juridicamente tutelado é o produto em si mesmo, apresentado como “derivados de petróleo, gás natural e suas frações recuperáveis, álcool etílico, hidratado carburante e demais combustíveis líquidos carburantes”, devendo este dispositivo ser interpretado restritivamente.

Constata-se que outras condutas que não envolvam o produto em si mesmo subsumem-se a somente uma mera infração administrativa, visto que a Lei 9847/99 assim determinou:

Art. 17. Constatada a prática das infrações previstas nos incisos V, VI, VIII, X, XI e XIII do art. 3º desta Lei, e após a decisão definitiva proferida no processo administrativo, a autoridade competente da ANP, sob pena de responsabilidade, encaminhará ao Ministério Público cópia integral dos autos, para os efeitos previstos no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, nas Leis nºs 8.078, de 11 de setembro de 1990, 8.884, de 11 de junho de 1994, e 8.176, de 8 de fevereiro de 1991, e legislação superveniente. 

A Lei Federal 8176/91 não pune atos anexos à aquisição/distribuição/revenda de combustíveis, pois, relacionados a bens jurídicos que não se enquadram na ordem econômica, tal como, se determinado frentista sonegou produtos, atendeu indevidamente seu consumidor, se o consumidor foi devidamente informado sobre os risco à saúde ou segurança do produto ou se a empresa tem registro perante o órgão regulador.

Neste sentido: 
CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA. ART. 1º, I, DA LEI Nº 8.176/91. COMERCIANTE VAREJISTA PROPRIETÁRIO DE POSTO QUE, SEM AUTORIZAÇÃO DO DNC PARA SER DISTRIBUIDOR, REVENDE COMBUSTÍVEL A OUTRO ESTABELECIMENTO DO QUAL É ARRENDATÁRIO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. NECESSIDADE. FALTA DE JUSTA CAUSA. OCORRÊNCIA: - Deve ser trancada, por falta de justa causa, a ação penal instaurada para a apuração do crime previsto no inciso I do art. 1º da Lei nº 8.176/91, na qual figura como réu o comerciante varejista proprietário de posto que, sem autorização do Departamento Nacional de Combustível para ser distribuidor, revende combustível a outro estabelecimento do qual é arrendatário, uma vez que tal operação é proibida por portaria daquele órgão e constitui, quando praticada, infração administrativa, sendo certo que a fiscalização daquelas transferências compete ao próprio DNC e a sua apuração depende de procedimento administrativo, não havendo que se falar que o repasse de combustível entre dois postos de única propriedade afete algum bem jurídico, de modo a configurar ilícito penal. (TACRIM – HC nº 378770 / 9 – Rel. Des. Márcio Bártoli, 10ª Cam., j. 21.03.01)
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⁶TJRS:  Sendo  a  conduta humana  o  conceito  central  do  fato  punível,  e  desempenhando  o  tipo  penal uma função de garantia, como desdobramento do princípio  da legalidade, deve o juízo de tipicidade, necessariamente, partir de uma interpretação restritiva dos conceitos legais que conferem definição ao crime. (Apelação  Crime  Nº  70012684809,  Oitava  Câmara  Criminal,  Tribunal  de  Justiça  do  RS, Relator: Marco Antônio Ribeiro de Oliveira, Julgado em 16/11/2005)


E em julgado semelhante, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entendeu atípica a conduta praticada pelo comerciante, vejamos a ementa:

LEI 8.176-91. VENDA DE COMBUSTÍVEL DE BANDEIRA DIVERSA: CRIME INEXISTENTE POR NÃO CARREGAR LESIVIDADE ¿ MERA INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. PROVA: SÓ A QUE CONVENCE, EM ABSOLUTO, AUTORIZA CONDENAÇÃO. Negam provimento ao apelo ministerial. (Apelação Crime Nº 70018805259, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Amilton Bueno de Carvalho, Julgado em 25/04/2007)

E em seu bojo consigna-se que:

Já a Portaria n.º 116/2000, da ANP (vide fls. 21/25), estabelece as normas administrativas para o comércio varejista de combustíveis, que deve ser realizada por pessoa jurídica constituída sob as leis brasileiras e mediante aprovação de pedido prévio de revendedor. Na dita portaria consta, em seu artigo 11, parágrafo 2.º, que “caso o revendedor varejista opte por exibir a marca comercial dos distribuidor de combustíveis líquidos derivados do petróleo, álcool combustível ou outros combustíveis automotivos, deverá vender somente combustíveis fornecidos pelo distribuidor detentor da marca comercial exibida”. 

