sábado, 30 de setembro de 2017

Na escola também se vive a sexualidade


Um grupo de professoras de uma escola pública, constatando que seus alunos adolescentes não tinham muitas oportunidades de encontrar os amigos e colegas fora da escola, resolveu organizar uma festa de Dia dos Namorados, como incentivo para contato entre os adolescentes. Seria uma oportunidade para que conversassem, trocassem ideias, se reconhecessem, através das expressões de suas igualdades, diferenças, limitações e inclinações afetivas.

Para participar da festa que aconteceria em dia letivo e depois das duas primeiras aulas, o aluno que quisesse participar, faria inscrição prévia com as professoras, recebendo um cartão com uma palavra escrita. O cartão seria a senha para que cada participante, ao entrar no espaço da festa, encontrasse um amigo ou colega para conversar ou dançar pelo menos uma música. Quem recebesse o cartão escrito “lua”, procuraria durante a festa o cartão “sol”; “garfo” procuraria “faca”; “cabelo, pente” e assim por diante.

As professoras começaram os preparativos uma semana antes. Organizaram o processo de inscrição, espalharam cartazes pela escola e uma faixa foi afixada no pátio. Os alunos teriam que estar de uniforme e só participariam os do turno vespertino, de idades entre 12 e 15 anos. A festa seria no espaço do teatro da escola, todo decorado pelas professoras e um grupo de alunos, com gravuras de príncipes e princesas, tentando manter um espírito romântico idealizado por elas para a festa.

Os adolescentes passaram a semana toda cochichando em pequenos grupinhos pelos corredores. Acertos e acordos foram feitos através de olhares, conversas, sorrisos e conluios, iniciando um movimento contrário ao que as professoras esperavam. Os adolescentes, em silencio, mudaram as regras do jogo.

Chegado o dia, a festa teve início quando as músicas, algumas com letras maliciosas, começaram a tocar. A obrigatoriedade do uniforme foi esquecida; as meninas se produziram para a festa, no banheiro da escola com tops e bocas vermelhas, parecia que todas tinham passado o mesmo batom! Os meninos capricharam nos topetes!

As professoras não perceberam durante a semana, o que estava rolando entre os alunos e alunas, que não mantiveram segredo sobre as palavras escritas nos cartões. Descobrindo quem tinha o quê escrito nos cartões, acabaram barganhando, leiloando e trocando os cartões, sabendo assim cada um, de antemão, com quem iam dançar e “ficar”. O que era pra ser uma surpresa na hora da festa, caiu por terra.

Muitos dos participantes, quando souberam com quem fariam par na festa e não conseguiram trocar seu cartão, disseram que o perderam e, ou jogaram fora. Eles levantaram critérios para suas opções.

Na hora da festa, não precisavam mais dos cartões, já estava tudo combinado. A festa tomou outro rumo. Era para integração, no entanto, constituiu-se em um momento para dançar e “ficar” com quem se desejava. Rolou um pouco de tudo. Quem ficou sem par por ter sido preterido, se manteve quieto no canto do salão, observando tudo ou foi para o pátio da escola procurar alguém excluído igual a ele. Teve menina que arrumou vassoura para trocar os pares durante as danças, mas isso não deu muito certo.

As professoras, preocupadas, com o desenrolar da festa, tentavam anunciar uma possível punição.: _ “quem não dançar, na próxima festa fica de fora” . Em vão.

Enquanto isso, alguns casais trocaram abraços e beijos durante as danças, outros, disfarçadamente se esconderam atrás das cortinas das janelas laterais, sendo logo trazidos de volta ao meio do salão por uma professora. 

Alguns poucos adolescentes, vistos geralmente como aqueles que gostam de chocar os outros, transgressores, desafiadores, foram capazes de experimentar outras possibilidades e outro querer amoroso: dançaram com alguém do seu próprio sexo, enfrentando o desafio dos olhares de todos da escola.

A festa acabou quando a campainha para o término das aulas tocou. Foi tempo suficiente para que muitos vivenciassem a atividade de integração da maneira como se organizaram durante a semana nos corredores da escola. A festa mostrou certas atitudes a favor de estereótipos sociais com a segregação e discriminação de outros adolescentes, podendo ser observadas questões relacionadas a sexualidade, como as de gênero e orientação sexual. 

A pequena mostra destas questões nesta festa de escola, refletiu o desenvolvimento dos vínculos afetivos e sexuais entre os adolescentes, assim como a difícil interação com o diferente e a promoção e aceitação de sua exclusão da festa. 

Regras e normas que reprimem, regulam, normatizam as atitudes e comportamentos sexuais, amorosos, discriminatórios e preconceituosos são paulatinamente interiorizadas desde que a criança nasce sendo aprendidas na relação familiar e no contexto do meio social e cultural a qual ela pertence e vive. 

As situações intrínsecas à sexualidade humana foram bem sentidas durante a festa, assim como também o são durante todo o tempo do cotidiano escolar ( e durante a vida de cada um, também fora da escola). Então, a polêmica que se vivencia hoje sobre o silêncio das questões de gênero e orientação sexual na escola, é uma forma de tapar o sol com a peneira. Não dá para ficar calada.

