sábado, 23 de março de 2024

O uso excessivo da tecnologia na vida de nossos adolescentes


 Autora: Márcia Stochi(*)

A cultura digital já se instalou no cotidiano de nossos jovens. Em aula, nossos alunos privilegiam a leitura de uma mensagem via WhatsApp, à discussão do tema que lhe está sendo apresentado, prejudicando seu aprendizado.

Sobre essa situação devemos refletir se os jovens se dão conta desse prejuízo ou se creem que o tempo que passam em ambientes digitais é benéfico.

A psicóloga Eloiza Oliveira (2017) realizou uma pesquisa intitulada Adolescência, internet e tempo: desafios para a Educação. O objetivo era observar tal questão à luz dos resultados de uma pesquisa realizada com 481 adolescentes da cidade do Rio de Janeiro. O estudo, por meio de um questionário, solicitou que os alunos concordassem ou discordassem da seguinte frase: "A internet ocupa muito o meu tempo", justificando sua escolha. O resultado mostrou que 67,56% dos adolescentes concordavam com a frase, pois eles costumam passar, em média, nove horas conectados, por dia. O principal meio é o celular. Na maior parte do tempo eles estão conectados às redes sociais; em seguida afirmam que utilizam para entretenimento e pesquisa. Os jovens que concordaram com a frase apresentada pela pesquisa, destacaram que passam muito tempo conectados à internet estimulados pela excessiva fantasia proporcionada pelo mundo virtual, os afastando do mundo real. Afirmam ainda, que perdem a noção do tempo em que passam na internet e se dedicam, por esse meio, a relacionamentos imaginários. Esse último aspecto gera um isolamento e dificuldades em enfrentar um relacionamento face a face. Quanto as questões cognitivas eles destacam a perda de foco nos momentos de pesquisa e estudo, pelo excesso de informações e reconhecem a pouca confiabilidade das informações encontradas na internet. De acordo com a pesquisa, os jovens reconhecem o excessivo uso da internet e alguns de seus aspectos prejudiciais, mas parecem se seduzirem pelo que ela oferece causando dificuldades em controlar o seu próprio acesso.

A Base Nacional de Conteúdos Curriculares – BNCC (Brasil, 2017), destaca o crescente uso da tecnologia pelos jovens que são motivados pela diversidade de modos de conexão. Por esse motivo o documento apresenta considerações sobre a influência dos ambientes virtuais sobre nossa juventude.

Há que se considerar, ainda, que a cultura digital tem promovido mudanças sociais significativas nas sociedades contemporâneas. Em decorrência do avanço e da multiplicação das tecnologias de informação e comunicação e do crescente acesso a elas pela maior disponibilidade de computadores, telefones celulares, tablets e afins, os estudantes estão dinamicamente inseridos nessa cultura, não somente como consumidores. Os jovens têm se engajado cada vez mais como protagonistas da cultura digital, envolvendo-se diretamente em novas formas de interação multimidiática e multimodal e de atuação social em rede, que se realizam de modo cada vez mais ágil. Por sua vez, essa cultura também apresenta forte apelo emocional e induz ao imediatismo de respostas e à efemeridade das informações, privilegiando análises superficiais e o uso de imagens e formas de expressão mais sintéticas, diferentes dos modos de dizer e argumentar característicos da vida escolar. (BRASIL, 2017, p.59).
Na obra A fábrica de cretinos digitais – os perigos das telas para nossas crianças, (DESMURGET, 2022), o autor faz um relato sobre pesquisas que enaltecem o uso dos meios de comunicação digitais e busca desmistificar o entusiasmo em relação ao uso dessas tecnologias. Para tanto, apresenta aspectos perniciosos desse excesso de tempo em que os jovens estão conectados à internet e de suas influências em relação as crianças e aos adolescentes.

O autor destaca a falta de rigor e confiabilidade nas informações oferecidas pela internet. Justifica o fato, argumentando que a necessidade de produtividade não permite que os criadores de conteúdos se aprofundem no assunto, gerando uma superficialidade nas matérias. Alerta ainda, que muitos utilizam esses canais para difundirem notícias falsas que os beneficiem. Assim, pela falta de competência ou conhecimento, ou pior, pela falta de caráter cria-se e divulga-se narrativas irreais, buscando dar uma aparência de verdade, em fatos não verídicos.

