sábado, 25 de abril de 2015

Seleção de Artigos Jurídicos da Semana

O sábado chegou e com ele a minha seção Seleção de Artigos Jurídicos da Semana.

Leiam o que selecionei para hoje:

Desjudicializar pode se tornar a forma mais eficaz de fazer justiça

Gustavo Binenbojm é procurador do Estado do Rio de Janeiro, professor Adjunto de Direito Administrativo da UERJ e membro da Comissão Julgadora do Prêmio Innovare

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 24 de abril de 2015

O XII Prêmio Innovare, uma espécie de Oscar do Sistema de Justiça brasileiro, traz como destaque, no ano de 2015, o tema de seu prêmio especial: “redução das ações judiciais do Estado – menos processos, mais agilidade”. Aberto também a profissionais de áreas não especificamente jurídicas, seu objetivo é estimular e dar visibilidade a práticas que contribuam para a solução do que se poderia chamar de paradoxo da Justiça no Brasil: por que mais justiça tem significado, entre nós, menos justiça?

Em boa hora, o Instituto Innovare lança a sua luz sobre um de nossos problemas mais graves, que é o elevado grau de judicialização das questões que envolvem a Administração Pública, em todos os níveis da Federação. Logo à partida, convém evitar falsas soluções que preconizem curar a febre pondo o termômetro na geladeira. É preciso reconhecer que o número de demandas judiciais é alto porque, na média, os governos não costumam adotar as medidas que poderiam evitá-las ou, ao menos, atenuá-las. A procura ao Judiciário decorre da demanda gerada pela própria Administração. A advocacia pública tenta fazer a sua parte, mas ainda lhe falta a autonomia administrativa e técnica para impor aos gestores públicos o cumprimento preventivo da lei. O resultado disso é a pletora de processos que massifica o trabalho dos operadores do direito, emperra o funcionamento da máquina e difere a realização da justiça para um futuro distante e incerto.

O Innovare propõe aos profissionais responsáveis pelo exercício da jurisdição e de suas funções essenciais o desafio de pensar fora da caixa. Não é papel dos advogados públicos se tornarem meros enxugadores de gelo, gestores de centenas de milhares de casos cuja solução já se conhece, mas não se reconhece. De maneira velada, os agentes políticos acabam por transferir para governos futuros – e, em muitos casos, para gerações futuras – as obrigações que deveriam ser cumpridas desde logo, com a realização pronta e imediata da justiça.

Inovar é preciso, como o fizeram as Procuradorias dos estados do Ceará e do Rio de Janeiro, em práticas premiadas pelo Innovare em 2014.

No primeiro caso, surgido da necessidade de realizar desapropriações para a construção do Veículo Leve sobre Trilhos de Fortaleza, conseguiu-se evitar que centenas de ações fossem levadas à Justiça mediante esforço de acordos administrativos com os proprietários. Não apenas a Justiça cearense não foi sobrecarregada à toa, mas os proprietários receberam as indenizações que lhes eram devidas em tempo recorde, contando ainda com assistência para enquadramento nos programas habitacionais dos governos estadual e federal. É possível ainda imaginar a economia de gastos com os processos que foram evitados e com os encargos financeiros que deixaram de incidir sobre o valor das indenizações.

No segundo caso, a Procuradoria do estado do Rio de Janeiro liderou a implantação da Câmara de Resolução de Litígios de Saúde, prática colaborativa que procura atender, de forma antecipada, às pessoas que tradicionalmente buscam medicamentos, tratamentos ou internações por meio de ações judiciais. O atendimento feito por profissionais da área de saúde, com a supervisão de procuradores e defensores públicos, tem alcançado altos índices de conciliação prévia dos interesses em jogo e produzido a entrega mais ágil e desburocratizada dos remédios e serviços devidos pelo Poder Público.

Em suma, tais iniciativas demonstram que é possível enfrentar o problema da litigiosidade de massa envolvendo o Estado com meios alternativos à judicialização, sem relegar aqueles que têm pretensões legítimas contra a Fazenda Pública a segundo plano. Ao contrário, desjudicializar pode se tornar, em muitos casos e sem nenhum paradoxo, a forma mais eficaz de fazer justiça.

Um panorama: o novo Código de Processo Civil

Maria Carolina Akel Ayoub
Juíza Federal Substituta da 2ª Região. Pós Graduada em Direito Processual Civil pela Escola Paulista da Magistratura (EPM).
Elaborado e publicado em Jus Navegandi em 04/2015

O novo CPC remeteu os livros do antigo CPC para a chamada Parte Especial e extraiu desses mesmos livros temas reputados como gerais para tratamento uniforme nos diversos processos e ritos.

A sociedade, como um organismo vivo, mudou ao longo do tempo; e com ela as leis. O próprio CPC/73 sofreu diversas reformas, algumas bastante profundas (como a disciplina da tutela antecipada e do processo sincrético).

Ocorreu que apesar das reformas perpetradas no diploma, a coerência do sistema ficou comprometida e as normas ineficientes perante a alta litigiosidade que se instaurou principalmente após a Constituição Federal de 1988.

A razoável duração do processo passou a ser direito constitucionalmente previsto e a figura do Juiz Gestor uma exigência. 

Nesse contexto, vislumbrou-se a necessidade de um novo código; de um diploma que estivesse em consonância com a atual Constituição e com a verdadeira instrumentalidade do processo. Um conjunto de normas sistematicamente coerente e atento à nova realidade social. Nesse sentido, foi concebido o Novo Código de Processo Civil, que entrará em vigor em 2016.

Analisando os índices do antigo e do novo Código de Processo Civil já é possível verificar grandes mudanças e inovações.

O antigo CPC, Lei n. 5.869 de 11 de janeiro de 1973, com aproximadamente 1.220 artigos, é organizado em 5 (cinco) livros: 

Livro I – Do Processo de Conhecimento

Livro II – Do Processo de Execução

Livro III - Do Processo Cautelar

Livro IV – Dos Procedimentos Especiais

Livro V – Das Disposições Finais e Transitórias.

O Novo CPC, Lei n. 13.105 de 16 de março de 2015, tem 1.072 artigos e é dividido em 2 partes: uma geral e outra especial.

A Parte Geral tem 6 (seis) livros:

Livro I – Das Normas Processuais Civis

Livro II – Da Função Jurisdicional

Livro III – Dos Sujeitos do Processo

Livro IV – Dos Atos Processuais

Livro V – Da Tutela Provisória

Livro VI – Da Formação, da Suspensão e da Extinção do Processo.

Já a Parte Especial tem 4 (quatro) livros:

Livro I – Do Processo de Conhecimento e do Cumprimento de Sentença

Livro II - Do Processo de Execução

Livro III – Dos Processos nos Tribunais e dos Meios de Impugnação das Decisões Judiciais

Livro Complementar - Disposições Finais e Transitórias

Percebe-se que de certa forma o novo CPC remeteu os livros do antigo CPC para a chamada Parte Especial e extraiu desses mesmos livros temas reputados como gerais para tratamento uniforme nos diversos processos e ritos. Esta mudança na organização do Código ensejou o aumento do número de Livros e a repartição do novo diploma em Parte Especial e Parte Geral.

Na Parte Geral, o novo Código introduz suas disposições mencionando a ordem constitucional, buscando trazer a lume a ideia de um direito processual atento à Constituição Federal, fundamento de existência e de validade de todo o ordenamento jurídico.

Nesse sentido, desde logo estampa o novo diploma que: “Art. 1º. O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”.

Esta atenção à Constituição ocorre porque, conforme exarado na exposição de motivos, deve-se “deixar de ver o processo como teoria descomprometida de sua natureza fundamental de método de resolução de conflitos, por meio do qual se realizam valores constitucionais”[1].

Então, além de inovar toda a estrutura de organização das normas processuais, o novo CPC se adequa perfeitamente à nova ordem constitucional homenageando o neoconstitucionalismo e a força normativa da Constituição.

