sábado, 3 de agosto de 2019

E Quando Não se Gosta de Ler Poesia?


Autora: Cinara Ferreira(*)
(...)
Vou depressa
Vou correndo
Vou na toda
Que só levo
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente...

Manuel Bandeira

É comum ouvir pessoas afirmando que não gostam de ler poesia. Muitas são categóricas. Questionadas sobre o motivo, em geral, respondem que acham um tipo de leitura difícil. Diante dessa resposta, quando posso, faço um convite para a escuta de alguns poemas, uma vez que a característica principal do gênero é a sonoridade. As rimas, a repetição de letras e palavras e o uso de onomatopeias são poderosos recursos que conferem musicalidade ao texto e reforçam o sentido. Exemplo marcante de uso da sonoridade a favor do sentido é "Trem de Ferro", de Manuel Bandeira, que imita um trem pela repetição de versos e sons, sendo tão ritmado que foi musicado por Tom Jobim. A leitura expressiva e a sensibilização para a musicalidade pode contribuir com a formação do gosto pela leitura de poemas. Pessoalmente, já ouvi vários depoimentos de leitores que dizem terem sido despertados para a poético dessa forma.

No entanto, não é qualquer tipo de leitura que sensibiliza alguém que não gosta de poesia. Uma leitura monótona pode, inclusive, reforçar a aversão, afastando ainda mais o leitor potencial, pois não é adequada para a expressão. Para dar expressividade ao texto, é preciso fazer modulações na voz, gestos, expressão facial, interpretação e movimentos, que deem corpo ao poema. Aliás, o poema é sentido no corpo de quem lê e de quem ouve. A expressão deve ser composta a partir do conteúdo e do ritmo sugerido pelos versos. Isso significa que cada poema pede um tipo de leitura. Uma boa entonação pode ser alcançada ao se dar destaque maior a algumas palavras em relação a outras, fazendo pausas ou enfatizando-as. O silêncio é tão importante quanto o som, pois permite sentir o poema. Nesse sentido, é importante que tenhamos familiaridade com o texto, para que saibamos quais palavras merecem destaque, por seu significado ou pelo sentimento que expressam.

O sentimento é um dos principais motivos que nos levam a gostar de ler. Quando nos identificamos com o eu que se expressa no texto, passamos a gostar do gênero. Isso acontece porque o escritor é um tipo de sujeito que consegue dizer de um modo especial coisas que todos sentem. Através de recursos como a sonoridade, as imagens e as metáforas, o texto poético, em especial, dá forma concreta a sentimentos. Por isso, chama-se o eu que se expressa no poema de "eu lírico", "eu poético" ou "sujeito lírico". Este "eu" não corresponde exatamente ou somente à pessoa do autor, pois é porta voz de conteúdos coletivos. Então, a escolha de poemas com os quais o leitor possa se identificar é um caminho bastante promissor para criar o gosto pela leitura de poesia.

Além da identificação, a leitura possibilita o desenvolvimento da capacidade de leitura de mundo. Quando lemos um poema, exercitamos a interpretação, habilidade fundamental em um mundo regido por signos. A linguagem poética, muitas vezes, exigirá um esforço maior de decifração por usar os signos de forma ambivalente. A poesia não é linear como o discurso cotidiano, pois estabelece relações inusitadas, justamente para expressar aquilo que a linguagem comum não dá conta. Logo, a leitura de poesia pode trazer muitos benefícios ao indivíduo, na medida em que aprimora sua leitura da vida, conforme muito bem expressa Ricardo Azevedo no poema "Aula de leitura":

A leitura é muito mais
do que decifrar palavras.
Quem quiser parar pra ver
pode até se surpreender:
vai ler nas folhas do chão,
se é outono ou se é verão;
nas ondas soltas do mar,
se é hora de navegar;
e no jeito da pessoa,
se trabalha ou se é à-toa;
na cara do lutador,
quando está sentindo dor;
vai ler na casa de alguém
o gosto que o dono tem;
e no pelo do cachorro,
se é melhor gritar socorro;
e na cinza da fumaça,
o tamanho da desgraça;
e no tom que sopra o vento,
se corre o barco ou vai lento;
também na cor da fruta,
e no cheiro da comida,
e no ronco do motor,
e nos dentes do cavalo,
e na pele da pessoa,
e no brilho do sorriso,
vai ler nas nuvens do céu,
vai ler na palma da mão,
vai ler até nas estrelas
e no som do coração.
Uma arte que dá medo
é a de ler um olhar,
pois os olhos têm segredos
difíceis de decifrar.

