segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Elegibilidade e Direitos Políticos


 Autor: Alexandre Guimarães Melatti(*)


A elegibilidade refere-se à capacidade de ser escolhido para ocupar cargos políticos por meio de uma eleição. Um cidadão elegível é aquele que pode receber votos e ser eleito para funções político-eletivas. Essa capacidade de se candidatar é conhecida como cidadania passiva.

A elegibilidade faz parte do status político-eleitoral de um cidadão e resulta da conformidade com as normas jurídicas que regem o processo eleitoral. Atingir a elegibilidade plena ocorre de maneira gradual, alcançando-se aos 35 anos de idade, momento em que é possível candidatar-se à Presidência, Vice-Presidência ou ao Senado. No entanto, cidadãos naturalizados nunca poderão ocupar certos cargos, como o de Presidente da República, que são reservados aos brasileiros natos.

Para que um cidadão possa se candidatar e ser eleito para um cargo político, é necessário cumprir certas condições previstas na Constituição Federal, conhecidas como condições de elegibilidade.

É importante notar que uma pessoa pode ter o direito de votar (cidadania ativa) sem ter o direito de ser votada (cidadania passiva). Isso ocorre se não atender às condições de elegibilidade ou se for inelegível devido a algum fator que impeça sua candidatura.

Condições de Elegibilidade

As condições de elegibilidade são requisitos que devem ser atendidos para que um cidadão possa se candidatar a um cargo político e receber votos válidos. Esses requisitos estão estabelecidos no artigo 14, § 3º, da Constituição e incluem:

Nacionalidade Brasileira: Apenas cidadãos brasileiros podem se candidatar, com exceção dos portugueses que residem permanentemente no Brasil e têm reciprocidade de direitos com os brasileiros.

Pleno Exercício dos Direitos Políticos: O cidadão deve estar em pleno gozo de seus direitos políticos, o que é certificado pela Justiça Eleitoral através da certidão de quitação eleitoral. Se essa certidão for negativa, o cidadão não pode registrar sua candidatura.

Alistamento Eleitoral: O alistamento é essencial para adquirir a cidadania, pois organiza o corpo de eleitores. Sem inscrição no cadastro eleitoral, o cidadão não pode exercer direitos políticos.

Domicílio Eleitoral na Circunscrição: O cidadão deve ter domicílio eleitoral na área em que pretende concorrer por pelo menos seis meses. O título eleitoral prova esse domicílio. Portanto, para concorrer aos cargos de Prefeito, Vice-Prefeito ou Vereador, é necessário que o cidadão possua domicílio eleitoral no respectivo Município. Já para os cargos de Governador, Vice-Governador, Senador, Deputado Federal e Estadual, o domicílio eleitoral deve ser no Estado, em qualquer cidade. Finalmente, para os cargos de Presidente ou Vice-Presidente da República, o domicílio eleitoral pode ser em qualquer lugar do país. O título eleitoral serve como prova do domicílio eleitoral.

Filiação Partidária: A candidatura deve ser vinculada a um partido político, conforme regulado pela legislação eleitoral e pelo estatuto do partido. O sistema brasileiro não permite candidaturas avulsas.

Idade Mínima: Variando conforme o cargo, a idade mínima é:

35 anos para Presidente, Vice-Presidente e Senador;

30 anos para Governador e Vice-Governador;

21 anos para Deputado Federal, Deputado Estadual, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz;

18 anos para Vereador.

A nacionalidade é o vínculo que liga o indivíduo ao Estado. Apenas os nacionais podem ser candidatos, exceto os portugueses com residência permanente e reciprocidade de direitos.

O alistamento eleitoral é fundamental para a cidadania, pois organiza o corpo de eleitores. O título eleitoral prova essa inscrição e o domicílio eleitoral, necessário para concorrer em uma determinada área.

A filiação partidária é o vínculo entre o cidadão e um partido político, sendo essencial para a candidatura, pois o sistema brasileiro não permite candidaturas independentes.

O pleno exercício dos direitos políticos exige o cumprimento de todas as obrigações eleitorais, como comprovado pela certidão de quitação eleitoral, que abrange vários aspectos como o regular exercício do voto e a ausência de multas eleitorais não pagas. Sobre isso vale destacar as hipóteses de suspensão ou perda dos direitos políticos. Vamos lá!

Perda e Suspensão dos Direitos Políticos

A Constituição Federal, em seu artigo 15, veda a cassação dos direitos políticos, caracterizada como uma ação promovida sem o devido processo legal ou motivada por razões ideológicas, filosóficas ou partidárias, com o intuito de silenciar a dissidência. A história do Brasil registra diversos episódios em que regimes de exceção retiraram a capacidade de expressão política oficial dos opositores, forçando-os a atuar de maneira oficiosa ou clandestina.