Trata-se de verdadeira evolução do sistema que culminou também com outras mudanças inseridas no novo Código. Uma dessas mudanças, de grande importância, foi a extinção do livro relativo ao processo cautelar. Agora o novo CPC trata do tema na parte geral, Livro V “Da tutela provisória”, consagrando as já nomeadas pela doutrina “tutela da evidência e da urgência”.

Esta mudança é sensível, pois a sociedade contemporânea vive uma realidade instantânea. As informações circulam cada vez mais rápido e as demandas exigem na mesma medida mais tutelas provisórias. Com o novo regramento, a tutela provisória passou a ser tratada de forma mais condizente com a atual “Era da informação e reação”.

A atual Era também é da quantidade. São mais de 90 milhões de demandas em trâmite no Brasil[2]. Por isso, o Poder Judiciário atualmente se guia por números, relatórios, metas e gerenciamento. Mas somente isso não soluciona o alto índice de demandas no Brasil. Neste ponto, o Código de Processo Civil é fundamental e, por isso, o novo diploma busca um processo simples e célere.

Para ser célere, o processo conta com diversos instrumentos. Um deles é a observância dos precedentes. Friamente pode-se dizer que o Brasil conta com quatro instâncias (na Justiça Comum: 1º e 2º graus, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal) e muitos recursos.

Neste ponto, o papel dos precedentes é de suma importância. Apesar da independência que conta todo Magistrado, deve a decisão judicial observar a tese jurídica que já é pacífica nas Cortes Superiores, conferindo estabilidade, segurança jurídica e isonomia a sociedade. Deve-se ao máximo evitar a chamada “justiça lotérica”.

Claro que isso não significa engessamento do sistema, até porque o Magistrado pode excepcionar o entendimento já firmado da Corte Superior demonstrando sua inaplicabilidade no caso concreto. Isso inclusive é expressamente previsto no novo CPC (art. 489, inciso VI).

Além da estabilidade e isonomia, a observância dos precedentes desagua na contenção de recursos e, logo, contribui para a celeridade processual.

Visando também conter a alta quantidade de processos, novos institutos foram criados com inspiração no direito estrangeiro, já que a atual época é de interpenetração das civilizações[3].

O novo Código inspirado no direito alemão introduziu o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Por meio deste incidente, serão identificados os processos que tenham a mesma questão de direito para decisão conjunta.

Este incidente combate a coexistência de decisões conflitantes em um cenário de multiplicação expressiva de demandas repetidas.

Outro viés que foi fortemente abordado pelo novo CPC é o relativo aos métodos de solução de conflitos. A conciliação ganhou destaque e teve tratamento específico na Seção V e na Parte Especial, Livro I, Capitulo V.

Isso porque “entendeu-se que a satisfação efetiva das partes pode dar-se de modo mais intenso se a solução é por elas criada e não imposta pelo juiz[4]”. Trata-se de uma releitura do que significa a verdadeira paz social buscada pelo Poder Judiciário na solução de conflitos.

Essas são só algumas medidas tomadas pelo novo CPC para que haja celeridade e uniformidade nos diversos processos existentes.

Ressalta-se também o tratamento especial dado pelo novo diploma à cooperação internacional que passa a ter capítulo próprio.

Cuida-se de um avanço sintonizado com a globalização há muito tempo existente, que elimina fronteiras e exige diálogo constante entre os Estados. O que antes era regional, hoje não mais o é. Isso é um viés internacional que não poderia passar despercebido pelo novo Código.

Outra sensível inovação foi a feita no “Livro III – Dos Sujeitos do Processo” que tratou sobre as despesas, os honorários advocatícios e as multas de forma mais minuciosa do que o CPC/73. Além disso, abordou o tema da gratuidade da justiça, matéria até então disciplinada quase exclusivamente pela Lei n. 1.060/50.

A intervenção de terceiros passou também por mudanças não menos importantes. O Título III da Parte Geral trata da assistência, da denunciação da lide e do chamamento ao processo, do incidente de desconsideração da personalidade jurídica e sobre o amicus curiae. A oposição passou a ser tratada na Parte Especial, Título III, Capítulo VIII.

Quanto aos pronunciamentos do juiz, existem três pontos relevantes no novo CPC: i) o art. 203, § 1o, buscou estancar a polêmica existente e trazer um novo conceito de sentença; ii) a fundamentação da sentença foi tratada de forma meticulosa pelo art. 489; em especial, destaca-se a parte que considera não fundamentada qualquer decisão judicial que não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; e iii) o art. 12 passou a prever o julgamento conforme a ordem cronológica dos processos.

Além disso, alguns já demonstraram preocupação com o que prevê o art. 10: “juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”.

Vislumbro que a intenção do dispositivo é de conferir prévio contraditório sobre fundamentos sensíveis capazes de definirem o resultado da demanda. O artigo não exige que o fundamento tenha surgido das partes. O juiz verificando que existe algo relevante no processo que por equívoco ou por outra razão não foi abordado, deve colocar o tema em pauta para então decidir.

Enfim, o presente artigo teve por fim apresentar uma visão panorâmica do novo CPC, indicando alguns pontos que sofreram mudança na nova codificação. Não se busca esgotar o tema neste exíguo espaço, mas tão somente introduzir a ideia em que se funda o novo CPC. Pontos específicos do novo diploma merecem análise profunda em artigos próprios que logo serão publicados. De toda forma, já é possível verificar a evolução normativa promovida pelo novo diploma que certamente muito contribuirá para a justiça brasileira.

Notas

[1] http://www.direitoprocessual.org.br/download.php?f=91dfbdf0bc0509a427a0c18c2ca194b3

[2] http://www.amab.com.br/noticias/detalhe/noticia/2409-justica-em-numeros-aponta-quase-100-milhoes-de-processos-em-tramite-no-pais/?cHash=116fee3cbc5ad315d0b340dae4a7bb47

[3] http://www.direitoprocessual.org.br/download.php?f=91dfbdf0bc0509a427a0c18c2ca194b3

[4] http://www.direitoprocessual.org.br/download.php?f=91dfbdf0bc0509a427a0c18c2ca194b3

Nem Moro nem mora: certeza do castigo sem demora
Luiz Flávio Gomes
Publicado em Jus Brasil -24.04.2015 por Luiz Flávio Gomes - Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).

A lentidão dos processos e a impunidade constituem duas marcas registradas do nosso deplorável subdesenvolvimento. No âmbito criminal, entende o STF que a presunção de inocência impede a prisão do condenado até o último recurso possível (incluindo os extraordinários e especiais para os tribunais superiores). Isso criou (com maior facilidade para os ricos) a chamada “indústria dos recursos”, que impede a execução imediata das sentenças judiciais (ainda que confirmadas em dois graus de jurisdição).
Nem Moro nem mora certeza do castigo sem demora

Reagindo contra essa anômala leniência, há poucos dias Sérgio Moro (juiz do caso Lava Jato) e Antônio César Bochenek (Presidente da Associação dos Juízes Federais) apresentaram uma das propostas mais disparatadas e descabeladas depois da redemocratização (1985): querem “atribuir à sentença condenatória de primeiro grau, para crimes graves em concreto (sic), como grandes desvios de dinheiro público (sic), uma eficácia imediata, independentemente do cabimento de recursos” (Estadão 29/3/15). Fiquei arrepiado e de cabelo em pé com essa destemperada ideia, gritantemente inconstitucional e inconvencional (porque violadora da presunção de inocência; e que recupera, de sobra, o sistema fascista do Código de Processo Penalde 1941, aprovado pelo ditador Getúlio Vargas, sob os auspícios de Francisco Campos).