Sobre o tempo gasto em recreação na internet, afirma que ele não é apenas excessivo, mas que está fora de controle, prejudicando o sono, a leitura, momentos de interrelação familiar, o cumprimento dos deveres escolares, as práticas esportivas, as atividades artísticas.

Os aspetos cognitivos também são seriamente afetados, pois na fase mais favorável para o desenvolvimento cerebral, quando se desenvolve os aspectos: linguísticos, emocionais e culturais, os jovens são fortemente afetados pelos excessivos momentos de lazer oferecidos pelo mundo digital, que não desenvolvem estes aspectos.

Ao compararmos essas três diferentes leituras: pesquisa científica, documento educacional nacional e obra literária, podemos perceber que alguns aspectos são convergentes, como: a constatação de que o tempo de utilização da internet para lazer é exagerado; a falta de rigor nas informações geradas por boa parte dos meios digitais; o prejuízo nas relações interpessoais; os malefícios sobre os aspectos cognitivos.

Sobre o tempo em que os jovens passam na internet, de acordo com os resultados da pesquisa de Oliveira (2017) a maioria dos jovens pesquisados reconhecem que passam muito tempo conectados, e que a diversidade de possibilidades de ambientes virtuais, leva a uma perda de foco em suas buscas. Assim, nesta faixa etária, é importante que os jovens sejam motivados a vivenciarem outras atividades nas quais não haja conexão com à rede.

Reconhecemos que internet abre um leque de possibilidades de informações nunca visto antes, mas deve-se reconhecer que não há um rigor nas informações geradas, assim ao mesmo tempo que possibilitam o conhecimento, encontra-se muitas informações superficiais e em muitos casos inverídicas. Esse alerta está presente na pesquisa com os jovens, no documento do Ministério da Educação e na obra literária. Desse modo, é necessário realizar discussões com os jovens sobre as escolhas de suas fontes de pesquisa, incentivando-os a diversificá-las e confrontá-las.

A internet também afeta as relações interpessoais, hoje temos notícias sobre amigos que estão distantes, e o total de !"amigos" que temos nas redes sociais, nos dá a falsa impressão de não estamos sozinhos. A conivência real, cotidiana, gera situações nas quais temos que aprender a respeitar a vontade do outro, e exigir que sejamos respeitados. Esse fato, pode gerar conflitos de modo que alguns prefiram evita-la. É comum observarmos um conjunto de jovens, reunidos fisicamente em um mesmo ambiente físico, porém cada um com seu smartfone interagindo com quem está distante ou com companhia virtual. A interação fica fragilizada e a falsa sensação de companhia os afasta do convívio real. Desse modo, as relações se tornam distantes e frias. Se nossos jovens não vivenciarem situações de convívio real, a tendência é que prefiram os relacionamentos virtuais, o que gera o seu isolamento. Precisamos buscar caminhos para ajudar nossos jovens.

Bibliografia:

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular, 2017;

DESMURGET, Michel. A Fábrica de Cretinos Digitais. São Paulo: Vestígio, 2022. Tradução: Mauro Pinheiro; e

OLIVEIRA, Eloiza Silva Gomes. Adolescência, internet e tempo: desafios para a Educação. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 64, p. 283-298, abr./jun. 2017.

* MÁRCIA STOCHI























-Atua há 20 anos na docência em vários níveis: Educação Básica; Graduação e Pós-graduação;
- Bacharel e Licenciatura em Matemática Pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (1993);
- Mestra em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo  (2003) ; e
- Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2016).

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

sexta-feira, 22 de março de 2024

Breves considerações sobre o Conselho Tutelar


 

Autora: Maria Cristina de Oliveira(*) 


Uma Senhorinha ao descer do ônibus, viu um carro do Conselho Tutelar próximo de sua residência. Ela caminhou até o portão do vizinho e falou para o conselheiro tutelar que ali estava, tocando a campainha:

Moço o senhor é do Conselho Tutelar? Porque quem mora aí é um homem muito bom com os filhos e não merece que o Conselho tire as crianças dele.

O Conselho Tutelar é um órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelos direitos da criança e do adolescente, definidos no Art. 131 da Lei Federal 8.069 sancionada em 1990. O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA inovou ao prazer proteção integral às crianças e adolescentes que passam a ser vistos como sujeitos de direitos, em condição peculiar de desenvolvimento e com prioridade absoluta. Também reafirmou a responsabilidade da família, da sociedade e do Estado de garantir as condições para o pleno desenvolvimento dessa população, além de colocá-la a salvo de toda forma de discriminação, exploração e violência.