Os adolescentes que participaram desta festa transitam em um sistema educacional complexo, onde a escola pode não estar preparada para as implicações do que é esperado do adolescente contemporâneo quanto aos seus comportamentos sexuais e afetivos. Porém, conhecer as implicações de suas ações, dúvidas e, ouvi-los, é dialogar com eles, questioná-los e orientá-los para que obtenham suas próprias respostas, como uma forma de mostrar que a sexualidade pode não ser um bicho de sete cabeças.

Meninos e meninas, antes e depois da festa, mostraram que nada está pronto e, que através da observação do que eles contam todos os dias é possível desencadear uma posição educacional clara, objetiva e ética, capaz de auxiliar o adolescente a ser autor de si mesmo. 

Bibliografia básica: 

SILVA, Sheyla. P. Considerações sobre o relacionamento amoroso entre adolescentes. Educação, Adolescências e Culturas Juvenis. CADERNOS CEDES, Vol. 57. 1ª ed. Agosto/2002. Campinas, SP, pp 23-43;

CAMARGO, A.M. F.& MARIGUELA. M. Orgs. Cotidiano Escolar. Emergência e Invenção. Piracicaba: Jacintha ed., 2007;e

SILVA, Sheyla. P. Tramas de amor e sedução no relacionamento amoroso entre adolescentes. 2001. Dissertação de Mestrado. FE, UNICAMP, Campinas, SP.

POR SHEYLA P. DA SILVA











-Professora aposentada da Rede Municipal de Educação de Campinas/SP;
-Ex-coordenadora do Programa de Orientação Sexual da Secretaria Municipal de Educação de Campinas/SP;
-Palestrante e autora de artigos sobre a temática da Sexualidade e Educação;
-Professora de biologia, ciências e Pedagoga; e 
-Mestre em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas. 

Nota do Editor:

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sexta-feira, 29 de setembro de 2017

O Preço da Conivência e Cumplicidade





Nos últimos tempos, ontem através do fundo partidário bilionário, e hoje os políticos de suposta oposição, situação e centro defendendo o mandato do Senador Aécio foi a demonstração de como nossa classe política trabalha para se defender através do sistema que eles mesmos criaram para nunca saírem do poder.

Não vou discutir nem a questão jurídica, a questão constitucional se o STF tem o poder, ou não de revogar o mandato de um político, de forma cautelar, outorgado pelos eleitores, ou se somente o Congresso teria esse poder, mesmo após a constatação, indícios de crimes.

Mas o que deve ser analisado nessa questão é que a maioria esmagadora do Legislativo, o Executivo, o Judiciário, enfim, nosso Estamento burocrático em conjunto com a Mídia (que cria ou dá maior enfoque q notícias que favoreçam a agenda que lhe renda maiores "frutos") trabalham contra a necessidade de toda uma nação.

O anseio popular só é ouvido quando é para promover o circo e retribuir migalhas de pão, bancadas como nosso próprio imposto. E hoje infelizmente boa parte de nossa população aceita essa troca, e esquece os verdadeiros problemas de nosso país, até que esse "bata em sua porta", e na ignorância política no fim nem acaba sabendo que quem é a culpa, é que parte dela também é sua.

Gastam-se bilhões com obras faraônicas para benefício dos amigos do Rei e do Rei, gasta-se uma fortuna na educação, mas não se atinge a meta, gasta-se uma fortuna em várias áreas, mas nunca o investimento chega na real meta que deveria ser a desejada (pois a bem da verdade a meta desejada é o benefício dessa casta em detrimento do brasileiro).

Enfim, também falta dinheiro para o combate à corrupção, falta dinheiro para segurança, falta dinheiro para a infraestrutura do país, mas sobra dinheiro para o Estado através dos Impostos extorsivos que somos obrigados a pagar.

Assim podemos dizer que só conseguiremos mudar esse país através de muita educação e de qualidade (com o fim do sócio-construtivismo de Paulo Freire), muita informação correta (e para isso as Redes Sociais é nossa arma), e muito esforço no combate incessante contra as pessoas e os poderes que atentam contra na democracia.

Não podemos descansar até que o país seja realmente um país democrático e não um simulacro feito através de um sufrágio Nacional em Urnas e Sistema Eleitoral manipulável ao desejo do Estamento Burocrático, com nosso dinheiro para partidos "venderem" Candidatos a serem eleitos conforme decisões de Caciques ao invés de Patriotas com propostas e compromissos com a nação, que tanto precisamos hoje, mas do que nunca.

POR RAPHAEL PANICHI


















-Advogado, Jurista Especializado em Direito Empresarial, Constitucional e TI;
- Sócio-Proprietário do Escritório Panichi e Advogados Associados;
- Conservador, Contra Politicamente Correto, Lutando contra o Comunismo e
- Membro do Movimento Avança Brasil.

Nota do Editor:

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quinta-feira, 28 de setembro de 2017

São Josemaria Escrivá Balaguer:a santidade no cotidiano



“A santidade compõe-se de heroísmo. Portanto, o que se nos pede no trabalho é o heroísmo de “acabar” bem as tarefas que nos comprometem, dia após dia, ainda que se repitam as mesmas ocupações. Senão, não queremos ser santos” (Sulco, 529).

