terça-feira, 19 de março de 2024

Bullying e ciberbulliying no ambiente de trabalho



 

Autora: Ana Celina Siqueira(*)

De origem inglesa, os termos "bullying" e “cyberbullying” foram incorporados ao nosso vocabulário, consistindo num anglicismo. As condutas definidas nessas palavras não são exatamente uma novidade. Intimidação, agressividade, constrangimento são, infelizmente, fatos frequentes nas relações sociais, contudo a tecnologia trouxe novas formas de se praticar essa violência.


Também chamado de intimidação sistemática, o bullying consiste em "todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo, que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas", conforme definição da Lei nº 13.185/2015, que instituiu o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying).


Já o cyberbullying é o bullying realizado por meio das tecnologias digitais. Em outras palavras, o cyberbullying é um assédio moral que corresponde à manifestação de práticas hostis por meio das tecnologias da informação e com o intuito de ridicularizar, assediar e/ou perseguir alguém de forma exacerbada. 


Em janeiro de 2024, foi sancionada pelo Presidente da República a Lei n° 14.611 que alterou o Código Penal e definiu e tipificou as condutas do bullying e do cyberbullying como crimes.


O bullying foi definido como toda conduta intencional e reiterada de intimidação, individual ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, de forma repetitiva, por meio de atos ou ações verbais e de intimidação, menosprezo e humilhação, exposição ridicularizante  ou perseguição contra uma ou mais pessoas.


Já o cyberbullying consiste exatamente em se fazer uso do meio digital para manifestar a conduta do bullying, ou seja, através de jogos on line, redes sociais, assim como Youtube, Instagram, Facebook, grupo de whatsapp, e-mail, ou transmitido em tempo real.


O cyberbullying caracteriza o mesmo tipo de lesão produzida pelo bullying. A única diferença entre esses 2 tipos compreende o meio pelo qual são manifestados: meios cibernéticos ou meios sociais. 


O bullying e o cyber bullying podem estar presentes na relação de trabalho assim como em qualquer outra relação social. E, também foram necessários longos anos para que se reconhecesse a gravidade do comportamento agressivo e ofensor. 


Cito, a propósito, trecho de sentença proferida nos autos do Processo 1741/62, da Justiça do Trabalho de São Paulo, 2ª. Região, garimpado num trabalho primoroso pela preservação da memória da Justiça do Trabalho:


"A prova consistente num único depoimento de testemunha comum às partes demonstra que a reclamante, depois de um incidente com uma companheira de serviço, quando advertida pela testemunha, dirigindo-se a esta afirmou que quando sonhava com preto e trampa tinha azar. Com isto, a companheira envolvida no incidente, que é de cor, pôs-se a chorar e foi se queixar ao departamento de pessoal. Isto o provado. Não há, assim, ânimo da ofensa. Uma indireta, embora grosseira, em revide a um ato também insólito da sua colega, por si só, não podia ter o efeito de romper o vínculo empregatício".

 

É evidente o caráter racista do comentário que, nem por isso sensibilizou o julgador. 

Impõe-se preciso reconhecer o avanço da sociedade em termos sociais e coletivos.

Atento a isso, o legislador incluiu, no Código Penal, o artigo 146-A, que dispõe o seguinte:

"Art. 146-A. Ofender reiteradamente a dignidade de alguém causando-lhe dano ou sofrimento físico ou mental, no exercício de emprego, cargo ou função. Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa, além da pena correspondente à violência." 

Doravante, a conduta que configura bullying ou cyberbullying no ambiente de trabalho poderá ensejar não apenas o reconhecimento do dano moral com a respectiva indenização compensatório, mas também a penalização no âmbito do Direito Penal.

Condutas típicas de uma posição de chefia, exacerbadas por simples implicância ou antipatia, podem caracterizar o bulliyng ou o cyberbullying e ainda caracterizar o assédio moral.


Da mesma forma, o excesso no apontamento de erros, com ofensa ou humilhação repetidamente, pode configurar bullying, cyberbullying ou assédio moral.


Entre colegas de trabalho também são frequentes os atos que ultrapassam os limites das brincadeiras, que podem caracterizar ofensa grave. Os empregados precisam estar atentos e corrigir os excessos. A prática social de atribuir apelidos a algumas pessoas pode constitui bullying, cyberbullying, assédio moral e, com isso, caracterizar crime. Um exemplo são os apelidos que destacam alguma característica física da pessoa. Neste caso, tanto maior será a ofensa quanto maior for o grau de afetação que o apelido acarretar à pessoa.


