terça-feira, 3 de setembro de 2024

Além da Máscara


 Autor: Rogério Alves (*)


O direito civil descreve dois tipos de pessoa em nosso ordenamento jurídico, temos a pessoa física (art. 1º do Código Civil) e a jurídica (art. 44, CC), a primeira diz respeito a todas as pessoas naturais, já a segunda são os entes corporativos que, por exemplo, possuem CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica. Neste trabalho, pode-se destacar uma diferença peculiar: uma pessoa física existe sem a pessoa jurídica, porém o contrário não é possível.

Para a existência da pessoa jurídica é necessário que haja uma ou mais pessoas físicas (art. 46, II, CC). No caso de empresas, são os sócios, já em outras situações, pode ser uma diretoria com presidente a frente da administração, em fim, sempre haverá uma pessoa física responsável pela pessoa jurídica.

No aspecto judicial das relações, quando uma pessoa jurídica ofende o direito de outrem através de seus colaboradores ou responsáveis, acaba sendo alvo de reparação em eventual ajuizamento de ação (art. 17 do Código de Processo Civil), ocupando assim a posição de réu no polo passivo do processo, podendo ser alcançado pelos efeitos da sentença judicial (art. 489 e ss., CPC).

Interessante que no momento que se busca a relação com uma pessoa jurídica, se observa primeiramente o seu histórico de atuação nas mais diferentes áreas da sociedade através dos órgãos de pesquisa pública na área financeira, jurídica ou fiscal, tudo para se buscar o nível de idoneidade, pelo menos é o mais correto a fazer para se evitar problemas.

O que não é pensado nesse primeiro momento é a idoneidade daqueles que representam a pessoa jurídica, ou seja, o que há por trás da máscara desses entes corporativos? No final das contas, o bom ou no mau agir vai depender de quem administra ou conduz a pessoa jurídica.

Com vista nisso, nosso ordenamento jurídico cria mecanismos de proteção àqueles que são lesados pelas pessoas jurídicas, transferindo assim a responsabilidade para seus representantes legais, é a chamada "desconsideração da personalidade jurídica" (art. 133, CPC).

Como dito anteriormente, iniciado o processo judicial pelo ofendido (autor) contra determinada empresa (ré), durante toda a fase de conhecimento, este último responderá pelos seus atos como pessoa jurídica, realizando assim as reparações determinadas em sentença (art. 203, §1º, CPC) após o trânsito em julgado na fase de execução (art. 523, CPC), o chamado cumprimento de sentença.

No caso de a empresa não cumprir a decisão judicial, sendo a obrigação de natureza pecuniária, seu patrimônio responde pelos valores cobrados (art. 523, §3º, CPC), porém, caso a empresa não possua patrimônio, não se sabe a localização da sua sede e não possua contas bancárias para as suas operações, esgotando-se todos os meios de busca para a continuidade das cobranças no processo, levantando assim as suspeitas do art. 50 do Código Civil, há a possibilidade de requerer a desconsideração da personalidade jurídica (art. 133, CPC), que será processada incidentalmente, ou seja, separado dos autos principais do cumprimento de sentença, tendo como polo passivo os responsáveis pela pessoa jurídica.

Inicialmente, o juiz recebe o pedido, analisa a admissibilidade, suspende a ação principal (art. 134, §3º, CPC) e determina a citação dos representantes da pessoa jurídica (art. 135, CPC). O pedido deve conter a alegação de “abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial” (art. 50, CC). O desvio de finalidade ocorre nas situações onde os responsáveis constituem a pessoa jurídica para negócios escusos diferentes da finalidade principal da empresa, como por exemplo, tomar empréstimos, enganar pessoas para obter vantagens, apresentar garantias que não possam suportar, etc., já em relação a confusão patrimonial, ocorre quando os responsáveis misturam os seus patrimônios com os da empresa, sendo difícil distinguir a propriedade.

Superada a defesa e a instrução processual, o juiz resolverá por decisão interlocutória (art. 203, §2º, CPC) se os representantes da pessoa jurídica responderão pelas obrigações contidas no despacho judicial definitivo (art. 136, CPC). Sobre o decidido, cabe agravo de instrumento (art. 1.015, IV, CPC) ou no caso de decisão proferida por relator, utiliza-se o agravo interno para recorrer (art. 136, parágrafo único, CPC). Após a fase recursal sem a alteração da decisão interlocutória, prossegue-se a execução no nome dos responsáveis pela pessoa jurídica, podendo assim alcançar os seus respectivos patrimônios.

Importa lembrar que o procedimento da desconsideração da personalidade jurídica, além de ser aplicável no cumprimento de sentença, também pode ser utilizada nas ações de execução de título extrajudicial ou durante toda a fase de conhecimento (art. 134, CPC), sempre de forma incidental.

A grande tragédia nesse procedimento acontece quando se descobre que os representantes da pessoa jurídica também não possuem condições de arcar com as obrigações contidas na decisão judicial definitiva ou no título extrajudicial, trazendo assim enormes prejuízos ao demandante que, além de ter o seu direito ofendido, teve que suportar todo o custo e desgaste no processo.

Como visto, nossa legislação prevê responsabilidades de pessoas físicas que ocupam a posição de responsáveis pela pessoa jurídica, inclusive através de seu patrimônio, trazendo uma maior segurança nas relações jurídicas, no entanto, podem haver situações onde nem um e nem o outro possuem condições de cumprir com os seus compromissos, por esta razão, diante da possibilidade desses dissabores, deve-se ter cuidado com quem se relacionar para não ter prejuízos futuros.

Hoje há mecanismos de pesquisas com informações públicas que podem auxiliar na análise de idoneidade das pessoas jurídicas, por outro lado há também pessoas com notório conhecimento jurídico que podem checar essas informações, por isso consulte sempre um advogado especializado antes de realizar grandes negócios.

Fontes:






*ROGÉRIO ALVES














-Advogado Graduado no Centro Universitário Nove de Julho - 2004. Especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Direito(2007); 

-Advogado parceiro da Buratto Sociedade de Advogados e Shilinkert Sociedade de Advogados; e

- Palestrante do Departamento de Cultura e Eventos da OAB Seção São Paulo.

Nota do Editor:

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