quarta-feira, 16 de julho de 2025

A face cruel dos golpes bancários contra servidores públicos e a banalização da dor

 

@ Susanne Vale Diniz Schaefer


O Brasil vive hoje uma epidemia silenciosa de fraudes financeiras. Segundo levantamento da Serasa, em 2024 foram registradas quase 3 (três) tentativas de golpe por segundo. Isso mesmo: por segundo![1]

O crescimento foi de 17% em relação ao ano anterior, com destaque para o perfil mais atingido, pessoas com mais de 50 anos, boa parte delas servidoras públicas. O prejuízo vai muito além do valor, alcançando a dignidade ferida, a confiança abalada, o nome comprometido e a sensação de impotência que se instala.

Atendo vítimas de fraudes bancárias há muitos anos e são histórias que se repetem, mas que nunca perdem a capacidade de me indignar. O que está em curso no Brasil vai além de incidentes isolados, estamos diante de um sistema que permite, facilita e em alguns casos até mesmo lucra com a desinformação e a dor alheia.

O servidor público, figura que representa estabilidade, previsibilidade de renda e confiança institucional, se tornou o alvo preferencial de fraudes e não é difícil entender o motivo. Seus dados estão expostos. Sua margem consignável está quase sempre disponível. E sua rotina é atravessada por ligações, mensagens e ofertas que, sob aparência legítima, escondem armadilhas com consequências graves.

Os golpes na área bancária não acontecem apenas por ação de quadrilhas externas, eles nascem e se fortalecem dentro da própria cadeia de vendas bancária. São correspondentes sem qualquer fiscalização, atendentes despreparados, plataformas terceirizadas que acessam dados sensíveis com autorização das próprias instituições financeiras. A engrenagem gira com fluidez porque há omissão, conivência e acima de tudo, um grande descaso com o consumidor.

Dentre os casos mais perversos, temos a falsa portabilidade de empréstimo, que é hoje uma das fraudes mais comuns. Nela, o servidor acredita estar reduzindo juros e aliviando seu contracheque, recebe um valor em conta que, segundo o atendente, "não é dele", e sim um recurso temporário a ser devolvido para a suposta quitação do contrato anterior. Mas o que de fato ocorre é a contratação de um novo empréstimo, sem qualquer liquidação do anterior. O servidor então passa a pagar dois contratos simultaneamente e quando busca ajuda, descobre que nem sequer há registro formal da portabilidade prometida, que não passava de um engodo para que o correspondente ou o fraudador, conseguissem receber o recurso do segundo empréstimo.

Esse tipo de fraude não seria possível se as instituições financeiras adotassem mecanismos mínimos de proteção. Mas em vez disso muitas delas terceirizam a captação de crédito para empresas cujo único foco é bater metas, não zelar pelo cliente. Funcionários de dentro da cadeia de vendas acessam sistemas bancários, inserem dados, preenchem contratos, conduzem a operação do início ao fim sem que o titular sequer compreenda o que está assinando.

A responsabilidade por essas condutas não é do consumidor. Ela é da instituição que lucra com a operação e o ordenamento jurídico brasileiro é claro nesse sentido. O artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor estabelece que o fornecedor de serviços responde, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados ao consumidor por defeitos relativos à prestação dos serviços. A Súmula 479 do STJ consolida esse entendimento, de que as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos causados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.

Temos ainda hoje outra preocupação, pois o cenário que já é alarmante tende a se agravar ainda mais com o avanço das tecnologias de inteligência artificial. A popularização de ferramentas de deepfake está criando uma nova geração de fraudes bancárias, mais sofisticadas, convincentes e difíceis de detectar.

Hoje golpistas conseguem imitar a voz de uma pessoa com poucos segundos de áudio, conseguem gerar vídeos aparentemente reais usando apenas imagens públicas da vítima, como aquelas postadas em redes sociais. Em poucos cliques, produzem uma gravação em que a pessoa "aparece" autorizando uma operação que jamais realizou.