Poema extraído do livro: AZEVEDO, Ricardo. Dezenove poemas desengonçados. São Paulo: Ática,1999.

* CINARA FERREIRA

- Doutora em Letras, área de Literatura Comparada, UFRGS e
-Docente do Instituto de Letras, da UFRGS.














Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

sexta-feira, 2 de agosto de 2019

DNA Corrupto

Autor: Evandro Ribeiro(*)
(1)


"O jeitinho brasileiro" – Estudos científicos na área da Psicologia entendem um ato corrupto como quando alguém desafia a honestidade e ganha vantagem em cima de outra pessoa. "Parar em fila dupla é corrupção também", pontua o professor do Programa de Mestrado em Psicologia da Universidade Tuiuti do Paraná Sidnei Priolo. "Quem é que garante que quando você para em uma fila de mão dupla não vai prejudicar alguém que está em estado grave numa ambulância?"(2) 

"Na cultura midiática brasileira, a "Lei de Gérson"é um princípio em que determinada pessoa ou empresa obtém vantagens de forma indiscriminada, sem se importar com questões éticas ou morais."(3)

Com a promulgação da Constituição de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, desde a proclamação da República no Brasil em 1822, é a sétima constituição que nosso país tem e a sexta desde que somos uma República. 

Em 05 de outubro de 1988, sua promulgação foi marcada pelo discurso do então deputado federal e participante da Assembléia Constituinte, Ulysses Guimarães:
"A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança. Que a promulgação seja nosso grito: Muda para vencer! Muda, Brasil!" (4) 
Mas para reforçar minha convicção que O DNA da corrupção, infelizmente, está em um cada um de nós, basta assinalarmos que na Constituição Federal de 1988, a palavra "direito" aparece 76 vezes enquanto que a palavra "dever" aparece apenas quatro vezes. As palavras "produtividade" e "eficiência" aparecem duas e uma vez, respectivamente. 

O que fazer com um país que tem 76 direitos, quatro deveres, duas produtividades e uma eficiência?

Seguindo esta linha, chegamos a conclusão, que precisamos, romper com este ciclo conhecido como "DNA de leniente do povo brasileiro" (Tolerante, demasiadamente permissivo, condescendente) com sua própria vida e a do país. Não podemos continuar transferindo a nossa responsabilidade, na construção de um novo país mais justo e igualitário, enquanto sociedade brasileira e achar que sempre a culpa é dos políticos, do funcionário público de alto escalão, do juiz seja ele da primeira instância ou do STF ou do "outro", somente, nós enquanto cidadãos, repito temos a responsabilidade pelo o nosso futuro como também pelo o do Brasil. 

A qualidade do voto, reflete a falta de interesse do povo brasileiro em seu próprio país, consequentemente, a classe política que temos, é oriunda, de quem votou neles, e que no fundo gostaria de estar lá, para "mamar nas tetas da vaca" popularmente falando, locupletar-se de todo o aparato como régios salários, plano de saúde, auxílio isto ou aquilo, aposentadorias diferenciadas e astronomicamente maiores que a de um cidadão comum, regido pela CLT. Mas mesmo assim, membros do legislativo, judiciário e executivo em todos os níveis municipal, estadual e federal não satisfeitos aplicam a máxima "O importante é levar vantagem em tudo, certo?", estes “brasileiros protegidos pelo famigerado foro privilegiado”, como cidadãos eleitos, no que tange a classe política e todo o restante da máquina governamental, que têm direito ao foro, devem lembrar-se que antes de mais nada, são cidadãos como qualquer outro e a lei é para todos também. 