A sacada dos autores envolvidos na criação do ECA, foi criar, junto com as leis, um órgão de pudesse agir para o cumprimento do Estatuto e efetivação da proteção dos direitos das crianças, dos adolescentes e suas famílias, que é o Conselho Tutelar. Entretanto há toda uma rede que compõem o Sistema de Garantias de defesa, promoção e controle.

Em resposta as colocações da Senhorinha, o Conselho Tutelar buscar ouvir as partes envolvidas, com o intuito de orientação e encaminhamentos que se façam necessários. A última opção, quando não se tem mais nenhuma alternativa para tirar a criança ou adolescente de situações que violem seus direitos, então elas são retiradas desse meio violador.

Os Conselheiros Tutelares são escolhidos através de voto da população. Isso acontece sempre no ano posterior ao da eleição de presidente, no mês de outubro.

Os casos mais leves que aparecem nos Conselhos Tutelares são os de solicitação de matrícula em escolas, embora a deliberação do Conselho se restrinja à criança ou adolescente que estão fora da Educação. Com tudo, janeiro, fevereiro, março, em período sazonal ocorrem inúmeros atendimentos devido à solicitação de transferência de matrícula, para atender a necessidade da família, que muitas das vezes não tem seu pedido atendido por falta de vagas, principalmente nas regiões periféricas.

O que mais choca nos atendimentos efetuados nos Conselhos Tutelares, além do nível de gravidade dos casos, das urgências, são os casos transgeracionais, onde ocorre a transmissão de padrões familiares, que impactam negativamente a vida das pessoas e perpassando gerações, por exemplo, no uso de drogas psicoativas, consumindo a vida de cada geração.

Outra situação impactante que se tem tornado um padrão na sociedade atual são os genitores que abandonam seus filhos, para o Estado criar, cuidar e eles iniciam uma nova família.

Há circunstâncias que somos profundamente tocados, quando uma criança está vendendo vassouras, panos de chão, indo nas portas de padarias, ou de porta em porta e queremos ajudar comprando ou doando algum valor. Não imaginamos o quanto prejudicamos as crianças, os adolescentes com essa atitude, principalmente, em cidades que o Executivo tem bem estruturado a parte dos serviços sociais. Ao contribuir, estamos incentivando que eles ao invés de brincar, estudar sejam usados para trabalhar.

*MARIA CRISTINA DE OLIVEIRA














-Graduada em Letras pela PUC Campinas;

-MBA em Gestão Escolar na  USP ;

-Atualmente é funcionária pública federal.


Nota do Editor:

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quinta-feira, 21 de março de 2024

Os aspectos jurídicos da exoneração de alimentos na maioridade



Autora: Ana Carolina Souza (*)

A exoneração de alimentos na maioridade é um tema controverso e que gera muitas dúvidas entre as pessoas. Trata-se da possibilidade do genitor que paga pensão alimentícia para o filho menor pedir a revisão ou até mesmo a cessação desse pagamento quando o alimentando atinge a maioridade.

Segundo o Código Civil brasileiro, a obrigação de prestar alimentos é recíproca entre pais e filhos, e deve perdurar até que o filho atinja a maioridade, até que se emancipe ou até que tenha condições de se sustentar.

No entanto, quando o filho atinge a maioridade, de acordo com a legislação brasileira, o genitor que paga pensão alimentícia tem o direito de pedir a exoneração ou a redução do valor a ser pago, desde que comprove a que o filho não mais possui a necessidade até então existente.

Assim, para que seja possível a exoneração de alimentos na maioridade, é preciso que haja uma mudança nas condições financeiras do filho que recebe a pensão alimentícia, bem como, nas possibilidade de quem paga, seja por diminuição de renda, desemprego, doença ou qualquer outra situação que justifique a revisão do valor.

No entanto, é importante ressaltar que a exoneração de alimentos na maioridade não é automática e deve ser solicitada por meio de uma ação judicial. O genitor que deseja pedir a revisão ou cessação da pensão alimentícia deve procurar um advogado especializado na área de família e sucessões para orientações sobre o processo correto a ser realizado.

