quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

A Validade Jurídica de uma Assinatura Eletrônica em Documentos e nas Relações de Consumo


 Autor: Homero José Nardim Fornari(*)


Caros leitores desta coluna,

Nas relações de consumo envolvendo produtos e/ou serviços massificados, como produtos bancários, planos de saúde, concessionárias ou permissionárias de serviços público etc., a maior parte dos documentos já são assinados eletronicamente.

Então, ciente desse cenário, o objetivo deste artigo é tecermos algumas considerações sobre a validade jurídica das assinaturas eletrônicas, sobretudo nas relações de consumo. Afinal, qual consumidor não se deparou com a necessidade de assinar documentos e contratos eletronicamente?

Pois bem, fatidicamente, a realidade da vida em meio à pandemia pelo COVID-19 exigiu novas soluções tecnológicas e jurídicas para atender às necessidades de contornarmos os problemas decorrentes do isolamento.

E, dentre um conjunto de soluções normativas, foi editada a Lei n° 14.063/2020, de 23/09/2020, que está regulamentada pelo Decreto n° 10.543/2020, de 13/11/2020 e regram o “uso de assinaturas eletrônicas”.

Pois bem, a Lei n° 14.063/2020 criou 3 (três) tipos (ou níveis) de assinatura eletrônica: (a) SIMPLES; (b) AVANÇADA e (c) QUALIFICADA, tal como consta do art.4°:

Art. 4º Para efeitos desta Lei, as assinaturas eletrônicas são classificadas em:

I - assinatura eletrônica simples:

a) a que permite identificar o seu signatário;

b) a que anexa ou associa dados a outros dados em formato eletrônico do signatário;

II - assinatura eletrônica avançada: a que utiliza certificados não emitidos pela ICP-Brasil ou outro meio de comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma eletrônica, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento, com as seguintes características:

a) está associada ao signatário de maneira unívoca;

b) utiliza dados para a criação de assinatura eletrônica cujo signatário pode, com elevado nível de confiança, operar sob o seu controle exclusivo;

c) está relacionada aos dados a ela associados de tal modo que qualquer modificação posterior é detectável;

III - assinatura eletrônica qualificada: a que utiliza certificado digital, nos termos do § 1º do art. 10 da Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001.

§ 1º Os 3 (três) tipos de assinatura referidos nos incisos I, II e III do caput deste artigo caracterizam o nível de confiança sobre a identidade e a manifestação de vontade de seu titular, e a assinatura eletrônica qualificada é a que possui nível mais elevado de confiabilidade a partir de suas normas, de seus padrões e de seus procedimentos específicos.

§ 2º Devem ser asseguradas formas de revogação ou de cancelamento definitivo do meio utilizado para as assinaturas previstas nesta Lei, sobretudo em casos de comprometimento de sua segurança ou de vazamento de dados.

A Assinatura Eletrônica Simples é aquela que basicamente identifica o signatário e anexa dados a outros documentos eletrônicos e tem como características. E, por ser considerada o tipo mais básico, não requer certificação digital.

Esse tipo de assinatura pode ser utilizado em situações que não exigem um elevado nível de segurança, sendo útil para transações cotidianas em que a validação da identidade do signatário é suficiente.

O Decreto n° 10.543/2020, em seu art.4°, inciso I, permite a utilização da assinatura Simples para:

I - assinatura simples - admitida para as hipóteses cujo conteúdo da interação não envolva informações protegidas por grau de sigilo e não ofereça risco direto de dano a bens, serviços e interesses do ente público, incluídos:

a) a solicitação de agendamentos, atendimentos, anuências, autorizações e licenças para a prática de ato ou exercício de atividade;

b) a realização de autenticação ou solicitação de acesso a sítio eletrônico oficial que contenha informações de interesse particular, coletivo ou geral, mesmo que tais informações não sejam disponibilizadas publicamente;

c) o envio de documentos digitais ou digitalizados e o recebimento de número de protocolo decorrente da ação;

d) a participação em pesquisa pública; e

e) o requerimento de benefícios assistenciais, trabalhistas ou previdenciários diretamente pelo interessado;

Por sua vez, a assinatura eletrônica avançada está prevista no art.4°, inciso II da Lei n° Lei n° 14.063/2020 e possui um nível de segurança intermediário, sendo plenamente admitida sua utilização para:

a) as interações eletrônicas entre pessoas naturais ou pessoas jurídicas de direito privado e os entes públicos que envolvam informações classificadas ou protegidas por grau de sigilo;

b) os requerimentos de particulares e as decisões administrativas para o registro ou a transferência de propriedade ou de posse empresariais, de marcas ou de patentes;

c) a manifestação de vontade para a celebração de contratos, convênios, acordos, termos e outros instrumentos sinalagmáticos bilaterais ou plurilaterais congêneres (ex. Documentos na JUNTA COMERCIAL e INPI);

d) os atos relacionados a autocadastro, como usuário particular ou como agente público, para o exercício de atribuições, em sistema informatizado de processo administrativo eletrônico ou de serviços;

e) as decisões administrativas referentes à concessão de benefícios assistenciais, trabalhistas, previdenciários e tributários que envolvam dispêndio direto ou renúncia de receita pela administração pública;

f) as declarações prestadas em virtude de lei que constituam reconhecimento de fatos e assunção de obrigações;

g) o envio de documentos digitais ou digitalizados em atendimento a procedimentos administrativos ou medidas de fiscalização; e

h) a apresentação de defesa e interposição de recursos administrativos; e

Essa forma de assinatura também pode ser utilizada entre Particulares para firmar contratos que não exijam a forma pública (escritura pública), tais como contrato de locação, procuração, contratos de mútuo, contratos de consumo, especialmente se – nesse documento – as Partes admitirem a utilização dessa forma de assinatura eletrônica.