Ainda, lê-se no artigo 16 da aludida portaria que “o não atendimento às disposições desta portaria sujeita o infrator às penalidades previstas na Lei n.º 9.847, de 26 de outubro de 1.999, e no Decreto n.º 2.953, de 28 de janeiro de 1.999”.

A Lei Federal n.º 9.847/99 dispõe sobre “a fiscalização das atividades relativas ao abastecimento nacional de combustíveis, de que trata a Lei n.º 9.478, de 6 de agosto de 1997, estabelece sanções administrativas e dá outras providências”. Como se vê, tem-se que a violação do artigo 16 da a Portaria n.º 116/2000, da ANP, não passa de infração administrativa.

A corroborar o presente entendimento, tem-se o artigo 17 da Lei Federal n.º 9.847/99 regrando que “constatada a prática das infrações previstas nos incisos V, VI, VIII, X, XI e XIII do art. 3.º desta Lei, e após a decisão definitiva proferida no processo administrativo, a autoridade competente da ANP, sob pena de responsabilidade, encaminhará ao Ministério Público cópia integral dos autos, para os efeitos previstos no Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940, nas Leis n.º s 8.078, de 11 de setembro de 1990, 8.884, de 11 de junho de 1994, e 8.176, de 8 de fevereiro de 1991, e legislação superveniente, sendo que no mencionados incisos não há referência à venda de combustíveis desrespeitando contrato de exclusividade firmado com distribuidora. E o Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940, é o Código Penal, ao passo que o Código de Proteção e de Defesa do Consumidor estabelece os crimes contra os consumidores, enquanto a Lei n.º 8.176/91 se reporta aos crimes contra ordem econômica. ­

Chega-se, assim, ao ponto de partida, ou seja, a venda de combustíveis desrespeitando contrato de exclusividade firmado com distribuidora não caracteriza crime contra a ordem econômica, mas simples infração administrativa.

No Tribunal de Justiça de São Paulo, pelas mãos do Des. Walter Luiz Esteves de Azevedo da 14ª Câmara de Direito Criminal, entendeu-se que (apelação n° 93.07.123043-0):

“O art. 1º, I, Lei 8.176/91, estatui que constitui crime contra a ordem econômica adquirir, distribuir e revender derivados de petróleo, gás natural e suas frações recuperáveis, álcool etílico hidratado carburante e demais combustíveis líquidos carburantes em desacordo com as normas estabelecidas na forma da Lei. 
Trata-se de norma penal em branco, de integração homóloga. Entre os diplomas que dão conteúdo ao dispositivo, avulta a Lei 9.847/95 que trata da fiscalização das atividades relativas à indústria do petróleo e ao abastecimento nacional de combustíveis. 
O legislador ordinário de 1995 definiu os contornos do tipo penal para que ele não alcançasse todas as infrações contra as normas regulamentadoras do setor. No art. 17 da Lei 9.847/95, ele estatuiu que somente as infrações previstas no art. 3º, incisos V, VI, VIII, X, XI e XIII, do mesmo diploma dariam ensejo a notícia de crime. 
A medida é justa e adequada, impede que o autor de mera irregularidade administrativa seja sancionado criminalmente.”

Por tudo que foi exposto, conclui-se: a) ser possível diferenciar infrações penais das infrações administrativas a partir da identificação do bem jurídico penalmente tutelado pela norma; e b) que se estender-se demasiadamente o elemento normativo do tipo penal que remete a normas administrativas, estar-se-á violando o princípio da legalidade.

POR EVANDRO CAMILO VIEIRA














-Advogado;
-Pós-graduado em Direito Penal Econômico (FGV/SP);
-Coordenador do Grupo de Pesquisa em Direito Penal Econômico da FGV/SP;
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