Enquanto isso, os sistemas de validação adotados por muitas instituições financeiras continuam arcaicos e contratos de valores elevados estão sendo formalizados com base em uma simples selfie geolocalizada. Em alguns casos, basta um vídeo de segundos com o suposto cliente dizendo frases como "aceito contratar o empréstimo". Não há validação biométrica robusta, nem análise antifraude sofisticada, nem cruzamento de dados para confirmação da identidade, basta parecer verdadeiro.

É urgente que o sistema bancário seja atualizado à altura dos riscos que ele mesmo está criando, a mera aparência de consentimento não pode ser considerada manifestação válida de vontade e o princípio da boa-fé objetiva exige que o fornecedor do serviço aja com diligência, o que inclui adotar sistemas de autenticação que realmente protejam o consumidor e não apenas facilitem a venda.

Se uma instituição escolhe meios frágeis de validação para acelerar suas contratações, ela assume o risco e esse risco não pode ser empurrado para o consumidor depois que a fraude se concretiza. A justiça precisa estar atenta a esse novo cenário, porque os golpes do futuro já estão acontecendo hoje.

É muito comum que o servidor ao perceber o golpe se sinta tão culpado que alguns não contam nem para a família, por vergonha e medo. O fato é que boa parte acredita que não têm direito a reclamar de ter sido enganado, seja porque “assinou algo”, mesmo que não tenham compreendido e outros desistem no meio do caminho sufocados pela burocracia imposta pelos próprios bancos para impedir que a vítima leve adiante sua reclamação.

É por isso que sempre defendo que informação é ferramenta de justiça, defender essas vítimas é para mim mais do que um trabalho, é uma missão.

O Brasil precisa falar mais sobre essas práticas e reconhecer que não se trata de um problema individual, mas estrutural no qual o Judiciário tem papel decisivo na reparação, mas também na prevenção. Cada sentença que reconhece a fraude e condena a instituição financeira é um recado, cada decisão que aplica a responsabilidade objetiva ajuda a criar um padrão de conduta e é isso que buscamos, uma justiça que não apenas corrige, mas transforma.

REFERÊNCIA


SUSANNE VALE DINIZ SCHAEFER












Advogada graduada pela UNIESP (2017)

Pós- graduada em Direito Báncário pela PUC - Minas (03/2025)

 Pós-graduada em Direito civil e Processo Civil pela Faculdade Legale São Paulo (2020);

-Membro da Comissão de Direito Bancário e Comissão de Defesa do Consumidor na OAB Santos-SP;

-Agente de Crédito Bancária certificada de acordo com as normas do Banco Central, com mais de seis anos de experiência prática na área bancária especialista em crédito consignado;

-Sócia fundadora na Schaefer & Souza Advogados Associados, com equipe focada em processos envolvendo fraudes bancárias, possuindo o escritório além de área de amplo atendimento ao consumidor, nichos de atuação na esfera do direito civil, empresarial,trabalhista e previdenciário.

 -Autora do Canal "Via do Direito" no YouTube onde se compartilham conhecimentos sobre direitos, especialmente conscientizando consumidores e ensinando como evitar e como lidar com fraudes envolvendo crédito consignado.

Nota do Editor:


Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

terça-feira, 15 de julho de 2025

O simulador do INSS não mostra que sua aposentadoria pode estar escondida


 


@ Renata Brandão Canella

Muita gente acessa o simulador do INSS, pelo portal gov.br, e sai de lá desanimada, achando que vai trabalhar até os 65 anos ou mais. Mas o que poucos sabem é que esse simulador não revela todas as possibilidades de aposentadoria. E isso pode custar anos de espera, e de dor.

A verdade é que o sistema do INSS deixa de fora diversos cenários previstos em lei, como a aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência, a aposentadoria híbrida (urbana e rural) e a aposentadoria antecipada especial, aposentadoria por idade rural ou na pesca artesanal, aposentadoria com os aceleradores de tempo (como por exemplo: trabalhos informais).

Um exemplo: uma mulher com 55 anos e 30 anos de contribuição, que sente dores na coluna, mas continua trabalhando, pode acreditar que ainda falta muito para se aposentar. No entanto, com base na Lei Complementar 142/2013, se ela conseguir comprovar que tem uma redução funcional, mesmo sem estar incapacitada, pode conseguir o benefício antes do tempo, com 100% da média salarial.