Para iniciar minha participação nesta seção do Blog do Werneck, gostaria de falar um pouco sobre São Josemaria Escrivá de Balaguer, fundador da Opus Dei, que deixou uma enorme herança espiritual para aqueles que buscam se dedicar cotidianamente na busca de uma vida de santidade no estado laical, ou seja, não sendo religioso ou estando na hierarquia católica. Além disso, seus ensinamentos parecem ajudar qualquer pessoa que busca uma vida plena de sentido diante das contrariedades do cotidiano. 

São Josemaria Escrivá sempre me encanta, pois é um santo recente, se posso dizer mais, é um santo jovem. Temos inúmeros vídeos dele no YouTube de quando fazia encontros com os membros da Opus Dei pelo mundo. Um homem carismático, com uma linguagem direta, mas com palavras capazes de encher o coração vida de sentido. O santo atraía crianças, jovens, adultos e idosos, sacerdotes e leigos, ensinava que devemos aceitar a dor, o sofrimento e as angústias do dia a dia como prova de amor a Deus que é puro amor. Este amor que nos faz encarar a tarefa mais simples, mas como sendo uma retribuição para Deus, que me torna mais santo e unido a Ele.

Escrivá nasceu no dia 9 de janeiro de 1902 em Barbastro, Espanha. Viveu numa época na qual a mortalidade infantil era altíssima, restando de uma família numerosa somente ele e mais 2 irmãos. Por volta dos 16 anos de idade, ele sentiu que Deus queria algo especial de sua vida. Até então pensava em construir uma carreira civil, como qualquer outro jovem da época. Todavia, no inverno de 1918 ele viu na neve as pegadas de um frei carmelita descalço. O sacrifício daquele frei o impactou extremamente, pois por amor a Deus, pensava ele, como alguém suportava tamanha oblação. Ele foi atrás do frei e conversou com ele, mas percebeu que Deus não o queria como religioso carmelita.

No entanto, aquela experiência despertou algo muito forte em seu coração. Ele sentia que precisava entender o que Deus planejava para ele. Este sentimento o tomou de forma tão abrupta que não conseguia conter-se. Era como se Deus o chamasse para algo que ele não sabia o que era. Para discernir essa vocação, Escrivá resolveu se tornar padre. Percebeu que a questão não era ser padre ou não, mas descobrir e viver o plano de Deus na sua vida. Ele então, contou esse desejo ao pai, que tomado de grande emoção, o levou para um sacerdote conhecido. No mesmo ano, ingressou no seminário.

Passados os anos de formação, em 1925 foi ordenado sacerdote em Saragoça e após sua ordenação exerceu atividades ministeriais no pequeno povoado de Perdigueiro por 7 meses e depois retornou a Saragoça para iniciar o doutoramento em direito.

Já como sacerdote, Escrivá continuava a perguntar a Deus, em suas orações, o que o Senhor queria dele. Desde daquele primeiro chamado, durante os anos de sua formação no seminário e como jovem sacerdote, sempre repetia a resposta do cego a Jesus: "Senhor, que eu veja"! Este versículo tinha se tornado um tipo de jaculatória em suas orações. Buscava veementemente descobrir qual seria sua missão e por qual razão que fora chamado por Deus. Eis que no ano de 1928, durante um retiro, ele obteve a resposta de Deus. Organizando suas anotações e olhando para aqueles papéis nos quais ele anotava sentimentos, versículos e percepções da sua vida, ele percebeu que deveria abrir um caminho na Igreja em que uma multidão de pessoas iria passar. Sua missão era pregar a santidade e a vida em união a Deus por meio trabalho profissional e pelas atividades cotidianas. Essa deveria ser a missão a todos os batizados. Essa obra seria chamada de Opus Dei. Com isso, no dia 2 de outubro de 1928, ele fundou a obra e teve sua vocação discernida. Naquele dia, ele vislumbrou toda obra e percebeu qual seria seu propósito de vida.

No início da obra somente homens participavam, vários rapazes o acompanharam. Para isso, ele escreveu sua primeira obra espiritual chamada de "O Caminho", composta de pequenos aforismas para a reflexão durante o dia. Essa obra foi como um roteiro espiritual para estes rapazes, com instruções para espiritualidade masculina. No ano de 1930, Escrivá teve um outro vislumbre e abriu a Opus Dei para as mulheres. Enfrentou algumas dificuldades devido à Guerra Civil Espanhola, mas o número de pessoas aumentou.

Com o passar dos anos, cada vez mais membros ingressaram no caminho espiritual. Escrivá escreveu outros livros espirituais como o Sulco e a Forja. A Opus Dei também se espalhou por outros países e continentes. Sua mensagem cativou cada vez mais pessoas, que queriam viver a santidade e uma espiritualidade profunda, mesmo não sendo membros de uma congregação religiosa ou sacerdotal. Então, no ano de 1943, Josemaria fundou a Sociedade Sacerdotal de Santa Cruz, que formou padres e também acolheu padres diocesanos que buscavam viver esse carisma na vida sacerdotal, com o intuito de que os mesmos pudessem orientar os fiéis que se agregavam na Opus Dei pelo mundo.