A proposta intermediária (que deveria merecer a atenção do legislador brasileiro) veio de Cezar Peluso (ex-presidente do STF), que sugeriu uma PEC no sentido de estabelecer o final do processo após duas decisões judiciais. O Brasil é o único país do mundo (diz Peluso) em que um processo pode percorrer quatro graus de jurisdição: juiz, tribunal local ou regional, tribunal superior e Supremo Tribunal Federal (STF). O sistema atual produz intoleráveis problemas, como a “eternização” dos processos, a sobrecarga do Judiciário e a morosidade da Justiça. Pela PEC dos Recursos, eventuais recursos às cortes superiores não impedirão a execução imediata das decisões dos tribunais estaduais e regionais. Tais decisões, aliás, em geral são mantidas pelas cortes superiores. Em 2010, por exemplo, o STF modificou as decisões dos tribunais inferiores em apenas 5% dos recursos que apreciou. Em se tratando de prisão ilegal, sempre haveria o habeas corpus para reparar a injustiça.

O jornalista Pimenta Neves matou sua colega de trabalho Sandra Gomide e, depois de esgotar todos os recursos, demorou mais de 11 anos para iniciar o cumprimento da pena de prisão. Isso é escatológico! Se a atual jurisprudência do STF é leniente (porque estimula os chamados recursos protelatórios) e se a proposta de Moro é aberrante e inconsequente (porque parte da premissa de que os juízes de primeiro são deuses que não erram), resta o caminho intermediário de Cézar Peluso, que tem total coerência seja com os tratados internacionais de direitos humanos (Convenção Americana de Direitos Humanos, sobretudo), seja com a jurisprudência do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, que asseguram o duplo grau de jurisdição em todos os casos criminais. A presunção de inocência, para o efeito de impedir a execução imediata das sentenças condenatórias, vale nestes dois graus (regra que foi violada descaradamente no caso mensalão do PT). Nem o caminho sumário inquisitivo de Moro, nem o entendimento protelador do STF. In medio est virtus. Sem demora, cabe ao legislador brasileiro priorizar o tema e prestar atenção nessa tese que evita tanto injustiças como a impunidade (esta decorrente da falta da certeza do castigo, que é uma das pragas mais nefastas do nosso subdesenvolvido país).

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Opinião de 3ºs

Nesta 6ª feira como prometido quando criei esta seção (17.04)teremos a postagem "Opinião de 3ºs" com um artigo de um(a) amigo(a) deste blogueiro. Na 6ª feira que vem, teremos novamente um artigo meu.

Hoje, para  apreciação de vocês posto o artigo de Beatriz Mesquita,cronista brasiliense. Obrigado Bia. Este espaço estará sempre aberto para você!!

Beatriz Ramos

 A memória de um povo


Eu tinha 27 anos quando morreu Tancredo Neves. Havia acabado de parir meu segundo filho e mudar para Brasília. Minha vida mudou no mesmo ritmo que a do Brasil. No ano anterior morava no Rio, trabalhava no Palácio Guanabara, profundamente engajada na Campanha das Diretas Já e, em um piscar de olhos, me vi no Planalto Central acompanhando, pela tela fria da televisão, a frustração dos brasileiros no velório de Tancredo.

Trinta anos depois é impossível deixar de imaginar o que seria o Brasil, se o primeiro presidente do período pós-ditadura militar não houvesse morrido. Embora se diga que os dezesseis anos do golpe nos privaram de uma geração de bons políticos, a verdade é que, duas gerações após seu término, não vejo despontar ninguém que se compare aos que brilhavam, então.

Onde os Ulysses Guimarães, Mários Covas,Tancredos Neves, Fernandos Henriques, Brizolas e tantos outros que não vou citar para não cometer a injustiça do esquecimento? Basta resgatar as fotos dos palanques dos comícios das Diretas Já para ver quem são. Em que leitos dormem distraídos os estadistas, os políticos vocacionados, realmente interessados em trabalhar pelo bem do povo, não em busca de enriquecimento pessoal, em detrimento do país?

No momento mesmo em que escrevo, o relator do Orçamento no Congresso, senador Romero Jucá, triplicou a verba prevista para o fundo partidário, estabelecendo um valor recorde de R$ 867,5 milhões, devidamente sancionado pela presidente Dilma Rousseff. Ao mesmo tempo em que socorrem os partidos atingidos pelo fim das doações das empreiteiras envolvidas na Lava-Jato,  pedem à população que pague ainda mais impostos para sanar o rombo deixado pela corrupção e pela inépcia.

A concepção grega do político como homem nascido livre e igual, com direito a falar na Ágora e discutir sobre o que a cidade poderia ou não fazer; nos autoriza a inferir que, em sua origem, o político era a voz dos que não a tinham. Quanta diferença de hoje, em que políticos ignoram a voz das ruas e somos governados por uma administração reprovada por 60% da população, segundo a última pesquisa Datafolha, e considerada apenas regular por mais 27%. Quem nos representa? Quem fala por nós? Não há democracia sem representação popular.

Vivemos um momento tão especial neste abril de 2015 quanto o foi o distante abril de 1985. Há trinta anos éramos um povo cheio de esperança e sonhos de um futuro melhor. Sem tortura, sem injustiça social, sem privilégios, sem mordaças, sem a censura personificada na figura da Dona Solange, imortalizada pela irreverência do Pasquim. Pessoas que não se conheciam sorriam, cúmplices, na rua; um novo mundo estava nascendo.

Hoje somos uma nação desolada, cabisbaixa. Não há mais sonho; fomos vencidos por quem jurou nos defender. Uma sucessão de péssimos administradores e políticos de ocasião, com a devida exceção para os dois governos Fernando Henrique Cardoso - um político sério, apesar dos erros que cometeu -, nos levou tudo: esperança, saúde, educação, segurança, teto, dignidade, economia estável e, principalmente, memória.

As novas gerações, educadas por professores aparelhados e criminosamente tendenciosos, passaram por um condicionamento tal que não conseguem mais distinguir a verdade da fantasia. Em um país onde já não há partido de direita no poder há anos, chamam de reacionário a quem está um pouco menos à esquerda do que eles e reinventam a História recente sem pudor. Por que não?

Aqui se pode tudo. De “pedaladas” fiscais a mudar a Lei de Responsabilidade Fiscal no apagar das luzes de 2014, para evitar que a presidente Dilma Rousseff fosse enquadrada por ela. De fazer o diabo para se reeleger, destruindo reputações, mentindo sem corar, até fazer exatamente tudo o que prometeu não fazer, antes mesmo de tomar posse no segundo mandato.

Acontece, como já dizia Karl Marx, que o PT deveria ler até por obrigação...digamos...profissional: que “A História se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa ...”. Assim como nas Diretas Já e no impeachment do Collor, o povo está nas ruas. Por vontade própria, convocado por redes sociais que não existiam naquela época.

Conseguimos o impeachment de Collor graças a um Fiat Elba. Os bilhões de reais, contabilizados até agora, no que é chamado no exterior como “O Maior Escândalo do Mundo”, ainda não comoveram Parlamento e Judiciário, o povo ainda está só; nas ruas e em seu desejo de ver o governo petista fora do Planalto – somos 63%, como mostra a pesquisa Datafolha.

Não vamos nos render, como disse o então presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro: “o que o povo quer, esta casa acaba querendo”. E o povo quer um governo mais enxuto; transparente; quer saber o que fizeram com o dinheiro de seus impostos, altíssimos, aliás; quer abrir a caixa-preta dos empréstimos do BNDES e dos fundos de pensão; quer contas de luz mais baixas e comida mais barata. O povo definitivamente não quer pagar a conta da corrupção de um governo que desaprova.

O povo quer ser ouvido. O momento é delicado e espera-se dos políticos que estejam à altura dele.






terça-feira, 21 de abril de 2015

Comentários de Notícias e Artigos Jurídicos

Antes de começar a postagem de hoje aviso a todos que não teremos postagens amanhã e na 5ª feira porque o blogueiro coroa vai viajar para colocar "coroas" em sua boca, rsrs.  As postagens retornam na 6ª feira! 