A lei protege quem tem sequelas de doenças ortopédicas, problemas de coluna, dores crônicas ou até sequelas leves de acidentes, mesmo que antigos. E mais: não exige idade mínima.

Outro caso comum é de pessoas que trabalharam parte da vida na roça ou em pesca artesanal e depois foram para a cidade. Mesmo sem contribuição na fase rural ou pesqueira, esse tempo pode ser somado ao tempo urbano para garantir a aposentadoria por idade híbrida.

Há ainda quem tenha trabalhado em condições insalubres até 2019 e possa converter esse tempo especial em tempo comum, somando mais rápido os anos necessários para se aposentar. Ou seja, existem muitos caminhos para antecipar o benefício, só que o INSS não mostra.

É por isso que o planejamento previdenciário é tão importante. Sem orientação, muita gente desiste ou recebe um valor abaixo do que teria direito.

A dica é não confiar apenas no simulador. Buscar análise personalizada, revisar os documentos e considerar todas as hipóteses previstas em lei pode mudar completamente o seu futuro.

RENATA BRANDÃO CANELLA












-Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL- 1999);

-Mestre em Processo Civil pela Universidade Estadual de Londrina (UEL-2003);

-Advogada previdenciária com atuação no âmbito do Regime Geral de Previdência Social  (RGPS), Regime Próprio (RRPS), Previdência Complementar e Previdência Internacional;

- Especialista em 

   -Direito Empresarial pela Universidade Estadual de Londrina (UEL-2000) e
   -Direito do Trabalho pela AMATRA;


- Autora de artigos especializados para diversos jornais, revistas e sites jurídicos;

 -Autora e Organizadora do livro “Direito Previdenciário, atualidades e tendências” (2018, Editora Thoth);

-Palestrante;

-Expert em planejamento e cálculos previdenciários com diversos  cursos avançados na área;

-Presidente da Associação Brasileira dos Advogados Previdenciários (ABAP) na atual gestão (2020-2024):

-.Advogada da Associação dos Aposentados do Balneário Camboriú -SC(ASAPREV);

- Advogada atuante em diversos Sindicatos e Associações Portuárias no Vale do Itajaí - SC 

- Sócia e Gestora do Escritório Brandão Canella Advogados Associados.

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

segunda-feira, 14 de julho de 2025

O equilíbrio entre a liberdade de expressão e a isonomia entre candidatos na propaganda eleitoral


 


@ Leonardo Mattos Regiani

1.INTRODUÇÃO

A propaganda eleitoral é um dos pilares do processo democrático, pois permite que os candidatos divulguem suas ideias, propostas e posicionamentos à sociedade.

No entanto, sua regulamentação visa assegurar que essa divulgação ocorra em condições equitativas, respeitando o princípio da isonomia entre os concorrentes e evitando abusos de poder econômico, político ou midiático.

Diante disso, surge o desafio de equilibrar a liberdade de expressão com a necessidade de garantir um pleito justo e igualitário. Este artigo tem como objetivo analisar as principais regras que disciplinam a propaganda eleitoral no Brasil, com enfoque nos limites impostos à livre manifestação do pensamento e nos mecanismos que buscam preservar a igualdade entre os candidatos.

2.FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS DA PROPAGANDA ELEITORAL

A propaganda eleitoral está inserida no contexto dos direitos fundamentais, especialmente o direito à liberdade de expressão (art. 5º, IV e IX, e art. 220 da Constituição Federal).

Contudo, essa liberdade não é absoluta, encontrando limitações na própria Constituição e na legislação infraconstitucional, notadamente o Código Eleitoral (Lei nº4.737/1965) e a Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997).

A legislação eleitoral estabelece regras específicas sobre o período de início da propaganda (a partir de 16 de agosto do ano eleitoral), os meios permitidos (rádio, TV, internet, impressos, alto-falantes, entre outros), bem como as condutas vedadas, como a propaganda antecipada, o uso de bens públicos ou de caráter social, e a veiculação de conteúdo ofensivo ou sabidamente inverídico.