No entanto, os direitos políticos, conforme a Constituição de 1988, podem ser perdidos ou suspensos, diferenciando-se da cassação. A perda e a suspensão só podem ocorrer dentro dos limites estabelecidos pela própria Constituição (art. 15), que define critérios objetivos para tais medidas extremas. Diferentemente da cassação, que é baseada em motivos subjetivos e contrária aos princípios democráticos e republicanos, a perda e a suspensão de direitos políticos são aplicadas com base em fundamentos legítimos e gerais, não visando atingir indivíduos ou grupos específicos.

Hipóteses de Perda ou Suspensão

A Constituição permite a perda e a suspensão dos direitos políticos em situações específicas, previstas normativamente, e não dirigidas a indivíduos particulares. Veja-se o que diz o texto constitucional:

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:

I – cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;

II – incapacidade civil absoluta;

III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;

IV – recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5o, VIII;

V – improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.

Os incisos I e IV têm sido considerados como hipóteses de perda de direitos políticos, e os demais como de suspensão. Vamos analisar juntos essas hipóteses:

Cancelamento da Naturalização por Sentença Transitada em Julgado

Estrangeiros não podem ser eleitores, conforme o § 2º do art. 14 da CF. Assim, a perda da condição de brasileiro implica a exclusão do colégio eleitoral. A perda da nacionalidade ocorre com o cancelamento da naturalização, que pode resultar da opção por outra nacionalidade, salvo em casos de reconhecimento de nacionalidade originária ou imposição de naturalização para brasileiros residentes no exterior, conforme o art. 12, § 4º.

Embora o inciso I do art. 15 da Constituição mencione apenas a desconstituição judicial da naturalização como causa para a perda dos direitos políticos, o abandono voluntário da nacionalidade também resulta na mesma consequência. Essa interpretação sistêmica considera o conjunto normativo constitucional, superando possíveis imprecisões redacionais.

Incapacidade Civil Absoluta

Pessoas absolutamente incapazes de exercer atos da vida civil podem ter seus direitos políticos suspensos temporariamente, dependendo da natureza da incapacidade. Aqueles sob curatela, por decisão judicial, estão sujeitos à suspensão dos direitos políticos. Caso superem a condição que levou à interdição, readquirem imediatamente o direito de participar do processo eleitoral.

A relação entre capacidade civil e direitos políticos das pessoas com deficiência foi profundamente impactada pela Lei Brasileira de Inclusão (LBI), que alterou o artigo 3º do Código Civil. Agora, apenas menores de 16 anos são considerados absolutamente incapazes de exercer atos da vida civil, o que não se aplica mais às pessoas com deficiência. Essa mudança esvaziou o conteúdo do artigo 15, inciso II, da Constituição, assegurando o direito fundamental de votar e ser votado a todas as pessoas com deficiência.

Portanto, é essencial considerar o impacto imediato desta norma na suspensão dos direitos políticos devido à incapacidade civil absoluta.

Condenação Criminal Transitada em Julgado

Quando ocorre o trânsito em julgado de uma condenação criminal, além da suspensão dos direitos políticos, pode também resultar na perda de mandato público-eletivo. No entanto, é importante distinguir entre os mandatos do Poder Executivo (prefeito, governador e presidente da República) e os mandatos do Poder Legislativo (vereador, deputado e senador).

Para os ocupantes de mandatos executivos e vereadores, a condenação criminal transitada em julgado leva automaticamente à perda do mandato, sendo este um efeito secundário da sentença penal condenatória.

Por outro lado, para aqueles que detêm mandatos legislativos (deputados e senadores), a perda do mandato não é automática. Nesses casos, aplicam-se os artigos 15, III, e 55, VI, § 2º, da Constituição Federal. A decisão sobre a perda do mandato deve ser tomada pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de um partido político representado no Congresso Nacional, assegurando-se ampla defesa. Esta regra também se estende a deputados estaduais e distritais, conforme os artigos 27, § 1º, e 32, § 3º, da Constituição Federal. Assim, a perda do mandato não decorre diretamente da condenação judicial, mas de uma decisão da respectiva Casa Legislativa.

