terça-feira, 14 de março de 2023

Como Morre o “Espírito da Lei”?


 Autor: Rogério Alves (*)

Sabemos que o nosso Legislativo formam as Leis Municipais, Estaduais e Federais. Não obstante, quando o legislador desenvolve determinada lei através do processo legislativo que envolvem debates públicos, estabelecimento de comissões temáticas, análise de constitucionalidade pelo CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), apresentação e colocação para voto e respectiva aprovação no parlamento e por fim o sancionamento pelo Poder Executivo e publicação em órgão oficial de imprensa, ele impõe seus fundamentos com base na necessidade social e intenções quando aos seus efeitos.

Há momentos que o texto legislativo, embora tenha validade, torna sem efeito no âmbito fático da sociedade. Um exemplo interessante reside no âmbito processual que atua fortemente no trabalho dos advogados, trata-se do Agravo de Instrumento, uma espécie de recurso utilizado para questões assessorias, porém importantes, do processo, por exemplo, se ajuizar uma ação de alimentos requerendo pagamento imediato diante da necessidade do alimentado e possibilidade do alimentante em provê-lo e, o juiz da causa não conceder, o alimentante através de seu advogado se utiliza do Agravo de Instrumento para recorrer ao Tribunal e obter a modificação da decisão e conceder os alimentos provisórios até que se torne definitivo no fim do processo através da sentença.

O agravo de instrumento atualmente está previsto no art. 1.015 do Código de Processo Civil e com as mudanças ocorridas no ano de 2015 com a Lei 13.105, passou a ser aplicável somente em algumas situações relacionadas em Lei, já que no art. 522 do antigo código permitia tal recurso em todas as decisões de primeira instância, exceto aos despachos de mero expediente e sentença, neste último caso cabendo recurso de apelação.

Na verdade, a intenção do legislador era diminuir o volume de recursos de Agravo de Instrumento nos Tribunais, já que o advogado poderia recorrer de qualquer situação estando em termos com a legislação processual anterior. Tal fato gerou uma quantidade absurda de recursos para o Tribunal julgar. Lembro inclusive no estágio, ao realizar relatório das decisões do Tribunal na parte de julgamento dos recursos de Agravo de Instrumento, os mesmos eram realizados a “toque de caixa”, não se conseguia anotar o nome das partes e o número de processo, o que dizer sobre o mérito e a decisão final do recurso, era muito corrido devido à quantidade que se tinha de decidir nas sessões de julgamento. 

Portanto, é de se entender a intenção de reduzir os recursos nos Tribunais para desafogar os trabalhos, porém a justiça é dinâmica e os operadores de direito começaram a insistir pelo processamento do referido recurso em questões fora do relacionado em Lei para alcançar também causas urgentes, gerando tema repetitivo nas instâncias superiores, até que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) fixou entendimento jurisprudencial de aplicação ampla em 2018 através do Tema repetitivo 988, cuja tese definida foi:

“O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.”

Desta forma o STJ decidiu que o referido artigo de lei processual civil possui “taxatividade mitigada”, ou seja, a sua aplicação rígida foi suavizada para as questões urgentes e que não teriam importância se colocadas depois no recurso de apelação, ampliando assim a sua aplicação além das situações já previstas em Lei. 

Tal ato fez com que as intenções do legislativo contidas na redação do art. 1.015 do CPC para restringir a aplicação do recurso e desafogar os Tribunais fossem totalmente excluídas, ou seja, o espírito da lei imposto pelo legislador foi invalidado pela necessidade fática da sociedade. Perceba que tudo aconteceu de forma orgânica e não por vontade de um indivíduo ou outro, mas sim houve uma construção jurisprudencial demonstrando a necessidade de aplicação mais ampla de uma modalidade de recurso tão importante para o trabalho do advogado na em defesa dos direitos de seus clientes.

Interessante saber que é papel do legislador verificar os efeitos da Lei antes de sua promulgação, o problema é que fatos como os relatados no presente artigo ocorrem muitas vezes em diferentes áreas da sociedade, perde-se tempo e dinheiro dos impostos, sem contar que o custo social por um artigo de lei mal redigido é imensurável: Quantos possuíam questões urgentes passíveis de agravo de instrumento e que não puderam utilizar entre 2016 (aplicação da vigência da Lei Processual) e 2018 (fixação do novo entendimento jurisprudencial)? Realmente os prejuízos são imensuráveis.

Este é só mais um exemplo de como as Leis brasileiras são promulgadas e com o passar do tempo perdem sua eficácia integral, deixam de ser aplicáveis devido à ausência de perspicácia do Poder Legislativo na constituição das Leis, erros graves que só podem ser corrigidos através das eleições escolhendo-se pessoas preparadas e capazes de atender e entender a sociedade através de uma boa e saudável construção normativa é o que se espera a cada eleição que acontece.

 

Fontes:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm#:~:text=Art.%201.015.%20Cabe,processo%20de%20invent%C3%A1rio

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm#:~:text=Art.%20522.%20Ressalvado%20o%20disposto%20nos%20arts.%20504%20e%20513%2C%20de%20todas%20as%20decis%C3%B5es%20proferidas%20no%20processo%20caber%C3%A1%20agravo%20de%20instrumento.

https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=988&cod_tema_final=988

https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/STJ-define-hipoteses-de-cabimento-do-agravo-de-instrumento-sob-o-novo-CPC.aspx

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm#art1015

https://www.dicio.com.br/taxatividade/

https://www.dicio.com.br/mitigado/

Resumo: Como Morre o "Espírito da Lei"? (Tema 988 do STJ). Depois da vigência de determinada Lei, esta pode sofrer a perda de seu espírito, entenda como através do Tema 988 do STJ.

*ROGÉRIO ALVES











-Advogado Graduado no Centro Universitário Nove de Julho (2004);

-Especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Direito (2007);

- Advogado parceiro da Buratto Sociedade de Advogados e Shilinkert Sociedade de Advogados; e

- Palestrante do Departamento de Cultura e Eventos da OAB Seção São Paulo.

Nota do Editor:

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