3.LIBERDADE DE EXPRESSÃO X ABUSOS NA PROPAGANDA

A liberdade de expressão no contexto eleitoral visa garantir que o eleitor tenha acesso a uma pluralidade de opiniões e informações. Entretanto, o uso indiscriminado dessa liberdade pode acarretar distorções no processo eleitoral, como a disseminação de notícias falsas, discursos de ódio e ataques pessoais.

Por essa razão, a Justiça Eleitoral atua para coibir excessos, inclusive com a possibilidade de aplicação de penalidades, como multas, direito de resposta e cassação de registro ou diploma.
ELEIÇÕES 2024. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVOS EM RECURSOS ESPECIAIS ELEITORAIS. REPRESENTAÇÃO.PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA. INTERNET. PROCEDÊNCIA NA CORTE REGIONAL. VEICULAÇÃO DE MENSAGEM OFENSIVA À HONRA DE CANDIDATO.EXTRAPOLAÇÃO DOS LIMITES DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO. ART. 57-D, CAPUT E § 2º, DA LEI Nº 9.504/1997. MULTA. INCIDÊNCIA. CONFORMIDADE DO ACÓRDÃO REGIONAL COM A JURISPRUDÊNCIA DESTE TRIBUNAL SUPERIOR. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. SÚMULAS-TSE Nºs 28 E 30. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. NEGATIVA DE PROVIMENTO.1.A conclusão do acórdão recorrido está em conformidade com a jurisprudência desta Corte Superior (Súmula-TSE nº 30), segundo a qual "a garantia da livre manifestação de pensamento não possui caráter absoluto, afigurando-se possível a condenação por propaganda eleitoral negativa no caso de a mensagem divulgada ofender a honra ou a imagem de candidato, partido ou coligação, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos"(AgR-REspEl nº 0600328-07/SE, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 26.9.2023).2. Para além da descaracterização do dissídio jurisprudencial por força da Súmula-TSE nº 30, cumpre reiterar que o seu reconhecimento pressupõe a similitude fática e a divergência de entendimento entre as hipóteses confrontadas, o que não restou evidenciado na espécie. Incidência do óbice da Súmula-TSE nº 28.3. Agravo regimental ao qual se nega provimento. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial Eleitoral nº060078976, Acórdão, Relator(a) Min. André Mendonça, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 01/07/2025. (Grifei)
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal (STF) manifestou-se de que a liberdade de expressão política possui especial proteção, mas pode ser restringida quando houver violação a outros valores constitucionais relevantes, como a dignidade
da pessoa humana e a honra  .

4. ISONOMIA E IGUALDADE DE CONDIÇÕES ENTRE OS CANDIDATOS

A isonomia entre os candidatos é princípio estruturante do Direito Eleitoral. A legislação busca assegurar igualdade de oportunidades na disputa, o que justifica restrições quanto à forma e ao conteúdo da propaganda.

Exemplo disso são os limites de gastos de campanha, o controle da mídia, a distribuição equitativa do tempo de rádio e televisão, e a vedação ao uso de estruturas estatais em favor de candidatos.

A atuação da Justiça Eleitoral, nesse ponto, é essencial para evitar que candidatos com maior poder econômico ou acesso privilegiado a veículos de comunicação desequilibrem o pleito.

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem reafirmado a importância de medidas corretivas em casos de propaganda irregular, como a retirada de conteúdo, aplicação de multas e, em situações mais graves, ações de investigação
judicial eleitoral (AIJE) ou Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME), conforme exemplo abaixo.
ELEIÇÕES 2022. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA
ELEITORAL IRREGULAR. CANDIDATO. REELEIÇÃO.
MANDATÁRIO. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA.
DISCURSO. VARANDA. EMBAIXADA DO BRASIL EM
LONDRES. REPRODUÇÃO DE VÍDEOS.
COMPARTILHAMENTO NAS REDES SOCIAIS. LIMINAR
INDEFERIDA. USO DE BEM PÚBLICO. CONFIGURAÇÃO.
AFRONTA. ART. 37 DA LEI 9.504/97. MULTA.
APLICAÇÃO. PROCEDÊNCIA PARCIAL.