O artigo 92, I, do Código Penal, estabelece como efeito secundário da condenação a "perda de cargo, função pública ou mandato eletivo" quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; ou quando a pena privativa de liberdade for superior a quatro anos nos demais casos. Contudo, após a Constituição de 1988, este dispositivo penal não se aplica aos mandatos eletivos, pois o regime de suspensão e perda de mandato político-eletivo é determinado diretamente pela Constituição, notadamente nos artigos 15, III, 55, IV, VI, §§ 2º e 3º. Assim, a suspensão dos direitos políticos por condenação criminal transitada em julgado pode afetar o mandato.

Recusa em Cumprir Obrigações Legais ou Prestação Alternativa

Conforme o inciso VIII do artigo 5º da Constituição Federal:

Art. 5º [...]

VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.

O artigo 143, § 1º, da Constituição determina que as Forças Armadas atribuam serviço alternativo, na forma da lei, aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência, decorrente de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades essencialmente militares.

O § 2º do mesmo artigo dispõe que mulheres e eclesiásticos ficam isentos do serviço militar obrigatório em tempo de paz, mas estão sujeitos a outros encargos que a lei determinar.

A Lei nº 8.239, de 4 de outubro de 1991, regulamenta o artigo 143, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal, estabelecendo a prestação de Serviço Alternativo ao Serviço Militar Obrigatório.

Conforme os §§ 2º e 3º do artigo 3º desta lei, serviço alternativo refere-se ao exercício de atividades administrativas, assistenciais, filantrópicas ou produtivas, em substituição às atividades militares. Tais atividades devem ser realizadas em organizações militares ativas, órgãos de formação de reservas das Forças Armadas ou órgãos subordinados aos Ministérios Civis, mediante convênios entre estes e os Ministérios Militares, desde que haja interesse mútuo e que as aptidões do convocado sejam consideradas.

Improbidade Administrativa

O § 4º do artigo 37 da Constituição Federal estabelece que:

Art. 37 [...]

§ 4º Os atos de improbidade administrativa resultarão na suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao erário, conforme previsto em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
A Lei nº 8.429/1992 trata das sanções aplicáveis aos agentes públicos em casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na Administração pública direta, indireta ou fundacional.

A suspensão dos direitos políticos está explicitamente prevista no artigo 12, I a III, da Lei de Improbidade Administrativa, com aplicação escalonada de três a quatorze anos:

Art. 12. Independentemente do ressarcimento integral do dano patrimonial, se efetivo, e das sanções penais comuns e de responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:

I – na hipótese do artigo 9º desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 14 anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 14 anos;

II – na hipótese do artigo 10 desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 12 anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 12 anos;

III – na hipótese do artigo 11 desta Lei, pagamento de multa civil de até 24 vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 4 anos.

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determina que a suspensão dos direitos políticos ocorre apenas após o trânsito em julgado de sentença condenatória, conforme previsto no artigo 20 da Lei nº 8.429/1992. O § 9º do artigo 12 da Lei de Improbidade Administrativa, incluído pela Lei nº 14.230/2021, reforça que as sanções só podem ser executadas após o trânsito em julgado da sentença condenatória.

O Supremo Tribunal Federal (STF) analisou a Lei nº 14.230/2021 no julgamento do recurso extraordinário ARE 843.989, com repercussão geral, fixando as seguintes teses:

1. É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para tipificação de atos de improbidade administrativa, exigindo-se a presença de dolo.

2. A norma benéfica da Lei nº 14.230/2021, que revoga a modalidade culposa do ato de improbidade, é irretroativa, não incidindo sobre a eficácia da coisa julgada, nem durante o processo de execução das penas.

3. A nova Lei nº 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados sob a vigência do texto anterior, mas sem condenação transitada em julgado, devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente.

4. O novo regime prescricional previsto na Lei nº 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.

O TSE também decidiu que a sanção de suspensão dos direitos políticos por improbidade administrativa não possui natureza penal e depende de aplicação expressa e motivada pelo juízo competente, estando condicionada ao trânsito em julgado da sentença condenatória, conforme o artigo 20 da Lei nº 8.429/1992.

Além disso, a condenação de um candidato por ato de improbidade administrativa não gera inelegibilidade se a sentença não impuser expressamente a suspensão dos direitos políticos.

*ALEXANDRE GUIMARÃES MELATTI












-Advogado, graduado em Direito pela Universidade Norte do Paraná/PR (2013);

-Pós-graduado em Direito do Estado pela Universidade Estadual de Londrina/PR(2015);

-Mestrado em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina (2020) e

Professor de Direito Administrativo e Direito Constitucional na Cogna Educação, na Anhanguera e na Universidade Estadual de Londrina

Nota do Editor:

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