Caros leitores desta coluna,
Nas relações de consumo
envolvendo produtos e/ou serviços massificados, como produtos bancários, planos
de saúde, concessionárias ou permissionárias de serviços público etc., a maior
parte dos documentos já são assinados eletronicamente.
Então, ciente desse cenário, o
objetivo deste artigo é tecermos algumas considerações sobre a validade
jurídica das assinaturas eletrônicas, sobretudo nas relações de consumo.
Afinal, qual consumidor não se deparou com a necessidade de assinar documentos
e contratos eletronicamente?
Pois bem, fatidicamente, a
realidade da vida em meio à pandemia pelo COVID-19 exigiu novas soluções
tecnológicas e jurídicas para atender às necessidades de contornarmos os
problemas decorrentes do isolamento.
E, dentre um conjunto de soluções
normativas, foi editada a Lei n° 14.063/2020, de 23/09/2020, que está
regulamentada pelo Decreto n° 10.543/2020, de 13/11/2020 e regram o “uso de
assinaturas eletrônicas”.
Pois bem, a Lei n° 14.063/2020
criou 3 (três) tipos (ou níveis) de assinatura eletrônica: (a) SIMPLES;
(b) AVANÇADA e (c) QUALIFICADA, tal como consta do art.4°:
Art. 4º Para efeitos desta Lei, as
assinaturas eletrônicas são classificadas em:
I - assinatura eletrônica simples:
a) a que permite identificar o seu
signatário;
b) a que anexa ou associa dados a outros
dados em formato eletrônico do signatário;
II - assinatura eletrônica
avançada: a que utiliza certificados não emitidos pela ICP-Brasil ou
outro meio de comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma
eletrônica, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a
quem for oposto o documento, com as seguintes características:
a) está associada ao signatário de
maneira unívoca;
b) utiliza dados para a criação de
assinatura eletrônica cujo signatário pode, com elevado nível de confiança,
operar sob o seu controle exclusivo;
c) está relacionada aos dados a ela
associados de tal modo que qualquer modificação posterior é detectável;
III -
assinatura eletrônica qualificada: a que utiliza certificado digital,
nos termos do §
1º do art. 10 da Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001.
§ 1º Os 3 (três) tipos de assinatura
referidos nos incisos I, II e III do caput deste artigo caracterizam o
nível de confiança sobre a identidade e a manifestação de vontade de seu
titular, e a assinatura eletrônica qualificada é a que possui nível mais
elevado de confiabilidade a partir de suas normas, de seus padrões e de seus
procedimentos específicos.
§ 2º Devem ser asseguradas formas de
revogação ou de cancelamento definitivo do meio utilizado para as assinaturas
previstas nesta Lei, sobretudo em casos de comprometimento de sua segurança ou
de vazamento de dados.
A Assinatura Eletrônica Simples é aquela que basicamente identifica o signatário e anexa dados a outros documentos eletrônicos e tem como características. E, por ser considerada o tipo mais básico, não requer certificação digital.
Esse tipo de assinatura pode ser
utilizado em situações que não exigem um elevado nível de segurança,
sendo útil para transações cotidianas em que a validação da identidade do
signatário é suficiente.
O Decreto n° 10.543/2020, em seu
art.4°, inciso I, permite a utilização da assinatura Simples para:
I - assinatura
simples - admitida para as hipóteses cujo conteúdo da interação não envolva
informações protegidas por grau de sigilo e não ofereça risco direto de dano a
bens, serviços e interesses do ente público, incluídos:
a) a
solicitação de agendamentos, atendimentos, anuências, autorizações e licenças
para a prática de ato ou exercício de atividade;
b) a
realização de autenticação ou solicitação de acesso a sítio eletrônico oficial
que contenha informações de interesse particular, coletivo ou geral, mesmo que
tais informações não sejam disponibilizadas publicamente;
c) o envio de
documentos digitais ou digitalizados e o recebimento de número de protocolo
decorrente da ação;
d) a
participação em pesquisa pública; e
e) o
requerimento de benefícios assistenciais, trabalhistas ou previdenciários
diretamente pelo interessado;
Por sua vez, a assinatura
eletrônica avançada está prevista no art.4°, inciso II da Lei n° Lei n°
14.063/2020 e possui um nível de segurança intermediário, sendo
plenamente admitida sua utilização para:
a) as
interações eletrônicas entre pessoas naturais ou pessoas jurídicas de direito
privado e os entes públicos que envolvam informações classificadas ou
protegidas por grau de sigilo;
b) os
requerimentos de particulares e as decisões administrativas para o registro ou
a transferência de propriedade ou de posse empresariais, de marcas ou de
patentes;
c) a
manifestação de vontade para a celebração de contratos, convênios, acordos,
termos e outros instrumentos sinalagmáticos bilaterais ou plurilaterais
congêneres (ex. Documentos na JUNTA COMERCIAL e INPI);
d) os atos
relacionados a autocadastro, como usuário particular ou como agente público,
para o exercício de atribuições, em sistema informatizado de processo
administrativo eletrônico ou de serviços;
e) as decisões
administrativas referentes à concessão de benefícios assistenciais,
trabalhistas, previdenciários e tributários que envolvam dispêndio direto ou
renúncia de receita pela administração pública;
f) as
declarações prestadas em virtude de lei que constituam reconhecimento de fatos
e assunção de obrigações;
g) o envio de
documentos digitais ou digitalizados em atendimento a procedimentos
administrativos ou medidas de fiscalização; e
h) a
apresentação de defesa e interposição de recursos administrativos; e
Essa forma de assinatura também
pode ser utilizada entre Particulares para firmar contratos que não exijam a
forma pública (escritura pública), tais como contrato de locação,
procuração, contratos de mútuo, contratos de consumo, especialmente se – nesse
documento – as Partes admitirem a utilização dessa forma de assinatura
eletrônica.