1 Informativo 969, Pet 7174 / DF, Órgão julgador: Primeira Turma, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, Redator(a) do acórdão: Min. MARCO AURÉLIO, Julgamento: 10/03/2020 (Presencial).


SÍNTESE DO CASO


1.Trata-se de representação ajuizada pela Coligação Brasil da Esperança em desfavor de Jair Messias Bolsonaro, Walter Souza Braga Netto, da Coligação Pelo Bem do Brasil, de Carla Zambelli Salgado, Fábio Salustiano, Mesquita de Farias,
Alexandre Ramagem Rodrigues e de responsáveis por perfis no Twitter não identificados, sob a alegação de que o primeiro
representado - então presidente da República e candidato à
reeleição - proferiu discurso a apoiadores na sacada do prédio da embaixada brasileira em Londres, por ocasião de viagem oficial para comparecer ao funeral da Rainha Elizabeth II do Reino Unido, e cuja gravação em vídeo foi reproduzida e compartilhada em diversos perfis no Twitter.
2. Em decisão individual proferida no dia 15.5.2023, foi indeferida medida liminar e afastada a preliminar de perda de objeto da ação, determinando-se a exclusão na representação dos perfis de redes sociais não identificados, a qual foi referendada pelo plenário desta Corte Superior.
3. Foi homologada a desistência da representação quanto a Carla Zambelli Salgado de Oliveira, Alexandre Ramagem Rodrigues e Fábio Salustino Mesquita de Faria e, por conseguinte, extinto feito sem resolução de mérito em relação aos referidos demandados, nos termos do art. 485, VIII, do CPC.

ANÁLISE DA REPRESENTAÇÃO

Preliminar de perda do objeto

4. Não há falar em perda de objeto, porquanto, conforme consignado na decisão que indeferiu a liminar, o pedido formulado na AIJE 0601154-29, fundado na prática de abuso de poder, não abarcou o requerido na presente ação, persistindo o interesse jurídico da autora da representação em relação ao pedido de aplicação de multa por propaganda eleitoral irregular.

Mérito

Do caráter eleitoral da conduta

5.O evidente caráter eleitoral do conteúdo do discurso impugnado foi reconhecido no âmbito da AIJE 0601154-29, de relatoria do eminente Ministro Benedito Gonçalves.
6. Embora tenha examinado feito de natureza diversa, esta Corte Superior assentou que a sacada da Embaixada do Brasil em Londres foi convertida em palanque eleitoral, para enaltecimento do governo e mobilização do eleitorado, com vistas à reeleição do candidato, ferindo a isonomia entre os candidatos ao pleito presidencial.
7. Os representados não trouxeram elementos aos autos capazes de afastar as alegações da representante ou aptos a alterar a conclusão desta Corte de que, a despeito do princípio da interferência mínima da Justiça Eleitoral no debate democrático,a preservação da igualdade de oportunidade entre os candidatos que concorrem ao pleito eleitoral é uma diretriz para que esta Justiça Especializada exerça sua função de reguladora das eleições.
8. Foi realizado ato com caráter eleitoral em local pertencente ao Poder Público, contrariando regras eleitorais expressas na
legislação vigente, o que configurou a efetiva prática de
propaganda eleitoral em bem público, apta a atrair a aplicação
da sanção prevista no art. 37, § 1º, da Lei 9.504/97.Da ilicitude na atuação do representado como Chefe de Estado.

9. Não merece acolhida a alegada ausência de ilicitude em razão da atuação de Jair Messias Bolsonaro ter ocorrido na condição de Chefe de Estado comparecendo a compromisso oficial. Isso porque essa circunstância não exime o agente público de atuar dentro dos parâmetros legais e pautar-se pela observância à precípua finalidade dos atos praticados.


10. Ao proferir discurso para os seus apoiadores, visando notabilizar a sua imagem de candidato à reeleição ao fazer referência à sua possível vitória no primeiro turno das Eleições de 2022, o primeiro representado agiu distante da liturgia do cargo de presidente da República, realizando ato de natureza eleitoral ao arrepio da legislação de regência.

