sábado, 2 de maio de 2020

Desabafo de um “Velho Mestre”



Autor: Luiz Eduardo C.Lima(*)

Ultimamente tenho pensado bastante a respeito do que estão atualmente chamando de "Metodologias Ativas" para a Educação e sinceramente não estou vendo nada que eu, com todo meu conservadorismo, já não tenha feito há, pelo menos, 50 anos atrás. 

O que mudou foram os alunos e a escola que, querendo, não sei o porquê, evoluir, acaba ficando cada vez mais retrógrada, quando precisa se modernizar. A propósito modernizar a escola não é fazer modismos na escola ou na sala de aula. Mudar a escola é tentar trazê-la para a realidade do seu tempo, sem comprometer seus interesses primários, isto é, o processo ensino-aprendizagem e a educação como um todo. 

Pelo que tenho observado, em muitos casos, a escola esteja querendo deixar de ser escola para virar espetáculo artístico e muitas vezes circense, mas não vamos discutir sobre esse aspecto nesse momento. Porém, o professor e a sala de aula, dentro ou fora da escola, são os mesmos e as metodologias, os artifícios e mecanismos para ensinar, também são os mesmos que sempre existiram, pois ensinar continua sendo, apenas e tão somente ensinar. Quer dizer, a escola em essência não mudou e nem pode mudar, porque se isso acontecer ela em entrará em contraste com seus preceitos básicos.

O que tem mudado bastante são as tecnologias aplicáveis ao ensino e estas realmente são muito boas, para quem sabe fazer uso delas. Eu confesso que tenho imensa dificuldade com certos materiais, mas não me sinto inferior por causa disso, até porque costumo saber do que estou falando, quando ministro minhas aulas, o que, infelizmente, não costuma ser verdade para grande parte dos professores. 

Assim, a ferramenta, o acessório e toda parafernália instrumental que deveria favorecer ao processo ensino-aprendizagem, acaba não funcionando da maneira como seria esperado e consequentemente atrapalhando, porque não existe mágica. 

A verdade é uma só, ninguém é capaz de ensinar aquilo que não sabe, com ou sem parafernália tecnológica e o que temos visto por aí é um festival de absurdos, onde os materiais acessórios atrapalham mais que ajudam, por conta da incapacidade profissional de muitos "professores", além da passividade e do desinteresse dos alunos. O que está faltando, de fato, é conhecimento por parte de quem deveria ensinar e vontade de adquirir conhecimento por parte de quem deveria aprender.

É claro que eu sei e todo mundo sabe, que os tempos são outros, que os jovens de hoje têm pensamentos e anseios diferentes e que existe muita dificuldade de atraí-los para as aulas, porque "aula é uma coisa chata", "estudar toma tempo e é bastante complicado" e várias outras coisas poderiam ser ditas para confirmar que, lamentavelmente, hoje existem inúmeras opções mais atraentes para os alunos do que a escola e as aulas. 

O problema está exatamente aí: como fazer para tornar as aulas e as escolas mais interessante aos alunos, sem ridicularizar a escola como entidade formadora de indivíduos melhores moral, social e culturalmente?

Certamente o aluno é o sujeito mais importante da escola e isso não é moderno, pois só existe escola porque existem alunos. Ao aluno se deve todo o processo educacional, então esse sujeito foi, continua sendo e sempre será a parte mais fundamental no processo. 

Entretanto, o aluno atual tem visado outros interesses, deixando a escola para planos inferiores na sua escala de prioridades. Cabe ao professor a missão de redirecionar o aluno aos interesses primários da escola e obviamente a parafernália instrumental pode e deve ajudar nessa missão. Mas, a figura do professor deve dirigir os instrumentos de acordo com os objetivos do ensino e não fazer espetáculos tecnológicos infundados.

Não existe essa história de que a escola hoje é centrada no aluno e a escola de ontem era centrada no professor, pois escola nenhuma nunca foi centrada no professor. Se existiu escola assim, em algum momento, ela estava muito errada. O que talvez existisse, no passado, era uma pretensa "superioridade" do professor como indivíduo, sobre o aluno, o que também, na minha maneira de entender, sempre foi uma falácia desagradável, perigosa e que contraria a própria noção de educação.

Outra coisa que também poderia ser considerada, é que antes o respeito à pessoa do professor era muito maior e hoje, em muitos casos, simplesmente esse respeito deixou de existir. Mas, eu quero crer que isso também tenha a ver com a competência do professor. Entretanto, não vou me ater a essas discussões no momento e vou deixá-las para outra oportunidade. Vamos em frente.

Ainda que o aluno seja o sujeito mais importante em qualquer escola, o agente principal da sala de aula sempre foi e continuará sendo é o professor. 

As técnicas didático-pedagógicas podem e devem mudar e evoluir sempre, mas o professor continuará sendo imprescindível. 

Pois então, o que está faltando nas escolas é mais trabalho profissional efetivo dos professores, que hoje, na maioria das vezes, são pessoas totalmente despreparadas e, o que é pior, sem conhecimento efetivo de sua matéria e sem cultura geral. 

Lamentavelmente, a própria profissão de professor está bastante desgastada pela sociedade, pois atualmente, para a maioria das pessoas, o professor é tido como alguém que não conseguiu fazer outra coisa mais importante e assim foi "ministrar" aulas.

Infelizmente a má qualidade do professor é que acaba sendo realmente o grande problema, porque quando o professor tem interesse real e prazer em ensinar, ele procura efetivamente saber o que tem que saber e aí, com ou sem ferramentas de última geração, ele consegue ensinar. Com seriedade profissional, algumas vezes, ele consegue ensinar até mesmo aquele aluno que não quer aprender.