Daí, quando os escândalos são escancarados na imprensa brasileira, os políticos são lembrados como o "câncer maligno da jovem democracia brasileira" Será mesmo? NÃO!!! Será que eles são os únicos corruptos deste país? NÃO!! Será que os cidadãos refletem sobre a licitude e honestidade de suas atitudes no dia a dia? NÃO!! 

A população muitas vezes se revolta e se sente uma vítima desse mal, que se alastra no seio da sociedade, não importando os limites culturais, temporais ou territoriais, mas ignora sua parcela de culpa por comodismo "varrendo a sujeira para debaixo do tapete e culpando a empregada doméstica ou serviçal por não ter limpado direito".

Em uma sociedade corrompida, cínica e hipócrita como a brasileira, que finge ser contra a corrupção, ninguém é inocente. Pois também aplica da maneira que pode o "O importante é levar vantagem em tudo, certo?" , seja ele o cidadão que direta e indiretamente trabalha em como concursado e/ou terceirizado em algum órgão público, ou não, e a regra moral vigente é, "se todos fazem, por que eu não farei também", por isto, não adianta os governos em todos os níveis investir em programas e melhorias para a sociedade porque não vai adiantar?" NÃO! Temos que cobrar, reagir e "botar o bloco na rua" literalmente falando, para cobrar nossos direitos dentro da lei, mas também cumprir nossos deveres da mesma forma em nosso dia-a-dia. 

A conscientização e reeducação dos valores morais e republicanos da nossa sociedade, não deve ser uma qualidade pessoal e sim uma atitude normal , sermos cumpridores da lei e acima de tudo educarmos nossos filhos e/ou quem estiver perto de nós e estas pessoas, serem o espelho de nossa sociedade não no futuro e sim no AGORA e sempre. 

Eu poderia ficar tecendo milhares de exemplos da doente sociedade brasileira, mas como apregoado, "o que adianta reclamar se nada mudará?" ERRADO!! Devemos sim combater a maus hábitos, cobiça e vaidade pessoal no "O importante é levar vantagem em tudo, certo?" . A corrupção é, sem dúvidas, um dos piores males vividos nos estados democráticos modernos, mas ela não é um acontecimento recente, nem tampouco uma criação brasileira. O desvio de conduta, a desonestidade, a ambição desregrada são intrínsecas à natureza humana. O homem quando em sociedade, vive em constantes escolhas e decisões, que o colocam muitas vezes entre a satisfação dos desejos próprios e a prática do correto, ou seja, a observância das regras morais frente à possibilidade de ser beneficiado ilegitimamente. 

No Brasil, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), estimam-se que são desviados no Brasil por ano, aproximadamente, R$ 200 bilhões (duzentos bilhões de reais). Por isso, é necessário que se reflita que o momento atual de crise política, econômica e social que o país vive não é apenas resultado de ações recentes. 

O momento atual de crise é o resultado de nosso DNA Corrupto . 

Precisamos acabar com essa fama de corrupto!! 

Eu e muitos pensamos que isto é possível!! 

Será que somos ingênuos ou sonhadores.? 

Espero que nenhum dos dois!! 

#BastadeCorrupcao 

REFERÊNCIAS


*EVANDRO SUDÉRIO RIBEIRO

Aposentado: Analista de Suporte em TI, Control Desk e Segurança de Informações
Contatos
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Redes Sociais
Twitter: (@IVYJUNEAU) |

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quinta-feira, 1 de agosto de 2019

A Inovação do Divórcio Impositivo

Autora: Maraysa Ferreira(*)


O atualmente denominado divórcio impositivo surgiu com o provimento 06/2019 da Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça de Pernambuco, que em linhas gerais menciona: 
"[...] qualquer dos cônjuges poderá requerer, perante o Registro Civil, em cartório onde lançado o assento do seu casamento, a averbação do seu divórcio, à margem do respectivo assento, tomando-se o pedido como simples exercício de um direito potestativo do requerente.[...]" 
Trata-se da possibilidade de se conseguir o divórcio de forma unilateral por via extrajudicial, desde que não exista filhos menores, incapazes ou nascituros.