Vamos à postagem desta 3ª feira. Como sempre meus comentários das notícias e artigos jurídicos estarão em vermelho.

Em caso de acúmulo, titular pode escolher benefício mais vantajoso

Nos casos de acúmulo de benefício da Previdência, o titular tem o direito de escolher a prestação que lhe for mais vantajosa. Foi o que decidiu a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais ao apreciar o recurso interposto por uma mulher que já recebe pensão por morte contra acórdão da Turma Recursal da Paraíba que lhe negou a possibilidade optar pela aposentadoria por idade pelo Instituto Nacional de Seguridade Social.

O juiz federal Daniel Machado da Rocha, relator do processo na TNU, constatou que a requerente é beneficiária de cota-parte de pensão por morte, no valor global de um salário mínimo, que é dividido entre ela, a mãe e dois irmãos. Ressalvou que o INSS apresentou proposta para que a autora optasse por receber o benefício assistencial pleiteado, ao invés de continuar a ratear a pensão por morte. Porém, por causa de uma divergência sobre a data de início do benefício, a autora não aceitou a transação.

O acórdão da Turma Recursal manteve a decisão com os mesmos argumentos da sentença, não reconhecendo a possibilidade de a parte autora optar pelo benefício que lhe seria mais benéfico. A negativa foi dada com base no artigo 20, parágrafo 4º, da Lei 8.742/93, que veda a acumulação do amparo assistencial com qualquer outro benefício no âmbito da seguridade social.

Para o relator, a norma não pode ser interpretada de maneira literal e acrítica. “A questão veiculada neste incidente, e que demanda a uniformização por parte desta Turma Nacional, diz respeito à possibilidade de a parte autora exercer o direito de opção pela prestação mais benéfica; no seu caso, o benefício assistencial, quando ela percebe cota de pensão por morte”, afirmou.

O juiz lembrou que o STF e o STJ já pacificaram entendimento pelo qual “em respeito aos princípios da igualdade e da razoabilidade, deve ser excluído do cálculo da renda familiar per capita qualquer benefício de valor mínimo recebido por maior de 65 anos, independentemente se assistencial ou previdenciário, aplicando-se, analogicamente, o disposto no parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso”.

Na avaliação dele, a lógica é a mesma para o caso da beneficiária, pois a interpretação literal fere os princípios da isonomia, da universalidade e da mais ampla proteção previdenciária. “Por conseguinte não me escapa que, se a mãe da autora fosse aposentada por invalidez, recebendo benefício de valor mínimo, a renda familiar seria exatamente a mesma e o direito ao benefício teria sido reconhecido”, disse.

E decidiu: “forte em tais argumentos, entendo que o presente incidente deve ser conhecido e provido, para fixar a tese de que os beneficiários que recebem cota de pensão podem exercer o direito de opção pelo benefício assistencial, sem que isto viole o parágrafo 4º do artigo 20 da Lei 8.742/923. Assim o processo deve retornar a Turma Recursal para adequação do julgamento a premissa aqui fixada”. Com informações da assessoria de imprensa do CJF.

Processo: 0510941-91.2012.4.05.8200

Decisão justa. Parabéns Sr. Julgador.


STF julgará se companheiro e cônjuge devem ter heranças diferentes

Publicado por  Consultor Jurídico 

A existência de regimes sucessórios diferentes para cônjuge e companheiro será decidida pelo Supremo Tribunal Federal. A corte reconheceu a repercussão geral de um recurso extraordinário contra o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais que negou à autora o direito à totalidade da herança porque vivia em união estável. A ação está sob a relatoria do ministro Luís Roberto Barroso.

A primeira instância reconheceu a companheira como herdeira universal do morto ao dar tratamento paritário ao instituto da união estável em relação ao casamento. Mas o TJ-MG reformou a sentença. Ao julgar um recurso contra a decisão, a corte reconheceu a constitucionalidade do inciso 3º do artigo 1.790 do Código Civil.

Pelo dispositivo, na falta de descendentes e ascendentes, o companheiro faz jus, a título de herança, unicamente a um terço dos bens adquiridos onerosamente durante a união estável, pois concorre com os colaterais até quarto grau, devendo ser excluída sua participação como herdeiro dos bens particulares da pessoa falecida.

Insatisfeita com a decisão, a companheira recorreu ao STF. Alegou que o artigo 1.790do Código Civil prevê tratamento diferenciado e discriminatório à companheira em relação à mulher casada e alega violação aos artigos , inciso 1º, e 226, parágrafo 3º, ambos da Constituição.

A autora alegou também que o acórdão do TJ-MG viola o princípio da dignidade da pessoa humana, pois permitiu a concorrência de parentes distantes do morto com o companheiro sobrevivente. No recurso, ela pediu a aplicação do artigo 1.829 do Código Civil, que define a ordem para a sucessão legítima, com a finalidade de equiparar companheiro e cônjuge.
Repercussão social

Para o relator do caso, além do caráter constitucional, a controvérsia possui relevância social e jurídica que ultrapassa os interesses subjetivos da causa. Barroso explicou que a natureza constitucional reside no debate sobre a validade dos dispositivos do Código Civil que preveem direitos sucessórios distintos ao companheiro e ao cônjuge, distinguindo a família proveniente do casamento e da união estável.

Ele lembrou que conforme o princípio da isonomia e do artigo 226, parágrafo 3º, da Constituição, a união estável entre o homem e a mulher foi reconhecida como entidade familiar para efeito da proteção do Estado.

Segundo o ministro, a ação também tem relevância do ponto de vista social por tratar da proteção jurídica das relações de família num momento de particular gravidade: a perda de um ente querido, podendo resultar numa situação de desamparo emocional e financeiro.

“Por fim, a discussão é passível de repetição em inúmeros feitos, impondo-se o julgamento por esta corte a fim de orientar a atuação do Judiciário em casos semelhantes. A decisão, assim, ultrapassa os interesses subjetivos da causa”, afirmou o ministro em manifestação pelo reconhecimento da repercussão geral. O entendimento foi seguido por unanimidade em deliberação do Plenário Virtual do STF.

Com informações da assessoria de imprensa do STF.

RE 878.694

Companheiro e o cônjuge, em minha opinião, devem ter direitos sucessórios iguais. O casamento  e a união estável se diferirerem por causa de um papel(certidão de casamento) é inconstitucional e assim deverá ser julgado, enquanto não alterarem a legislação civil.


A incidência do ICMS no comércio eletrônico

Foto do Usuário


Raphael Funchal Carneiro -Advogado Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Pós Graduado em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera – Uniderp.<br>

Resumo: Trata o presente de analisar a incidência do Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação – ICMS, nas operações realizadas no comércio eletrônico. Aborda a declaração de Inconstitucionalidade do protocolo n° 21/2011 do Confaz e a promulgação da Emenda Constitucional nº 87/2015. Os principais aspectos do contrato eletrônico.


Palavras-chave: Comércio eletrônico. Contrato eletrônico. Incidência do ICMS. Emenda Constitucional nº 87/2015.

Sumário: 1- Introdução. 2 – O comércio eletrônico e o contrato eletrônico. 3 - A Incidência do ICMS no comércio eletrônico. 4 – Conclusão. 5 – Bibliografia.

1 - Introdução.

Com a modernidade novas formas de relações e comunicações são formadas, destacando-se como principal ferramenta a internet, que é um sistema global de redes de computadores interligadas que utilizam o conjunto de protocolos padrão da internet (TCP/IP) para servir inúmeros usuários no mundo inteiro.

A internet permitiu e acelerou a criação de novas formas de interações humanas através de mensagens instantâneas,fóruns de discussão e redes sociais. O comércio on-line tem crescido tanto para grandes lojas de varejo quanto para pequenos comerciantes. Os serviços financeiros na internet afetam as cadeias de abastecimento através de indústrias inteiras.