Em 26 de junho de 1975, Josemaria Escrivá faleceu em Roma. Ele morreu sem ver sua fundação aprovada pela Igreja de Roma, fato que aconteceu somente no ano de 1982, quando o Papa João Paulo II tornou a Opus Dei uma prelazia pessoal do Papa. Mais uma vez, esse fato revelou que o tempo de Deus não corresponde às ansiedades humanas e que a fundação da obra se deu por intermédio de Escrivá, mas que a obra em si pertence a Deus. A concretização da obra vislumbrada naquele retiro de 1928 só foi visto por ele na eternidade. Sua canonização se deu no dia 6 de outubro de 2002, na Praça São Pedro, no Vaticano, celebrada pelo Papa João Paulo II.

Hoje a obra se encontra nos cinco continentes, atraindo pessoas dos mais diversos segmentos e classes sociais. Um tipo de espiritualidade extremamente condizente com o mundo atual, propondo sobriedade e dedicação na vida leiga comum. Uma santidade que não precisa de conventos ou mosteiros, mas a moção interior de viver a vida usual com alegria e dedicação, mesmo diante das maiores provações.

Para encerrar, incentivo que você busque na internet alguns vídeos das tertúlias de São Josemaria Escrivá. No ano de 1974 ele veio na América Latina e no Brasil. Particularmente, considero que são os melhores vídeos dele. Embora não seja um católico, você pode conhecer este homem tão místico e tão próximo da nossa sociedade.

Gaudium et pacem

Recomendações:

POR FÁBIO DA FONSECA JÚNIOR



















-Graduado em Filosofia e História;
-Professor de Filosofia, Sociologia e História e
-Mestrando em Educação pela Universidade Federal de Lavras.

Nota do Editor:

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quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Puffing:O mundo dos sonhos é mais bonito do que o verdadeiro


O sopro nas ações publicitárias pode remeter ao ato de revelar ou de inspirar o que os departamentos de marketing e a doutrina chamam de puffings, que instigam o imaginário do consumidor trazendo à baila um sonho que na realidade não existe, mas é mais bonito do que o verdadeiro.

Não é raro observarmos publicidades nos canais de televisão e/ou no rádio que remetem a um personagem criando asas e voando, com poderes especiais ou até mesmo incorporado à máquina em uma sena futurista que encontramos somente nos filmes de ficção científica instigando anseios e inspirações que rondam o sonho ou pelo menos o imaginário do consumidor em um sopro de realidade.

A exaltação publicitária leva o consumidor a vislumbrar mais do que deveria de um produto ou serviço, estamos falando do puffing que traz em sua essência um ardil capaz de agregar qualidades, que na realidade não iremos encontrar no produto ou no serviço quando adquirido.

Ainda que apresentado de forma jocosa, o puffing é bastante tolerado na atualidade considerando a forma de sua apresentação. Assim, cabe o questionamento: Essa prática comercial obriga o fornecedor do produto ou do serviço? Obriga?

O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), no seu Art. 3º leciona que a publicidade apresentada de forma suficiente e precisa veicula por qualquer forma ou meio de comunicação os produtos e serviços oferecidos ou apresentados no mercado consumeristas. Vejamos: 

"Art. 3º Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer a veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado. " (Grifo nosso)
Face o ditame legal, para que possamos enquadrar o caso concreto à norma questiona-se se no caso do puffing, por exemplo, há possibilidade de ingerirmos determinada bebida e consequentemente voarmos? Podemos? Em tese, não! Pelo menos nos moldes conhecidos. Logo, não há precisão na publicidade capaz de veicular o produto ou serviço oferecido à sena apresentada que induza o consumidor ao erro, ainda que o mundo dos sonhos seja mais bonito do que a própria realidade.

O STJ quando da análise do Recurso Especial nº. 1.370.708 - RN, de relatoria do douto Ministro Mauro Campbeel Marques, elucida a questão, ao prover o recurso em epígrafe dispondo que: 

"(...) 3. Na hipótese dos autos, o multicitado anúncio apresenta a modalidade de publicidade conhecida como puffing, notando-se o exagero pelo emprego da palavra super, que não soergue, contudo, precisão suficiente para induzir o consumidor a erro. " (Grifo nosso)
Face o exposto, ainda que o fornecedor do produto ou serviço faça constar na sua oferta mensagem publicitária notável, inspiradora, podemos inferir, até pelo ar de jocosidade da publicidade, em alguns casos, que esses exageros publicitários denominados doutrinariamente de puffing não são capazes de induzir o consumidor a erro e não configuram práticas ilícitas.

REFERENCIAL

O que se entende por “PUFFING” ou “PUFFERY”. Pesquisadora: Juliana Zanuzzo dos Santos. Disponível em: http://institutoavantebrasil.com.br/o-que-se-entende-por-puffing-ou-puffery/. Acesso em: 14/08/2017.

Já ouviu falar de "puffing" ou "puffery". Emagis. Disponível em: http://www.emagis.com.br/area-gratuita/artigos/ja-ouviu-falar-de-puffing-ou-puffery/. Acesso em: 15/08/2017.

Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm. Acesso em: 14/08/2017.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 29/08/2017.