À vista, o provimento determina que os bens do casal, quando houverem, deverão ser partilhados posteriormente em procedimento judicial adequado, assim como eventuais alimentos, medidas protetivas e outros direitos assegurados.

Com tal, em Pernambuco, quando um dos membros do casal quiser se divorciar, não precisa da anuência do outro para tanto, podendo unilateralmente acompanhado de seu advogado ou defensor público, comparecer ao Cartório de Registro de Casamento e requerer o divórcio. Em sequência o cartório notifica a parte contrária para tomar ciência do pretendido e logo após realiza a averbação deste, independentemente de qualquer manifestação.

O divórcio denominado impositivo é facultativo, podendo as partes optarem pela via judicial.

Esta possibilidade fora criada com base na emenda constitucional nº 66/2010, onde o direito ao divórcio passou a ser potestativo, ou seja, não admite contestações, devendo ser direto, deixando assim de se exigir lapso temporal de separação prévia. A criação deste visa assegurar o direito adquirido, bem como garantir celeridade e simplicidade.

A referida inovação surgiu trazendo modernização e desburocratização ao direito de família, contudo pouco tempo após sua criação o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou a revogação no provimento instituidor. Na decisão, o corregedor nacional de Justiça, afirmou que as leis brasileiras não permitem o divórcio extrajudicial nos casos em que o casal não está de acordo com a separação, sendo que somente uma lei federal poderá regulamentar a matéria.

Destarte, fora apresentada um projeto de lei, a PLS 3.457/19, que simplifica o requerimento do divórcio que pode ser feito em cartório de registro civil por apenas um dos cônjuges, ou seja, tal projeto visa trazer de forma regulamentada para o ordenamento jurídico o divórcio impositivo.

Em meio a todas as polêmicas e críticas, fato é que o denominado divórcio impositivo traz celeridade, simplicidade e desburocratiza o ato do divórcio, provendo aos envolvidos a dignidade que o direito de família visa garantir, bem como desvinculando do poder judiciário a resolução de divórcios, dando um novo caminho para o desafogamento do judiciário. 

REFERÊNCIAS

Disponível em: <http://www.arpensp.org.br/index.php?pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhc w==& in=ODE3MDY=>. Acesso em 19 de julho de 2019; e


*MARAYSA URIAS FERREIRA



-Graduada em Direito pela Universidade de Franca – UNIFRAN (2015)
-Pós- graduanda em Direito Processual Civil 
-Membro da Comissão do Jovem Advogado na 15ª Subcessão OAB/SP 
-Advogada em Jordão e Freiria Advogados
-Instagran: @jordaoefreirama e @maraysaurias
-Email: maraysa@jordaoefreiria.com.br
-Contato: 
(16)9.9266-8406 (whatsapp) e (16) 9.8850-3292







Nota do Editor:

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quarta-feira, 31 de julho de 2019

Correios e sua Falha na Prestação de Serviço


Autora: Fernanda Domingues(*)

Nos últimos tempos ou através de familiares, vizinhos ou até conosco, temos nos deparado com a recusa dos Correios nas entregas das encomendas.

Quem já não esteve diante dessa situação? 

Mas até que ponto essas recusas não fere o consumidor, não conflita com o que determina nossa legislação, vejamos... 

Em atenção a legislação, criaram-se os CORREIOS através do Decreto-Lei nº 509/69, sendo o seu estatuto social aprovado pelo Decreto nº 8.016/2013. 

No tocante ao Decreto nº 8.016/2013, merece destaque: 
"Art. 4º - A ECT tem por objeto social, nos termos da lei: 
§ 3º - A ECT, no exercício de sua função social, é obrigada a assegurar a continuidade dos serviços postais e telegráficos, observados os índices de confiabilidade, qualidade, eficiência e outros requisitos fixados pelo Ministério das Comunicações." 
Os artigos abaixo do Código de Defesa do Consumidor, dispõem ainda que: 

"Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. 
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. 
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. 
Art. 6º, X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.." 
Logo, é devido aos Correios prestar um serviço adequado, bem como por ser uma relação de consumo, estando o consumidor lesado ou com algum prejuízo é devida a reparação. 

