quarta-feira, 17 de junho de 2020

Teoria do Safety Flare e a correlação com a Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor


Autor: Juliano Lavina(*)




Ambas as teorias surgiram para enfrentamento de uma onda que visa derrubar a efetividade das normas do Código de Defesa do Consumidor, através do nascimento de outras duas teorias, a do mero aborrecimento e a indústria do dano moral. Assim, a Teoria do Safety Flare indica que, toda vez que a lei ou um contrato declarar que uma atividade deve ser praticada, o desrespeito a esse mandamento caracteriza dano moral in re ipsa, bastando ao lesado demonstrar o ato ilícito - que seria o desrespeito a lei ou ao contrato, e o nexo causal. 

Já a Teoria Aprofundada sustenta que, o consumidor ao desperdiçar seu tempo vital e se desviar das suas atividades existenciais para tentar resolver problemas de consumo, sofre necessariamente um dano extrapatrimonial de natureza existencial, que é indenizável também in re ipsa. 

Como todos temos conhecimento as teorias do mero aborrecimento e da indústria do dano moral surgiram do desespero dos infratores que, visualizando condenações em massa, articularam essas teorias para minimizar suas percas, já que o rombo seria extraordinário.

Como no Brasil cumprir as leis não é a regra, era necessário encontrar uma forma de desviar o foco da Legislação Consumerista para mitigar os impactos nos cofres daqueles que desrespeitam a legislação protetiva. 

E por isso nasceram as terias do mero aborrecimento e da indústria do dano moral que, infelizmente, hoje, dominam o mercado de consumo derrubando os direitos dos consumidores e culpando-os pela judicialização em massa. Isso mesmo que você leu, a culpa está sendo despejada nos pobres consumidores.

Com base nessas teorias capitalistas meros distúrbios negociais não são suficientes para caracterizar o dano extrapatrimonial, sob pena de o ato gerar uma indústria indenizatória injustificada, e esse é o caso teórico porque o que era para ser uma regra passou a ser a exceção, isto é, cumprir a lei não é mais suficiente para demonstrar ao agente transgressor que essa é a conduta esperada de uma sociedade no mundo moderno.

O Código de Defesa do Consumidor foi instituído em 1990 exatamente para brecar o mercado capitalista que fazia o que queria com os direitos dos consumidores, mas infelizmente o mercado de capital, astuto como é, deu um jeito de driblar as regras novamente. E o pior disso tudo, é ver o Judiciário balizando essa conduta.

As regras nascem, como todos sabemos, para serem cumpridas e a pergunta que faço ao nobre leitor é a seguinte, por que o consumidor é obrigado a seguir a lei e o fornecedor não? Se o consumidor comprou determinado produto e ele veio com defeito, porque o adquirente precisa experimentar todo o dissabor da troca ou até mesmo da demora na devolução dos valores após cancelar, se é o fornecedor quem deve garantir a qualidade do produto? 

Infelizmente esse é o Brasil, onde receber uma "porcaria" é o mínimo que o cidadão tem de direito. Falo isso porque na América ou na Europa o melhor de um produto é o mínimo que o cidadão Europeu ou Americano pode esperar, e nós aqui somos obrigados a receber o lixo Coreano ou o Japonês e ficar contente, porque o mais nunca será a realidade neste país.

Nesta mesma linha é o teor das teorias do mero aborrecimento e da indústria do dano moral, porque elas culpam o consumidor pela busca de um direito, quando na verdade dever-se-ia entregar o mais e não o menos. A partir do momento que o cidadão busca no Judiciário a tutela jurisdicional é porque os tramites administrativos já se esgotaram, todas as tentativas para resolver o problema foram manejados, razão pela qual o dano anímico oriundo dessa resistência injustificada do fornecedor em resolver o problema, não pode ser suportado pelo consumidor. 

A partir do momento que a compra dá defeito ou não supre as expectativas de quem o adquiriu é o fornecedor que deve resolver a querela, a não ser que cientificou expressamente o adquirente de todos os pormenores, mas sabemos muito bem que isso não acontece no Brasil, a grande maioria é contrato de adesão que o consumidor nunca recebeu.

Logo, obrigar o consumidor a ficar ligando para a empresa, depois ir ao Procon e novamente não ter a solução do seu problema, e ao final ter que contratar um advogado e pagar pelo serviço para dar mais valia a lei ou o contrato, não pode ser objeto de uma alegação de mero aborrecimento ou indústria do dano moral. 

Enquanto houver essa cultura de que aborrecimentos comezinhos são naturais de uma relação jurídica bilateral, fornecedores farão o que quiserem com o Código de Defesa do Consumidor, e é o que vemos na prática hoje em dia. 

Vou citar um exemplo - seguradoras. O cidadão paga por uma vida inteira um seguro de vida para ao final do curso da vida a família ter o direito negado pelo banco por um motivo ignóbil – ouso falar aqui que 95% dos seguros de vida hoje no Brasil são negados de plano imotivadamente, ou o motivo é ilegal. Tenho experiência de 10 anos de Judiciário e 100% dos casos que analisei eram de decisões por um fundamento qualquer, estranho a relação, simplesmente a seguradora negava. 

E por que isso? Explico: um seguro de vida com uma indenização pela morte de 1 milhão de reais, por exemplo, tem o pleito ressarcitório negado administrativamente. O beneficiário então será obrigado a ajuizar a ação, desta fase em diante até a sentença lapso temporal mínimo de 2 anos, sendo bem modesto. Soma-se a esse prazo mais 2 anos de recurso, já temos 4 anos. Além disso, mais 1 ano de cumprimento de sentença, total 5 anos de trâmite, se não houver recurso para o Superior Tribunal de Justiça.