Além disso, é fundamental destacar que a exoneração de alimentos na maioridade não exime o genitor de outras obrigações para com o filho, como oferecer suporte emocional, educacional e moral. A cessação da pensão alimentícia não significa o fim do vínculo afetivo entre pai e filho, como alguns tendem em acreditar.

Portanto, a exoneração de alimentos na maioridade é um processo delicado que deve ser conduzido com responsabilidade, transparência e respeito pelas partes envolvidas. É essencial que todos os envolvidos busquem soluções amigáveis, priorizando o bem-estar do filho e a manutenção do equilíbrio familiar.

*ANA CAROLINA PEREIRA DE SOUZA DOS SANTOS SILVA













-Advogada graduada pela Universidade São Francisco – Bragança Paulista (2004);
-Pós-graduada em Direito Civil, pela LFG (2015);
-Pós-graduada em Advocacia Extrajudicial pela Faculdade Legale (2021); e
-Pós- graduada em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade Legale (2022).
-Presidente da Comissão Especial de Advocacia de Família e Sucessões da 16ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB Bragança Paulista e
-Conciliadora/Mediadora cadastrada junto ao CNJ – Conselho Nacional de Justiça.

Nota do Editor:

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terça-feira, 19 de março de 2024

Bullying e ciberbulliying no ambiente de trabalho



 

Autora: Ana Celina Siqueira(*)

De origem inglesa, os termos "bullying" e “cyberbullying” foram incorporados ao nosso vocabulário, consistindo num anglicismo. As condutas definidas nessas palavras não são exatamente uma novidade. Intimidação, agressividade, constrangimento são, infelizmente, fatos frequentes nas relações sociais, contudo a tecnologia trouxe novas formas de se praticar essa violência.


Também chamado de intimidação sistemática, o bullying consiste em "todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo, que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas", conforme definição da Lei nº 13.185/2015, que instituiu o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying).


Já o cyberbullying é o bullying realizado por meio das tecnologias digitais. Em outras palavras, o cyberbullying é um assédio moral que corresponde à manifestação de práticas hostis por meio das tecnologias da informação e com o intuito de ridicularizar, assediar e/ou perseguir alguém de forma exacerbada. 


Em janeiro de 2024, foi sancionada pelo Presidente da República a Lei n° 14.611 que alterou o Código Penal e definiu e tipificou as condutas do bullying e do cyberbullying como crimes.


O bullying foi definido como toda conduta intencional e reiterada de intimidação, individual ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, de forma repetitiva, por meio de atos ou ações verbais e de intimidação, menosprezo e humilhação, exposição ridicularizante  ou perseguição contra uma ou mais pessoas.


Já o cyberbullying consiste exatamente em se fazer uso do meio digital para manifestar a conduta do bullying, ou seja, através de jogos on line, redes sociais, assim como Youtube, Instagram, Facebook, grupo de whatsapp, e-mail, ou transmitido em tempo real.


O cyberbullying caracteriza o mesmo tipo de lesão produzida pelo bullying. A única diferença entre esses 2 tipos compreende o meio pelo qual são manifestados: meios cibernéticos ou meios sociais. 


O bullying e o cyber bullying podem estar presentes na relação de trabalho assim como em qualquer outra relação social. E, também foram necessários longos anos para que se reconhecesse a gravidade do comportamento agressivo e ofensor. 


Cito, a propósito, trecho de sentença proferida nos autos do Processo 1741/62, da Justiça do Trabalho de São Paulo, 2ª. Região, garimpado num trabalho primoroso pela preservação da memória da Justiça do Trabalho:


"A prova consistente num único depoimento de testemunha comum às partes demonstra que a reclamante, depois de um incidente com uma companheira de serviço, quando advertida pela testemunha, dirigindo-se a esta afirmou que quando sonhava com preto e trampa tinha azar. Com isto, a companheira envolvida no incidente, que é de cor, pôs-se a chorar e foi se queixar ao departamento de pessoal. Isto o provado. Não há, assim, ânimo da ofensa. Uma indireta, embora grosseira, em revide a um ato também insólito da sua colega, por si só, não podia ter o efeito de romper o vínculo empregatício".

 

É evidente o caráter racista do comentário que, nem por isso sensibilizou o julgador. 

Impõe-se preciso reconhecer o avanço da sociedade em termos sociais e coletivos.