Cabe lembrar que esse tipo de aluno que, não quer aprender, sempre existiu. O que acontece é que hoje o contingente é aparentemente maior, porque a escola concorre e obviamente acaba perdendo de longe para outras coisas mais interessantes no pensamento do aluno. Coisas, que lamentavelmente são reforçadas pela sociedade atual e que acabaram tomando grande parte do lugar da escola, como já foi dito. 

Por outro lado, não adianta toda a parafernália instrumental se o professor não conhece do assunto que deveria ensinar. É triste o quadro, mas hoje, infelizmente, qualquer um está ministrando aula de qualquer coisa em qualquer lugar e, dessa maneira, realmente não é possível continuar, principalmente no terceiro grau, onde é relativamente comum encontrarmos professores lendo “slides” para os alunos e coisas parecidas. Tudo bem; quer dizer, na verdade, tudo mal; que existem muitos alunos que são analfabetos funcionais no Ensino Superior, mas isso, além de ser uma incongruência, também é uma enorme indecência que a escola e o sistema educacional permitem. Mas, essa também é outra história que fica para depois.

Uma aula tradicional, sem enganação, ainda é capaz de atrair muitos alunos, mas uma aula tecnológica sem coerência, sem lógica e sem relacionamento, certamente não atrai ninguém. Ou melhor, talvez atraia apenas aos festeiros de plantão. 

Qualquer aula necessita ser estimulante para vencer a concorrência, mas o estímulo tem que ser dado pelo professor e não pela parafernália instrumental. O professor como principal agente do processo educacional tem a obrigação de criar os mecanismos para atrair o público da escola presente na sua aula.

Cabe lembrar que não é qualquer um que pode ser professor. Em toda área profissional existem exigências mínimas para o exercício profissional, porque com a função de professor essa questão é diferente. O verdadeiro professor tem que ser um sujeito devidamente preparado para ensinar, possuindo conhecimento efetivo de sua disciplina e visão genérica do processo educacional.

Então, me desculpem, mas essas "Metodologias Ativas" não existem, o que existe é incompetência generalizada e por isso se criou um subterfúgio para mascarar as deficiências do ensino. 

É claro que muitas vezes funciona, se quem aplica é sério, tem conhecimento de sua área, sabe o que faz na aplicação do recurso e está mesmo a fim de ensinar. Entretanto, na maioria das vezes é só mais uma enrolação moderna sem tamanho, acerca de coisa nenhuma, como sempre existiu, mas agora com muito atrativo, que é o engodo da alta tecnologia moderna. 

Na verdade, muitas vezes se esquece que se está na escola e se procura chamar a atenção dos alunos, apenas para os modismos tecnológicos, que são interessantes e algumas vezes até fantásticos, mas que não garantem, sozinhos, levar ninguém a aprender alguma coisa se esse alguém não quiser. Aliás, para enganar, de ambos os lados fundamentais da escola, o aluno ou o professor, com tecnologias brilhantes é mais fácil e mais interessante do que parece. 

Talvez, por isso o mundo esteja cheio de mascates, mercadores, marreteiros, embusteiros, "hackers" e outros picaretas tecnológicos, vendendo bugigangas para as escolas. Além disso, sempre é bom lembrar que, para muitas escolas, isso acaba sendo bastante interessante, haja vista que investir na aquisição dessas bugigangas costuma ser mais barato, a longo prazo, do que pagar melhor os professores e possuir em seu quadro profissionais mais competentes. Mas, essa também é outra história. 

A tecnologia compõe-se de algumas ferramentas muito boas, mas elas devem ser usadas e tratadas apenas como ferramentas para auxiliar ao processo de ensino-aprendizagem e não como truque fantástico de ilusionismo. Essas ferramentas devem ser usadas por quem sabe, para servir ao interesse a que se propõe, no caso à Educação, mas infelizmente não é isso que se tem observado, em grande parte das "escolas modernas". 

Em alguns casos o "professor" fica totalmente dependente da ferramenta e passa, desgraçadamente, a ser ele a ferramenta. Isto é, o sujeito vira objeto e assim, a ferramenta passa a ser o ator mais importante da escola. O pior é que no meio do caminho tem o aluno e entre esses alunos, existem alguns que realmente querem aprender, mas não encontram base e nem respaldo na figura do professor, que está ali apenas para "quebrar um galho" ou para "ganhar um dinheirinho" que lhe permita sobreviver.

Ensinar é uma tarefa nobre e algo realmente prazeroso e sensacional, mas precisa de gente séria, bem-intencionada, bem preparada, com capacidade e sobretudo com conhecimento de causa, o resto se consegue na conversa, na troca de informação, com os alunos. Obviamente que: uns vão aproveitar e outros não vão. Sempre foi assim e continuará sendo, mas a escola tem que parar de querer justificar o injustificável e transferir problemas inventando novos nomes para coisas velhas que e sempre existiram. 

O uso do computador, do celular, da INTERNET e dos mais diversos recursos audiovisuais são excelentes para auxiliar as aulas e facilitar o processo de ensino-aprendizagem. 

Particularmente no momento atual, em que temos que trabalhar com aulas remotas, por conta a da quarentena condicionada pelo Pandemia de Corona Vírus (COVID-19), toda parafernália de material tecnológico tem sido grande aliada e tem demonstrado sua importância à educação. Porém, é preciso que fique claro, que todas essas coisas são ferramentas e como tal, devem ser usadas com parcimônia e coerência. 

Por outro lado, é fundamental que se entenda e que não se deixe de dar a devida importância a principal ferramenta para o ensino e por isso mesmo, a mais importante para a escola cumprir bem a sua missão de ensinar, que é o professor. 

O professor é e continuará sendo a única ferramenta capaz de cumprir a missão de ensinar a alguém. Então, ao invés de ficar dando nomes novos a coisas velhas e de ficar desenvolvendo novos programas de informática e novas técnicas eletrônicas, talvez fosse muito melhor investir mais na formação de professores de qualidade. Isto é, professores que tenham conhecimento e que sejam capazes de ensinar sem a mágica da tecnologia. Professor, independente da sua área específica de conhecimento, tem que ter conhecimento geral, tem que ter cultura, pois só quem tem cultura pode realmente ensinar. 