O comércio on line, comércio eletrônico, e-commerce, comércio virtual ou venda não presencial, está em constante evolução e crescendo a cada ano. Exemplo disto é o número de compras realizadas de forma virtual no Brasil, um total de 12 milhões no ano de 2009.

A legislação tem que ser atualizada para regular as relações jurídicas realizadas on line, como os contratos eletrônicos de compra e venda e a incidência de tributos sobre a circulação de mercadorias.

No tocante a tributação, surgem as discussões referentes à incidência do ICMS no âmbito do comércio eletrônico. O aspecto material e temporal do fato gerador, a possibilidade de uma “guerra fiscal” entre os estados e a forma de cobrança e arrecadação.

2 – O comércio eletrônico e o contrato eletrônico.

O comércio baseia-se na troca voluntária de produtos, podendo ser bilateral ou multilateral. Na sua forma original, o comércio fazia-se por troca direta de produtos de valor reconhecido. Os comerciantes modernos costumam negociar com o uso de um meio de troca indireta, o dinheiro. Consequentemente é possível separar a compra da venda. A invenção do dinheiro (e subsequentemente do crédito, papel-moeda e dinheiro não-físico) contribuiu grandemente para a simplificação e promoção do desenvolvimento do comércio.

O comércio eletrônico é a transação comercial feita especialmente através de um equipamento eletrônico, como os computadores, os tablets e os smartphones. Compreende qualquer tipo de negócio/transação comercial que implica a transferência de informação através da internet. Existem diferentes tipos de negócio que se estabelecem por e-commerce, B2B (Business to Business) ou B2C (Business to Consumer) que se dirige diretamente ao consumidor. Este último está em franco crescimento nas diversas áreas de negócio de bens e serviços, com a proliferação também da oferta de criação de lojas on-line. [1]

O comércio Business-to-Business (B2B) engloba todas as transações eletrônicas efetuadas entre empresas, e o Business-to-Consumer corresponde ao tipo de transação estabelecida entre uma organização/empresa e o consumidor final.

O negócio eletrônico aumenta a eficiência, reduzindo custos e estabelecendo relações mais próximas com os clientes, fornecedores e colaboradores. A principal diferença desta forma de comércio para as demais é a utilização do meio eletrônico ao invés do elemento físico como instrumento de realização das trocas.

Os negócios realizados no comércio eletrônico são formalizados por contratos eletrônicos, que são justamente aqueles contratos avençados pela via eletrônica, podendo ter como objeto qualquer tipo de negócio jurídico. No contrato de compra e venda o comprador adquire eletronicamente o produto, que pode ser entregue diretamente on line ou indiretamente pelos correios ou demais formas de entrega.


Deste modo, um consumidor pode acessar um site eletrônico de uma empresa qualquer para verificar os produtos oferecidos, com as suas especificações e características. Se o produto for do interesse do consumidor, este pode realizar a compra on line selecionando a quantidade do produto e a forma de pagamento. Enviado os dados para realização da compra e venda a empresa emite via e-mail uma confirmação de pedido e aguarda a confirmação do pagamento, mediante uma das formas selecionadas (cartão de crédito, boleto, débito em conta). Recebido o pagamento a empresa envia por e-mail a confirmação do mesmo e a data do envio e recebimento da mercadoria adquirida no site eletrônico. O envio geralmente é feito pelo correio. Recebida a mercadoria sem defeitos pelo consumidor o contrato de compra e venda formalizado eletronicamente está finalizado.

O Decreto nº 7.962/2013 que regulamenta a lei nº 8.078/90, Código de Defesa do Consumidor, dispõe sobre a contratação no comércio eletrônico. Traça como principais aspectos a clareza das informações a respeito do produto, serviço e do fornecedor, o atendimento facilitado ao consumidor e o respeito ao direito de arrependimento.

O momento de formação do contrato é o da confirmação do recebimento da aceitação da oferta, e se aplicam a eles os dispositivos do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor.

A lei nº 12.965/2014 estabelece os princípios, as garantias, os direitos e deveres para o uso da internet no Brasil e determina as diretrizes para a atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em relação à matéria.

3 – A incidência do ICMS no comércio eletrônico.

O ICMS é instituído no artigo 155, inciso II da Constituição da República Federativa do Brasil de 88, e a lei complementar nº 87/96 o regulamenta por força do inciso XII da Constituição.

Na Constituição da República Federativa do Brasil de 88, o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação foi posto na competência dos Estados-membros e representa a adição, ao ICM anterior, dos antigos impostos únicos federais sobre energia elétrica, combustíveis e lubrificantes e minerais do país e, também, dos impostos federais sobre transportes de pessoas e cargas que não fossem estritamente municipais e sobre comunicações. [2]

O fato gerador do ICMS é a operação de circulação de mercadorias, assim entendida a operação jurídica que transfira a sua titularidade, como na compra e venda em que ocorre a efetiva tradição da coisa vendida.

Mercadoria é o bem objeto de comércio (compra e venda). Para que um bem móvel seja caracterizado por mercadoria, é necessário evidenciar sua finalidade de venda ou revenda. Deste modo, a qualidade que distingue o bem móvel da mercadoria se consubstancia no propósito que é a destinação comercial.

O aspecto temporal do fato gerador é a saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte, que ocorre por meio de um negócio jurídico translativo da titularidade do bem. O conceito de estabelecimento é fixado no § 3º do artigo 11 da lei complementar nº 87/96.

Entende-se por estabelecimento o local, privado ou público, edificado ou não, próprio ou de terceiro, onde pessoas físicas ou jurídicas exerçam suas atividades em caráter temporário ou permanente, bem como onde se encontrem armazenadas mercadorias. Na impossibilidade de determinação do estabelecimento, considera-se como tal o local em que tenha sido efetuada a operação ou prestação, encontrada a mercadoria ou constatada a prestação, sendo autônomo cada estabelecimento do mesmo titular.

Deste modo, para o legislador o local de ocorrência do fato gerador do ICMS é qualquer lugar onde se puder caracterizar a existência de uma operação de circulação de mercadoria, existindo ou não um estabelecimento físico do contribuinte.

No caso do comércio eletrônico existe a ocorrência do fato gerador do ICMS, que é a operação de circulação de mercadorias por meio do contrato de compra e venda formalizado pela internet, telemarketing, e outros. O momento da ocorrência do fato gerador é a saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte para envio ao comprador, sendo a base de cálculo o valor da operação de compra e venda.

Isto porque a comercialização de uma mercadoria pelos meios eletrônicos é semelhante à comercialização tradicional, diferenciando-se na forma de contratação. No comércio eletrônico o contrato se formaliza de modo virtual. As demais etapas da operação de circulação da mercadoria ocorrem do mesmo modo que na compra e venda não virtual, pois saem de um depósito ou estabelecimento do vendedor para serem enviados ao comprador.

Como dito anteriormente, a internet interliga pessoas do mundo todo, de forma que é possível um consumidor adquirir um produto de outro país por meio eletrônico. Neste caso, a alínea a do inciso IX do § 2º do artigo 155 da Constituição da República Federativa do Brasil de 88, dispõe que o ICMS incidirá sobre a entrada do bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço.

O sujeito passivo é aquele que tem o direito de propriedade e a posse da mercadoria, para efetuar a saída do local onde se acha ou para transferir esta propriedade. Neste sentido é o artigo 4º da lei complementar nº 87/96, que dispõe ser contribuinte qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.

O referido artigo 4º da lei complementar nº 87/96 se alinha ao comando do artigo 121 do Código Tributário Nacional que dispõe ser contribuinte o sujeito passivo que tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador.

A base de cálculo, na saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte ou na transmissão de propriedade da mercadoria que não transite pelo estabelecimento transmitente, é o valor da operação, conforme disposto no artigo 8º inciso I da lei complementar nº 87/96.