Bem certo também, é que os Correios devem prestar o serviço de manutenção do serviço postal de forma contínua, salvo quando se tratar de situação de emergência, por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações, ou por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade, desde que, com exceção da primeira hipótese, haja prévio aviso. Em contrapartida, tem o consumidor o direito a usufruir o serviço de forma contínua, salvo quando presente uma das hipóteses que permitem a suspensão do mesmo, e de ser avisado previamente quando esta (a suspensão) ocorrer, exceto se se tratar de situação emergencial que impossibilite a comunicação prévia. 

Com isso, se configura visivelmente a falha na prestação de serviço, como temos deparado e como o artigo 14, do CDC, relata: ..."o serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar."... 

Estamos diante de serviço essencial que não está sendo prestado de maneira correta e a população tem sofrido drasticamente.

Alegar apenas que a entrega não é realizada por ser zona com restrição é impedir um direito regulamentado, a segurança é questão de ordem pública e não podemos restringir a devida prestação de serviço por questões que são estritamente de direito público. 

Não estamos desejosos que os funcionários se arrisquem e coloquem sua segurança em risco, contudo, se valer dessa questão para limitar serviços essenciais, confronta até mesmo com princípios constitucionais. 

A interrupção irregular do serviço pode ter inúmeras consequências, desde a impossibilidade de pagamento de uma conta, perda de documentos e até mesmo perda de oportunidade de empregos. 

Ainda que nós já vimos os órgãos competentes atuando através de Ação Coletiva sobre o tema e algumas ações judiciais isoladas, envolvendo relações de consumo, muitas vezes os fornecedores de produtos ou serviços entende ser mais vantajoso esperar o consumidor "provocar" o judiciário do que resolver amigavelmente os litígios; talvez porque esperam que nem todos agirão e quando agem as indenizações são muito aquém do devido. 

Por fim, não podemos desanimar. É clara a falha na prestação de serviço, serviço esse totalmente essencial a vida humana, desta forma, precisamos continuar acreditando no judiciário e que as providências serão tomadas diante de tal situação. 

Se sentiu prejudicado? Não hesite! Procure auxílio mais rápido possível, por meio da Procon, Setor de reclamações ou até mesmo na Defensoria Pública ou Advogado Particular, ficando a escolha e critério do consumidor. 


* FERNANDA SANTIAGO CUNHA DOMINGUES
Advogada no Rio de Janeiro;
-Graduada na Universidade Estácio de Sá;
-Especialista em Direito do Consumidor, Cível e Família;
-Pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho.






NOTA DO EDITOR:

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terça-feira, 30 de julho de 2019

Crime de Racismo X Crime de Injúria Racial


*Autora: Taísa Carneiro

Não rara as vezes em que se observa, até mesmo por parte da mídia, o equívoco de compreensão gerado entre o que seria conceito de crime de racismo e crime de injúria racial. Há uma incompreensão terminológica muito grande que resulta, algumas vezes, na noção de que seriam termos sinônimos.

Apesar de ambos terem raízes na intolerância e discriminação ao ser humano, sua distinção se faz necessária em razão de serem espécies de crimes distintos e possuírem consequências penais diversas aos que os praticam.

Logo de início, pode-se atentar para a distinção topográfica desses crimes, ou melhor, esses tipos penais estão previstos em pontos distintos do ordenamento jurídico brasileiro.

Enquanto o crime de injúria racial está previsto no art. 140, §3º do Código Penal, o crime de racismo encontra-se disciplinado em Lei Especial, Lei de Racismo nº 7.716/1989.

Não obstante ambos serem formas deploráveis de intransigência para com o próximo é possível afirmar que o crime de racismo é mais grave do que o crime de injúria racial, haja vista aquele caracterizar uma forma de segregação da vítima de algum modo, abarcando, por conseguinte, toda a coletividade daquela raça.