Do princípio da continuidade administrativa

11. Não obstante o legislador constituinte tenha privilegiado o princípio da continuidade administrativa ao permitir a reeleição dos candidatos ao Poder Executivo sem a necessidade de desincompatibilização, é certo que o governante-candidato deve pautar sua conduta pela extrema cautela, a fim de não provocar o indevido entrelaçamento das figuras de chefe de Estado e chefe de governo.

Da caracterização do uso de bem público
12. A sacada da residência oficial do embaixador brasileiro em
Londres pertence ao Poder Público, pois as embaixadas são qualificadas como missões diplomáticas permanentes no exterior, as quais compõem o Ministério das Relações Exteriores.
13. O caráter eleitoral do discurso proferido pelo primeiro representado e a utilização de bem de natureza pública não se traduzem em indiferente eleitoral no que se refere à configuração de propaganda eleitoral e, assim sendo, a aludida conduta submete-se às vedações impostas pela legislação eleitoral.

Da inexistência de violação ao princípio da liberdade de
expressão

14. Embora o princípio da liberdade de expressão seja direito fundamental, ele não se reveste de caráter absolutojustificar óbice para imposição de sanção ao representado. Ao lado do direito de liberdade de expressão, a Constituição da República também tutela a normalidade e a legitimidade das eleições, conforme disposto no art. 14, § 9º, velando por outros princípios também importantes, como o da igualdade de oportunidades entre os candidatos.

Da ausência de responsabilidade pela conduta irregular praticada pelo primeiro representado

15. O representado Walter Braga Neto foi mero beneficiário da propaganda irregular, não participou da conduta irregular ou anuiu com esta, não havendo nenhum indicativo de que tenha compartilhado ou divulgado a propaganda impugnada, assim como não há comprovação de seu prévio conhecimento a respeito da prática ilícita, o que afasta a sua responsabilidade pela propaganda irregular.

16. No que se refere à responsabilização da coligação representada pela conduta irregular praticada por Jair Messias, Bolsonaro,"este Tribunal firmou o entendimento de que a regra do art. 241 do Código Eleitoral, a qual prevê de modo expresso a responsabilidade solidária das agremiações pelos excessoscometidos por seus candidatos no tocante à propaganda eleitoral, aplica-se às coligações. Precedente" (AgR-AREspE 0603550-27, rel. Min. André Ramos Tavares, DJE de 8.9.2023).

Da aplicação de multa por propaganda irregular
17. Considerando a grande relevância da performance discursiva para o processo eleitoral, além do fato de que a conduta foi realizada em viagem oficial do mandatário da presidência da República para participar da cerimônia de falecimento da soberana do Reino Unido, revelando o desvio de finalidade do ato praticado na condição de Chefe de Estado, justifica-se afixação da multa em patamar máximo previsto em lei. Além disso, a propaganda irregular se reveste de maior gravidade por ter sido cometida em local pertencente ao Poder Público em que o primeiro representado só teve acesso por ser Chefe de Estado, afetando a paridade das armas entre os candidatos e repercutindo na normalidade do processo eleitoral, de tal sorte que se afigura razoável e proporcional condenar Jair Messias Bolsonaro e a Coligação pelo Bem do Brasil ao pagamento de multa individual na quantia R$ 8.000,00, em virtude da veiculação de propaganda eleitoral irregular em bem público, com base no art. 37, § 1º, da Lei 9.504/97.

PROCEDÊNCIA PARCIAL. FUNDAMENTO

18. A procedência parcial da representação se justifica pelo reconhecimento da ausência de responsabilidade do candidato a vice-presidente Walter Braga Neto pela conduta irregular.

CONCLUSÃO

Representação julgada parcialmente procedente. Representação nº060115866, Acórdão, Relator(a) Min. Floriano de AzevedomMarques, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico,06/06/2024. (Grifei)

4. NOVOS DESAFIOS: PROPAGANDA NA INTERNET E REDES SOCIAIS

Com o avanço da tecnologia, a internet se tornou um dos principais meios de propaganda eleitoral, exigindo constante atualização normativa e jurisprudencial.

A Lei nº 9.504/1997 passou a prever regras específicas para essa modalidade, como a obrigatoriedade de identificação do responsável pelo conteúdo, a vedação ao uso de perfis falsos e o combate à desinformação.