No caso de mercadorias vindas do exterior a base de cálculo será a soma do valor da mercadoria ou bem constante do documento de importação, acrescido do imposto de importação, do IPI, do IOF, e de quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras, conforme alínea a do inciso V do artigo 13 da lei complementar nº 87/96.

Tratando-se de mercadoria ou bem, o local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é o do estabelecimento onde se encontre, no momento da ocorrência do fato gerador, considerando-se ocorrido o fato gerador no momento da saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte.

A saída da mercadoria pode ser destinada a outros Estados, e neste caso a base de cálculo é o valor da operação acrescido das despesas de seguro, juros, frete, e demais importâncias pagas, recebidas ou debitadas (artigo 13, I e § 1º II da LC 87/96).

O inciso VII do § 2º do artigo 155 da CRFB de 88 dispõe que em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços ao consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á: a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto; b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele; na hipótese da alínea "a" do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente a diferença entre a alíquota interna e a interestadual.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 88 adotou o princípio do Estado de origem nas operações interestaduais. Neste caso, as mercadorias e serviços que circulam de um Estado a outro, independentemente de seu destino, incorporam no preço os impostos pagos no Estado de origem (ou exportador), inexistindo interrupção na cadeia de operações do produtor ao consumidor final. É assim, irrelevante que o bem ou o serviço se transfira de um Estado a outro, havendo verdadeira integração e unidade no mercado, formado por distintos Estados. [3]

Nos casos de saída da mercadoria para outros Estados é que ocorrem as controvérsias envolvendo a sujeição ativa para a cobrança do imposto. Os Estados de destino da mercadoria alegam a titularidade para cobrança do ICMS em razão da operação não ser presencial no estabelecimento do contribuinte e sim virtual.

Em outras palavras, trata-se de impedir que apenas os Estados de origem, normalmente situados no Sul e no Sudeste do país, regiões que agregam a maior parte dos centros de produção e distribuição de produtos industrializados, fiquem com a totalidade do imposto devido nessa operação. [4]

No dia 01 de abril de 2011, o Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ, propôs o Protocolo ICMS 21/2011, que foi ratificado por 19 estados brasileiros (Acre, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Rondônia e Sergipe e o Distrito Federal). Este protocolo disciplina a exigência do ICMS nas operações interestaduais, realizadas de forma não presencial (via e-commerce), que destinem mercadorias ou bem ao consumidor final.

De acordo com o Protocolo, o estado de origem da mercadoria passa a ser sujeito passivo por substituição tributária, tendo a responsabilidade pela retenção e pelo recolhimento da parcela do ICMS devido ao Estado de destino.

O objetivo do Protocolo ICMS n. 21/2011 é, em síntese, instituir fórmula de partilha, entre o Estado de origem e o de destino, das receitas do ICMS incidente nas aquisições não presenciais realizadas por consumidor final não contribuinte do imposto, celebradas por internet, telemarketing ou em showroom. Ocorre que os Estados do Sul e Sudeste não ratificaram o protocolo.

O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do referido protocolo no Recurso Extraordinário nº 680.089/SE, por afronta ao artigo 155, § 2º, inciso VII, alínea b, e inciso VIII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Diante do entendimento do Supremo Tribunal Federal a redação do inciso VII, do § 2º do artigo 155 foi alterada pela emenda constitucional nº 87/2015, passando a dispor que nas operações e prestações que destinem bens e serviços ao consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual.

Com a nova regra não existe mais a diferenciação de alíquotas entre destinatário contribuinte e não contribuinte, aplicando-se a alíquota interestadual em ambos os casos.

A referida Emenda Constitucional, também, inseriu no artigo 99 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias uma nova forma de partilha do ICMS, no caso do inciso VII do § 2º do artigo 155, para as operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, não contribuinte, localizado em outro Estado. O imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual será partilhado entre os Estados de origem e de destino, nos percentuais fixados nos incisos I a V do artigo 99.

4 – Conclusão.

Tendo em conta a crescente demanda por produtos e serviços via e-commerce, é necessário que haja uma regulamentação das relações jurídicas dai advindas. Tanto no que se refere aos contratos realizados pelos consumidores, quanto aos tributos incidentes nas operações realizadas no comércio virtual.

O ICMS é o tributo cobrado nas operações de compra e venda de mercadorias no e-commerce. Entretanto, como o referido imposto é Estadual foram ajuizadas demandas questionando a sujeição ativa para cobrança e arrecadação do ICMS. Pretendiam os Estados demandantes a tributação no destino ao invés da tributação na origem como é a regra, dando a palavra final o Supremo Tribunal Federal para confirmar o disposto no artigo 155, § 2º, inciso VII, alínea b, e inciso VIII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

A Emenda Constitucional nº 87/2015 alterou a redação do artigo 99 da CRFB de 88, determinado a partilha dos recursos arrecadados com o ICMS, nas referidas operações interestaduais, para evitar a denominada “guerra fiscal” entre os Estados.

5 – Bibliografia.

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

BATISTA, Daiane Carvalho. A guerra fiscal interestadual do ICMS no comércio eletrônico. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 96, jan 2012. Disponível em: <http:// www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_ id=10993&revista_caderno=26>. Acesso em: 17 de abril de 2015.

CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 18ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

CARRAZA, Roque Antonio. ICMS. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro: volume I: parte geral. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

MACHADO, Hugo de Brito. Lei complementar tributária. São Paulo: Malheiros, 2010.

MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na constituição de 1988. 5ª ed. São Paulo: Dialética, 2004.

OLIVEIRA, Diego Bianchi de; Botelho, Tiago Resende. O desafio da tributação do ICMS no comércio eletrônico. Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS, volume 15, n. 30, Jul./Dez. 2013.

Notas:

[1] Disponível em <pt.wikipedia.org/wiki/Comércio_eletrônico>

[2] Aliomar Baleeiro. Direito Tributário Brasileiro, p. 370.

[3] Aliomar Baleeiro. Direito Tributário Brasileiro, p. 443.

[4] Supremo Tribunal Federal, Plenário, Recurso Extraordinário nº 680.089/SE.

Efetivamente,com o advento da EC nº 87/2015 temos a regulamentação da partilha do ICMS entre os Estados envolvidos nas operações comerciais, entre as quais se encontra a feita pelo comércio eletrônico. Esperamos que dê certo!!

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Momento Cultural

Embora, o blog tenha como assuntos principais o direito e a política, a partir dessa semana, em substituição ao post Frases, Provérbios & Pensamentos, ele passará a ter  o seu Momento Cultural.

Nele, postarei, Ditados Populares, Frases, Músicas, Poesias e outras formas de manifestações artísticas, tudo como o intuito de levar a todos inspiração para a semana que se inicia.

Vamos ao Momento Cultural dessa 2ª feira!! 


Pátria Minha


Vinicius de Moraes

Versão escrita

A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.

Se me perguntarem o que é a minha pátria direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.
Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos…
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias pátria minha
Tão pobrinha!

Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação e o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!

Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.

Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu…

Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda…
Não tardo!

Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.

Pátria minha… A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamem
Que um dia traduzi num exame escrito:
“Liberta que serás também”
E repito!

Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão…
Que vontade de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.
Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.

Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
“Pátria minha, saudades de quem te ama…


Versão declamada pelo Poetinha






12 LIVROS QUE DESBOTARIAM TODOS OS 50 TONS DE CINZA
Ademir Luiz Ademir Luiz em Livros - Revista Bula

Todo mundo só fala desses tais “Cinquenta Tons de Cinza”. Quando não é o livro é o filme. Só faltam lançar vídeo games e quadrinhos desse negócio! O pior é que, até onde sei (só folheie rapidamente os livros e vi o trailer do filme), me pareceram produtos meio-frouxos, meia-bomba. Sem pensar muito dou uma dúzia de livros que certamente fariam corar (a fã de “Crepúsculo”) E. L. James, “autora” dos romances. E nem preciso citar os mais óbvios, como o Decamerão, o Marquês de Sade, o olho de Bataille, os anais de Anaïs Nin, os trópicos de Miller ou os Budas Ditosos do “escritor ninja” João Ubaldo Ribeiro (alguém aí se lembra do ex-imortal vestido de ninja no Casseta & Planeta?). Realmente, a literatura para ser lida com uma mão só já viu dias melhores.