Dessa maneira, a vítima de racismo é impedida, por motivo exclusivamente racial, de exercer determinado direito, como, por exemplo, o de frequentar determinado recinto, como um elevador ou um restaurante.

Depreende-se que o ato racista é inerente de uma visão etnocêntrica, termo da antropologia que significa o processo de julgamento da cultura de outra pessoa sob a lente da sua própria cultura. Nas palavras do autor Paulo Silvino Ribeiro:[1]
"(...)trata-se de uma visão que toma a cultura do outro (alheia ao observador) como algo menor, sem valor, errado, primitivo. Ou seja, a visão etnocêntrica desconsidera a lógica de funcionamento de outra cultura, limitando-se à visão que possui como referência cultural.
(...)
Tomar conhecimento do outro sem aceitar sua lógica de pensamento e de seus hábitos acaba por gerar uma visão etnocêntrica e preconceituosa, o que pode até mesmo se desdobrar em conflitos diretos."
Assim, no crime de racismo ocorre a discriminação a alguém por meio de embaraço a exercício de direito a todos assegurados, tão somente por crença de uma suposta afirmação de superioridade de um grupo racial sobre os demais.

Em vista disso, o ordenamento jurídico imputa ao crime de racismo pena mais severa, com reclusão de 2 a 5 anos e multa, identificando-o ainda como inafiançável e imprescritível. Isso significa que, o autor deste tipo penal não poderá recorrer ao pagamento de uma fiança para ficar em liberdade, tampouco o crime prescreverá, ou seja, não obstante a mora do Estado em agir, este poderá promover a ação a qualquer tempo.

Muito embora o crime de racismo seja disciplinado como de maior gravidade (em contraste com o de injúria racial, que prevê, unicamente, pena de reclusão de 1 a 3 anos e multa) a maior parcela dos crimes de preconceito se enquadra no tipo penal de injúria racial, conforme demonstra estudo[2] elaborado pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios com estatísticas dos crimes raciais, no qual concluiu que, só no Distrito Federal, entre os anos de 2010 e 2016, o número de denúncias subiu 1.190%, chegando a 129. "Destas, sete foram de racismo e as outras 122 de injúria racial".

O crime de injúria racial nada mais é do que uma forma qualificada do crime de injúria simples, espécie prevista no art.140 do Código Penal, in verbis:

"Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. 
           (grifos nossos)"

O art.140 do CP prossegue e estabelece que, quando a injúria estiver revertida de certos elementos, como raça, cor (...), estará caracterizado o tipo qualificado de injúria, ou seja: a injuria racial. Nesta, a discriminação ocorre pelo discurso, ocorrendo uma lesão à honra da pessoa com palavras depreciativas referentes a cor, etnia, religião, idade, deficiência ou origem. Em contraposição ao crime de racismo (que abarca a coletividade), a injúria racial é uma ofensa direta à pessoa, in verbis:


"§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)
Pena - reclusão de um a três anos e multa.
(grifos nossos)
Não obstante a notável alteração das consequências penais entre o tipo simples e o qualificado de injúria, em ambas ocorrem a viabilidade de pagamento de fiança e possibilidade de prescrição.

Para melhor esclarecer, é possível ilustrar um caso de injúria racial com um episódio d bastante discutido na mídia brasileira, haja vista a prática do crime ter sido televisionada durante uma partida de futebol entre Grêmio x Santos. Na ocasião, câmeras de um canal de TV flagraram o momento em que uma torcedora gremista vociferava a palavra "macaco" para se referir ao goleiro Aranha, do Santos.

O lamentável episódio foi um exemplo claro de injúria racial, pois a agressora busca ofender a vítima valendo-se de elementos referentes à raça, cor, tendo como alvo, um único indivíduo: o goleiro Aranha.

Muito embora, tanto o crime de racismo quanto a injúria racial possuam o elemento intrínseco discriminatório, vale a pena ressaltar que esses tipos penais não vitimizam somente pessoas negras. Apesar de, lamentavelmente, a questão cor da pele ser ainda muito presente na sociedade brasileira, o país padece de instrução e cultura como um todo, o que resulta numa sociedade atrasada e retrógrada em vários aspectos. Desse modo, há crime de racismo e injúria racial nas mais variadas condições humanas.