Atento a isso, o legislador incluiu, no Código Penal, o artigo 146-A, que dispõe o seguinte:

"Art. 146-A. Ofender reiteradamente a dignidade de alguém causando-lhe dano ou sofrimento físico ou mental, no exercício de emprego, cargo ou função. Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa, além da pena correspondente à violência." 

Doravante, a conduta que configura bullying ou cyberbullying no ambiente de trabalho poderá ensejar não apenas o reconhecimento do dano moral com a respectiva indenização compensatório, mas também a penalização no âmbito do Direito Penal.

Condutas típicas de uma posição de chefia, exacerbadas por simples implicância ou antipatia, podem caracterizar o bulliyng ou o cyberbullying e ainda caracterizar o assédio moral.


Da mesma forma, o excesso no apontamento de erros, com ofensa ou humilhação repetidamente, pode configurar bullying, cyberbullying ou assédio moral.


Entre colegas de trabalho também são frequentes os atos que ultrapassam os limites das brincadeiras, que podem caracterizar ofensa grave. Os empregados precisam estar atentos e corrigir os excessos. A prática social de atribuir apelidos a algumas pessoas pode constitui bullying, cyberbullying, assédio moral e, com isso, caracterizar crime. Um exemplo são os apelidos que destacam alguma característica física da pessoa. Neste caso, tanto maior será a ofensa quanto maior for o grau de afetação que o apelido acarretar à pessoa.


Bullying e cyberbullying também podem caracterizar outros delitos. Os assédios sociais que constituem o bullying e o cyberbullying podem caracterizar outros delitos, caso extravasem os limites das agressões no ambientes social. Se outros valores jurídicos forem afetados, a conduta pode caracterizar outros crimes contra a honra, como calúnia, difamação e injúria. Digamos que o trabalhador seja rotulado como "ladrãozinho" e esse rótulo adquira uma intensidade repetitiva no ambiente de trabalho. Essa conduta, seja ela praticada diretamente ou por meio cibenético, deixará de se classificar como crime de bullying ou cyberbullying para configurar o crime de injúria.


Da mesma forma, a injúria racial, decorrente da ofensa que se constrói em razão da raça, origem ou etnia da pessoa.


Cabe ao empregador promover o esclarecimento constante das chefias e exigir delas polidez e moderação nas interações no ambiente de trabalho. Também compete à empresa manter canais abertos com seus colaboradores para que práticas criminosas podem ser rapidamente identificadas e reprimidas, adotando-se condutas pedagógicas para aperfeiçoar o clima do ambiente de trabalho.


Há responsabilidade direta e objetiva do empregador por lesões que venham a ser causadas por empregados ou chefias. Caso uma chefia cometa o bullying ou o cyberbullying responderá criminalmente, podendo ser condenada a pagar multa ou mesmo a ficar reclusa por 2 a 4 anos e pagar multa. Isso se a conduta não constituir um crime mais grave.


Na esfera trabalhista, o empregador, objetivamente responderá pela reparação dos danos, mas terá garantido o direito regressivo contra o autor do dano, desde que a conduta ofensiva tenha sido previamente recusada como prática de gestão própria da empresa.


Caso o empregado cometa o bullying ou cyberbullying contra outro colega de trabalho no ambiente de trabalho, o empregador tem o dever de articular o seu poder disciplinar para reprimir essa conduta deixando claro que não compactua com esse tipo de comportamento.

 

O empregador precisa capacitar as chefias, exigir bom trato com os empregados e combater as condutas abusivas.


Para concluir, vale a pena conhecer algumas decisões recentes sobre o tema, na área trabalhista.


Nos autos do Processo 0010131-89.2023.5.03.0011, da 13ª. Vara do Trabalho de Belo Horizonte, constatou-se que o trabalhador, vítima de piadas por ser carioca, sofreu discriminação e ofensas pelos colegas, acabando por ser demitido. 


Ao analisar o mérito, a juíza considerou que a prova documental e os depoimentos colhidos demonstraram não apenas os atos de xenofobia sofridos pelo trabalhador, mas também o fato de não ter a reclamada adotado medidas eficazes para coibir o comportamento indesejável.

"Não foi juntado aos autos nenhum registro a respeito de procedimento administrativo interno, oitiva de colaboradores ou qualquer outro documento a demonstrar que a empresa efetivamente tenha empenhado esforço para apurar o que lhe foi reportado pelo reclamante".