Temos que parar com esse negócio de achar que qualquer um pode ensinar, porque na verdade, ninguém ensina aquilo que não sabe. 

Muitas vezes o espetáculo ("show"” teatral) da aula é muito bom, mas não há aprendizado absolutamente nenhum, porque a aula (qualquer aula em qualquer nível) não é e não pode ser apenas um "show" teatral, principalmente quando está se falando em formação de novos professores. Aula tem que ser coisa séria, que pode e deve até ser alegre e divertida, mas não pode fugir ao seu propósito fundamental de ensinar e formar o aluno. 

As técnicas obviamente são importantes, mas elas não são preponderantes, pois a importância maior, salvo melhor juízo, tem que estar a cargo do professor, seu conhecimento e toda sua bagagem cognitiva. O exercício da atividade profissional de professor exige profissionais competentes e cônscios da importantíssima função social que é atribuída ao magistério. Assim, a prática efetiva do magistério não pode ficar à mercê de qualquer curioso ou picareta ornamentado de parafernálias eletrônicas.

O dia que todos os envolvidos na escola, inclusive os alunos em todos os níveis de ensino e formação, estiverem realmente preocupados com a escola e com suas respectivas formações, certamente as coisas começarão a acontecer de maneira correta e obviamente os resultados do processo ensino-aprendizagem serão melhores. Entretanto, eu penso que isso ainda seja uma utopia, porque estamos falando de seres humanos e nada é mais complexo do que o ser humano, particularmente o brasileiro. 

O ser humano é dotado de vontade e deve ser sempre respeitado nesse direito. Mas, por outro lado, é preciso ficar evidente à toda sociedade que o direito de um termina quando começa o do outro.

Na escola o direito é estudar e o aluno que não quer estudar, não deve, a priori, fazer parte da escola. Da mesma forma, o professor que não quer ou que não pode ensinar, também não pode estar na escola e a escola que não quer formar bem seus alunos não deve existir. O resto é balela. As coisas só funcionarão bem quando a principal preocupação de todos na escola for, apenas e tão somente, a educação para fazer o aluno estudar e aprender. 

Deste modo, peço vênia pelo meu radicalismo, pela minha impetuosidade e pela minha veemência nessas afirmativas, mas acredito que as mudanças necessárias efetivas não são de "Metodologias Ativas" ou de "Técnicas Modernas de Ensino", mas sim de comportamento, de interesse real, de comprometimento, de seriedade e de competência de todos envolvidos no processo educacional.

Ou seja, eu acredito que se existirem governantes sérios, dirigentes comprometidos, professores capacitados e alunos ávidos por saber, com ou sem parafernália tecnológica, conseguiremos fazer uma escola de qualidade. 

Mas, a pergunta que fica é seguinte: será que existe interesse verdadeiro e efetivo de que essa escola de qualidade realmente exista no Brasil? Ou será que, como disse o saudoso e eterno Darcy Ribeiro: "a crise da educação no Brasil, não é uma crise, é um projeto"?

*LUIZ EDUARDO CORRÊA LIMA

-Biólogo, Professor, Pesquisador, Escritor e Ambientalista e
-Presidente da Academia Caçapavense de Letras (ACL)
-Professor Titular de Biologia  UNFATEA/Lorena/SP;
-Monitor de Educação Profissional – SENAC Guaratinguetá/SP e
-Professor de Biologia do Ensino Médio – DAMASCO/Caçapava/SP.


Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.


sexta-feira, 1 de maio de 2020

As Falas de JB e a Perseguição ideológica e Política da Imprensa Brasileira

Autora: Linda EV(*)


O Presidente da República fala demais? Sim, o Presidente da República perde grandes oportunidades de ficar calado, e assim entra no jogo da imprensa militante, que não perde uma oportunidade de usar as falas de Bolsonaro para tentar desqualificá-lo e mostrar para 57 milhões de eleitores o grande erro que cometeram nas urnas.

A questão é que mesmo deturpando, exagerando e descontextualizando as declarações do Presidente, aliás quase nunca politicamente corretas, a tática não vem surtindo o efeito esperado. Talvez seja porque a Imprensa, viúva do Lulopetismo, e saudosa das benesses direta ou indiretamente recebidas da cleptocracia petista, tenha se desconectado do anseio popular. 

Trata-se de um jogo que envolve dinheiro, prestígio e poder, por isto é importante manter as coisas exatamente como eram antes e qualquer sopro de mudança soa ameaçador para o mainstream. Só que Bolsonaro não é um sopro e sim uma ventania! Contando com apoio popular que parece aumentar cada vez que protagoniza algum episódio polêmico, Bolsonaro fala o que pensa, não tem filtro nem prudência, e não se atemoriza com a perseguição da imprensa, que se mostra cega a todas as realizações positivas do governo. 

Bolsonaro fala besteira, volta atrás em decisões tomadas, pede desculpas em público, demonstra toda a contradição que existe em todo ser humano e é com este homem imperfeito que o cidadão comum se identifica. Mesmo não concordando com todas as suas opiniões, o povo reconhece em Bolsonaro um homem sincero, que tem bons propósitos e compromisso com o desenvolvimento socioeconômico da Nação. 

Trocando em miúdos, a Imprensa militante não conseguiu virar a opinião pública contra o Presidente. Não faltou empenho e disposição para transformar o mandato de Bolsonaro em uma grande ameaça ao Estado de Direito. 

Não, Bolsonaro nunca pregou ruptura com a democracia, nunca mandou botar fogo nas florestas amazônicas, não acabou com o Bolsa Família, não fechou universidades, não fuzilou homossexuais e nem prendeu comunistas. Pasmem, Bolsonaro fala besteira mas age como um verdadeiro democrata. 