Portanto, recomenda-se que, no
teor do contrato, seja inserida uma cláusula admitindo como válida essa forma
de assinatura, indicando entre os dados dos contratantes os dados de e-mail
e/ou número de celular utilizado para validar essa assinatura. Assim, fica
plenamente atendido ao disposto na parte final no art.4°, inciso II ... “desde
que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o
documento”
Isso porque, como a assinatura
eletrônica avançada não utiliza certificado digital emitido pelo ICP-Brasil,
ela terá que empregar outros meios para comprovar a autoria e a integridade da
operação, normalmente associando a assinatura do documento a um e-mail; a uma
mensagem de validação através de SMS; a uma mensagem de Whatsapp; ou de um
código específico gerado por Token para autenticação.
Existem inúmeras plataformas que
fornecem o serviços de assinatura eletrônica avançada, merecendo destaque a
Plataforma GOV.BR (gratuita); a Docusign, Assinador eletrônico da AASP,
etc.
Em síntese, temos que a
assinatura eletrônica avançada pode ser utilizada:
- Uso
em contratos comerciais ou empresariais de médio risco.
- Registro
de atos em juntas comerciais, como previsto na própria Lei nº
14.063/2020.
- Documentos
que envolvem propriedade intelectual, patentes ou direitos autorais, onde
há necessidade de garantir integridade e autoria.
Vantagens:
- Maior segurança: A assinatura avançada oferece uma
proteção superior contra alterações fraudulentas no documento.
- Flexibilidade: Embora seja mais segura que a assinatura
simples, não requer necessariamente o uso da ICP-Brasil, podendo utilizar
outros sistemas de certificação.
Por fim, a assinatura
eletrônica qualificada exige o uso de certificado digital expedido pelo
/ICP-Brasil, nos termos do § 1º do art. 10 da Medida Provisória nº 2.200-2, de
24/08/2001, devendo ser utilizada em atos que exigem alto nível de segurança.
Portanto, a assinatura eletrônica
qualificada é exigida em situações em que a segurança e a integridade dos
documentos são primordiais. Esta é a única assinatura que tem a mesma força
probatória de uma assinatura física, sendo utilizada em documentos que exigem
alta confiabilidade e precisão jurídica, tais como:
- Documentos
de alto valor jurídico ou financeiro, como contratos de compra e venda de
imóveis.
- Assinatura
de notas fiscais eletrônicas (exceto para microempreendedores
individuais, que podem usar assinatura simples).
- Atos
assinados por autoridades públicas, como chefes de Poder, ministros e
outros titulares de cargos de grande responsabilidade.
- Transferências
de bens imóveis, registros imobiliários e transações financeiras de
grande vulto.
Para facilitar a compreensão,
segue essa tabela simplificando o entendimento, uso e possibilidades:
E, sob a perspectiva do Direito
do Consumidor, admite-se a adoção de assinaturas eletrônicas?
Sim, desde que sejam observados
os princípios norteadores da relação de consumo. Logo, segundo o artigo 4º do
CDC, deve-se respeitar o princípio da harmonia nas relações de consumo e, a
teor do artigo 51, são proibidas as cláusulas abusivas, aquelas coloquem o
consumidor em desvantagem exagerada ou contrárias à boa-fé.
Dessa forma, ao utilizar
assinaturas eletrônicas, fornecedores devem assegurar que os consumidores tenham
plena capacidade de entender e consentir com o conteúdo do documento, evitando
qualquer prática que comprometa a boa-fé objetiva.
Além disso, conforme o artigo 46
do CDC, contratos só vinculam o consumidor quando lhe é dada a oportunidade de
conhecer previamente seu conteúdo, o que também se aplica ao contexto digital.
Portanto, a validade de um
contrato assinado eletronicamente não depende apenas do cumprimento dos
requisitos tecnológicos, mas também do respeito aos direitos informacionais do
consumidor e à proteção contra práticas abusivas, reforçando a segurança jurídica
da relação de consumo.
Em síntese, não tenho dúvidas de
que esses avanços tecnológicos entraram em nossas vidas sem pedir licença e se
encontram definitivamente incorporados ao nosso dia a dia, literalmente
esparramados no sofá da sala!
Então, o que nos resta é sabermos
diferenciar os tipos de assinatura eletrônica existentes e adequá-los à nossa
prática, conforme as necessidades e nível de segurança jurídica do negócio a
ser celebrado, respeitando-se o princípios estabelecidos no Código de Defesa do
Consumidor.
-Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie(2000-2004);
-Pós-graduado em Direito Empresarial na PUC-SP (2010);
-Especialista em Direito Processual Civil - Anhanguera-Uniderp.(2014)
-Mestre em Direito Político e Econômico na Universidade Presbiteriana Mackenzie (2016);
-Graduado em CIÊNCIAS CONTÁBEIS pela Universidade de São Paulo - FEA-USP (2003-2008), tendo cursado disciplinas de Finanças, Direito do Comercio Internacional e Direito Comercial na HEC-MONTRÉAL CANADÁ (2006);
-Professor da Universidade Mogi das Cruzes - UMC na Graduação e Pós-graduação, Professor da EBRADI;
-Leciona as disciplinas de Direito Civil, Empresarial e Tributário para os cursos de Direito, Ciências Contábeis e Administração de Empresa;
- Sócio fundador do escritório Fornari e Gaudêncio Advogados Associados;
- Linhas de pesquisa: direito empresarial, direito tributário, direito econômico, direito civil, direito & internet.