POR ELLCIO DIAS DOS SANTOS



















-Advogado graduado pelo Centro Universitário de Desenvolvimento do Centro Oeste - UNIDESC, Luziânia/GO; 
 -Especialista em Direito do Consumidor e Responsabilidade Civil pela AVM/Universidade Cândido Mendes; Graduado em Ciîencias com habilitação em Matemática, São Luis/MA pela Universidade Estadual do Maranhão - UEMA; e
- Servidor Público Federal.
Mora em Brasília/DF.

Nota do Editor:
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terça-feira, 26 de setembro de 2017

Considerações sobre o Assédio Sexual



Alguns casos de assédio sexual estão sendo abordados com mais frequência pelos programas policiais e jornalísticos de toda mídia brasileira. Desses, obteve destaque o caso de um famoso e consagrado ator global que assediou sexualmente uma figurinista no decorrer das gravações de uma novela no ambiente de trabalho (caso José Mayer). Outro, um pouco mais recente, foi o caso dos sócios/editores de uma revista de conteúdo adulto que assediaram modelos com a finalidade de obter vantagens sexuais em troca de benefícios junto a conceituada revista (caso Revista Playboy). Esses casos trás a tona um crime pouco comentado e até conhecido da sociedade, mas muito praticado. 

Pretende-se, no entanto, deixar de lado os casos concretos acima citados, principalmente por falta de conhecimento aprofundado dos fatos, bem como das investigações. O presente artigo objetiva analisar a figura legal do crime de assédio sexual tipificado no Código Penal, bem como os seus limites, características e polêmicas.

Introduzido no ordenamento jurídico brasileiro através da Lei 10.224/2001, o assédio sexual está no rol dos crimes contra a dignidade sexual, que tem como fundamento primordial tutelar a liberdade sexual em ambientes que haja subalternação ou subordinação. Tipificado a teor do artigo 216-A, do Código Penal Brasileiro, o delito de assedio sexual é “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Pena – detenção, de 1(um) a 2(dois) anos”. Em outras palavras, o crime de assédio sexual pode ser entendido como uma insistência importuna de alguém em posição privilegiada que usa dessa vantagem para obter favores sexuais de um subalterno ou subordinado no exercício de emprego, cargo ou função.

Dessa forma, o delito de assédio sexual pode ser definido, simplificadamente, como qualquer ato sexual, favorecimento sexual e/ou convites impertinentes de natureza sexual ou que o objetivem, que tenham características de manutenção ou promoção na relação de emprego, isto é, nas relações de trabalho de modo geral, onde há impreterivelmente uma relação de subordinação ou ascendência.

Para Damásio de Jesus, trata-se de um crime pluriofensivo, pois, além de tutelar, em primeiro plano, o direito a liberdade sexual, tutela ainda a “honra e o direito a não ser discriminado no trabalho ou nas relações educacionais”. Ainda na seara da classificação do tipo penal, o assédio sexual também é classificado como um crime bi próprio, pois tanto o sujeito ativo (autor), como o sujeito passivo (vítima) precisam de qualidades específicas, ou seja, necessita-se de uma qualidade especial de ambos os sujeitos, qualidade esta exigida na própria tipificação penal, quais sejam: o sujeito ativo (autor), precisa ser superior ou ascendente na relação de emprego, cargo ou função; enquanto que o sujeito passivo (vítima), precisa ser subordinado ou inferior na relação de emprego, cargo ou função. Além de toda a qualidade exigida aos sujeitos, o delito somente se configura caso haja constrangimento por parte do sujeito ativo (autor) em face do sujeito passivo (vítima) com a finalidade de obter vantagens ou favorecimentos de natureza sexual.

O crime de assédio sexual também é classificado como um crime de menor potencial ofensivo, processado pelo rito sumaríssimo, sendo, via de regra, de competência dos Juizados Especiais Criminais, pois sua pena máxima é de até 02 (dois) anos (pena – detenção, de um a dois anos), com o procedimento regido pela Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais). Excepcionalmente, no entanto, quando a vítima for maior de 16 (dezesseis) anos e menor de 18 (dezoito) anos, condição esta possivelmente cabível, tendo em vista haver, em casos excepcionais a possibilidade de pessoas menores de idade (menor de 18 anos) se submeterem ao exercício de emprego, cargo ou função, haverá causa de aumento de pena de até 1/3 (um terço), retirando, dessa forma, a competência dos Juizados Especiais, em razão do citado aumento de pena. Neste caso, a competência passa a ser da Vara Criminal comum, processada pelo rito sumário. 

Ainda sobre o tema da competência, é importante salientar que, em regra, o crime de assédio sexual é de ação penal privada, ou seja, é aquela em que a titularidade da ação criminal pertence ao ofendido (vítima). Em simples palavras é aquela ação em que legitimidade para o início (pontapé) da persecução penal depende de representação da vítima.

Há várias formas de assédio, dos quais destacamos o assédio por ascendência, assédio por descendência e assedio paritário. No entanto, só é possível a tipificação penal do delito de assédio sexual nos casos de assédio por ascendência, que é aquele em que o constrangimento decorre de uma relação vertical hierárquica, isto é, de ascendente para descendente, pois é requisito do tipo penal que o assédio decorra no exercício de emprego, cargo ou função, sempre de um superior para um inferior.