E como fica a Imprensa que disseminou os factoides? Acharam realmente que não haveria testemunhas? Erraram, todo mundo leu, todo mundo viu. 

Para finalizar, vou utilizar a célebre máxima de Rui Barbosa : "A imprensa é a vista da nação" , frase que evidencia que o jornalismo deveria funcionar como um regulador dos poderes, a serviço do povo. Por que será que a Imprensa Brasileira se afastou desta nobre e altiva missão? 

* LINDA EV

CV de acordo com suas próprias palavras:
-Jornalista formada pela FACHA- RJ e pós- graduada em jornalismo cultural pela UERJ. Faço parte de um grupo de brasileiros que acredita na grandeza e potencial do nosso País, por isto, sou ativa nas Redes Sociais ajudando a ecoar as vozes dos cidadãos indignados com a corrupção e o descaso de certos políticos com a nossa nação; e
-Escrevo aqui sob o pseudônimo de Linda EV e desejo sinceramente ser capaz de verbalizar as questões mais eminentes que fazem parte do momento tão especial que vivemos no nosso Brasil.

Nota do Editor:

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quinta-feira, 30 de abril de 2020

Descomplicando o Direito de Família e Sucessões em tempo de pandemia: Testamento hológrafo e o fetiche das formalidades


Autor: Rodrigo da Cunha Pereira(*)

          
Como todos sabem é regra do O Blog do Werneck postar artigos inéditos!
Mas como dizem também,toda regra tem exceção e, esta exceção será aberta hoje quando devidamente aurorizado pelo autor será postado o artigo de autoria do Advogado Rodrigo da Cunha Pereira,presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família-IBDFAM

As relações familiares são as mais intrincadas e complexas. É desta intimidade que eclodem os maiores conflitos, como já bem disse Freud. E o novo coronavírus está colocando à prova esta relações familiares, já que o isolamento social tem obrigado as famílias a vivenciarem suas intimidades em um mesmo espaço físico continuamente. Querendo ou não, todos estamos sendo obrigados a nos depararmos, consigo mesmo, e com o outro, já que tem sido inevitável viver sob o mesmo teto neste momento, para o bem e para o mal. 

Nossa rotina foi virada de cabeça para baixo, e isto traz grandes repercussões ao Direito de Família e Sucessões. Estamos todos em teste de tolerância, compreensão e compaixão. No silêncio deste enclausuramento nos deparamos com nossa finitude, nossos desejos mais indesejáveis, inquietações e desamparo. É também tempo de espera de uma vida com novos valores éticos. A espera, mesmo forçada, serve para sublimar o desejo e torná-lo mais poderoso e determinante.

A intolerância e incompreensão já foi parar nas barras dos tribunais para suspender "visitas" de filhos de pais separados. Isto demonstra que o modelo de convivência familiar, tal como praticado, está em xeque, pois de fato, a cultura da guarda compartilhada ainda não foi implementada no Brasil. Pensões alimentícias estão sendo revisadas, diante do impacto econômico desta pandemia. A violência doméstica aumentou em 9% na segunda quinzena de março/2020, quando a quarentena efetivamente começou. Dados do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos revelaram, também, que o canal voltado à proteção de crianças, idosos, LGBTs e outras minorias, registrou crescimento de 23,5% nas denúncias, passando de 17mil para 21 mil no mesmo período.

Se o exercício do Direito de família e sucessões já vinha se modificando desde a fundação do IBDFAM- Instituto Brasileiro de Direito de Família, com a introdução do afeto como valor e princípio jurídico norteador de todas as relações familiares, inclusive questionando a cultura adversarial da advocacia, agora mais do que nunca, ela se encaminhará cada vez mais para a cultura da prevenção e em busca de novos métodos de resolução de conflitos. 

Todos teremos que nos reinventar em nosso exercício profissional, especialmente na advocacia. A vida é curta demais para se perder tanto tempo com eternos, degradantes e desgastantes processos litigiosos, que são verdadeiras histórias de sofrimento e gozo, que fazem movimentar a máquina judiciaria em razão de ressentimentos pessoais e histórias de conjugalidades mal resolvidas.

Este tempo de recolhimento em nossas casas é um bom momento para repensarmos algumas práticas jurídicas e judiciais. Por exemplo, é preciso entender de uma vez por todas, para o bem das crianças e adolescentes, que enquanto a mãe disser –Eu deixo o pai visitar o filho- ainda não temos guarda compartilhada. O melhor para os filhos é conviverem, em uma relação de igualdade com ambos os pais, salvo situações excepcionais. O filho não pode ser transformado em moeda de troca do fim da conjugalidade, que quase sempre deságua na perversa prática de alienação parental. 

Em Direito das Sucessões, deveríamos implementar em nossa cultura jurídica a saudável prática de fazer e incentivar testamentos, como parte de um planejamento sucessório, ou não. Isto pode evitar décadas de litígio judicial. Atualmente, apenas 8% das sucessões hereditárias são feitas com testamentos.

Ninguém gosta de falar de testamento, pois a ele está ligada a ideia de morte, mesmo sendo a única certeza da vida. Mas neste momento que o fantasma da morte bate à nossa porta, é uma oportunidade de olharmos para ela. , para depois dela, testamentos.

Viveríamos muito mais felizes se parássemos de negar a morte. Lembrar que podemos morrer amanhã nos remete a uma outra dimensão psíquica, que é muito mais saudável do que a denegação da morte. Desta forma, entenderemos melhor a mensagem do Renato Russo, em sua música Pais e Filhos: É preciso amar as pessoas/Como se não houvesse amanhã (...). Em um testamento é possível fazer disposições não patrimoniais, o que tem sido mais comum no Direito americano, e que denominam de testamento ético.