Cântico dos Cânticos, de Deus

É a prova de que até Jeová, como bom judeu que é, consegue escrever literatura erótica melhor do que E. L. James. Como pregou o bom rabino Woody Allen, “sexo só é sujo quando é bem-feito”. Amém.

O Amante, de Marguerite Duras

Ela achava o tal amante racionalmente inferior, feio e velho. Mesmo assim deu. Ouviu isso, senhorita Anastásia Steele? Galã, rico e jovem, até a Demi Moore aceitaria a proposta indecente, sem nem precisar oferecer um milhão!

A Vida Como Ela É, de Nelson Rodrigues

O bom e velho Nelson, um caso raro de reacionário perdoado pelas esquerdas, usando uma vassourinha ao contrário da usada pelo presidente maluquinho Jânio Quadros, espalhava de volta todo o lixo varrido para debaixo do tapete pela respeitável família brasileira. Foi muito criticado quando disse que “nem todo mulher gosta de apanhar. Só as normais”. Anotou essa, Anastásia?

Bórgia, de Milo Manara e Alejandro Jodorowsky

A tetralogia em quadrinhos baseada nas histórias e lendas acerca da famigerada família Bórgia representa o refinamento máximo do traço do mestre Manara e um excepcional exercício de minimalismo literário do sempre exuberante Jodorowsky. Se alguém ainda acha que quadrinhos é coisa de crianças, vai sair chocado da leitura: orgias papais, incesto e castrações é apenas o começo. O chicotinho do senhor Grey não dá nem para as preliminares.

Identidade Frota, de Alexandre Frota

Nesse livro obrigatório, a autobiografia do gênio incompreendido Alexandre Frota, o Forrest Gump brasileiro, fica provado que seu personagem título possui pelo menos uns 500 tons de cinza em degradê. Porque, afinal, o negócio é comer (autocensurado) e (autocensurado).

Tudo o que Você Queria Saber Sobre Sexo, de David Reuben

Pensando bem, o livro é datado e anacrônico. Prefira a adaptação cinematográfica feita pelo bom rabino Woody Allen: “Tudo o que Você Sempre Quis Saber Sobre Sexo (Mas Tinha Medo de Perguntar)”, de 1972. Se o sádico bonzinho Christian Grey levar uma ovelha para o Quarto da Dor / Prazer, aí sim vai merecer sua fama de mau. Nesse quesito, por enquanto, perde para o ex-presidente Lula, que se declarou especialista no assunto.

O Caçador de Pipas, de Khaled Hosseini

O menininho afegão é estuprado no começo do livro por meninos maus (sim, pedagogas, meninos maus existem). Uma cena terrível! Queria ver como o senhor Grey iria se virar trancado no Quarto da Dor / Prazer com um bando de talibãs tarados. Chicotinho contra AK-47. Certamente, sairiam cantando “a pipa do Christian não sobe mais / A pipa do Christian não sobe mais”.

O Mundo de Sófia, de Jostein Gaarder

Sim, não me enganei, é mesmo “O Mundo de Sófia”. Afinal, em qual mundo uma menina de 14 anos ir escondida encontrar um cinquentão desconhecido e esquisitão numa cabana remota não é um ato altamente reprovável e suspeito? Tenho certeza que a senhorita Anastásia Steele não pretendia aprender filosofia com o grande pensador Christian Grey quando aceitou entrar no Quarto da Dor / Prazer.

O Nome da Rosa, de Umberto Eco

A famosa cena de sexo no chão da cozinha, entre um noviço e uma camponesa, é um complexo mosaico composto por centenas de citações eruditas retiradas da Bíblia, da literatura clássica e de tratados teológicos. Mesmo assim consegue ser mais excitante do que a pornografia para donas de casa escrita por E. L. James.

O Doce Veneno do Escorpião, de Bruna Surfistinha

Parece que Christian e Anastásia estão grávidos. Parece que é uma menina. Parece que vão dar o nome de Raquel para a doce herdeira. Parece que ela vai preferir ser chamada de Bruna quando crescer. Parece que ela não será exatamente uma surfista. Não tenho certeza, li num blog.

O Caderno Rosa de Lori Lamby, de Hilda Hilst

Ehhhh, véia safada!

Os Catecismos de Carlos Zéfiro

Por falar nisso, sabe àqueles calos duríssimos nas mãos firmes e trabalhadoras de seu respeitável avô, esse homem sisudo que jamais passará perto desse tal livrinho sem-vergonha que as mulheres andam lendo? Pois bem, nem todos seus calos são frutos da dura labuta diária. Fique com essa imagem na cabeça.

domingo, 19 de abril de 2015

Seleção de Artigos do Domingo

Iniciando a postagem alternativa dos Domingos , na Seleção de Artigos  reproduzirei alguns dos Editoriais publicados nos jornais de hoje. Na semana que vem  voltaremos aos Artigos.

Editorial da Folha de São Paulo

Sem passo atrás

Num contexto de desalento provocado pela letargia econômica e pelo acúmulo de notícias sobre escândalos de corrupção, é animador constatar evidências de vitalidade nas instituições de Estado. Aos sinais de autonomia dados por órgãos de investigação e pelo Judiciário soma-se mais uma decisão do Tribunal de Contas da União.

O TCU concluiu que o governo federal descumpriu a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) ao adotar manobras com vistas a melhorar artificialmente o resultado das contas públicas em 2013 e 2014.

Segundo o órgão, ao atrasar repasses para bancos públicos, como Caixa, Banco do Brasil e BNDES, o Tesouro levou tais instituições a arcar com despesas próprias da União. Constituiu-se, assim, um empréstimo, prática vedada pela LRF. Os adiamentos ficaram conhecidos como "pedaladas fiscais".

A Caixa, por exemplo, desembolsou recursos próprios a fim de manter a regularidade nos pagamentos do Bolsa Família, abono salarial e seguro-desemprego. No caso do BNDES, houve atraso na compensação pelo Tesouro de despesas com subsídios de juros nos financiamentos concedidos a empresas.

Estimando que as pedaladas tenham chegado a R$ 40 bilhões, o TCU determinou a regularização das pendências –cujos valores elevarão a dívida pública do país.

Além disso, cobrou explicações de 17 autoridades da área econômica, entre as quais Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda, e Arno Augustin, ex-secretário do Tesouro.

A Advocacia-Geral da União vai recorrer da decisão. Busca evitar qualquer risco de que a presidente Dilma Rousseff (PT) possa ser responsabilizada no futuro.

Caso prevaleça o entendimento do TCU, estará aberto o caminho para o Ministério Público Federal processar os gestores envolvidos. O tribunal também poderá recomendar ao Congresso a rejeição das contas do governo Dilma, o que seria inédito e permitiria, em tese, a abertura de processo de impeachment contra a presidente.

Sejam quais forem os desdobramentos, o TCU terá dados mostras de que zela pela Lei de Responsabilidade Fiscal, um marco na construção institucional do país.

Sancionada no ano 2000, a LRF limita o endividamento e impõe a adoção de boas práticas administrativas. Empréstimos de bancos públicos ao Tesouro, usuais no passado, hoje são proibidos pois representam fonte de recursos fora do Orçamento, um descontrole sobre os gastos que alimenta a inflação

Manobras que enfraqueçam o espírito da LRF constituem inegável retrocesso; devem ser combatidas pelas instituições e pela sociedade. O melhor remédio contra esse passo atrás é a punição, nos termos da lei, de desmandos que sejam devidamente comprovados. 