Polêmicas acerca da configuração deste tipo penal não são poucas. Há bastante polêmica e divergência sobre a possibilidade de assedio sexual de professor(a) para com aluno(a). Neste caso, há corrente doutrinaria que entender não ser possível a configuração do crime em tela, pois não existe relação de emprego, cargo ou função entre o professor e aluno, vez que a relação laboral se dá entre o professor e a instituição educacional. Da mesma forma, há uma corrente contrária, que entende perfeitamente possível à incidência do delito de assédio sexual entre professor e aluno, porque apesar de o professor não ser superior hierárquico do aluno, tem ascendência, domínio sobre o aluno. O mesmo acontece nas relações entres líderes religiosos (padres e pastores, por exemplo) com os fiéis, tendo, também, correntes doutrinárias divergentes, praticamente nos mesmos termos do caso de professor(a) com aluno(a).

Embora haja essas divergências doutrinarias, o que tem prevalecido é a letra da lei, que limita o crime às relações de trabalho (exercício de emprego, cargo ou função), respeitando, assim a vedação à analogia in malan partem.

Diante de um crime tão comum, mas pouco debatido socialmente, surge a questão de como provar a prática de tal delito, ou seja, como uma vítima do crime de assédio sexual pode provar que o seu ascendente ou superior hierárquico está lhe assediando sexualmente com o objetivo de obter vantagens de natureza sexual? Realmente trata-se de um crime bastante difícil de ser provado, pois além de acontecer às ocultas e no íntimo, são normalmente praticados de forma verbal, onde dificilmente há possíveis testemunhas e/ou provas materiais. Com isso, todo e qualquer elemento é importante para que se possa provar a prática do crime. Um bilhete, e-mail, presentes, mensagens, podem ser considerados elementos informativos e, dependendo do conteúdo, até provas, em seu sentido strictu sensu, capaz de fundamentar e instruir um processo criminal para, então, buscar a verdade real do caso concreto, através do devido processo legal.

Em suma, o tipo penal do assédio sexual tem como objetivo final e primordial evitar a violação do direito dos trabalhadores à segurança, respeito, dignidade e moralidade física e psicológica no ambiente de trabalho, tornando-se, assim, uma ótima ferramenta no combate a tais práticas. Basta, portanto, usá-la. Denuncie!

POR IURY JIM BARBOSA LOBO











-Advogado - OAB/CE 33153;
Graduado em Direito pela Faculdade Paraíso do Ceará – FAP/CE (2015);
Pós Graduado em Direito Penal e Criminologia pela Universidade Regional do Cariri – URCA (2017);
Sócio Fundador do Escritório OLIVEIRA, PESSOA & LOBO – ADVOGADOS, situado em Juazeiro do Norte/CE.
Contatos:
(88) 99641-9348
E-mail: iurylobo.adv@outlook.com


Nota do Editor:
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segunda-feira, 25 de setembro de 2017

O Caso Hannibal Lecter sob a Perspectiva Winnicottiana





“O que resta em você para amar?”   (Murasaki – Hannibal Rising)


Considerando que Winnicott tem como a base do desenvolvimento da tendência antissocial, o abandono, a de-privação, e as falhas ambientais, quem conhece a história do famoso personagem Hannibal Lecter – garoto de aproximadamente sete anos de idade que perde os pais e presencia sua irmã sendo canibalizada durante a guerra – poderia dizer que o desenvolvimento de sua tendência antissocial se enquadra na teoria winnicottiana. E é sobre isso que irei discorrer a seguir. Diante dos fatos apresentados no filme `Hannibal Rising` seria possível o desenvolvimento da tendência antissocial?
Tendência antissocial é o termo utilizado por Winnicott para definir o que inicialmente foi chamado perversão pela psicanálise, e psicopatia e sociopatia pela psiquiatria, termos esses que segundo Gabbard, G. O. (2006), muitas vezes carregam conotações negativas e de caráter pejorativo.
Apesar de a psicanálise considerar neurose, psicose e perversão, como as três estruturas psíquicas. (Quinet, A. 2005. p. 19), a perversão como estrutura não é um consenso, e Winnicott, ao referir-se aos tipos de pacientes, fala em “Três categorias de imaturidade”, sendo elas, psiconeurose, psicose e intermediários.

"E na terceira categoria estariam os chamados pacientes intermediários, que são aqueles indivíduos que começaram suficientemente bem, mas o ambiente falhou em um ou vários pontos por repetidas vezes ou por um período longo de tempo, e é nessa categoria que Winnicott enquadra os pacientes com a tendência antissocial.