Neste momento em que a vida de cada um de nós pode ser encurtada pelo inimigo invisível que provocou esta pandemia, muitas pessoas têm tomado atitudes que vinham adiando há muito tempo: elaborando contrato de união estável. Certamente estão amadurecendo a ideia de se divorciar depois da quarentena por estarem se deparando com a infelicidade conjugal.

Tem sido uma prática no Brasil as Diretivas Antecipadas da Vontade, mais conhecido como testamento vital. Com a evolução da engenharia genética, proporcionando a formação das famílias ectogenéticas, muitos têm feito testamento genético, estabelecendo instruções no sentido de como o material genético criopreservado pode ou deve ser utilizado ou descartado depois de sua morte.

Embora os prazos processuais estejam suspensos até 30/04/20 por decisão do CNJ e STF, os cartórios não pararam por completo. O CNJ expediu vários atos normativos regulamentando os serviços cartoriais ( Provimento 91,93, 94, 95 e Portaria Conjunta 953 e 960 PR/2020, todas de março deste ano) neste período de pandemia. A maioria dos cartórios fizeram adaptações para continuarem prestando seus serviços, inclusive expedição de certidões eletrônicas de nascimento, divórcio etc. 

Mas o mais espantoso, embora necessário, é a regra estabelecida no Provimento 93 do CNJ autorizando sepultamentos sem prévio registro do óbito. Espantoso pois a previsão do número de mortes pela covid 19 deve ser tão catastrófica, que não será mesmo possível que os cartórios de registro civil de pessoas naturais consigam atender a demanda para todos os óbitos a tempo do sepultamento.

Está na hora também de descomplicar os testamentos. Eles se revestem de formalidades necessárias sem as quais, ele não terá validade. Mas diante de tanta tecnologia e mecanismos de expressão da vontade ao alcance de todos, será que não deveríamos dar mais importância ao conteúdo do que a forma? 

O STJ já começou a flexibilizar tais formalidades em vários de seus julgados. A maioria dos testamentos é feita sob a forma de escritura pública. Em circunstâncias excepcionais, e estamos em tempos de exceção, o testamento particular pode prescindir de determinadas formalidades. É o caso do testamento hológrafo, que é uma espécie do gênero testamento particular (Art.1879 do CCB), que tem sido adotado amplamente na Itália neste momento, um dos países mais atingidos pelo novo coronavírus. .

Do grego holo (inteiro) e grafos (por escrito) expressa a ideia de escrito por inteiro do próprio punho. Sua característica e requisito essencial, é ser escrito pela própria mão do testador, o que por si só não garante sua autenticidade e validade. É necessário que seja confirmado por três testemunhas, reconhecido e homologado em juízo após a morte do testador. O testamento hológrafo era a única modalidade de testamento particular. Mas o CCB 2002 introduziu o testamento particular feito por processo mecânico, ou redigido por terceiros ( Art 1876 CCB), que pode ser, inclusive, por uma das testemunhas (Cf meu Dicionário de Direito de Família e Sucessões- Ilustrado- Pág 748 Ed. Saraiva).

Na esteira da formalidade mínima para as disposições testamentárias, temos também o testamento nuncupativo, à semelhança do casamento nuncupativo. É aquele realizado inteiramente na forma verbal. É o testamento feito por militar de forma oral quando este se encontrar na iminência de morrer ( Art 1896 CCB). De origem romana, é utilizado pelos feridos em combate e o testador declara para duas testemunhas suas disposições de última vontade (Dicionário, Pág 751)

Nestes tempos de pandemia deveríamos repensar e poder relativizar algumas formalidades, sem entretanto perder a segurança jurídica da verdadeira expressão da vontade do testador. 

Já perdemos boas oportunidades de simplificar a vida das pessoas, com o uso da tecnologia na prática jurídica, como por exemplo citações por e-mail ou whatsApp. Já passou de hora de podermos fazer vídeo testamentos. Nada mais autêntico do que a voz e a imagem para alguém expressar sua real e verdadeira e vontade. Em tempos de coronavírus, no mínimo, o vídeo testamento reforçaria a autenticidade do testamento hológrafo. 

Quando passar esta pandemia, e tivermos reaprendido outros valores, todos entenderemos que determinadas formalidades no Direito ficaram velhas e desnecessárias, e podem ser dispensadas, sem comprometer a segurança das relações jurídicas. Precisamos facilitar a vida das pessoas. Daremos mais valor a essência do que a formalidade que cerca um testamento, por exemplo. Entenderemos que não faz mais sentido, na vida atual de um mundo tecnológico, nos apegarmos tanto a forma em detrimento do conteúdo do Direito e da vontade da pessoa. A quem serve todas essas formalidades? Se elas vêm em nome da segurança jurídica, e se há mecanismos modernos de assegurar até mais garantias de expressão da vontade, ficarmos apegados a elas, desnecessariamente, é fazer disto um fetiche, que só serve a quem goza com ele. Mas aí estaremos cada vez mais distantes da essência do Direito. 

*RODRIGO DA CUNHA PEREIRA

















-Advogado graduado pela UFMG(1983);
-Mestrado pela UFMG ( 1992)
-Doutorado pela UFPR (2002);
- Presidente do IBDFAM- Instituto Brasileiro de Direito de Família, Doutor ( UFPR) e Mestre ( UFMG) e
-Autor de vários livros e argos em Direito de Família e Psicanálise.
Instagram: rodrigodacunhapereiraadv- Clinica do Direito

Nota do Editor:


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quarta-feira, 29 de abril de 2020

O Consumidor e o Reembolso das Passagens Aéreas durante a Pandemia da Covid-19 da Covid19


Autora: Isabela Sampaio(*)

Em 18 de março de 2020 foi editada pelo Presidente da República a Medida Provisória nº 925/2020 que dispõe sobre o cancelamento e reembolso de passagens aéreas durante a pandemia da Covid-19.