A empresa foi condenada ao pagamento de uma indenização no valor de R$ 15 mil reais.

Em Sete Lagoas, MG, a juíza da 2ª. Vara do Trabalho considerou que o reclamante foi vítima de assédio moral consistente em "atitude preconceituosa de aversão ou repúdio ao indivíduo que aparenta estar com sobrepeso ou obeso, atualmente denominada "gordofobia". E concluiu "Sendo assim, no presente caso, não há dúvidas de que a empregadora praticou ato ilícito ao permitir que condutas jocosas e desrespeitosas fossem praticadas dentro do ambiente de trabalho, causando dor e sentimentos de inferioridade ao autor, que merece ser indenizado." (Processo 0010492-53.2022.5.03.0040)

Finalmente, em São Paulo, a 12ª. Turma do TRT da 2ª. Região manteve sentença que condenou uma empresa a pagar indenização de R$ 30 mil a uma trabalhadora cuja aparência física era criticada pelo gerente. O Desembargador Relator considerou comprovada a prática de "tratamento ofensivo, constrangedor, vexatório e humilhante". O magistrado destacou a gravidade dos fatos e a negligência da empresa que permitiu um ambiente improprio ao trabalho.

Fontes

[1] @garimpo_de_memorias, 25 de janeiro de 2024;


[2] "Vítima de piadas por ser carioca receberá R$ 15 mil de ex-empregadora", Migalhas, 22 de fevereiro de 2024;


[3] "Vigilante vítima de gordofobia no trabalho será indenizado em R$ 4 mil", Migalhas, 03 de março de 2024;e


[4] "Consultora de produtos de beleza chamada de "velha, gorda e feia" deve ser indenizada",  www.trt2.jus.br/inicio/noticias 07 de março de 2024

*ANA CELINA RIBEIRO CIANCIO SIQUEIRA



-Graduação em Direito  pela Faculdade de Direito da USP (1973);

-Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 2a.Região (1993);

-Secretária - Geral Judiciária do TRT da 2a.Região (2004);

 - Secretária do Tribunal Pleno do TRT da 2a Região (2004); e

- Comendadora da Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho da 2a.Região (2005)

Nota do Editor:

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Como resolver as pendências no CNIS do INSS?



 Autora: Renata Canella(*)

O acompanhamento regular do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), que inclui o Extrato de Contribuições, é crucial para garantir que as informações estejam corretas e atualizadas. Identificar e resolver pendências no CNIS é fundamental para evitar possíveis erros na concessão de benefícios previdenciários. Abaixo estão algumas orientações para solucionar esses problemas:

Indicador PREC-MENOR-MIN: Este indicador indica que as contribuições realizadas como autônomo ou facultativo não estão sendo consideradas pelo INSS. Isso pode impactar o cálculo do tempo de contribuição e carência. A partir de 13/11/2019, mesmo trabalhadores que ganham menos que um salário mínimo precisam fazer a complementação;

Indicador PREM-EXT: Esse indicador indica que a contribuição foi paga, mas informada fora do prazo no sistema. Para que seja considerada, será necessário apresentar comprovantes de que estava trabalhando, como pró-labore e declaração de Imposto de Renda; 

Indicador PREC-FBR: Se você contribui no código 1929, é importante realizar a validação das contribuições, comprovando ser de baixa renda. A comprovação é feita pela inscrição prévia no CADÚNICO (Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal), o mesmo cadastro do Bolsa Família;

Indicador PREM-FVIN: Se sua carteira de trabalho foi desassinada, mas você continuou trabalhando, será necessário fazer essa comprovação para que esse mês não seja desconsiderado no seu tempo de contribuição;

Indicador PREC-FACULTCONC: Este indicador geralmente aparece quando há períodos de registro sem data de fim no CNIS, fazendo com que o sistema entenda que você ainda estaria trabalhando e contribuindo em outro código, o que não é permitido; 

Resolver essas pendências é essencial para garantir que seu tempo de contribuição seja corretamente calculado, o que impacta diretamente no valor e na elegibilidade do seu benefício previdenciário. É importante verificar regularmente o CNIS e, se identificar qualquer um desses indicadores, buscar orientação especializada para solucionar as pendências o mais rápido possível. 

Garantir a precisão das informações no CNIS é uma medida preventiva para evitar problemas futuros na concessão de benefícios do INSS, proporcionando maior segurança financeira e tranquilidade para o futuro.