Agora, faça uma simulação desse um milhão aplicado a fundo fixo por 5 anos, teríamos aí uma lucratividade de R$ 170.000,00, mas todos sabemos que os bancos têm carteiras de investimentos muito mais lucrativas. Ainda assim, vamos nos manter nesse patamar de R$ 170.000,00 de ganhos; agora multiplique esse valor pelo número de seguros negados por dia, empregue novamente a lucratividade mencionada e jogue todo esse valor em investimentos diversificados. Responda para você mesmo se é lucrativo para as seguradoras cumprirem o contrato? Não precisa ser muito inteligente para chegar a uma resposta não é? 
Onde quero chegar com esse cálculo? Quero dizer que é muito mais lucrativo para o fornecedor não cumprir o contrato do que cumpri-lo. 

A seguradora é só um exemplo, mas posso citar outros tantos. Hoje as securitizadoras de crédito são as que mais estão ganhando dinheiro no mercado e as sociedades empresárias estão pegando carona nessa onda e fazendo o mesmo. 

A partir do momento que ela possui um bom grupo de pedidos que foram cancelados e já estão pagos, quanto mais tempo levar para esse dinheiro ser devolvido ao consumidor, mais elas lucrarão, consequentemente a negativa do Judiciário no que toca ao reconhecimento do dano moral por todo esse incômodo só favorece o bolso desses aproveitadores, e o resultado é um só: aquela máxima jurídica de que o dano moral deve ser temperado pelo Judiciário para evitar a indústria do dano moral está invertendo a lógica das coisas, deixando de indenizar quem devidamente possui o direito para favorecer uma minoria privilegiada no mercado de capital. 

E é aí que está o pulo do gato, quando o Judiciário pensa que está fazendo Justiça, está fazendo exatamente o contrário, infelizmente. Como declarou muito bem o Min. Marco Aurélio Bellizze, no AREsp 1.260.458/SP, o "Estado falha em cumprir seu dever de proteger o consumidor" {STJ}. Não preciso dizer mais nada!

Sob esse aspecto, antes mesmo da Teoria Safety Flare vir ao mundo a teoria do desvio aprofundado já demonstrava para o Judiciário que essa corrente do mero aborrecimento/indústria do dano moral era uma aplicação injusta, e foi assim que o Tribunal de Justiça de São Paulo inovou à época proferindo várias decisões declarando que todo o transtorno experimentado pelo consumidor pela perda do tempo para resolver um problema criado pelo fornecedor, deveria ser indenizado. Mais tarde foi a vez do Superior Tribunal de Justiça dar peso a essa teoria, aplicando-a em inúmeros casos, inclusive quando se tratava das astreintes, reiteradamente descumpridas pelos agentes financeiros. Citar desrespeito ao ordenamento pelos fornecedores é muito fácil no nosso País!

Nessa mesma esteira lancei a Teoria do Safety Flare, irresignado com a deterioração do Código de Defesa do Consumidor e das injustiças presenciadas no Judiciário com a falsa resposta Estatal. Após acompanhar inúmeros pleitos de pessoas que escrachadamente tinham seu direito ceifado por bancos, seguradoras, empresas de telefonia ou aviação, sociedades empresárias, entre outras, percebi que o objeto central sempre foi o descumprimento do contrato ou da lei, e mesmo depois de 30 anos de Pergaminho Consumerista nada havia sido ensinado aos fornecedores com as sentenças proferidas, lamentavelmente. 

Assim nasceu minha teoria que trata essas questões e outras, como um problema de macrocriminalidade. Esta se caracteriza por crimes praticados que atingem toda uma coletividade, sua característica se concentra no elevado status social dos seus infratores, e a impunidade fomentada por inúmeros setores faz com que esses fornecedores invertam valores, a regra passa a ser não obedecer às leis ou o contrato. O fato de não executar um acordo ou a lei; de não atender o cliente com fito em resolver o problema; o seguro que não é devidamente indenizado; o cancelamento do serviço que não é realizado após inúmeras tentativas e etc., são condutas criminosas desses fornecedores, que se utilizam dessas manobras para dificultar a concretização do pleito realizado, vencendo o consumidor pelo cansaço ou criando entraves à concretização.

A questão é simples: ou cumpre ou não cumpre a lei/contrato, não há espaço para delírios normativos. Os poderes institucionalizados atualmente estão enfraquecidos justamente por força desse tipo de decisão que sustenta a indústria do dano moral, que inverte a culpa para impunha-la no consumidor.

A reação backlash que vivenciamos no país tem fundamento na insatisfação dos cidadãos com esse tipo de decisum, e eu provoco qualquer um dos leitores a perguntar ao povo brasileiro o que eles pensam das decisões atuais do Judiciário a esse respeito. O próprio tema da segurança jurídica foi objeto de discurso do Min. Dias Toffoli em reunião com Ministros do Superior do Tribunal de Justiça. 
Contudo, o espaço aqui é exíguo para falar mais a respeito e no curso das minhas publicações falarei mais profundamente sobre esta teoria que já desperta atenção de algumas autoridades que acompanham mais de frente essa mudança que precisa ser posta em prática logo, agora para ser mais preciso. O tempo urge e não há mais espaço para manter esse dano provocado.

Espero que tenham gostado do artigo, por favor comentem e compartilhem para que possamos dialogar abertamente sobre.

* JULIANO LAVINA
-Advogado Criminal especializado no Trib. do Júri;
-Professor de Direito Penal e Processo Penal;
-Membro da Comissão Especial de Estudos de Ciências Psicológicas;
-CEO da Conceito Soluções; 
-Autor da Teoria do Safety Flare ou da Direção Sinalizada; e
-Ex-Assessor do Min. Marco Buzzi


 Nota do Editor:

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