A referida medida visa regular o impacto sofrido pelo setor aéreo com o grande número de cancelamentos de viagens compradas e que não poderão mais serem realizadas com o acontecimento da pandemia.

Quais são as opções dadas pela MP ao consumidor?

1) Remarcar a viagem 
2) Restituição do valor pago 

Na primeira opção o consumidor terá o prazo de até 12 meses a contar da data do voo para a remarcação de sua viagem, sem a aplicação de qualquer penalidade contratual. 

A regra da ANAC prevista no art. 7º da Resolução 400, dispõe validade do bilhete de 12 meses a contar de sua emissão, o que ficou provisoriamente alterado pela MP. 

Esta opção visa estimular a manutenção do contrato do consumidor com a companhia aérea, lembrando o disposto no art. 6º, V do CDC: 
"Art. 6º São direitos básicos do consumidor: V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas". 
Caso o consumidor opte pela restituição do valor pago com o cancelamento do serviço marcado, prevê a MP que o prazo para a devolução dos valores será de 12 meses a contar do voo. Nesta opção poderá o consumidor sofrer o desconto de penalidades contratuais como multas e taxas.
Importante destaque a ser feito, que a MP não fez alterações quanto ao cancelamento/alterações realizadas pela companhia aérea, mantendo a obrigação da companhia aérea em avisa o consumidor com 72 horas de antecedência, situação em que, caso não ocorra a comunicação, poderá o consumidor optar pelas alternativas de reembolso integral nos meios utilizados na compra (no prazo de 12 meses) ou de reacomodação em outro voo disponível. 

Ainda sim, permanecem vigentes a prestação de assistência material, conforme as orientações da ANAC: 

"Art. 27. A assistência material consiste em satisfazer as necessidades do passageiro e deverá ser oferecida gratuitamente pelo transportador, conforme o tempo de espera, ainda que os passageiros estejam a bordo da aeronave com portas abertas, nos seguintes termos: I - superior a 1 (uma) hora: facilidades de comunicação; (telefone, internet) II - superior a 2 (duas) horas: alimentação, de acordo com o horário, por meio do fornecimento de refeição ou de voucher individual; eIII - superior a 4 (quatro) horas: serviço de hospedagem, em caso de pernoite, e traslado de ida e volta."
Outro aspecto relevante da MP é que somente serão abrangidas pela regulamentação as passagens aéreas adquiridas até 31 de dezembro de 2020. 

Portanto, a orientação ao consumidor que se encontrar nessas situações, contate a companhia aérea num primeiro momento para a solução amigável do conflito. Se após tratativas não obtiver sucesso ou receber resposta diferente do que prevê a legislação, poderá o consumidor procurar advogado e valer-se das medidas jurídicas cabíveis. 

*ISABELA RAISA SANTOS SAMPAIO














-Advogada formada pelo Centro Universitário Metropolitano do Estado de São Paulo – Fig/Unimesp;
-Pós-graduada em Direito e Processo Civil pela Universidade Cândido Mendes;
-Proprietária do Escritório Sampaio Advocacia e Consultoria Jurídica; 
Atuante nas áreas cível, familiar e empresarial. 
Contato: Tel. (11) 2508-5780 – WhatsApp (11) 94505-8416 E-mail:isabela@advocaciasampaio.com
 Site: advocaciasampaio.com



Nota do Editor:

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terça-feira, 28 de abril de 2020

Escândalo e Julgamento


Autora: Mônica Ventura Santiago



Palavras-Chave:
Comportamento: Perfídia - Traição, Escândalo; Justiça: Julgamento – Leis; Evangelho.

"Então um dos doze, chamado Judas Iscariotes, foi ter com os príncipes dos sacerdotes e perguntou-lhes: “que quereis dar-me e eu vo-lo entregarei”. Ajustaram com ele trinta moedas de prata. E desde aquele instante, procurava uma ocasião favorável para entregar Jesus."
                                               Mateus, 26:14-16.

A perfídia, sinônimo de traição e deslealdade, constitui um crime por parte de quem perfidamente, entrega, denuncia ou vende alguém ou alguma coisa ao inimigo. Esse ato de traição é um crime se não nas leis humanas, certamente, nas Leis Naturais ou Divinas, pois, todo ato, atitude e comportamento que violente o equilíbrio da situação estabelecida, constitui um escândalo que, nada mais é, do que uma irreverência atentatória contra a ordem.

Em qualquer campo de atuação da criatura humana, seja político, social, os efeitos desse ato danoso, de perfídia - traição, produzem uma ressonância que desarmoniza tanto o indivíduo, seja a vítima ou o algoz, quanto, com cada qual destes, o grupo social no qual se encontrem situados.

Em todas as épocas, a perfídia, ação que vai de encontro à moral ou ao decoro, gera o escândalo que não está na ação em si mesma, mas, na repercussão que possa ter.

No sentido Evangélico, como anotado ainda em Mateus, 18:7 – "Ai do mundo por causa dos escândalos! Eles são inevitáveis; mas, ai do homem que os causa!” - o vocábulo "escândalo" tem um significado muito mais abrangente porque já não se trata apenas daquilo que fere o entendimento do outro, ou seja, já não se trata apenas daquilo que escandaliza as outras pessoas, mas, se trata também, de tudo o que é resultante dos vícios e das imperfeições humanas.

Nas traduções mais fiéis da Bíblia Sagrada, a palavra "escândalo" vem traduzida por "tropeço", significando que toda ação ou reação má que um indivíduo tem para com o seu próximo, um erro ou um tropeço que se cometa contra outrem, é o resultado efetivo do mal moral e este, se constitui motivo de queda para o homem.