As redes sociais, em especial, têm se mostrado desafiadoras para a Justiça  Eleitoral, devido à velocidade e ao alcance das informações.

ELEIÇÕES 2024. AGRAVO INTERNO EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA NEGATIVA. DESINFORMAÇÃO. CONFIGURAÇÃO. APLICAÇÃO DOS ENUNCIADOS NºS 24 E 30 DA SÚMULA DO TSE.

AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

I. CASO EM EXAME
Agravo interno interposto de decisão que negou seguimento a  recurso especial eleitoral. A agravante busca reformar a decisão que manteve a condenação por propaganda eleitoral irregular, devido à divulgação de notícia sabidamente inverídica que ofendeu a imagem do então pré-candidato adversário.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO

A controvérsia envolve a seguinte análise: se a publicação veiculada excedeu o exercício legítimo das liberdades de expressão e de informação, configurando ato ilícito ao promover desinformação com potencial de prejudicar a imagem de pré-candidato perante o eleitorado.

III. RAZÕES DE DECIDIR

A propaganda eleitoral que veicula desinformação ou ofensas contra adversário caracteriza propaganda negativa vedada, especialmente quando compromete a igualdade de condições entre os candidatos. Encontra óbice no Enunciado nº 24 da Súmula do TSE a pretensão de alterar o entendimento da Corte local que reconheceu, no caso, estar configurada a propaganda eleitoral antecipada negativa na internet, consistente na divulgação de informações sabidamente inverídicas, com o intuito de prejudicar candidato político.conclusão do Tribunal de origem encontra-se em conformidade com o entendimento desta Corte, que é firme no sentido de que a divulgação de propaganda sabidamente inverídica é vedada,inclusive no período de pré-campanha, como forma de garantir a lisura do processo eleitoral, o que atrai a incidência do Enunciado nº 30 da Súmula do TSE. O agravo interno não apresenta argumentos novos capazes de modificar a decisão recorrida, devendo ser mantida a condenação imposta pelas instâncias ordinárias.

IV. DISPOSITIVO

Agravo interno desprovido.

Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº060001721,Acórdão, Relator(a) Min. Antonio Carlos Ferreira, Publicação:
DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 13/06/2025. (Grifei)

Nesse contexto, a Resolução TSE nº 23.610/2019 e posteriores atualizações estabeleceram diretrizes para a propaganda eleitoral digital, buscando garantir o respeito à legalidade, à veracidade das informações e à paridade de armas entre os candidatos.

5. CONCLUSÃO

A regulamentação da propaganda eleitoral no Brasil procura estabelecer um ponto de equilíbrio entre a liberdade de expressão e a igualdade de condições na disputa eleitoral.

Ainda que existam críticas quanto à rigidez de algumas regras, o objetivo maior é assegurar que o processo democrático ocorra de forma legítima, transparente e justa.
Diante dos desafios impostos pelas novas tecnologias e pelo cenário de polarização política, torna-se ainda mais relevante a atuação vigilante da Justiça Eleitoral e a constante atualização das normas para proteger tanto o direito de informar quanto o direito de ser informado de maneira ética e responsável.

Os atores do processo eleitoral precisam estar vigilantes quanto às regras eleitorais para que não sofram sanções durante o pleito. Estar alinhado com os ditames legais é essencial para que suas campanhas não apenas respeitem os limites estabelecidos pela legislação, mas também contribuam para um ambiente eleitoral saudável e democrático.

Em um cenário cada vez mais dinâmico, em que as redes sociais ampliam o alcance e a velocidade da informação, o respeito às normas de propaganda eleitoral se torna um diferencial de legitimidade. Assim, a observância das regras não deve ser vista apenas como uma obrigação jurídica, mas como um compromisso ético com o processo eleitoral, com os eleitores e com a democracia brasileira.

LEONARDO MATTOS REGIANI












·  Bacharel em Direito pela Unisal - Lorena /SP (2018);

· Pós-graduação em Advocacia Contratual e Responsabilidade Civil pela EBRADI (2022); e

· Pós-graduação em Direito Eleitoral  pelo GRAN Centro Universitário(2024);

-Atuação nas áreas de Direito Administrativo, Civil, Eleitoral e Público, com foco no consultivo e contencioso. 