* RENATA CANELLA








-Advogada previdenciária com atuação no âmbito do Regime Geral de Previdência Social  (RGPS), Regime Próprio (RRPS), Previdência Complementar e Previdência Internacional;

-Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL- 1999);

-Mestre em Processo Civil pela Universidade Estadual de Londrina (UEL-2003);

- Especialista em 

   -Direito Empresarial pela Universidade Estadual de Londrina (UEL-2000) e
   -Direito do Trabalho pela AMATRA;

- Autora de artigos especializados para diversos jornais, revistas e sites jurídicos;

 -Autora e Organizadora do livro “Direito Previdenciário, atualidades e tendências” (2018, Editora Thoth);

-Palestrante;

-Expert em planejamento e cálculos previdenciários com diversos  cursos avançados na área;

-Presidente da Associação Brasileira dos Advogados Previdenciários (ABAP) na atual gestão (2020-2024):

-.Advogada da Associação dos Aposentados do Balneário Camboriú -SC(ASAPREV);
- Advogada atuante em diversos Sindicatos e Associações Portuárias no Vale do Itajaí - SC 
- Sócia e Gestora do Escritório Brandão Canella Advogados Associados.

Nota do Editor:

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segunda-feira, 18 de março de 2024

Ponderações sobre o crime de infanticídio


Autora: Cecília Frazão(*) 

A priori, insta salientar que o crime de infanticídio está previsto no art. 123 do Código Penal, e é definido como ato de "Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após."

Neste condão, através da leitura inicial do tipo penal, depreende-se que o delito em comento é um crime próprio, uma vez que o sujeito ativo deve ser a mãe parturiente e em estado puerperal, e o sujeito passivo, a criança recém-nascida. O referido crime se consuma com a morte do neonato.

Trata-se de crime doloso contra a vida, sendo a ação penal publica incondicionada. Isto é, nesta modalidade de ação penal, a atuação do Ministério Público não é condicionada, ou seja, não é necessária a autorização ou manifestação de qualquer pessoa para que o órgão público ofereça a denúncia.

Ademais, no referido tipo penal é admissível a tentativa (artigo 14, inciso II, do Código Penal), uma vez que é crime plurissubsistente. Nos crimes plurissubsistentes, a conduta é fracionada em vários atos que, somados, provocam a consumação.

Outrossim, é importante ressaltar que o crime de infanticídio admite também a coautoria. Isto porque a mãe parturiente (e em estado puerperal) pode obter ajuda para cometer o delito, ou pedir a um terceiro que o faça.

Nestes casos, conforme o previsto no artigo 30 do Código Penal, as condições e circunstâncias de caráter pessoal se comunicam aos coautores e partícipes, vez que se trata de elementar do tipo penal. Ou seja, o sujeito que praticou o delito a pedido da mãe ou que auxiliou na empreitada criminosa responde pelo crime de infanticídio, e não de homicídio.

Neste contexto, é possível constatar que a diferença entre os crimes de homicídio e infanticídio é que, no segundo caso, é levado em consideração o estado puerperal da mulher.

Para entendermos o que é estado puerperal, é preciso aclarar que o puerpério é o período de tempo que decorre desde o parto até que os órgãos reprodutores da mãe retornem ao seu estado pré-gravídico. A duração desta fase é geralmente de seis a oito semanas e o puerpério é um quadro fisiológico que atinge todas as mulheres que dão à luz.

Isto posto, eis a definição do doutrinador Damásio Evangelista de Jesus (1999, p. 107) sobre estado puerperal:
"A mulher, em conseqüência das circunstancias do parto, referentes à convulsão, emoção causada pelo choque físico e etc., pode sofrer perturbação de sua saúde menta. O código fala em estado puerperal. Este é o conjunto das perturbações psicológicas e físicas sofridas pela mulher em face do fenômeno do parto. pode ser explicado como o estado de perturbação psíquica sobrevindo do puerpério"