Em suma, o escândalo é tudo o que leva o homem à queda, ao erro, quais, por exemplo, os princípios falsos que ele esposa na vida; os maus exemplos que se cometa; os abusos e arbitrariedades que se cometem em nome do poder e pelo poder temporal que anseia sem limites; abusos de autoridade, de posição social, política e/ou econômica, e abusos em nome da intelectualidade ou posição cultural que se ocupa no mundo.

A massa, não tem compaixão para com os traidores, haja vista que assim tem sido desde há dois mil anos. Símbolo da maior traição da historiografia humana, Judas Iscariotes, ainda hoje é aviltado, ultrajado, e tudo e todos que se lhe julgam em termos de comparação ou não, são também escorraçados em "praça pública" no julgamento dos que creem deter o poder ou o direito de fazer justiçamentos com as próprias mãos.

Esse justiçamento que outrora punia com a morte ou com o suplício físico moral, nos tempos modernos, adquiriu força e tecnologia, porquanto também as redes sociais são utilizadas para o julgamento insano, arbitrário e contumaz por parte de tantos quantos, expondo a inferioridade moral de quem apenas vê a própria imagem refletida no traidor, odeia-a.

Demonstrando o primitivismo moral da criatura que ainda é o "lobo" do seu próximo, esse julgamento pessoal é insensato porque ignora as causas reais geradoras dos problemas e leva o sujeito a agir, covarde e cruelmente, sedento da destruição da imagem do outro que constitui um fardo pesado a si mesmo, ferindo pessoas com palavras perversas, insinuações descabidas, teses estapafúrdias, mentiras caluniosas, difamações ofensivas com o único prazer mórbido de torturar e supliciar, molestar e afligir para causar sofrimento.

As raízes de um julgamento legal, encontram-se nas conquistas da ética e do direito, no desenvolvimento cultural dos povos e dos homens, que sabe conceder ao réu a oportunidade de sua defesa, ao tempo em que prima pela aplicação das Leis justas, sem achismos do julgador, visando preservar os valores intrínsecos da condição humana e as conquistas da cidadania que determina deveres a cumprir com a consequente fruição e gozo dos direitos.

No caso de Judas, o discípulo que vendeu o seu Mestre por trinta moedas de prata, caindo em si, entrou em desespero e enforcou-se sem a chance do auto perdão, porque a perfídia, denota, claramente, a falta de amadurecimento psicológico do ser humano independentemente de sua intelectualidade ou posição, e, por constituir, esse escândalo, um desequilíbrio daquele que o pratica, revela-se a sombra que permanece em a criatura em vertiginosa expansão, o que gera vícios e hábitos cada vez mais perturbadores que levam a desaires profundos, uma vez que sempre terminam por afetar aqueles que lhe compartem a convivência e a afetividade.

Interessante refletir que ao tempo de Jesus, a Galileia era uma região muito agradável em Israel e porque suas gentes eram formadas por pessoas modestas e simples, eram amantes da natureza, acostumados à lida diária sem a presunção intelectual da Judeia, o Mestre elegeu aquela região, preferindo viver com os galileus e ali, Ele convidou homens simples do povo para formar Seu Colégio Apostólico.

Contudo, na Judeia intelectual e austera, Ele convidou apenas um, chamado Judas, oleiro e natural de Kerioth, povoado situado a 35 quilômetros ao sul de Jerusalém. Este foi exatamente, aquele que o traiu, como a demonstrar, quiçá, que a áspide da inteligência, a serpente que inocula veneno, e que mascara a astúcia, caracterizada pela exigência de quinquilharias por moedas e poder, era justamente, aquela, a personalidade com pouquíssimas resistências morais para os enfrentamentos da grande luta sem quartel, que deveriam empreender os lidadores da divulgação da Boa Nova nos corações.

Judas personificava a dúvida quanto aos poderes de seu Mestre. A insatisfação pelos meios singelos empregados pelo Senhor Divino na divulgação do Evangelho. O medo pelo que viria a ser o futuro daquele Reino dos Céus que o Pastor de Almas prometia aos sedentos de justiça.

E, personificava também, a desconfiança na própria condição de discípulo do Senhor, ao mesmo tempo em que agia nas sombras da inconsciência e das atitudes temerárias, imprudentes, prepotentes e arrogantes que o levaram a "vender" o Filho de Deus por trinta moedas, aos homens gananciosos que temiam, por sua vez, perder seu ouro e seu poder para o Reino de Deus que não compreendiam.

Visando ilustrar o conteúdo destas reflexões, transcrevemos, resumidamente, do texto dos Evangelhos a passagem: "A TEMPESTADE ACALMADA", enriquecida na narrativa sublime e magistral da poetisa, dramaturga e escritora baiana, Amélia Augusta do Sacramento Rodrigues (1861-1926).

"O céu apresentava-se fulgurante e à hora undécima, o Mestre questiona os discípulos:

- Os barcos estão prontos? Sim, Rabi retruca Simão.

- Devemos atingir a outra margem antes da alvorada – elucida o Amigo Divino.

- Mas, neste período – relata o velho pescador – as tempestades sopram de surpresa e colhem os incautos, imprevistamente, ameaçando-lhes as vidas.

- Não temamos as coisas que promanam de Nosso Pai – esclarece Jesus. – Saiamos daqui.

Os barcos deslizaram sobre as cristas das ondas eriçadas.

O Rabi toma de um travesseiro e, na popa da barca em que seguem os irmãos Boanerges – João e Tiago -, procura repouso.

Ao longe, as praias. As cidadezinhas da orla das águas rebrilham distantes e o Mestre dorme em plácida serenidade.

Os remos cantam nas águas, e os lemes estão seguros com vigor.

Há uma inocente alegria, conquanto algumas mesclas de preocupação e, Judas exclama:

- Não será uma temeridade essa viagem?

- O Rabi está conosco, portanto, não há problemas – redargui João.