A psiconeurose seria a primeira das três categorias, onde estariam enquadrados os distúrbios de indivíduos que foram suficientemente bem cuidados nos estágios iniciais da vida para terem capacidade de desenvolvimento e enfrentamento, e embora ainda assim esses indivíduos possam adoecer ao lidar com dificuldades corriqueiras no decorrer da vida, é uma vida em que o indivíduo domina os próprios impulsos. Na psicose, algo de errado teria acontecido durante os primeiros cuidados empregados ao bebê, o que teria como consequência uma perturbação na estrutura básica, fazendo com que esses pacientes nunca fossem suficientemente saudáveis para tornarem-se psiconeuróticos. E na terceira categoria estariam os chamados pacientes intermediários, que são aqueles indivíduos que começaram suficientemente bem, mas o ambiente falhou em um ou vários pontos por repetidas vezes ou por um período longo de tempo, e é nessa categoria que Winnicott enquadra os pacientes com a tendência antissocial (Winnicott, D. W. 2012).
Winnicott iniciou seus estudos sobre a delinquência observando crianças em tempos de guerra, e para ele o fator ambiental e a qualidade do relacionamento entre a mãe e o bebê, são decisivos para o desenvolvimento da tendência antissocial. (Winnicott, 2012).

"Quanto mais jovem for a criança no momento da de-privação, mais graves podem ser as consequências, pois a capacidade de manter viva em sua memória a imagem de alguém ou a experiência boa vivida, é menor.

A tendência antissocial seria a consequência de uma de-privação, onde algo bom foi perdido, aquilo que até certo momento teve caráter positivo na experiência da criança foi retirado. E se o bebê tiver alcançado o grau de maturidade do ego que permite a capacidade de perceber que a causa do desastre foi externa e não interna, isso poderá acarretar na distorção da personalidade e o impulso de buscar a cura numa nova provisão ambiental, determinando o desenvolvimento da tendência antissocial em vez de uma doença psicótica. (Winnicott, 2000). Quanto mais jovem for a criança no momento da de-privação, mais graves podem ser as consequências, pois a capacidade de manter viva em sua memória a imagem de alguém ou a experiência boa vivida, é menor. (Winnicott, 2000).
Os escritos de Winnicott sobre a tendência antissocial em 1956 contém a ideia de delinquência como um sinal de esperança. Quando a criança sofre uma perda, é esperado que se manifeste diante do ocorrido, e quando isso não ocorre, pode ser indicativo de um distúrbio mais profundo. O comportamento antissocial estaria então ligado a um momento de esperança, em que, a criança busca reivindicar o que foi perdido. (Winnicott, 2012).
Outra característica importante na vida social de uma pessoa é o envolvimento e a capacidade de sentir culpa, que estão intimamente ligados à capacidade de empatia e aceitação de responsabilidades. Sua origem geralmente é descrita com foco na relação mãe-bebê, quando a criança sente a figura materna como uma pessoa total, então o desenvolvimento se ligaria ao período dessa relação, ao processo de maturação que formam a base do desenvolvimento da criança. Mas, para que essas características sejam desenvolvidas é necessário também um ambiente facilitador e suficientemente bom, pois as condições externas ajudarão no processo de maturação. Ver-se privada de um bom lar é ver-se privada da unidade familiar, que é algo indispensável, e que quando falta pode trazer efeitos negativos sobre o desenvolvimento emocional da criança.
Para que a capacidade de envolver-se, que começa a se desenvolver por volta dos seis meses aos dois anos de idade, e a de sentir culpa, a qual Winnicott (2007) sugere que se inicia por volta do primeiro ano de vida (…) se desenvolvam, é necessário que os estágios iniciais do desenvolvimento do bebê tenham sido normais e satisfatórios, pois é nesse período que a privação ou perda pode ter consequências devastadoras, obstruindo a capacidade de sentir culpa (Winnicott, 2012).
Sem alguém a quem possa amar e odiar a criança não pode vir a destruir o objeto amado em fantasia e descobrir o sentimento de culpa, o seu desejo e mais importante ainda, a sua capacidade de reparação, assim como distinguir a fantasia do fato, descobrindo até que ponto sua agressividade poderá de fato destruir. (Winnicott, 2012).
Winnicott (2007), afirma que o impedimento do desenvolvimento emocional nas fases iniciais pode então levar a ausência do senso moral e a uma socialização instável, “nos episódios antissociais mais sérios e mais raros, é precisamente a capacidade do sentimento de culpa que foi perdida. Aí encontramos os piores crimes” (p.29). Porém, se o desenvolvimento nos primeiros estágios de vida for satisfatório o ego irá integrar-se, tornando possível o desenvolvimento desta capacidade.
No início, o crime ou a delinquência não é satisfatório e nem aceito pelo self do indivíduo, mas depois de repetidos atos ele adquire ganhos secundários, se tornando aceitável para o self da pessoa, e é aqui que está o maior problema, pois a oportunidade de um tratamento mais efetivo, segundo Winnicott, está em sua aplicação antes que o crime se torne compulsivo e atinja os ganhos secundários. (Winnicott 2007).
É nesse estágio anterior aos ganhos secundários que estariam os atos antissociais como uma esperança de retroceder para o momento em que as coisas deram errado. Há um padrão, onde as coisas corriam bem, algo perturbou, e foi exigido além da capacidade da criança, onde houve um desmoronamento das defesas egoicas exigindo dela uma reorganização com base em um novo modelo de defesa, e ela começa então a ter esperanças e através dos atos antissociais busca encontrar uma nova provisão ambiental, alguém a quem possa amar e ser amado, e se isso for encontrado a criança pode voltar ao estágio anterior ao momento de privação, redescobrindo o bom objeto e ambiente humano. O que para Winnicott, não é um estágio fácil de alcançar, mas que deve ao menos ser entendido e aceito. Para ele, os atos antissociais são como um desafio à sociedade, em busca de alguém que os contenha, mas cuja única “cura”, seria a passagem do tempo. (Winnicott, 2012.)
Diante da ideia de “cura” Winnicott ressalta que não podemos esperar curar muitos daqueles que se tornaram delinquentes, mas podemos esperar compreender como prevenir o desenvolvimento da tendência antissocial. Evitando pelo menos a interrupção do relacionamento em desenvolvimento entre a mãe e o nenê. (Winnicott, 2007. p.30).
Dito isso, se analisarmos os dados retratados no filme com base na teoria de Winnicott, poderíamos concluir que seria sim possível desenvolver a tendência antissocial, a partir das falhas ambientais, de-privação e abandono que são apresentadas pela ficção.