Portanto, recomenda-se que, no teor do contrato, seja inserida uma cláusula admitindo como válida essa forma de assinatura, indicando entre os dados dos contratantes os dados de e-mail e/ou número de celular utilizado para validar essa assinatura. Assim, fica plenamente atendido ao disposto na parte final no art.4°, inciso II ... “desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento

Isso porque, como a assinatura eletrônica avançada não utiliza certificado digital emitido pelo ICP-Brasil, ela terá que empregar outros meios para comprovar a autoria e a integridade da operação, normalmente associando a assinatura do documento a um e-mail; a uma mensagem de validação através de SMS; a uma mensagem de Whatsapp; ou de um código específico gerado por Token para autenticação.

Existem inúmeras plataformas que fornecem o serviços de assinatura eletrônica avançada, merecendo destaque a Plataforma GOV.BR (gratuita); a Docusign, Assinador eletrônico da AASP, etc.

Em síntese, temos que a assinatura eletrônica avançada pode ser utilizada:

    • Uso em contratos comerciais ou empresariais de médio risco.
    • Registro de atos em juntas comerciais, como previsto na própria Lei nº 14.063/2020.
    • Documentos que envolvem propriedade intelectual, patentes ou direitos autorais, onde há necessidade de garantir integridade e autoria.

Vantagens:

  • Maior segurança: A assinatura avançada oferece uma proteção superior contra alterações fraudulentas no documento.
  • Flexibilidade: Embora seja mais segura que a assinatura simples, não requer necessariamente o uso da ICP-Brasil, podendo utilizar outros sistemas de certificação.

Por fim, a assinatura eletrônica qualificada exige o uso de certificado digital expedido pelo /ICP-Brasil, nos termos do § 1º do art. 10 da Medida Provisória nº 2.200-2, de 24/08/2001, devendo ser utilizada em atos que exigem alto nível de segurança.

Portanto, a assinatura eletrônica qualificada é exigida em situações em que a segurança e a integridade dos documentos são primordiais. Esta é a única assinatura que tem a mesma força probatória de uma assinatura física, sendo utilizada em documentos que exigem alta confiabilidade e precisão jurídica, tais como:

    • Documentos de alto valor jurídico ou financeiro, como contratos de compra e venda de imóveis.
    • Assinatura de notas fiscais eletrônicas (exceto para microempreendedores individuais, que podem usar assinatura simples).
    • Atos assinados por autoridades públicas, como chefes de Poder, ministros e outros titulares de cargos de grande responsabilidade.
    • Transferências de bens imóveis, registros imobiliários e transações financeiras de grande vulto.

Para facilitar a compreensão, segue essa tabela simplificando o entendimento, uso e possibilidades:



 






E, sob a perspectiva do Direito do Consumidor, admite-se a adoção de assinaturas eletrônicas?

Sim, desde que sejam observados os princípios norteadores da relação de consumo. Logo, segundo o artigo 4º do CDC, deve-se respeitar o princípio da harmonia nas relações de consumo e, a teor do artigo 51, são proibidas as cláusulas abusivas, aquelas coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou contrárias à boa-fé.

Dessa forma, ao utilizar assinaturas eletrônicas, fornecedores devem assegurar que os consumidores tenham plena capacidade de entender e consentir com o conteúdo do documento, evitando qualquer prática que comprometa a boa-fé objetiva.

Além disso, conforme o artigo 46 do CDC, contratos só vinculam o consumidor quando lhe é dada a oportunidade de conhecer previamente seu conteúdo, o que também se aplica ao contexto digital.

Portanto, a validade de um contrato assinado eletronicamente não depende apenas do cumprimento dos requisitos tecnológicos, mas também do respeito aos direitos informacionais do consumidor e à proteção contra práticas abusivas, reforçando a segurança jurídica da relação de consumo.

Em síntese, não tenho dúvidas de que esses avanços tecnológicos entraram em nossas vidas sem pedir licença e se encontram definitivamente incorporados ao nosso dia a dia, literalmente esparramados no sofá da sala!

Então, o que nos resta é sabermos diferenciar os tipos de assinatura eletrônica existentes e adequá-los à nossa prática, conforme as necessidades e nível de segurança jurídica do negócio a ser celebrado, respeitando-se o princípios estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor.

 

*HOMERO JOSÉ NARDIM FORNARI























-Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie(2000-2004);

 -Pós-graduado em Direito Empresarial na PUC-SP (2010);

-Especialista em Direito Processual Civil - Anhanguera-Uniderp.(2014)

 -Mestre em Direito Político e Econômico na Universidade Presbiteriana Mackenzie (2016);

-Graduado em CIÊNCIAS CONTÁBEIS pela Universidade de São Paulo - FEA-USP (2003-2008), tendo cursado disciplinas de Finanças, Direito do Comercio Internacional e Direito Comercial na HEC-MONTRÉAL CANADÁ (2006);

-Professor da Universidade Mogi das Cruzes - UMC na Graduação e Pós-graduação, Professor da EBRADI;

-Leciona as disciplinas de Direito Civil, Empresarial e Tributário para os cursos de Direito, Ciências Contábeis e Administração de Empresa;

- Sócio fundador do escritório Fornari e Gaudêncio Advogados Associados;

- Linhas de pesquisa: direito empresarial, direito tributário, direito econômico, direito civil, direito & internet.


Nota do Editor:

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