Editorial do Estado de São Paulo

A saída do atoleiro

Vencida a pior parte da crise, o novo grande risco para a economia mundial é o atoleiro da mediocridade. Mais do que prudência e bom comportamento, a busca de um novo dinamismo - com investimentos em infraestrutura, inovação, formação de capital humano e reformas de grande alcance - é o foco da nova pregação do Fundo Monetário Internacional (FMI). Os governos devem continuar cuidando de suas contas e controlando o endividamento, mas isso é só uma parte das tarefas necessárias. Não se voltará a crescer sem bons fundamentos e sem credibilidade fiscal, mas será preciso mais do que isso para iniciar uma nova fase de prosperidade.

No caso do Brasil, a agenda é especialmente complicada. O objetivo principal da nova política, segundo a equipe em atividade a partir de janeiro, é de fato o retorno à expansão econômica, mas o conserto dos fundamentos ainda vai dar muito trabalho. Outros governos empenhados na consolidação fiscal operam num ambiente de inflação baixa, em alguns casos, quase de deflação. Alguns têm espaço para afrouxar o conserto das contas públicas, sem no entanto abandonar o compromisso com o ajuste. Têm o benefício de políticas monetárias brandas e de acesso a financiamento barato. O caso brasileiro é muito diferente.

No Brasil, o governo terá de cortar gastos e de elevar a receita numa economia em retração ou, na melhor hipótese, com baixíssimo crescimento. De onde tirar mais impostos? O corte de incentivos ineficientes pode ser parte da resposta, mas a solução do problema será, com certeza, muito mais complicada. Ao mesmo tempo, o Banco Central (BC) terá de manter juros elevados, no esforço para controlar uma inflação resistente e alta.

Além disso, a correção, já iniciada, de preços contidos politicamente pressionará os índices de inflação a curto prazo. Mas essa correção é necessária tanto para o reequilíbrio das contas fiscais como para a ampliação do investimento.

Com o tempo, a melhora das contas públicas dará espaço ao BC para trabalhar com juros menores. Mas, até lá, o esforço de arrumação das finanças públicas e o arrocho monetário, somados, dificultarão a atividade econômica e, portanto, a geração da receita tributária indispensável ao ajuste. Se o emprego formal encolher, as contas da Previdência também deverão piorar.

A nova equipe econômica obviamente conhece todas essas limitações e deverá levá-las em conta ao detalhar sua estratégia. Mas as primeiras medidas, muito importantes para fortalecer a credibilidade do governo, devem ser duras. 

O primeiro contingenciamento de gastos federais deve ser conhecido em breve e dará uma ideia da disposição da equipe e do apoio efetivo garantido pela presidente Dilma Rousseff.

Se a ação do governo for convincente, o ganho de credibilidade poderá resultar em maior volume de investimentos privados. Mas bons resultados dependem da inversão completa da estratégia econômica seguida nos últimos anos. O governo deveria ter abandonado sua decantada política anticíclica em 2010 ou 2011, quando o País já havia superado a pior fase da crise. O injustificável prolongamento dessa política impôs ao País custos enormes - desarranjo fiscal, inflação elevada e deterioração das contas externas.

O erro de diagnóstico e a estratégia inadequada beneficiaram algumas indústrias, sem estimular o crescimento geral, e favoreceram mais o consumo que a produção. As desonerações mal projetadas e o crédito mal dirigido resultaram apenas em desperdício.

Bem antes da formulação do conceito de "new mediocre" pela diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, o governo brasileiro já havia empurrado a economia nacional para o pântano da mediocridade. Pouquíssimos países, nos últimos seis anos, sofreram como o Brasil os efeitos simultâneos da estagnação econômica, da inflação alta e do desarranjo das finanças públicas e das contas externas. Com muito atraso, o governo redescobre o caminho da seriedade e da busca da produtividade. Para avançar no percurso ainda será preciso vencer o fisiologismo político e a resistência de setores acomodados na ineficiência e no protecionismo.

Editorial da Gazeta do Povo do Paraná

O escândalo dos fundos de pensão

A ameaça de insolvência em que se encontram fundos como o Postalis, dos Correios, e Funcef, da Caixa, deve-se não apenas a gestões negligentes, imprudentes ou imperitas, mas também à má-fé


São imensas as frestas abertas da corrupção no Brasil. Poucos ou até mesmo inexistentes são os setores infensos à ação de malfeitores ávidos em avançar sobre o patrimônio público, ora em benefício do patrimônio pessoal, ora direcionando-o para políticos ou partidos que, em troca de vantagens, os protegem. São chocantes os exemplos que, neste sentido, nos foram oferecidos pelo mensalão e agora, mais recentemente, pelo petrolão – casos em que se conluiaram servidores públicos de alto escalão, grandes empreiteiras, parlamentares e siglas políticas, todos envolvidos num mesmo objetivo, o de apoderar-se de dinheiro alheio para obter lucros escusos.

Em meio à repercussão centralizada naqueles dois maiores e mais conhecidos escândalos, por frestas pouco menores – mas não menos importantes do ponto de vista da moralidade – esvaem-se também recursos de pequenos contribuintes que recolhem parcelas de seus salários na esperança de garantir futura aposentadoria. A corrupção também pega em cheio alguns dos mais ricos fundos de pensão de estatais federais, como se revela nos casos do Postalis e do Funcef, respectivamente dos servidores dos Correios e da Caixa Econômica. Não escapam da mesma sanha o Petros (da Petrobras) e o Previ (Banco do Brasil).

A ligá-los há uma primeira coincidência: são todos administrados por gestores indicados pelo PT, PMDB e outros partidos. Uma segunda coincidência: todos se tornaram deficitários e incapazes de garantir a perpetuidade da seguridade prometida aos seus milhares de associados. E terceira: a ameaça de insolvência em que se encontram deve-se não apenas a gestões negligentes, imprudentes ou imperitas, mas também à má-fé. A ponto de se cometer fraudes documentais em que tintas corretoras de uso escolar foram utilizadas para adulterar cifras e cifrões.

O Postalis apresenta rombo de R$ 5,7 bilhões e, para tapá-lo, sua diretoria pretende recorrer ao mais usual artifício: obrigar aqueles que em nada contribuíram para o descalabro a pagar a conta mediante desconto, por longos 15 anos, de 26% de seus salários. O “furo” no Funcef é também superior a R$ 5,5 bilhões e o remédio encontrado para cobri-lo é semelhante, isto é, aumentar por 12 anos a alíquota de contribuição previdenciária dos empregados. Claro que nos dois casos as entidades de representação dos servidores movem medidas judiciais para que eles não sejam punidos com o corte de um quarto de seus salários.

Como os fundos de pensão movimentam cifras gigantescas, em boa parte oriundas diretamente também dos cofres públicos, sua crise administrativa e moral passa a ser assunto de interesse coletivo e que precisa ser investigada a fundo. Daí a iniciativa de alguns senadores de partidos de oposição visando à criação da CPI dos Fundos, mas o governo – por razões óbvias, mas nunca declaradas – se esforça para impedi-la. Já conseguiu, por exemplo, que a bancada do PSB retirasse suas assinaturas de um requerimento de instalação e articula outras medidas para enterrá-la de vez, embora a oposição siga tentando: na sexta-feira, dia 17, o líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima, disse ter as assinaturas necessárias para protocolar o pedido, e vai fazê-lo na próxima quarta-feira, dia 22.

Podemos nos espantar com a atitude do governo de querer empurrar para debaixo do tapete a necessária investigação dos fundos? Não. Pelo contrário, a sabotagem apenas expõe à luz do dia a hipocrisia de quem afirma que se deve ao atual governo o combate rigoroso à corrupção no país. Na verdade, não se deve ao governo, mas a instituições do Estado que, com independência, têm sido assertivas na tarefa de selar algumas das incontáveis frestas – como o que vêm fazendo, no caso emblemático da Operação Lava Jato, o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e o Judiciário.