- Simão, porém, conhece os perigos neste período – investe o Iscariotes.

- De fato, se formos colhidos por um vendaval – obtempera Simão -, nossas vidas estarão ameaçadas.

- Mas Jesus está conosco – insiste André.

- No entanto, dorme – chasquina Judas -, enquanto deveria vigiar; isto, para ser fiel às Suas próprias palavras...

- Não temamos! Confiemos! – conclama João.

- Contudo, é perigoso – retruca, mais uma vez, a inquietação de Judas.

- Rememos – propõe Pedro, na condição de timoneiro.

As terras da Decápole estão à vista, desenhadas nas sombras da frente.

- O dia fora exaustivo – relaciona o jovem Boanerges. – O Mestre atendeu as gentes de várias partes que levarão, agora, as notícias.

- Eu vi um cego abrir os olhos – relata, Simão Bar Jonas -, e as lágrimas cristalinas diziam da emoção incomparável daquele beneficiado.

- E o leproso? – interroga Tiago. – O olhar que o Rabi depositou sobre ele comoveu-me.

- Olhem as nuvens! – gritou Judas, deixando transparecer um assomo de pavor.

Repentinamente as estrelas desapareceram sob as nuvens escuras. Sopraram os ventos de várias direções e o pânico tomou vulto.

Os barcos oscilam e trovões espocam após relâmpagos ligeiros.

- E Ele dorme! – exclama André.

- Dorme enquanto perecemos! – grita Judas.

- Confiemos! – insiste João.

Cai a tempestade. As forças em desgoverno sacodem o mar, e o tumulto domina a paisagem.

- O Mestre dorme, Deus meu, e nós... – desespera-se Judas. – Acordem-nO!

- Mestre, Mestre! – chama João, receoso e trêmulo. – Pereceremos se não nos salvares.

- Se não nos salvares?! – repete, revoltado, Judas. – Terá que nos salvar. A ideia da viagem perigosa foi ele quem a teve.

Brame o mar, e ululam os ventos. – Que tendes? – indaga, sereno, o Rabi.

- Perecemos, Amigo! – explica, tímido, o amado...

Ele se ergue e abre os braços. O relâmpago veste-O da claridade luminosa, emoldurando-O, num átimo.

Calai! Emudecei! – Sua voz supera os estrondos das forças desconexas da natureza. – Aquietai! – O brado arrebenta-se nos longes das praias. Os ventos amainam e as águas revoltas, desencrespam-se.

A tentação dissera há pouco por aquelas bocas: - Não te importas que pereçamos? – quando indagara Simão, traduzindo as dúvidas gerais.

No entanto, Ele estava ali.

- Quem é esse a Quem até o vento e o mar obedecem?

E, todavia, viviam com Ele, mas, não O conheciam..."

Traições, escândalos e julgamentos, constituem facetas na personalidade humana ainda subjugada às sombras do ego que preserva o lado vulgar, mesquinho, licencioso, ganancioso e feroz, em detrimento do Self, o Eu superior, aquele lado bom e gentil das criaturas.

Dúvidas, insatisfações, medos, desconfianças, ao modo de Judas, são tormentas que açoitam as criaturas com frequência em plena tempestade no mar das nossas existências.

Que fazer? – "Remar", trabalhando vigilantemente contra as paixões desconcertantes que nos levam às derrocadas no mal moral. Cultivar a humildade que evita a prepotência e a arrogância, para confiarmos no Cristo interno que habita em nós, mas, que jaz adormecido sem que as nossas ações O permitam despertar.
  
Referências Bibliográficas - Obras e Livros consultados:

Bíblia Sagrada – 64ª Edição – Editora Ave Maria Ltda:
A Tempestade Acalmada - Evangelho Segundo São Mateus 8: 23-27; São Marcos 4:35-41; São Lucas 8:22-25:
A Traição de Judas - Evangelho Segundo São Mateus 26:14-16; São Marcos 14: 10-11; São Lucas 22:3-6;
Livro: Elucidações Psicológicas à Luz do Espiritismo – Organização: Geraldo Campetti Sobrinho e Paulo Ricardo A. Pedrosa – Autora: Joanna de Ângelis por Divaldo Franco. Ed. LEAL – 3ª Ed. 2018:
Livro: Em Busca da Verdade – Autora: Joanna de Ângelis por Divaldo Franco. Ed. LEAL–1ª Ed. 2009;
 Livro: Conflitos Existenciais – Autora: Joanna de Ângelis por Divaldo Franco. Ed. LEAL-1ª Ed. 2005;
Livro: Luz do Mundo – Autora: Amélia Rodrigues por Divaldo Franco. Ed. LEAL-11ª Ed. 2016;
 Livro: Os Grandes Julgamentos da História – Autores diversos. Organização: José Roberto de Castro Neves. Ed. Nova Fronteira Participações S.A. 1ª Ed. 2018; 
Formato ebook. Acesso: World Wide Web – ISBN 9788520943748 (recurso eletrônico).
 Livro: Uma Breve História da Teoria do Direito Ocidental – Autor: John Maurice Kelly. Ed. WMF Martins Fontes. 1ª Ed. 2010;e
Livro: Breve História da Justiça – Autor: David Johnston – Tradutor: Fernando Santos. Ed. WMF Martins Fontes. 1ª Ed. 2018.
  
*MÔNICA MARIA VENTURA SANTIAGO
















- Advogada. 
Especialidades:
- Direito de Família e Sucessões,
- Direito Internacional Público,
- Direito Administrativo;
- Lato Sensu em Linguística e Letras Neolatinas;
- Degree in English by Edwards Language School – London - Accredited by the British Council, a member of English UK and a Centre for Cambridge Examinations;
-Escreve artigos sobre Direito; Política; Sociologia; Cidadania; Educação e Psicologia.

Nota do Editor:



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