Um exemplo disso foi o julgamento pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL do Habeas Corpus nº 82.424 impetrado por Siegfried Ellwanger Castan, autor e editor brasileiro condenado por racismo contra judeus por escrever e publicar obras de conteúdo antissemitista. Extratos do julgamento, in verbis:

"HABEAS-CORPUS. PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO. RACISMO. CRIME IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITES. ORDEM DENEGADA. 
1. Escrever, editar, divulgar e comerciar livros "fazendo apologia de ideias preconceituosas e discriminatórias" contra a comunidade judaica (Lei 7716/89, artigo 20, na redação dada pela Lei 8081/90)constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade (, artigo 5º XLII) 
(...)
3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o mapeamento do genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pelos ou por quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais. 
4. Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista.
(...)
12. Discriminação que, no caso, se evidencia como deliberada e dirigida especificamente aos judeus, que configura ato ilícito de prática de racismo, com as consequências gravosas que o acompanham. "




Do mesmo modo, há uma multiplicidade de pessoas que podem ser vítimas do tipo injúria, a chamada “injúria etária” que seria a espécie de injúria designada à pessoa idosa, injúria em razão de deficiência, dentre outros.

O ano de 2019 marca o 30º ano da Lei de Racismo no Brasil. Mas, apesar de alguns avanços, a sociedade ainda está longe de ter algo a comemorar. O que se anseia mesmo é pelo dia em que dispositivos legais como esses possam, na realidade, ser esquecidos, pois não mais necessários. Mas, enquanto não se alcança essa posição, a intimidação, inclusive, pela maior das leis se faz primordial:
                                
Constituição Federal/1988:

Art.3º, inciso XLI:

"Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".
(...)

Art.5º, inciso XLI:
 "a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais".


REFERÊNCIAS

[1]RIBEIRO, Paulo Silvino. "Etnocentrismo"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/etnocentrismo.htm. Acesso em 27 de julho de 2019; e

*TAÍSA PEREIRA CARNEIRO 




- Advogada atuante nas áreas dos Direitos Administrativo e Constitucional;
- Possui Especialização em Compliance(FGV- SP).








Nota do Editor:


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segunda-feira, 29 de julho de 2019

Amargas Turvações



Autor: Luís Lago(*)


Se não me falha a memória, neste exato instante, creio ter havido um filósofo chinês, em meados de 550 a.C , que tinha a mania de pensar agudamente sobre as relações interpessoais. Entre as suas máximas, existe uma pérola em que ele diz que "a experiência é uma lanterna dependurada nas costas que apenas ilumina o caminho já percorrido". Sem dúvida alguma, essa sua assertiva perpetuou-se por ter estado sempre entranhada, em cada um vivente, ao longo de dois mil quinhentos e sessenta e nove anos; ou um pouquinho mais, talvez. 

E porque me fez fazer vir à tona o nosso tão conhecido Confúcio e, especificamente, sua observação sobre a rememoração compulsória do que vivenciamos, com a tal maldita, ou bendita, lanterna? 

O motivo básico é que, tristemente, eu e você não temos conseguido deixar de revolver, ao longo desses quatro anos de ausência, um segundo sequer os nossos instantes a dois. Escarafuchamos, sem nos preocupar com a auto pecha de masoquistas, os cantos e recantos do que fora nossa moradia, o pó acumulado, o odor nauseabundo do mofo. a algazarra dos ácaros, dos cupins, das traças. Nos enveredamos pela outrora denominada "varanda", e assistimos o escuro amarronzado do apodrecimento das raízes das não mais existentes gardênias e camélias, E não ousamos sequer olhar para o pasto de cabras em que se transmudou nosso antes esmerado jardim.

Quando a tal lanterna do Confúcio era apenas um detalhe pitoresco em sua devoção pelo seu curso de Filosofia, você se ausentava da ética do Aristóteles, como se ausentava da razão pura do Kant, da dialética do Hegel, e até mesmo do discurso do método de Descarte, seu preferido; seu número um; sua escolha para sua tese de mestrado.