"Porém, ao dizer que a amava, a Sra. Murasaki responde `O que resta em você para amar?`.

O filme não nos deixa claro a idade que o personagem tinha na época em que ocorreu a de-privação, mas podemos supor que Hannibal tinha aproximadamente sete anos de idade, e embora com esta idade o ego da criança já estivesse estruturado a ponto de ser capaz de desenvolver sentimento de culpa, pode-se concluir que houve um episódio traumático que não pôde ser suportado pelo ego, o qual foi fragmentado possibilitando a perda desta capacidade.
Sobre a capacidade de envolvimento apresentada primeiro com a Sra. Murasaki e em segundo com a agente Clarice, embora superficial, se analisarmos sob a teoria winnicottiana, pode-se concluir que seria sim possível, visto que esses relacionamentos indicam a esperança de cura, de encontrar no ambiente alguém a quem possa amar e ser amado. Mas a princípio esses relacionamentos se dariam superficialmente e envoltos a ataques, uma vez que essa pessoa teria que suportá-los, levando-o a enxergar um sentido em sua vida que independesse dos seus atos antissociais. Uma vez suportados os seus ataques, principalmente quando ainda jovem, pela Sra. Murasaki, onde tudo indica foi o momento em que mais expressou a sua esperança e no qual ainda não havia obtido os ganhos secundários em seus atos, Hannibal poderia ter sido resgatado do estado em que se encontrava. Nada garante que ele seria capaz de nunca mais cometer um ato antissocial, mas ele poderia encontrar um sentido maior em sua vida, que não os envolvesse. Porém, ao dizer que a amava, a Sra. Murasaki responde `O que resta em você para amar?`.
Quanto ao canibalismo, podemos pensar no ato como sendo a revivescência de um trauma, onde o passado é evocado inconscientemente, como se a história fosse relembrada em ato, mas contada com um desfecho oposto ao que teve na cena traumática real, agora de modo favorável à ele, que antes foi vitima. A passividade transforma-se em atividade e a vingança se efetua sobre o objeto escolhido para representar a criança vitimada. (Ferraz, 2013. p.77).
Contudo, precisamos considerar que somente os dados apresentados nos filmes podem ser insuficientes para um diagnóstico Nosológico, e que o filme nos mostra uma história de vida na qual não houve o abandono materno, o que para Winnicott constitui a base da tendência antissocial. Podemos então concluir, que o desenvolvimento da tendência antissocial foi originado a partir da de-privação sofrida quando criança, do abandono sofrido quando adolescente, e consequentemente a perda da esperança.
Porém, é interessante quando no filme “Hannibal”, Hannibal Lecter, agora bem mais velho, parece desenvolver certo afeto pela agente Clarice. Onde, apesar da mesma dinâmica superficial, é estabelecido um relacionamento e embora envolvida no caso por sua busca, Hannibal não a fere. Pelo contrário, no final o filme nos dá a entender que para fugir da polícia, não vendo outra saída, Hannibal corta sua própria mão. Mas antes ele pergunta se ela pediria a ele para parar, “Se me ama, pare?” ao qual Clarice responde “Nem daqui a mil anos.” O que levanta uma questão; teria sido esta novamente a expressão de uma esperança de cura?

POR KARLA KRATSCHMER
Karla Kratschmer é psicóloga e atende adultos, adolescentes e casais em seu consultório particular localizado  na cidade de São Paulo, bairro Chácara Santo Antônio.Contato: (11) 9-9613-5444


BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
GABBARD, G. O. Psiquiatria Psicodinâmica. 4. ed.  Porto Alegre: Artmed, 2006.
FERRAZ, F. C. Perversão. 5. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2013.
QUINET, A. As 4+1 condições da análise. 10 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.
WINNICOTT, D. W. Privação e delinquência. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
WINNICOTT, D. W. (1956) Tendência Antissocial. In: Da Pediatria à Psicanálise: textos selecionados. 1. ed.  Rio de Janeiro: Imago, 2000. 406 p.
WINNICOTT, D. W. (1958) Psicanálise do sentimento de culpa. In: O Ambiente e os Processos de Maturação. 1. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007. 19-30 p.

Originalmente postado no site psicologakarlak.com.br em 25/01/2016.

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