À vista disso, o estado puerperal pode ser explicado como um estado de perturbação psíquica que pode vir a atingir a mulher após o parto do seu filho. Logo, a mulher pode vir a apresentar, de modo momentâneo, uma instabilidade hormonal e emocional, em razão da gama de emoções vivenciadas no parto. Conforme a definição de Flamínio Fávero:
"o estado puerperal não é uma perturbação mental, nem psicose, nem transtorno mental de vulto, é um estado especialíssimo do animo da mulher, resultante da emoção a que ela esta submetida, graças à alegria e pesar intensos pela circunstancia especial de sua gestação que esta no fim, tudo isso concorrendo para formar o chamado estado puerperal."
Nos casos concretos, o procedimento de comprovação quanto ao estado puerperal da mulher geralmente ocorre através de prova pericial, exame de verificação da sanidade mental e análise dos demais elementos de prova, conforme as Jurisprudências a seguir:

EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA - HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO - MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA - PROVA SUFICIENTE - IMPRONÚNCIA OU ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA - IMPOSSIBILIDADE - DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE INFANTICÍDIO - CABIMENTO - INFLUÊNCIA DO ESTADO PUERPERAL RECONHECIDO. - De acordo com o art. 413 do CPP, para que se profira sentença de pronúncia é preciso apenas que haja prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, pois se trata de mero juízo de admissibilidade da acusação - Na fase de pronúncia, não se pode absolver sumariamente o acusado sem prova cabal de que ele agiu sob o amparo da alegada excludente de ilicitude - Se há nos autos indícios suficientes no sentido de que a acusada, ao ceifar a vida do filho logo após o parto, agiu sob influência do estado puerperal, cabível é, sem maior dificuldade, dada a sua grande freqüência, a desclassificação do delito de homicídio qualificado para o de infanticídio. (TJ-MG - Rec em Sentido Estrito: 10707120159686001 Varginha, Relator: Catta Preta, Data de Julgamento: 27/11/2014, Câmaras Criminais / 2ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 09/12/2014)

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. HOMICÍDIO QUALIFICADO. ERRO DE TIPO. CRIME IMPOSSÍVEL. CONTROVÉRSIA. HOMICÍDIO AFASTADO. INFANTICÍDIO. COMPROVADA INFLUÊNCIA DO ESTADO PUERPERAL NA CONDUTA DA MÃE. DESCLASSIFICAÇÃO NECESSÁRIA. - Existindo fortes indícios de que a acusada agiu com 'animus necandi', não há como acolher, de plano, a tese de erro de tipo, razão pela qual deverá a acusada ser submetida a julgamento pelo Tribunal do Júri - Se a prova dos autos, inclusive a de natureza pericial, atesta que a recorrente matou o seu filho, após o parto, sob a influência de estado puerperal, imperiosa a desclassificação da imputação de homicídio qualificado para que a pronunciada seja levada a julgamento pelo cometimento do crime de infanticídio (artigo 123 do Código Penal). (TJ-MG - Rec em Sentido Estrito: 10702041702516001 Uberlândia, Relator: Renato Martins Jacob, Data de Julgamento: 16/04/2009, Câmaras Criminais Isoladas / 2ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 08/05/2009)
Ante o exposto, restando evidenciado que a genitora agiu sob estado puerperal ao ceifar a vida do filho recém-nascido, configura-se o crime de infanticídio, cuja pena é reduzida, sendo esta a detenção, de dois a seis anos.

Salienta-se que a pena-base de infanticídio é menor que a do homicídio simples. Isto porque, apesar de não poder ser usado como causa excludente de tipicidade ou culpabilidade, o estado puerperal exerce inquestionável influência na autoria do crime. Isto significa que, nestes casos, é admitida uma pena mais branda e humanizada considerando o estado psíquico da mãe.

Por fim, importante ressaltar que a Lei nº 14.326/22, alterou a Lei de Execução Penal para assegurar à mulher presa gestante ou puérpera tratamento humanitário antes e durante o parto e no puerpério.


REFERÊNCIAS:

JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte geral. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 1;

HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958. v. 4.;

https://www.jusbrasil.com.br/artigos/estado-puerperal-e-a-instabilidade-juridica/183852525

*CECÍLIA FRAZÃO DAMACENA CARVALHO












- Graduada em Direito pela Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará – UNIFESSPA (2023);

- Pós Graduanda em Direito do Trabalho e Advocacia Contenciosa Cível (Legalle Educacional);

- Pós Graduanda em Direitos Humanos (Unifesspa);

- Advogada inscrita na OAB/PA n° 36.675;

- Membro da Comissão da Mulher Advogada OAB/PA;

- Linkedin: www.linkedin.com/in/frazaocecilia

Nota do Editor:


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