Nos quedávamos, então, em silêncio. Você se deitava apoiada sobre o lado esquerdo e eu pensava ouvir as batidas arrastadas de sua pulsação, como se fossem unidades rítmicas de um poema, em suas sílabas átonas e tônicas. Talvez fosse a malemolência do meu próprio ritmo, arrastado, e que eu concebia tornar-se cada vez mais vagaroso.

Não havia tensão naqueles silêncios de outrora. Após fazermos sexo, olhávamos diretamente nos olhos, e depois nossos olhares passeavam por recantos dos rostos: dos olhos para os lábios, de volta para os olhos, e de volta para os lábios. Como se fizéssemos uma longa e demorada peregrinação. A cada minuto que passava sem nos falarmos, nossa recuperação da transa sexual ganhava força sem sacrifício da poesia a ser gerada. 

Hoje, passados esses infindáveis quatro anos do que fomos, resta-nos a triste sina de uma lanterna dependurada nas nossas costas na tentativa de iluminar as turvações do caminho já percorrido de nosso destroçamento.

* LUIS LAGO


-Psicólogo graduado pela Universidade Santo Amaro(1981);
- Especialização  em Terapia Comportamental; e 
- Atuação clínica por 15 anos. 
-Atualmente é Jornalista e  Fotógrafo (Não necessariamente nessa ordem); e

-Autor dos livros "O Beco" (poesias) Editora e Livraria Teixeira e "São tênues as névoas da vida" Âmbito Editores (ficção desenvolvida no estilo literário denominado "Realismo mágico")




Nota do Editor:


Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

domingo, 28 de julho de 2019

Reconhecer, Aceitar e Mudar



Autora: Erika Linard (*)

Você consegue identificar a sua realidade? Consegue percebê-la, descrevê-la? Caso esteja aí pensando consigo mesmo "óbvio que sim", vou te contar um segredo: somos mestres em distorcer a realidade.

Não fazemos isso de maneira muito acentuada e muitas vezes nem fica claro para nós mesmos o quão alterada é a nossa percepção de mundo ou de realidade. Nós falseamos nossa realidade através dos nossos pensamentos, dando a eles muito mais crédito do que mereceriam.

"Não consigo um bom emprego porque a economia está péssima! "

"Não dá fazer exercício porque eu não tenho tempo! "

"Não tenho sorte no amor! "

Ao acreditarmos nesses pensamentos, colocamos fora de nós mesmos a capacidade de modificar concretamente a nossa realidade.

"Você está se mantendo atualizado? Está procurando emprego de uma maneira efetiva ou somente reclamando do atual? Se você avaliasse realmente como está gastando seu tempo, tem certeza de que não conseguiria se exercitar? Você entende os padrões de relacionamentos nos quais se engaja? Conseguiria mudar esses padrões ou se relacionar com eles de maneira diferente? " são perguntas eficazes para promover aceitação e mudança.

Reconhecer e aceitar a realidade como ela se apresenta, sem lutar contra ou utilizar estratégias ineficazes para não enfrentar ou lidar com ela.

Aceitar não é conformar-se!

No entanto, se eu não reconheço e não aceito o momento atual da minha vida, como mudá-lo?

Engajar-se no reconhecimento e aceitação é fundamental quando estamos vivendo uma vida que não é aquela que desejamos.

Partindo-se daí, é possível identificar quais os seus valores e iniciar as mudanças necessárias pra que você possa viver uma vida que faça sentido pra você! 

Você sabe o que são os valores? E quais são o seus valores? 

Caso a resposta seja negativa, a terapia pode te ajudar a identificá-los e planejar as mudanças necessárias.


*ERIKA LINARD



-Psicóloga;
-Especialista em Terapia Comportamental pela USP;
-Experiência como profissional de RH e que agora trabalha exclusivamente como Psicóloga Clínica; e
-Estudiosa de Mindfulness e encantada pelas relações humanas
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Nota do Editor:


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