-Sócio Proprietário do Leonardo Mattos Sociedade Individual de Advocacia 

CONTATO E REDES SOCIAIS

·     E-mail: leonardomattos.r@outlook.com

·    🔗 LinkedIn: linkedin.com/in/leonardomattosadv


Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

domingo, 13 de julho de 2025

TDAH e a inserção de medicação no caso de crianças


 

 @ Keity Teixeira Fonseca Valim


Em grande parte das devolutivas de avaliação neuropsicológica, eu diria que em 95% dos casos, quando temos um diagnóstico relacionado ao TDAH os pais mencionam que não são a favor da inserção da medicação. A justificativa na maioria dos casos é por conta da idade das crianças.

Mas, considero importante mencionar algumas informações sobre a questão da medicação nos casos de TDAH em crianças. O tratamento de primeira linha aqui no Brasil é com o Metilfenidato, que tem três versões, sendo duas versões de liberação prolongado e uma versão de liberação imediata. O nome comercial são Ritalina, Ritalina LA e Concerta. Com certeza, você que está lendo esse texto já ouviu falar nessas medicações. Cabe mencionar que temos outros medicamentos no mercado. Não vou me ater a questão farmacológica, mas quero provocar a reflexão dos pais e responsáveis sobre esse meio de tratamento que muitas vezes é visto como ruim para a criança.

O TDAH é um transtorno do neurodesenvolvimento que trazem como sintomas a desatenção, hiperatividade e impulsividade. Grande parte dos diagnósticos são feitos na infância devido a prejuízos, pincipalmente escolares. Entretanto, o transtorno causa também prejuízos sociais e emocionais. É importante que os pais se atentem aos prejuízos que seus filhos estão tendo na vida, não só na parte acadêmica como no desenvolvimento das habilidades sociais e na capacidade de autorregulação das emoções. Prejuízos nessas esferas (acadêmica, social e emocional) quando não tratadas podem perdurar durante toda a vida do paciente.

A questão da inserção da medicação precisa ser vista diante dos prejuízos apresentados pelo paciente. Em muitos casos, apenas a psicoterapia, não será suficiente para uma melhora significativa nos déficits nas áreas que mencionei acima. É fato que muitas vezes, a medicação precisa ser fornecida para que as terapias possam ser bem-sucedidas. Por exemplo, uma criança que é hiperativa, numa sessão de psicoterapia, não estando medicada, terá mais dificuldade em manter-se sentada e seguir as orientações que estão sendo passadas.

Em crianças menores de 6anos os medicamentos não são utilizados porque não tem eficácia nessa idade, os meios de tratamento são psicoterapia e orientação parental.

Os efeitos colaterais mais observados em crianças e adolescentes são diminuição de apetite e problemas com sono. Mas, podem ocorrer também irritabilidade, náuseas, tontura, dor abdominal e vômito.

O medicamento não é milagroso, por esse motivo é importante associar o tratamento a psicoterapia e orientação parental, em alguns casos treinamento de habilidades sociais.

Quando falamos de um transtorno temos que nos atentar a importância de acompanhamento dos especialistas da área, nesse caso o médico psiquiatra ou neuropediatra, além do psicólogo, e da junção de parceria com a escola e a família.

Minha orientação aos pais é que tenham um médico de sua confiança e reportem a ele as mudanças que ocorrem com as crianças após o uso da medicação e alinhem expectativas e realidade com o profissional.

É fato que toda medicação, até mesmo aquelas vendidas livremente nas farmácias (como o Dipirona e o paracetamol) causam efeitos colaterais, o ponto central da discussão (ao meu ver) é sermos orientados e acompanhados durante o uso.

Para saber mais:



* KEITY TEIXEIRA FONSECA VALIM














-Graduação: Unimep – Universidade Metodista de Piracicaba (2010);

-Especialista em Neuropsicologia pelo Cepsic-FMUSP (2015);

-Atuo em atendimento psicoterapêutico de crianças, adolescentes e adultos, mas estou dando mais ênfase a avaliação neuropsicológica nos últimos 3 anos. 

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.