Bullying e cyberbullying também podem caracterizar outros delitos. Os assédios sociais que constituem o bullying e o cyberbullying podem caracterizar outros delitos, caso extravasem os limites das agressões no ambientes social. Se outros valores jurídicos forem afetados, a conduta pode caracterizar outros crimes contra a honra, como calúnia, difamação e injúria. Digamos que o trabalhador seja rotulado como "ladrãozinho" e esse rótulo adquira uma intensidade repetitiva no ambiente de trabalho. Essa conduta, seja ela praticada diretamente ou por meio cibenético, deixará de se classificar como crime de bullying ou cyberbullying para configurar o crime de injúria.


Da mesma forma, a injúria racial, decorrente da ofensa que se constrói em razão da raça, origem ou etnia da pessoa.


Cabe ao empregador promover o esclarecimento constante das chefias e exigir delas polidez e moderação nas interações no ambiente de trabalho. Também compete à empresa manter canais abertos com seus colaboradores para que práticas criminosas podem ser rapidamente identificadas e reprimidas, adotando-se condutas pedagógicas para aperfeiçoar o clima do ambiente de trabalho.


Há responsabilidade direta e objetiva do empregador por lesões que venham a ser causadas por empregados ou chefias. Caso uma chefia cometa o bullying ou o cyberbullying responderá criminalmente, podendo ser condenada a pagar multa ou mesmo a ficar reclusa por 2 a 4 anos e pagar multa. Isso se a conduta não constituir um crime mais grave.


Na esfera trabalhista, o empregador, objetivamente responderá pela reparação dos danos, mas terá garantido o direito regressivo contra o autor do dano, desde que a conduta ofensiva tenha sido previamente recusada como prática de gestão própria da empresa.


Caso o empregado cometa o bullying ou cyberbullying contra outro colega de trabalho no ambiente de trabalho, o empregador tem o dever de articular o seu poder disciplinar para reprimir essa conduta deixando claro que não compactua com esse tipo de comportamento.

 

O empregador precisa capacitar as chefias, exigir bom trato com os empregados e combater as condutas abusivas.


Para concluir, vale a pena conhecer algumas decisões recentes sobre o tema, na área trabalhista.


Nos autos do Processo 0010131-89.2023.5.03.0011, da 13ª. Vara do Trabalho de Belo Horizonte, constatou-se que o trabalhador, vítima de piadas por ser carioca, sofreu discriminação e ofensas pelos colegas, acabando por ser demitido. 


Ao analisar o mérito, a juíza considerou que a prova documental e os depoimentos colhidos demonstraram não apenas os atos de xenofobia sofridos pelo trabalhador, mas também o fato de não ter a reclamada adotado medidas eficazes para coibir o comportamento indesejável.

"Não foi juntado aos autos nenhum registro a respeito de procedimento administrativo interno, oitiva de colaboradores ou qualquer outro documento a demonstrar que a empresa efetivamente tenha empenhado esforço para apurar o que lhe foi reportado pelo reclamante".

A empresa foi condenada ao pagamento de uma indenização no valor de R$ 15 mil reais.

Em Sete Lagoas, MG, a juíza da 2ª. Vara do Trabalho considerou que o reclamante foi vítima de assédio moral consistente em "atitude preconceituosa de aversão ou repúdio ao indivíduo que aparenta estar com sobrepeso ou obeso, atualmente denominada "gordofobia". E concluiu "Sendo assim, no presente caso, não há dúvidas de que a empregadora praticou ato ilícito ao permitir que condutas jocosas e desrespeitosas fossem praticadas dentro do ambiente de trabalho, causando dor e sentimentos de inferioridade ao autor, que merece ser indenizado." (Processo 0010492-53.2022.5.03.0040)

Finalmente, em São Paulo, a 12ª. Turma do TRT da 2ª. Região manteve sentença que condenou uma empresa a pagar indenização de R$ 30 mil a uma trabalhadora cuja aparência física era criticada pelo gerente. O Desembargador Relator considerou comprovada a prática de "tratamento ofensivo, constrangedor, vexatório e humilhante". O magistrado destacou a gravidade dos fatos e a negligência da empresa que permitiu um ambiente improprio ao trabalho.

Fontes

[1] @garimpo_de_memorias, 25 de janeiro de 2024;


[2] "Vítima de piadas por ser carioca receberá R$ 15 mil de ex-empregadora", Migalhas, 22 de fevereiro de 2024;


[3] "Vigilante vítima de gordofobia no trabalho será indenizado em R$ 4 mil", Migalhas, 03 de março de 2024;e


[4] "Consultora de produtos de beleza chamada de "velha, gorda e feia" deve ser indenizada",  www.trt2.jus.br/inicio/noticias 07 de março de 2024

*ANA CELINA RIBEIRO CIANCIO SIQUEIRA



-Graduação em Direito  pela Faculdade de Direito da USP (1973);

-Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 2a.Região (1993);

-Secretária - Geral Judiciária do TRT da 2a.Região (2004);

 - Secretária do Tribunal Pleno do TRT da 2a Região (2004); e

- Comendadora da Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho da 2a.Região (2005)

Nota do Editor:

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